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Trabalho e saúde de professoras e professores no Brasil: reflexões sobre trajetórias das investigações, avanços e desafios

Trabajo y salud de profesoras y profesores en Brasil: reflexiones sobre trayectorias de investigaciones, avances y desafíos

Resumos

Este Ensaio discute a temática de trabalho e saúde docente no Brasil. Tem como objetivos: descrever trajetórias iniciais das investigações de saúde do/a professor/a no contexto brasileiro; discutir elementos que consolidaram consenso com relação à caracterização do trabalho e os principais problemas de saúde neste grupo; e sistematizar seus principais avanços e desafios. O Ensaio é organizado com base na experiência de mais de duas décadas em investigações e práticas nessa temática. Valendo-se dessa experiência identificam-se seus movimentos, as evidências acumuladas e perspectivas potenciais de desenvolvimento futuro. Com base nos elementos trazidos à discussão observa-se o crescimento substantivo do campo: do número de investigações, da diversidade e abrangência dos temas abordados, dos grupos de professores/as estudados/as e das experiências de aplicação do conhecimento (programas e intervenções). Apesar desses avanços, as investigações e práticas ainda mantêm a ênfase no indivíduo e na doença, com ausência ou abordagem limitada dos fatores do trabalho (processo e gestão do trabalho) no processo saúde/doença. Questões relativas aos diferenciais de gênero (no trabalho e na situação de saúde) também permanecem invisíveis. Observa-se pouca articulação de pesquisadores/as e movimentos docentes (uma característica relevante das primeiras iniciativas no campo). Registra-se ausência de políticas públicas de regulação dos ambientes e gestão do trabalho. Os aspectos trazidos à discussão fornecem uma base de reflexão, de modo a auxiliar na identificação de nós críticos e de cenários analíticos com potencial para avançar nesse campo de investigação e de intervenção.

Palavras-chave:
Docentes; Saúde do Trabalhador; Gênero e Saúde; Educação


Este Ensayo discute la temática de trabajo y salud docente en Brasil. Tiene como objetivos: describir trayectorias iniciales de investigaciones de salud del/a profesor/a en el contexto brasileño; discutir elementos que consolidaron el consenso referente a la caracterización del trabajo y los principales problemas de salud en este grupo; además de sistematizar sus principales avances y desafíos. El estudio está organizado en base a la experiencia de más de dos décadas en investigaciones y prácticas en esta temática. Valiéndose de esta experiencia se identifican sus movimientos, las evidencias acumuladas y perspectivas potenciales de su desarrollo futuro. En base a los elementos en liza se observa un crecimiento sustancial del área de estudio: número de investigaciones, diversidad y alcance de los temas abordados, grupos de profesores/as estudiados/as, así como de las experiencias de aplicación del conocimiento (programas e intervenciones). A pesar de esos avances, las investigaciones y prácticas todavía mantienen el énfasis en el individuo y en la enfermedad, con ausencia o un enfoque limitado sobre los factores del trabajo (proceso y gestión del trabajo) en el proceso salud/enfermedad. Las cuestiones relacionadas con los diferenciales de género (en el trabajo y situación de salud) también permanecen invisibles. Se observa poca coordinación de investigadores/as y movimientos docentes (una característica relevante de las primeras iniciativas en el área de estudio). Se constata la ausencia de políticas públicas de regulación en entornos y gestión laborales. Los aspectos planteados proporcionan una base de reflexión, con el fin de que ayuden en la identificación de problemas clave y escenarios analíticos con potencial para avanzar en este campo de investigación y de intervención.

Palabras-clave:
Docentes; Salud Laboral; Género y Salud; Educación


This Essay discusses the theme of teachers’ work and health in Brazil. The objectives are to describe the initial history of research on teachers’ health, discuss elements leading to a consensus on the characterization of the group’s work and principal health problems, and systematize the main strides and challenges. The Essay draws on more than two decades of research and practice in this field. Based on this experience, the authors identify the movements, the accumulated evidence, and prospects for future development. The elements brought to the discussion point to substantial growth in the field: the number of studies, the diversity and scope of topics, the groups of men and women teachers studied, and the experiences with application of the knowledge (programs and interventions). Despite these strides, the studies and practices still emphasize the individual and the disease, with little or no attention to work factors (work process and management) in the health/disease process. Issues pertaining to gender differences (in work and in health status) also remain invisible. There is little linkage between researchers and teachers’ movements (a relevant characteristic of the first initiatives in the field). There are no public policies to regulate the workplace and work management. The contributions to the discussion provide insight for thought to assist the identification of critical nodes and analytical scenarios with the potential for progress in this field of research and intervention.

Keywords:
Faculty; Occupational Health; Gender and Health; Education


Introdução

A relação entre adoecimento e o trabalho é investigada desde os primeiros estudos que buscaram compreender os processos de adoecimento humano. Muitos modelos de investigação foram propostos ao longo do tempo. A saúde do/a trabalhador/a, campo constituído no paradigma da saúde coletiva, tem como referência central o processo de trabalho: é com base na articulação dos elementos nele presentes que se estabelecem as condições que produzem saúde ou geram doença e sofrimento. Corresponde a um campo de conhecimento e de práticas 11. Minayo-Gomez C, Thedim-Costa SMF. A construção do campo de saúde do trabalhador: percurso e dilemas. Cad Saúde Pública 1997; 13 Suppl 2:21-32.. As reflexões apresentadas aqui são orientadas pelos pressupostos do campo de saúde do/a trabalhador/a, interpretando as relações entre saúde e trabalho como eventos determinados por processos de trabalho específicos que, por sua vez, estruturam-se com base em dinâmicas definidas por tensões sociais contínuas entre interesses sociais antagônicos 11. Minayo-Gomez C, Thedim-Costa SMF. A construção do campo de saúde do trabalhador: percurso e dilemas. Cad Saúde Pública 1997; 13 Suppl 2:21-32..

Neste Ensaio, inicialmente focaliza-se a trajetória de iniciativas que buscaram dimensionar adoecimento em professores/as e sua relação com características/condições do trabalho realizado. Valendo-se disso, destaca elementos sobre os quais se estabeleceu algum nível de consenso, com base nas evidências empíricas encontradas sobre a saúde e o trabalho nesse grupo. Por fim, tecem-se reflexões sobre nós críticos observados e potencialidades que se apresentam. Os registros trazidos sustentam-se, sobretudo, na experiência de duas décadas em investigações e práticas nessa temática, possibilitando, em alguma medida, a recomposição de um dado percurso de construção e desenvolvimento do campo. Assume-se, assim, a sua construção numa perspectiva não distanciada, como seria usualmente esperado. O Ensaio retrata, portanto, as possibilidades que um dado observatório (olhar) foi capaz de identificar. Esse esforço, apesar das óbvias limitações que podem ensejar narrativas específicas, oferece oportunidade de visitação a aspectos poucas vezes mencionados ou visíveis. Espera-se favorecer a análise do campo, especialmente com relação ao resgaste de seus aspectos inaugurais, sua história, de modo a arejar e realimentar iniciativas atuais vigorosas, tão necessárias no momento atual, no qual o papel do/a professor/a na sociedade brasileira passa por uma profunda crise e falta de reconhecimento social. Este estudo objetiva apresentar trajetórias iniciais das investigações de saúde do/a professor/a; discutir aspectos que consolidaram um certo consenso no campo relativo à caracterização do trabalho e os principais problemas de saúde; e sistematizar avanços e desafios neste campo.

Breve trajetória de construção das investigações

As investigações sobre trabalho docente e saúde no Brasil floresceram a partir da década de 1990, quando foram gestadas as primeiras pesquisas com foco na produção de conhecimento sobre a saúde de professoras e professores. Esforços em diversos locais do país podem ser identificados nesse período, destacando-se os grupos: Universidade de Brasília (UnB) - Wanderley Codo; Universidade Federal da Bahia (UFBA)/Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) - Tânia Araújo, Eduardo Reis, Annibal Silvanny-Neto, Fernando Carvalho; Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Ada Assunção e Dalila Oliveira; Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Fundação Oswaldo Cruz (CESTEH/Fiocruz) - Milton Athayde, Jussara Brito, Kátia Reis; Universidade Federal da Paraíba (UFPB) - Mary Neves; Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Elizabeth Barros; e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - Léslie Ferreira.

Múltiplos investimentos, considerando o leque amplo de problemas, foram feitos, empregando diferentes aportes teóricos, conceituais e metodológicos. Esses estudos inaugurais marcaram a tradição de pesquisa nesse campo e, ainda hoje, são pilares da produção do conhecimento nessa temática. Alguns desses grupos remodelaram seus focos de interesse, reduzindo investimentos na análise de trabalho e saúde, e outros mantêm atividades contínuas de investigação. Abordagens qualitativas e quantitativas foram utilizadas e, embora conduzidas por grupos distintos, em conjunto ofereceram ampla possibilidade de debates e de complementariedade, posto que partilhavam pontos em comum, mesmo sem articulação prévia entre esses estudos.

Dentre os elementos que unificavam esses grupos destaca-se: (a) foco na busca de visibilidade aos problemas que afetavam a saúde de professores/as, ancorados, predominantemente, na perspectiva do campo de saúde do/a trabalhador/a; constituíram iniciativas voltadas à identificação dos principais problemas enfrentados; (b) estreita relação com as representações sindicais em âmbito nacional ou local, destacando os/as professores/as como protagonistas - embora isto não tenha o mesmo grau de incorporação nos estudos realizados, era parte constituinte dos processos investigativos; (c) caráter propositivo, adquirindo contornos específicos quando comparados a outras iniciativas, mesmo em saúde do/a trabalhador/a: as pesquisas sustentavam-se na perspectiva de ancoragem para ações de defesa da saúde em acordos coletivos de trabalho, políticas públicas de proteção à saúde ou programas governamentais de atenção à saúde docente. Assumiam, assim, a expectativa de serem produções imediatamente incorporadas a intervenções.

Essa última característica dos estudos nesse período decorre do fato de terem emergido, majoritariamente, de demandas do movimento sindical, vinculando-se à luta de professores/as. O movimento sindical, até então centrado nas questões salariais, frente à constatação crescente do adoecimento docente, voltou-se para a necessidade de evidenciar e dar visibilidade a esse processo, buscando entendê-lo como parte das repercussões das transformações ocorridas no trabalho, no que Esteves 22. Esteves JM. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC; 1999. denominou mal-estar docente. Para isso, buscou-se o apoio das universidades. Assim, os estudos foram construídos na articulação entre movimentos de trabalhadores/as da educação e pesquisadores/as. Nessa perspectiva, em 1996, dois estudos, financiados por federações nacionais de trabalhadores/as, foram gestados: um financiado pela Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), entidade dos trabalhadores/as de escolas públicas do país, em parceria com o Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB; e outro financiado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), sindicato de trabalhadores/as da rede particular de ensino, em parceria com a UFBA-UEFS, para estudo em Salvador (Bahia). Em 1999-2000, dois outros estudos foram motivados por demandas sindicais: um do Sindicato de Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE/RJ) com o CESTEH/Fiocruz e UERJ; e outro do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG) com a UFMG.

A pesquisa realizada pela CNTE e UnB avaliou as condições de trabalho e de saúde mental, destacando a síndrome de Burnout. De abrangência nacional, incluiu 52 mil trabalhadores/as da educação de 1.440 escolas públicas. Os resultados, apresentados no livro Educação: Carinho e Trabalho33. Codo W. Educação: carinho e trabalho. 4a Ed. Petrópolis: Editora Vozes; 1999., foram preocupantes: 26% dos/as professores/as apresentaram exaustão emocional, associada à desvalorização profissional, baixa autoestima e ausência de resultados percebidos no trabalho.

O estudo de Salvador investigou 573 docentes de 60 escolas particulares, avaliando características do emprego e trabalho, condições do ambiente escolar e situação de saúde. Destacaram-se problemas relacionados à saúde mental, distúrbios musculoesqueléticos e agravos vocais 44. Araújo TM, Reis E, Kavalkievcz C, Delcor NS, Paranhos I, Silvany Neto A, et al. Saúde e trabalho docente: dando visibilidade aos processos de desgaste e adoecimento docente a partir da construção de uma rede de produção coletiva. Educ Rev 2003; 37: 183-212.,55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49..

Estudos epidemiológicos realizados em outros locais na Bahia 66. Delcor NS, Araújo TM, Reis EJFB, Porto LA, Carvalho FM, Silva MO, et al. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:187-98.,77. Reis EJFB, Carvalho FM, Araújo TM, Porto LA, Silvany Neto AM. Trabalho e distúrbios psíquicos em professores da rede municipal de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1480-90.,88. Porto LA, Carvalho FM, Oliveira NF, Silvany Neto AM, Araújo TM, Reis EJFB, et al. Associação entre distúrbios psíquicos e aspectos psicossociais do trabalho de professores. Rev Saúde Pública 2006; 40:818-26. (2001) e em Belo Horizonte (Minas Gerais) 99. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa 2005; 31:189-99.,1010. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. Prevalência de transtornos mentais comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22:2679-91. (2001-2004) constituíram um conjunto inicial, coerente e consistente, de evidências empíricas que desvelaram o quadro de adoecimento docente no país.

Essas iniciativas foram concebidas de modo independente, ainda que, num passo seguinte, tenham sido construídos diálogos entre esses grupos. Com relação a esse aspecto, cabe registrar a importância de iniciativas na Educação como a Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente (Rede Estrado).

Criada em 1999, a Rede Estrado constituiu espaço para reunir pesquisadores/as vinculados/as a universidades, sindicalistas e membros de movimentos sociais no Brasil e na América Latina. Entre as contribuições gestadas nessa Rede, destacam-se a realização de seminários e um dossiê sobre trabalho docente publicado na revista Educação & Sociedade1111. Oliveira DA, Assunção AA. Saúde e trabalho docente: articulação imprescindível. Educação & Sociedade 2009; 30:343-8., organizado por Dalila Oliveira & Ada Assunção. Os textos discutem as características do trabalho docente, ressaltando sua intensificação e potenciais impactos na vida e saúde dos/as professores/as. Uma síntese dos estudos epidemiológicos realizados na Bahia 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49. é apresentada nesse dossiê, explicitando a consistência dos resultados obtidos com relação às características e condições de trabalho predominantes e aos principais problemas de saúde, em diferentes populações docentes e pontos distintos do tempo. A Rede Estrado representou uma iniciativa de integração e incentivo à construção do campo, com base na diversidade de características dos grupos envolvidos e focos de interesse 1111. Oliveira DA, Assunção AA. Saúde e trabalho docente: articulação imprescindível. Educação & Sociedade 2009; 30:343-8..

A predominância de estudos epidemiológicos, naquele momento, justifica-se pela demanda inicial de diagnóstico da situação, com ênfase na identificação dos principais problemas de saúde e sua relação com as condições/características do trabalho. Esses estudos, entretanto, não se restringiam ao uso convencional dos métodos epidemiológicos. Buscavam incorporar os/as trabalhadores/as e suas instituições representativas nas várias etapas da investigação. Assim, parte das pesquisas buscou concatenar diferentes abordagens metodológicas, agregando às formas mais tradicionais da epidemiologia contribuições da epidemiologia social, incorporando modelos de investigação como o modelo operário italiano (MOI) 1212. Oddone I, Marri G, Gloria S. Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo: Editora Hucitec; 1986. ou as enquetes coletivas de Laurell & Noriega 1313. Laurell AC, Noriega M. Processo de produção em saúde: trabalho de desgaste operário. São Paulo: Editora Hucitec; 1989..

Os/as trabalhadores/as participavam ativamente da construção dos instrumentos de pesquisa, atuavam na sensibilização das/os professoras/es e na análise crítica e interpretação dos dados. A devolutiva aos trabalhadores/as integrava o processo de investigação e incluía produção de relatórios de pesquisa, livros, artigos em jornais da categoria, folders, seminários, oficinas, vídeos e filmes.

Foi um período de grande experimentação metodológica na produção do conhecimento, caracterizada por estreita vinculação entre pesquisadores/as e trabalhadores/as da educação. Propostas inovadoras emergiram como as Comunidades Científicas Ampliadas, originariamente propostas pelo MOI 1212. Oddone I, Marri G, Gloria S. Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde. São Paulo: Editora Hucitec; 1986. que, no Brasil, foi renomeada para Comunidades Ampliadas de Pesquisa (CAP) 1414. Brito J, Athayde A. Trabalho, educação e saúde: o ponto de vista enigmático da atividade. Trab Educ Saúde 2003; 1:239-65.,1515. Muniz HP, Brito J, Souza KR, Athayde M, Lacomplez M. Ivar Oddone e sua contribuição para o campo da saúde do trabalhador no Brasil. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38:280-91.. As CAP baseiam-se em processos de formação-pesquisa-ação voltados à compreensão das dinâmicas e condições que geram sofrimento/adoecimento ou, no seu oposto, produzem estratégias que favorecem a vida e a saúde. As ações sustentam-se no diálogo entre saber científico e saber prático. A CAP foi implementada no Programa de Formação em Saúde, Gênero e Trabalho nas Escolas, no Rio de Janeiro e em João Pessoa (Paraíba), e consistia na formação de agentes multiplicadores para análise do trabalho e saúde nas escolas com base na experiência dos/as trabalhadores/as. Essa proposta formativa incorporou questões relativas às relações de gênero 1414. Brito J, Athayde A. Trabalho, educação e saúde: o ponto de vista enigmático da atividade. Trab Educ Saúde 2003; 1:239-65., imprimindo caráter inovador à avaliação do trabalho e seus impactos na saúde.

Outra iniciativa relevante foi desenvolvida pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), no projeto Condições de Trabalho e suas Repercussões na Saúde dos Professores na Educação Básica no Brasil, coordenado por Leda Ferreira (2005). O projeto envolveu diversas unidades da Fundacentro no país, sendo realizado nas cinco regiões brasileiras. Várias publicações foram organizadas por local estudado, bem como elaborado o levantamento do estado da arte até aquele período. O material está disponível no site http://www.fundacentro.gov.br.

Cabe mencionar ainda que nos anos 2000, além das parcerias entre pesquisadores\as das universidades e sindicalistas, a discussão incorporou também os órgãos governamentais. A magnitude dos agravos de saúde no pessoal da educação, especialmente docentes, destacou-se nas estatísticas oficiais do setor público, com aumento expressivo de licenças médicas e afastamentos do trabalho 99. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa 2005; 31:189-99.. O problema, então, se impôs e, afetando a rotina das escolas, mobilizou ações governamentais de enfrentamento do crescente quadro de adoecimento na educação. Assim, foram gestadas ações institucionais cujo escopo incluiu o financiamento de estudos e/ou execução de ações voltadas aos problemas identificados, como, por exemplo, para os cuidados da voz 44. Araújo TM, Reis E, Kavalkievcz C, Delcor NS, Paranhos I, Silvany Neto A, et al. Saúde e trabalho docente: dando visibilidade aos processos de desgaste e adoecimento docente a partir da construção de uma rede de produção coletiva. Educ Rev 2003; 37: 183-212..

Essa breve retrospectiva da trajetória das iniciativas em trabalho docente e saúde no Brasil permite visualizar as especificidades de sua construção, ações, pesquisadores/as e instituições que assumiram a tarefa de inaugurar esse campo. No final dos anos 2000 já havia um corpo significativo de evidências sobre adoecimento e sua associação com as características/condições de trabalho. Os estudos, quantitativos e qualitativos, produziram resultados consistentes, que dialogavam entre si, destacando a necessidade de intervir sobre a saúde mental, os agravos musculoesqueléticos e vocais 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.. Feito esse primeiro movimento de visibilidade da situação de sofrimento físico e mental docente, ganharam relevo os esforços para conectá-los às condições de trabalho e às suas formas de organização e gestão.

Em síntese, na constituição de conhecimentos e práticas em trabalho docente e saúde no Brasil, destacam-se importantes esforços, nascidos em diferentes campos do conhecimento, que se aproximaram para o seu desenvolvimento, os quais contribuíram para: (a) o debate sobre o mundo do trabalho, envolvendo conceitos de processo, organização e gestão do trabalho nos contextos neoliberais, explorados na sociologia do trabalho; (b) a ênfase na relação entre as mudanças nas sociedades e suas pressões e demandas sobre os/as trabalhadores/as da educação, especialmente docentes - estudos oriundos do campo da educação; (c) a identificação do crescente processo de sofrimento e adoecimento docente e sua relação com o trabalho, oriunda das pesquisas de disciplinas específicas (psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, medicina); (d) a consolidação de um campo de práticas e conhecimento com base em proposições que, para além da abordagem das exposições ocupacionais mais tradicionais (baseada no conceito de risco), incorporaram a dinâmica das relações tecidas no mundo do trabalho, privilegiando o conceito de processo de trabalho na perspectiva da epidemiologia social latino-americana 1313. Laurell AC, Noriega M. Processo de produção em saúde: trabalho de desgaste operário. São Paulo: Editora Hucitec; 1989.; (e) o uso de abordagens interdisciplinares; (f) a concepção de saúde como um campo de disputa, de conflito entre interesses antagônicos no mundo do trabalho. A confluência desses movimentos produziu um contexto rico de ações com potencial transformador que, além de conhecer uma dada situação, buscava a sua alteração, seu redesenho. Cabe também assinalar, nesse período, o contexto geral de luta pela democracia no país e por ampliação dos direitos sociais, com destaque para a defesa da saúde no trabalho 1. A efervescência desses movimentos informou e motivou o desenvolvimento dos estudos nessa temática.

Relação trabalho docente e saúde: que elementos nos ajudam a conectá-los?

A análise das características, contextos e condições que determinam os processos de trabalho são essenciais à compreensão do desgaste/adoecimento, não sendo possível conhecer estes processos na ausência de avaliação de níveis de determinação mais amplos 11. Minayo-Gomez C, Thedim-Costa SMF. A construção do campo de saúde do trabalhador: percurso e dilemas. Cad Saúde Pública 1997; 13 Suppl 2:21-32.. Assim, o debate sobre o contexto no qual se realiza o trabalho docente, suas características e desafios, representou parte importante dos esforços empreendidos 22. Esteves JM. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC; 1999.,1111. Oliveira DA, Assunção AA. Saúde e trabalho docente: articulação imprescindível. Educação & Sociedade 2009; 30:343-8.,1616. Hargreaves A. Os professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: McGraw-Hill; 1998..

A análise da atividade docente revela um processo marcante de intensificação do trabalho 1717. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade 2009; 30:349-72.. Tal característica relaciona-se ao processo de precarização social do trabalho, que envolve precarização econômica (condições salariais, jornada de trabalho, contrato) e precarização das condições de trabalho (mudanças na organização e processo produtivo com o uso de novas ferramentas e modelos de gestão flexível que alteram as rotinas laborais e as formas de controle) 1818. Druck G. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH 2011; 24:37-57..

Desde a década de 1990, mudanças nas políticas de educação promoveram a inserção do setor educacional na lógica de mercado, seguindo princípios da economia neoliberal. Na lógica produtivista-mercantil, ganham relevo os modelos gerencialistas, orientados pelas noções de qualidade, eficiência, avaliação e accountability1919. Hypólito AM, Vieira JS, Leite MCL. Currículo, gestão e trabalho docente. Revista e-Curriculum 2012; 9:2-16.. Implementa-se a concepção de escola, pública ou privada, como uma empresa. A regulação da educação, na tutela dos princípios e demandas do mercado, define as políticas curriculares, práticas de gestão e identidade do professorado 1919. Hypólito AM, Vieira JS, Leite MCL. Currículo, gestão e trabalho docente. Revista e-Curriculum 2012; 9:2-16.. As funções docentes são ampliadas substancialmente, envolvendo diversas esferas da vida escolar 1717. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade 2009; 30:349-72.: o/a professor/a “polivalente” torna-se o/a responsável pelo sucesso ou fracasso da educação. A intensificação do trabalho foi um passo decisivo nesse processo 1616. Hargreaves A. Os professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: McGraw-Hill; 1998.,1717. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade 2009; 30:349-72..

A reorganização do trabalho docente, nesses moldes, forjou novas formas de estruturação e (des)valorização das atividades docentes. Na lógica mercadológica predomina a padronização de procedimentos e dispositivos de avaliação e controle ancorados em critérios quantitativos de produtividade. Aliados a isso, processos de descrédito no desempenho docente são fomentados, atuando no núcleo central que é o reconhecimento social da atividade docente 1616. Hargreaves A. Os professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa: McGraw-Hill; 1998..

O aumento do controle interno da atividade merece destaque, especialmente controle do tempo/tarefa, implantado por uma agenda rígida de prazos, datas, atividades a cumprir, em tempos cada vez mais escassos 1717. Assunção AA, Oliveira DA. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade 2009; 30:349-72.,1919. Hypólito AM, Vieira JS, Leite MCL. Currículo, gestão e trabalho docente. Revista e-Curriculum 2012; 9:2-16.. A reflexão sobre o fazer é substituída pela urgência dos prazos e cumprimento da agenda, promovendo-se a substituição da lógica de conhecimento pela lógica das competências 2020. Vieira JS, Feijo JRO. A Base Nacional Comum Curricular e o conhecimento como commodity. Educação Unisinos 2018; 22:35-43.. Ao finalizar uma demanda, outra já se impõe, predominando o tempo sem tempo (para a acomodação ou reflexão) 2020. Vieira JS, Feijo JRO. A Base Nacional Comum Curricular e o conhecimento como commodity. Educação Unisinos 2018; 22:35-43.. Exigências de elevados níveis de aprovação, a despeito dos processos concretos de aprendizagem, pressionam o docente, empurrando-o na direção da escassez crescente de tempo, maior padronização de condutas, e obtenção de resultados quantitativos, monitorados por indicadores de aprovação.

Esse conjunto de características do trabalho foi descrito por Esteves 22. Esteves JM. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC; 1999. como “mal-estar docente”: um fenômeno social cujas características envolvem a desvalorização, associada ao contínuo incremento de exigências profissionais, violência e indisciplina, que produzem, por sua vez, uma crise de identidade: o/a professor/a questiona-se sobre a sua escolha profissional e o sentido da sua profissão. Como impactos dessas condições emergem esgotamento, fadiga, sofrimento e desencantamento. Com base nessa formulação 22. Esteves JM. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC; 1999., o foco das análises volta-se às condições sociais do trabalho, redirecionando-se a ênfase, até então focada na análise do/a professor/a isolado/a na sala de aula, para a avaliação da organização do trabalho na escola e o contexto social no qual a escola está inserida.

Apesar disso, as questões referentes à saúde permaneceram periféricas no setor educacional, seja pela gestão escolar, movimento dos/as trabalhadores/as ou pelo/a próprio/a professor/a. Acostumado/a a assumir tarefas de cuidado do outro, o/a professor/a enfrenta dificuldades para voltar o olhar a si mesmo/a, para o seu bem-estar e sua saúde 44. Araújo TM, Reis E, Kavalkievcz C, Delcor NS, Paranhos I, Silvany Neto A, et al. Saúde e trabalho docente: dando visibilidade aos processos de desgaste e adoecimento docente a partir da construção de uma rede de produção coletiva. Educ Rev 2003; 37: 183-212.. Sintomas de adoecimento são negados ou minimizados; apenas quando um problema atinge patamar de severidade é que se atenta para a sua existência. Em geral, a doença segue vivenciada como processo individual, uma inadequação ou dificuldade pessoal. O caráter coletivo do adoecer na atividade docente, associado à determinada configuração do trabalho, permanece um olhar a ser construído entre docentes 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.,2121. Araújo TM, Silvany-Neto MA, Reis EJFB, Dutra FRD, Azi GR, Alves RL. Trabalho docente e sofrimento psíquico?: um estudo entre professores de escolas particulares de Salvador, Bahia. Revista da FAEEBA 2003; 12:485-95..

Trabalho docente e saúde: uma perspectiva de gênero

Como já mencionado, os processos saúde/doença não podem ser compreendidos na ausência da avaliação de níveis de determinação mais amplos. Além dos aspectos relativos a características/condições do trabalho (explorados anteriormente), outro nível de determinação importante refere-se às relações de gênero. Gênero é aqui entendido como elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças observáveis entre os sexos e como forma básica de representar as relações de poder, sustentadas na naturalização dos processos de dominação 2222. Scott J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade 1990; 16:5-22.. A avaliação de gênero no trabalho docente e seus efeitos na saúde é condição sine qua non para a compreensão das dinâmicas e relações envolvidas nestes processos.

O trabalho docente é reconhecido como ocupação altamente estressante, com repercussões na saúde física e mental e no desempenho profissional 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.,2323. Diehl L, Marin AH. Adoecimento mental em professores brasileiros: revisão sistemática da literatura. Estud Interdiscip Psicol 2016; 7:64-85.. Interpretações essencialistas, naturalizando as diferenças entre homens e mulheres, têm guiado a análise dos resultados obtidos. Em geral, universaliza os homens como categoria de referência contra a qual as mulheres são comparadas, sem levar em conta os sistemas de qualificação e as diferenças sociais, especialmente a valorização e reconhecimento social, que estruturam a divisão sexual do trabalho 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78.,2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39.. Estudos conectando trabalho docente e saúde caracterizam-se pela ausência de avaliação das assimetrias de gênero, demarcadas pelas atribuições diferenciadas de poder, de valorização social e de alocação do tempo de mulheres e homens ao trabalho remunerado e não remunerado 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78.,2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29.. Essas características têm impacto em várias dimensões da vida, incluindo a saúde.

No Brasil, docentes da Educação Básica - que corresponde ao primeiro nível do ensino escolar, ofertada em três etapas: Educação Infantil (para crianças com até cinco anos), Ensino Fundamental (I e II - para alunos de 6 a 14 anos) e Ensino Médio (para alunos de 15 a 17 anos) - somam mais de dois milhões e meio; cerca de 80% são mulheres 2727. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo escolar da educação básica 2016. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; 2017.. Apesar desse cenário, as pesquisas nesse campo seguem generalizando os resultados, desconsiderando os diferenciais de gênero.

A realidade laboral vivenciada pelas mulheres trabalhadoras é marcada pelo desempenho de trabalho profissional e trabalho doméstico 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78.,2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39. e pela segregação sexual das ocupações - com desequilíbrios na distribuição dos tipos de tarefas, recursos e poder - com os homens ocupando setores mais valorizados e melhor remunerados. A distribuição por nível de ensino é um bom exemplo disso: quanto maior é o nível educacional, maior é a proporção de homens envolvidos. No ensino superior, as proporções de homens e mulheres são próximas 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.; na educação básica, os homens têm maior participação no ensino médio quando comparados com os demais níveis de ensino 2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29., e, na educação infantil e primeiras séries do ensino fundamental, as mulheres largamente predominam (em estudo da educação infantil de Pelotas, Rio Grande do Sul, 99% eram mulheres) 2828. Martins MFD, Vieira JS, Feijó JR, Bugs V. O trabalho das docentes da educação infantil e o mal-estar docente: o impacto dos aspectos psicossociais no adoecimento. Cad Psicol Soc Trab 2014; 17:281-9.. Diferenças na participação no trabalho doméstico também são consistentes 2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29..

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o tempo total médio semanal (soma do tempo de trabalho remunerado e de afazeres domésticos) das mulheres superava em 7,5 horas o dos homens (53,6 horas semanais das mulheres contra 46,1 horas dos homens) 2929. Bruschini C. Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não-remunerado? Rev Bras Estud Popul 2006; 23:331-53.. Isso deve-se ao fato de não haver contrapartida, redução do tempo dedicado pelas mulheres à reprodução social (afazeres domésticos e familiares), ocorrendo apenas adição do tempo empregado no trabalho profissional àquele dedicado às atividades domésticas 2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39.,2929. Bruschini C. Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não-remunerado? Rev Bras Estud Popul 2006; 23:331-53.. Essa dupla responsabilidade exige das mulheres constante movimento para equacionar e atender adequadamente as exigências e demandas dos tempos no trabalho remunerado e na família, gerando tensão e conflito na vida das mulheres 2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39..

Desde a década de 1990, estudos de fisiologia do estresse apontam a necessidade de avaliação da carga total de trabalho de homens e mulheres 3030. Frankenhaeuser M. The psychophysiology of sex differences as related to occupational status. In: Frankenhaeuser M, Lundberg U, Chesney M, editors. Women, work and health: stress and opportunities. New York/London: Plenum Press; 1991. p. 39-61.. Como a participação no trabalho doméstico não é similar segundo gênero, constituindo atribuição feminina, a análise limitada ao tempo e características do trabalho profissional é adequada para os homens, mas representa apenas parte da carga de trabalho das mulheres 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78.. A invisibilidade do tempo empregado no trabalho doméstico distorce o impacto que tal acúmulo pode implicar, o que, por sua vez, impossibilita ações mais amplas de transformação desta realidade. Pois, como afirma Hirata 3131. Hirata H. Emprego, responsabilidades familiares e obstáculos sócio-culturais à igualdade de gênero na economia. Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero 2010; dezembro:45-9. (p. 48), “a divisão sexual do trabalho profissional não pode mudar sem mudanças na divisão sexual do trabalho doméstico, na divisão sexual do poder e do saber na sociedade”.

Em consonância com diferenciais observados nas características do trabalho entre homens e mulheres, há sólidas evidências de maior adoecimento entre as mulheres e diferenças no perfil de agravos à saúde por gênero 2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29.,3232. Pinto KA, Griep RH, Rotengerg L, Almeida MCC, Barreto RS, Aquino EML. Gender, time use and overweight and obesity in adults: results of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). PLoS One 2018; 13:e0194190..

Assim, deve-se ampliar o foco de análise para além das condições do ambiente laboral, superando a dicotomia entre espaço profissional e familiar. É imprescindível, assim, fomentar novas perspectivas analíticas do trabalho docente, incorporando avaliações que incluam divisão sexual do trabalho 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78., trabalho doméstico 2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39., conflito trabalho/família 2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39., modelos de conciliação vida profissional/vida familiar 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78., bem como carga total de trabalho (remunerado e doméstico) 2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29., já que estes aspectos carregam demandas, sentidos e valores capazes de influenciar o processo saúde/doença, seja na direção da satisfação e prazer, como também de sofrimento e adoecimento.

Em foco o adoecimento de professores e professoras

Como já mencionado, os estudos apontam consistentemente a predominância de problemas relacionados ao sofrimento psíquico e transtornos mentais e comportamentais 77. Reis EJFB, Carvalho FM, Araújo TM, Porto LA, Silvany Neto AM. Trabalho e distúrbios psíquicos em professores da rede municipal de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1480-90.,88. Porto LA, Carvalho FM, Oliveira NF, Silvany Neto AM, Araújo TM, Reis EJFB, et al. Associação entre distúrbios psíquicos e aspectos psicossociais do trabalho de professores. Rev Saúde Pública 2006; 40:818-26.,99. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa 2005; 31:189-99.,2121. Araújo TM, Silvany-Neto MA, Reis EJFB, Dutra FRD, Azi GR, Alves RL. Trabalho docente e sofrimento psíquico?: um estudo entre professores de escolas particulares de Salvador, Bahia. Revista da FAEEBA 2003; 12:485-95.,3333. Borrelli I, Benevene P, Fiorilli C, D'Amelio F, Pozzi G. Working conditions and mental health in teachers: a preliminary study. Occup Med (Lond) 2014; 64:530-2.,3434. Baldaçara L, Silva AF, Castro JGD, Santos GCA. Common psychiatric symptoms among public school teachers in Palmas, Tocantins, Brazil. An observational cross-sectional study. São Paulo Med J 2015; 133:435-8., distúrbios musculoesqueléticos 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.,66. Delcor NS, Araújo TM, Reis EJFB, Porto LA, Carvalho FM, Silva MO, et al. Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:187-98.,3535. Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol 2009; 12:604-14.,3636. Ceballos AGC, Santos GB. Fatores associados à dor musculoesquelética em professores: aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho. Rev Bras Epidemiol 2015; 18:702-15.,3737. Porto LA, Reis IC, Andrade JM, Nascimento CR, Carvalho FM. Doenças ocupacionais em professores atendidos pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador (CESAT). Rev Baiana Saúde Pública 2004; 28:33-49. e vocais 3838. Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice 2012; 26:665.e9-18.,3939. Jardim R, Barreto SM, Assunção AA. Voice disorder: case definition and prevalence in teachers. Rev Bras Epidemiol 2007; 10:625-36.,4040. Ferreira LP, Giannini SP, Figueira S, Silva EE, Karmann DDF, Souza MT. Condições de produção vocal de professores da Prefeitura do Município de São Paulo. Distúrb Comum 2003; 14:275-308.,4141. Martins RH, Pereira ER, Hidalgo CB, Tavares EL. Voice disorders in teachers: a review. J Voice 2014; 28:716-24.,4242. Dragone MLS, Ferreira LP, Ciannini SPP. Voz do professor: uma revisão de 15 anos de contribuição fonoaudiológica. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2010; 15:289-96.,4343. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT). Brasília: Ministério da Saúde; 2018. (Saúde do Trabalhador, 11. Protocolos de Complexidade Diferenciada).. Elevadas frequências desses problemas, com incremento expressivo no tempo, têm sido relatadas 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.,99. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa 2005; 31:189-99..

Estatísticas oficiais da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo apontam elevação do número de professores/as afastados/as do trabalho por transtornos mentais e comportamentais: em 2015 foram 25.849 casos, subindo para 50.046 em 2016. Esses dados são similares aos da Gerência de Saúde do Servidor e Perícia Médica de Belo Horizonte, no período de maio de 2001 a abril de 2002, que apontaram os transtornos psíquicos em primeiro lugar entre os diagnósticos de afastamento do trabalho 99. Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa 2005; 31:189-99.. Professores/as representaram 84% desses atendimentos. Essa é uma realidade geral para o país, assumindo dimensões alarmantes, persistindo no tempo e com sinais claros de agravamento.

Agravos musculoesqueléticos, dor ou sensação dolorosa também são destacados. A sobrecarga experimentada pelo docente e os aspectos psicossociais do trabalho associam-se à ocorrência ou agravamento do quadro de dor 4444. Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho e dor musculoesquelética em professores. Cad Saúde Pública 2011; 27:1498-506.. O trabalho docente envolve atividades com implicações biomecânicas, tais como necessidade constante de escrever, corrigir trabalhos e produzir relatórios. Como, em geral, o tempo destinado a essas atividades na escola não é suficiente, o/a professor/a adiciona, ao seu cotidiano, horas extras de trabalho fora da escola, ampliando o tempo de exposição a posições corporais demandantes, possivelmente em ritmo acelerado, o que eleva a sobrecarga osteomuscular. Pesquisas sobre o trabalho docente atestam exposição a diversos tipos de riscos ocupacionais e ambientais, como os biomecânicos (carregamento de peso, esforço físico, trabalho em pé) 3636. Ceballos AGC, Santos GB. Fatores associados à dor musculoesquelética em professores: aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho. Rev Bras Epidemiol 2015; 18:702-15. e aspectos psicossociais 4444. Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho e dor musculoesquelética em professores. Cad Saúde Pública 2011; 27:1498-506..

Com relação aos agravos vocais, a revisão da literatura 4141. Martins RH, Pereira ER, Hidalgo CB, Tavares EL. Voice disorders in teachers: a review. J Voice 2014; 28:716-24. destacou elevada prevalência média de alterações vocais em professores, entre 20 a 50%, chegando a 80%, e, na população geral, variou entre 6 a 15%, demonstrando excesso de frequência de 14 a 35%. Os sintomas mais comuns foram rouquidão, fadiga vocal e garganta seca.

Após intensos investimentos em estimar a frequência de agravos vocais em docentes, o cenário dos estudos de distúrbios de voz em professores/as diversificou-se, mobilizando dois direcionamentos complementares: (a) proposição de iniciativas de criação de programas de saúde vocal para professores/as junto ao Poder Legislativo, registrando-se o triplo de proposições na comparação entre os anos de 1998-2006 e 1998-2014, num total de 66 iniciativas 4545. Ferreira LP, Servilha EAM, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Políticas públicas e voz do professor: caracterização das leis brasileiras. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2009; 14:1-7.,4646. Servilha EAM, Ferreira LP, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Voz do professor: análise das leis brasileiras na perspectiva da promoção da saúde. Rev CEFAC 2014; 16:1888-99.; (b) desenvolvimento de estudos de intervenção de potenciais efeitos protetores da voz, destacando-se efeitos positivos do aquecimento vocal em estudantes de pedagogia 4747. Masson MLV, Loiola CM, Fabron EMG, Horiguela MLM. Aquecimento e desaquecimento vocal em estudantes de pedagogia. Distúrb Comun 2013; 25:177-85. e professores/as de ensino médio da rede pública 4848. Pereira LPP, Masson MLV, Carvalho FM. Aquecimento vocal e treino respiratório em professores: ensaio clínico randomizado. Rev Saúde Pública 2015; 49:67., amplificação da voz 4949. Teixeira LC, Behlau M. Comparison between vocal function exercises and voice amplification. J Voice 2015; 29:718-26.,5050. Masson MLV, Araújo TM. Protective strategies against dysphonia in teachers: preliminary results comparing voice amplification and 0.9% NaCl nebulization. J Voice 2018; 32:257.e1-e10., nebulização com soro fisiológico 5050. Masson MLV, Araújo TM. Protective strategies against dysphonia in teachers: preliminary results comparing voice amplification and 0.9% NaCl nebulization. J Voice 2018; 32:257.e1-e10.,5151. Santana ER, Masson MLV, Araújo TM. The effect of surface hydration on teachers' voice quality: an intervention study. J Voice 2017; 31:383.e5-e11.,5252. Santana ER, Araújo TM, Masson MLV. Autopercepção do efeito da hidratação de superfície na qualidade vocal de docentes: um estudo de intervenção. Rev CEFAC 2018; 20:761-9. e exercício do trato vocal semiocluído 5353. Souza RC, Masson MLV, Araújo TM. Efeitos do exercício do trato vocal semiocluído em canudo comercial na voz do professor. Rev CEFAC 2017; 19:360-71..

Alguns apontamentos sobre trajetórias, evidências empíricas e experiências

Em síntese, na década de 1990, estudos com foco na saúde docente eram escassos. Nos anos seguintes, a produção foi paulatinamente crescendo, em consonância com o aumento da magnitude dos problemas. Esse incremento das pesquisas foi registrado na segunda metade dos anos 2000. Atualmente há, no Brasil, expressiva literatura sobre essa temática. Assim, não é objetivo aqui apresentar revisão das evidências empíricas dos problemas de saúde em docentes. A breve descrição dos principais agravos cumpre apenas o papel de pontuar sua relevância entre esses/as trabalhadores/as. Registra-se que a literatura é consistente ao identificar associação entre o trabalho docente e os problemas de saúde detectados. Ao menos, duas revisões da literatura com o objetivo de analisar a produção estão disponíveis: Souza & Leite 5454. Souza NA, Leite MP. Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. Educação & Sociedade 2011; 32:1105-21., que rastrearam teses, dissertações, coletâneas e livros sobre essa temática no período 1997-2006, e Cortez et al. 5555. Cortez PA, Souza MVR, Amaral LO, Silva LCA. A saúde docente no trabalho: apontamentos a partir da literatura recente. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2017; 25:113-22., que focalizaram artigos no período 2003-2016.

Embora nenhuma dessas revisões tenha sido exaustiva, representando, cada uma, apenas parte da produção existente, fornecem dados interessantes para reflexões sobre a produção científica em trabalho docente e saúde no Brasil. Apesar de algumas contradições entre essas revisões, o material apresentado nos ajuda a compreender particularidades da produção em diferentes formatos (teses, dissertações e artigos), formas específicas de sistematizar os registros e mudanças na abrangência e escopo da produção coberta (a primeira foi estendida até 2006 e a segunda até 2016).

A revisão de Souza & Leite 5454. Souza NA, Leite MP. Condições de trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. Educação & Sociedade 2011; 32:1105-21. (1997-2006) enfatiza que a produção analisada se debruça na identificação de sintomas autorrelatados e patologias associadas, com predominância de estudos de saúde mental, incluindo estresse, Burnout e mal-estar docente. Dificuldade em trabalhar com a multidisciplinaridade emergiu como um dos principais problemas: estudos das áreas das ciências humanas se mostraram com pouca habilidade para incluir os problemas relacionados à saúde; já aqueles oriundos da chamada “área biológica” apresentaram dificuldades em inserir análises das características sociais destes eventos, mantendo enfoque individual. A revisão feita privilegiou os estudos de Burnout e, mesmo incluindo publicações oriundas das parcerias sindicatos/universidades, não menciona tal característica. Além disso, agrupa todos os estudos de base quantitativa no que rotulou como estudos de “base biológica”, reduzindo a relevância das contribuições do campo da saúde coletiva/saúde do/a trabalhador/a, que também não são devidamente pontuadas.

Na revisão de Cortez et al. 5555. Cortez PA, Souza MVR, Amaral LO, Silva LCA. A saúde docente no trabalho: apontamentos a partir da literatura recente. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2017; 25:113-22. (relativa ao período 2003-2016) chama atenção a boa sistematização da produção identificada, propiciada por cuidadoso esforço de análise e classificação do material coletado. Evidencia o significativo desenvolvimento alcançado nesse campo, em termos quantitativos (muitos estudos em várias partes do país) e de abrangência dos aspectos avaliados (incluindo todos os níveis de ensino, expandindo o foco anterior no Ensino Fundamental e Médio) e das temáticas abordadas, que ampliaram vigorosamente, abarcando temas diversos, não restritos às patologias.

Além dos itens mais tradicionais como aspectos contextuais do trabalho docente, adoecimento físico e psíquico, emergem categorias mais abrangentes como promoção da saúde, políticas públicas, organização do trabalho, legislação trabalhista e aspectos teórico-metodológicos. Portanto, as pesquisas movimentaram-se na direção do que poderíamos chamar de um campo coletivo de ação, envolvendo políticas públicas e leis trabalhistas, afastando-se da perspectiva apenas individual de adoecimento e retomando o debate da regulação dos ambientes escolares e de sua gestão do trabalho. Ao menos no que se refere às temáticas focalizadas nos estudos, esse avanço é nítido, embora, como destacaremos adiante, ainda com limites evidentes.

Nessas duas revisões e na literatura como um todo as questões de gênero mantêm-se invisíveis, ainda que, desde os primeiros estudos, sejam registrados esforços para enfatizar estas questões 2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29., como no programa de formação em gênero nas escolas 1414. Brito J, Athayde A. Trabalho, educação e saúde: o ponto de vista enigmático da atividade. Trab Educ Saúde 2003; 1:239-65.,5656. Brito J, Bercot R, Horellou-Lafarge C, Neves MY, Oliveira S, Rotenberg L. Saúde, gênero e reconhecimento no trabalho das professoras: convergências e diferenças no Brasil e na França. Physis (Rio J.) 2014; 24:589-605., como já destacado.

Adicionalmente às questões relativas ao trabalho doméstico e diferenciais de gênero, há outros aspectos sobre os quais também é relevante jogar luz e trazê-los ao centro dos debates e ações. Dentre eles citam-se a regulação das condições dos ambientes escolares, incluindo características dos processos e organização do trabalho 1919. Hypólito AM, Vieira JS, Leite MCL. Currículo, gestão e trabalho docente. Revista e-Curriculum 2012; 9:2-16., e o reconhecimento de determinados agravos como decorrentes das formas como é organizado o trabalho 1919. Hypólito AM, Vieira JS, Leite MCL. Currículo, gestão e trabalho docente. Revista e-Curriculum 2012; 9:2-16.,2020. Vieira JS, Feijo JRO. A Base Nacional Comum Curricular e o conhecimento como commodity. Educação Unisinos 2018; 22:35-43., envolvendo exigências sobre o corpo que frequentemente superam a capacidade de atendê-las sem o comprometimento da saúde do/a professor/a 1515. Muniz HP, Brito J, Souza KR, Athayde M, Lacomplez M. Ivar Oddone e sua contribuição para o campo da saúde do trabalhador no Brasil. Rev Bras Saúde Ocup 2013; 38:280-91.,2020. Vieira JS, Feijo JRO. A Base Nacional Comum Curricular e o conhecimento como commodity. Educação Unisinos 2018; 22:35-43..

No caso específico dos distúrbios da voz, mesmo com evidências empíricas consistentes de elevada frequência em professores/as e associação com o uso intensivo da voz e condições laborais desfavoráveis 5757. Masson MLV, Ferrite S, Pereira LMA, Ferreira LP, Araújo TM. Em busca do reconhecimento do distúrbio de voz como doença relacionada ao trabalho: movimento histórico-político. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:805-16.,5858. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz e estresse no trabalho docente: um estudo caso-controle. Cad Saúde Pública 2012; 28:2115-24., apenas recentemente, após 21 anos de luta 5757. Masson MLV, Ferrite S, Pereira LMA, Ferreira LP, Araújo TM. Em busca do reconhecimento do distúrbio de voz como doença relacionada ao trabalho: movimento histórico-político. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:805-16., o Ministério da Saúde publicou o Protocolo sobre distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT) 4343. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT). Brasília: Ministério da Saúde; 2018. (Saúde do Trabalhador, 11. Protocolos de Complexidade Diferenciada)., para manejo do agravo na rede SUS, com foco na vigilância em ambientes de trabalho - institucionalmente reconhecendo o agravo como ocupacional.

A luta pelo reconhecimento do DVRT sintetiza um importante esforço coletivo, envolvendo produção de evidências científicas e lutas políticas, num percurso de mais de duas décadas. O movimento, protagonizado pela PUC-SP por meio de seminários de voz, tem trajetória não linear, revelando avanços e revezes característicos de processos históricos 5757. Masson MLV, Ferrite S, Pereira LMA, Ferreira LP, Araújo TM. Em busca do reconhecimento do distúrbio de voz como doença relacionada ao trabalho: movimento histórico-político. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:805-16., sendo marcados pela agenda do ato médico; criação das campanhas em comemoração ao Dia da Voz (16 de abril), iniciativa brasileira acolhida internacionalmente 5959. Svec JG, Behlau M. April 16th: the World Voice Day. Folia Phoniatr Logop 2007; 59:53-4.; e pelo crescimento das iniciativas de programas de saúde vocal para docentes 4545. Ferreira LP, Servilha EAM, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Políticas públicas e voz do professor: caracterização das leis brasileiras. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2009; 14:1-7.,4646. Servilha EAM, Ferreira LP, Masson MLV, Reinaldi MBFM. Voz do professor: análise das leis brasileiras na perspectiva da promoção da saúde. Rev CEFAC 2014; 16:1888-99.. O reconhecimento do DVRT pela Previdência Social esteve próximo de ocorrer em 2004, com importante participação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo (CEREST-SP) e, em 2012, após consulta pública do Protocolo DVRT 5757. Masson MLV, Ferrite S, Pereira LMA, Ferreira LP, Araújo TM. Em busca do reconhecimento do distúrbio de voz como doença relacionada ao trabalho: movimento histórico-político. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:805-16.. No entanto, em ambas as situações, as tentativas não foram bem-sucedidas. Em 2016, esforços de retomada do debate foram feitos pela UFBA, UEFS, PUC-SP, Estácio de Sá e University College London (Londres/Reino Unido). Em 2017, a Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde constituiu um grupo técnico que revisou o Protocolo DVRT que, finalmente, foi publicado em 2018 4343. Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho (DVRT). Brasília: Ministério da Saúde; 2018. (Saúde do Trabalhador, 11. Protocolos de Complexidade Diferenciada)..

Publicado o documento, o desafio agora é implantá-lo, o que exigirá capacitação de toda a rede SUS. A publicação do Protocolo não garante o reconhecimento do distúrbio de voz como consequência do trabalho, sendo necessária a sua inserção na lista de doenças relacionadas ao trabalho, com estabelecimento de notificação compulsória, como já ocorre com os transtornos mentais e a LER/DORT. De qualquer forma, a publicação desse documento, além de dar legitimidade aos distúrbios de voz na sua relação com o trabalho, representa uma vitória dos processos coletivos e cooperativos, nos quais diversos segmentos (pesquisadores/as, sindicalistas, gestores/as públicos/as, profissionais) se juntaram para a sua elaboração. Recupera a melhor tradição das redes cooperativas das iniciativas dos anos 1990.

Outra nota relevante no panorama geral desse campo refere-se a ações desenvolvidas para o enfrentamento dos problemas de saúde identificados. Esse é um nó crítico importante quando se avalia a saúde docente. Ainda que se observe ausência de iniciativas mais expressivas e resolutivas de intervenção, é importante identificá-las, dando-lhes relevo. Uma dessas experiências é o Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor, da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, voltado ao cuidado/atenção à saúde do/a professor/a da rede pública estadual de ensino (http://www.educacao.ba.gov.br/saudedoprofessor). De caráter interdisciplinar, inclui profissionais de fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, nutrição e serviço social.

O programa foi implantado em 2008, numa cooperação da Secretaria de Educação do Estado da Bahia com o grupo de pesquisa da UFBA-UEFS, tendo como base as evidências empíricas produzidas pelas pesquisas com docentes da Bahia 55. Araújo TM, Carvalho FM. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade 2009; 30:427-49.. Representa uma das poucas iniciativas governamentais nesse campo no Brasil de caráter amplo, interdisciplinar. Apesar dos esforços empreendidos para garantir intervenções em saúde, pouco avançou na construção de políticas públicas em saúde docente. A proposta ainda centra-se na identificação e tratamento de agravos, com limitado foco nas ações para transformar o trabalho ou repensar seus elementos adoecedores.

As características gerais apontadas nessa experiência na Bahia são reforçadas pelos resultados de revisão sobre ações/assistência em saúde de professores/as de escolas públicas brasileiras, no período 1990-2014 6060. Santana FAL, Neves IR. Saúde do trabalhador em educação: a gestão da saúde de professores de escolas públicas brasileiras. Saúde Soc 2017; 26:786-97.. Foram identificadas onze experiências: sete programas desenvolvidos por Instituições de Ensino Superior, destinados a professores/as de escolas públicas; e quatro ligados à gestão em saúde pública (Sistema Único de Saúde - SUS ou secretarias específicas). Essas experiências têm foco específico: duas destinavam-se aos agravos vocais e uma à atividade física; apenas uma delas, desenvolvida por um CEREST, se organizava nos princípios da vigilância em saúde do/a trabalhador/a, com ênfase na saúde mental. Algumas ações eram vinculadas a sindicatos docentes.

Outras iniciativas de intervenções em programas específicos para agravos vocais podem ser citadas: o Projeto de Extensão de Saúde Vocal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), do campus de Marília (São Paulo) 6161. Fabron EMG, Sebastião LT. Saúde vocal do professor: relato de trajetória de ações preventivas ao longo de quinze anos em universidade pública. Estudos do Trabalho 2010; IV:99-114.; o Programa de Saúde Vocal do Professor do Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP) 6262. Zambon FC, Choi K, Behlau M. Sintomas vocais e perfil de professores em um programa de saúde vocal. Rev CEFAC 2010; 12:811-9.; o Programa de Saúde Vocal do Educador da Universidade de Araraquara (UNIARA), em Araraquara (São Paulo) 6363. Dragone MLOS. Programa de saúde vocal para educadores: ações e resultados. Rev CEFAC 2011; 13:1133-43.; e o Programa de Saúde Vocal do Professor do Rio de Janeiro (http://www.rio.rj.gov.br/documents/91249/4679376/Programa+da+voz+do+professor.pdf).

Em síntese, poucas iniciativas têm sido desenvolvidas e descritas, sendo estas geograficamente limitadas e estruturadas, predominantemente, com base no modelo biomédico de intervenção.

Considerações finais: nós críticos e perspectivas de desenvolvimento futuro

A trajetória de investigações em trabalho docente e saúde evidencia que ocorreram avanços significativos nas últimas duas décadas. Esses avanços abrangem: (a) revisão das abordagens restritas aos processos de adoecimento (avaliação da frequência e sua distribuição por condições de trabalho) para abordagens mais amplas, incorporando questões como promoção da saúde e políticas públicas; (b) incremento importante no quantitativo da produção; (c) ampliação dos grupos estudados para todos os níveis de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Superior, superando a focalização inicial no Ensino Fundamental I e II e Médio.

A maior amplitude temática, além de expandir o foco de atenção, evidencia um movimento relevante na compreensão dos processos de adoecimento numa perspectiva de produção social, redirecionando a atenção para processos coletivos, rompendo, mesmo que timidamente, com a ênfase nos indivíduos. Desse modo, adquirem maior potência e capacidade transformadora, posto que as medidas a serem propostas ultrapassam a perspectiva individual de ação (cuidados com a voz, postura corporal, clima organizacional ou relacional) e inclui ações coletivas como a elaboração de políticas públicas, de leis que regulem os ambientes escolares, de oferta de serviços de atenção e assistência à saúde, dentre um conjunto de outras medidas.

Apesar desses avanços, que devem ser reconhecidos e valorizados, é relevante analisar suas lacunas e contradições de modo que seja possível tensionar seus limites e impulsioná-los a produzir novos avanços.

No que se refere às intervenções, nas experiências descritas persistem as práticas voltadas ao indivíduo, reforçando os marcos mais tradicionais da assistência voltada ao corpo doente, com pouco ou nenhum foco no ambiente adoecedor. Predominantemente adquirem caráter prescritivo. Os programas propostos ou em desenvolvimento não ultrapassam a barreira das abordagens clínicas. Mesmo em equipes multiprofissionais, a intervenção permanece segmentada, com cada profissional atuando na parte que lhe autoriza o conhecimento clínico específico. Ainda é para um corpo (doente) que se organizam as ações de educação, formação ou de intervenção.

Com relação aos estudos que abordaram as políticas públicas e processos de trabalho, observa-se que estes restringiram-se a avaliar o impacto de determinadas políticas nas demandas sobre o trabalho docente (reproduzindo os primeiros estudos como o de Esteves 22. Esteves JM. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC; 1999.). Nesse sentido, ficam enclausurados no caráter gerencial dessas políticas, focalizando como tais políticas acentuam as dificuldades e os desafios para as atividades docentes. Aspectos relativos à gestão, organização e processo de trabalho permanecem intocados ou, no máximo, não ultrapassam a linha da mera citação como aspectos que merecem atenção.

Adicionalmente, registram-se lacunas relativas a reflexões mais críticas sobre esse campo de investigação. Conforme assinala Cortez et al. 5555. Cortez PA, Souza MVR, Amaral LO, Silva LCA. A saúde docente no trabalho: apontamentos a partir da literatura recente. Cad Saúde Colet (Rio J.) 2017; 25:113-22., apenas 4% dos estudos analisados abordavam aspectos teóricos ou metodológicos. Esses poucos estudos eram basicamente descritivos e realizados por grupos de pesquisas no período de 1987 a 2003, representando, assim, esforços completamente abandonados. Esse é um aspecto de fundamental importância para investimentos futuros, uma vez que os avanços que precisam ser feitos para o alcance de patamares mais qualificados de produção e de ações necessitam, sobretudo, de expressivos esforços e investimentos na reflexão das experiências anteriores e na constituição de marcos teórico-conceituais e metodológicos promissores. A análise da trajetória do que e como se fez deve ser, assim, focalizada.

Além da avaliação desses nós críticos, outros elementos devem ser destacados nesse esforço reflexivo. Um deles é a constatação de que o campo parece ter perdido força na articulação com os movimentos de trabalhadores/as ou, pelo menos, que a produção vinculada a estas iniciativas não tem sido publicizada ou socializada. Não há registro dessa articulação, nem mesmo como relato de experiências. Assim, não se sabe se essas articulações persistem, se assumiram movimentos menos orgânicos ou reivindicatórios ou se perderam visibilidade. Isso representa uma perda da base histórica de construção do campo, o que, por sua vez, pode ter implicações relevantes na sua potência transformadora. É importante analisar esse aspecto à luz das características mais gerais dos movimentos sindicais nos contextos atuais de precarização social do trabalho 1818. Druck G. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH 2011; 24:37-57., que fragilizam marcadamente as organizações de trabalhadores/as. Esse é um ponto nevrálgico e cabe retomá-lo com vigor e força.

Outro elemento refere-se à invisibilidade das questões de gênero neste debate. A incorporação de elementos que problematizem as persistentes assimetrias de gênero permanecem embrionárias, apesar de estarem presentes desde as primeiras iniciativas de análise da relação entre trabalho docente e saúde 1414. Brito J, Athayde A. Trabalho, educação e saúde: o ponto de vista enigmático da atividade. Trab Educ Saúde 2003; 1:239-65.,5656. Brito J, Bercot R, Horellou-Lafarge C, Neves MY, Oliveira S, Rotenberg L. Saúde, gênero e reconhecimento no trabalho das professoras: convergências e diferenças no Brasil e na França. Physis (Rio J.) 2014; 24:589-605.. Não há possibilidades de avanços substanciais sem repensar os diferenciais de gênero nos processos de qualificação, que naturalizam a aquisição de habilidades, de valorização/desvalorização social e de invisibilidade do trabalho doméstico 2424. Hirata H, Kergoat D. Divisão sexual do trabalho profissional e doméstico: Brasil, França, Japão. In: Costa AO, Sorj B, Bruschini C, Hirata H , organizadoras. Mercado de trabalho e gênero. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2008. p. 263-78.,2525. Sousa LP, Guedes DRA. Desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud Av 2016; 30:123-39.,2626. Araújo TM, Godinho TM, Reis EJFB, Almeida MMG. Diferenciais de gênero no trabalho docente e repercussões sobre a saúde. Ciênc Saúde Colet 2006; 11:1117-29.. Esses elementos são estruturantes da distribuição de vulnerabilidades, logo, atuam diretamente na situação de saúde de homens e mulheres 3232. Pinto KA, Griep RH, Rotengerg L, Almeida MCC, Barreto RS, Aquino EML. Gender, time use and overweight and obesity in adults: results of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). PLoS One 2018; 13:e0194190.. Não é possível avançar na preservação da saúde docente sem tal enfrentamento.

Lacuna importante permanece também no campo das intervenções, especialmente de experiências de intervenções na organização e processos de trabalho. São ainda restritas as intervenções nos contextos escolares tendo como foco a saúde e o trabalho docente 5050. Masson MLV, Araújo TM. Protective strategies against dysphonia in teachers: preliminary results comparing voice amplification and 0.9% NaCl nebulization. J Voice 2018; 32:257.e1-e10.,5151. Santana ER, Masson MLV, Araújo TM. The effect of surface hydration on teachers' voice quality: an intervention study. J Voice 2017; 31:383.e5-e11.,5252. Santana ER, Araújo TM, Masson MLV. Autopercepção do efeito da hidratação de superfície na qualidade vocal de docentes: um estudo de intervenção. Rev CEFAC 2018; 20:761-9.,5353. Souza RC, Masson MLV, Araújo TM. Efeitos do exercício do trato vocal semiocluído em canudo comercial na voz do professor. Rev CEFAC 2017; 19:360-71.. Essas poucas experiências enfatizam medidas de prevenção individuais, envolvendo o/a professor/a e cuidados sobre o próprio corpo. De qualquer forma, são iniciativas que rompem com a tradição de intervenção sobre um corpo doente e se ocupam da avaliação de medidas de promoção da saúde. Inauguram, assim, ações que valorizam estratégias de proteção à saúde docente.

Deve-se realçar, contudo, que as intervenções na organização e processo de trabalho precisam ser priorizadas, de modo a estimular e sustentar políticas de regulação do trabalho (suas condições e características), amparadas em processos participativos. Esse é um desafio de primeira ordem para os avanços desejados e necessários à redução do alarmante quadro de adoecimento docente.

Um último aspecto a ser assinalado como perspectiva para a continuidade dos estudos nesta temática é a retomada e revitalização da articulação com o movimento de professores/as. Configura-se como principal elemento para garantir uma base efetiva de superação do quadro atual. A utilização de estratégias de pesquisa que incorporem os/as trabalhadores/as nos processos de concepção, construção e desenvolvimento do conhecimento é central, não apenas por ser fundamental na abordagem teórico-metodológica, necessária à produção de saber, mas, sobretudo, pela potência transformadora que pode promover.

Agradecimentos

Agradecemos aos professores e professoras de todo o Brasil e aos pesquisadores/as, sindicalistas, gestores/as públicos que construíram este campo de investigações e nele continuam inserindo esforços.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2018
  • Revisado
    19 Mar 2019
  • Aceito
    26 Mar 2019
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