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Espaço Temático

Inicio o presente comentário afirmando que acredito em processos participativos, especialmente quando se trata de pensar a Universidade e, com ela, a elaboração de propostas curriculares inovadoras. A certeza com que faço tal afirmação apoia-se tanto nos estudos sobre essas temáticas, quanto pelas experiências vividas junto com outros parceiros na Escola Pública de Ensino Fundamental, atuando como professora e supervisora educacional; na Universidade, como docente, diretora de escola, pró-reitora de extensão e reitora, ou na presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Nesses espaços, tive a feliz oportunidade de exercitar o fazer coletivo e reforçar práticas de respeito aos diferentes saberes, como também práticas de escuta e de diálogo. Portanto, as reflexões que farei a seguir sobre educação superior no Brasil e estrutura curricular/formação profissional são decorrentes de estudos, fundamentados em Anísio Teixeira, Paulo Freire, Edgar Morin, entre outros, mas, especialmente, em vivências.

Anísio Teixeira é um dos importantes pensadores da educação brasileira, sendo precursor de ideias e ações comprometidas com o direito à educação para todos, a partir de pedagogias ativas e considerando o papel central das artes e humanidades na formação dos estudantes. Inovador em suas concepções filosóficas e organizacionais de Universidade, deixa um grande legado para se democratizar a educação. Ao estudar Anísio, fica claro que a Educação se constitui como instrumento essencial para a construção da cidadania e o desenvolvimento de uma consciência crítica dos estudantes.

O artigo de Naomar Almeida Filho recupera o pensamento de Anísio e o associa ao de Flexner, autor do Relatório sobre Educação Médica nos Estados Unidos e no Canadá, em 1910, considerado por grandes estudiosos como o mais influente trabalho sobre o tema. Constitui-se, portanto, em uma feliz tentativa de, ao aproximá-los, contribuir, significativamente, para repensar a educação inicial e continuada de profissionais da área da saúde, na atualidade, considerando, as necessidades sociais relativas à saúde no Brasil e o perfil de profissionais também necessários para atendê-las.

Quanto à formação de profissionais, defendo a existência de diretrizes curriculares num pais continental como o nosso. Por uma questão de justiça, de direitos, é imprescindível ter uma base comum ao alcance de todos os estudantes. Porém, a forma como se trabalha essa base comum e como são acrescentados outros conhecimentos, outras competências e habilidades, é tarefa da instituição de ensino, no caso, da Universidade. O currículo tem alma, contempla histórias de vida, reafirma culturas, saberes e fazeres que identificam um determinado grupo social, considerando as bases legais definidas para a educação nacional. Nessa perspectiva, defendo, também, que haja uma unidade nessa grande diversidade, mas entendo que a Universidade tem que ter autonomia para elaborar as suas propostas curriculares, considerando a legislação e as particularidades nacionais e regionais. O currículo ultrapassa a mera organização de conhecimentos e competências. Desta forma, fica entendido como um processo não linear e rotineiro e as disciplinas deixam de ser verdades acabadas a serem repassadas e transmitidas. Torna-se um espaço de produção e exercício da liberdade. Os conteúdos das disciplinas deixam de ser a essência principal e passam a se tornar ferramentas para novas buscas, novas descobertas, novos questionamentos, oferecendo aos futuros profissionais um sólido, rigoroso e crítico processo de formação.

Pensar um currículo flexibilizado implica em (re)pensar a própria Universidade e sua política educacional. Supõe uma mudança nas suas relações estruturais rígidas. Consequentemente, cabe uma mudança não só no conceito de currículo presente por muitos anos no meio universitário, como também na própria forma de estruturá-lo e de orientar academicamente a construção dos planos de estudo dos estudantes. Cabe, também, uma mudança nas concepções e práticas universitárias. A Universidade e o currículo dos seus cursos devem ser espaços privilegiados para a reflexão, o debate e a crítica.

Ao ultrapassar a rigidez administrativa a qual estamos acostumados, poderemos ter uma gama de possibilidades com as quais exercitaremos relações democráticas produtoras de saberes e práticas efetivamente cidadãs. O convívio dos poderes e saberes ganhariam uma nova dimensão, abrindo espaços capazes de fazer emergir os saberes de cada participante efetivo desse processo.

É preciso transformar as próprias relações internas da Universidade, onde ainda imperam ações individualizadas, fortalecidas pela departamentalização, e criar formas alternativas de trabalho que permitam o exercício do múltiplo, do coletivo.

Certamente, há um fortalecimento das ações quando elas são produzidas por meio de ações coletivas, quando se opta, especialmente, por um processo administrativo onde predomina a característica participativa. A criação de outras estruturas que oportunizem ações interativas precisa ser implantada nas Universidades, como canais de ligação que minimizem a linearidade imposta pelo formato departamental.

Talvez, essa possa ser uma das formas de alterar a relação saber/poder existente e exercitar o poder por todos os membros do coletivo. Trata-se, neste momento, de abandonar o poder constituído e vivenciar, plenamente, a partilha de saberes diferenciados.

É preciso, nesse processo de construção da sociedade desejada, repensar as funções da Universidade, de seus cursos, especialmente na área da saúde e, consequentemente, pesquisar e definir os novos compromissos desses profissionais, que passam por valorizar o homem em sua inteireza, como sujeitos históricos.

Pensar o significado da educação na área da saúde implica ir além de uma observação simplista, fragmentada, que se ocupa, apenas, em analisar partes do processo educacional. É necessário reeducar o modo de olhar e perceber os princípios e os valores que estão subjacentes às práticas em exercício nas instituições de ensino. Fortaleço esse meu pensamento ao revisitar Paulo Freire e me aproprio de uma expressão por ele utilizada em suas falas e escritos: ética universal. O comportamento ético tem que ser inseparável da prática educativa. Esse exercício deve se concretizar no cotidiano, na prática diária, de forma viva, concreta, a partir de atos e atitudes frente aos educandos. Por acreditar nesse pensamento, indago: o que estará pautando o ato de ensinar e aprender em nossas Universidades, nos cursos de formação dos profissionais da área da saúde? Estarão presentes os princípios da solidariedade, do respeito ao outro, do fortalecimento do espírito público, da tolerância e da humildade?

Se considerarmos que uma proposta de reestruturação da educação superior deve estar inserida em um projeto de transformação da sociedade brasileira, é necessário que princípios como justiça social e senso de cidadania norteiem a formação dos jovens. Cabe, portanto, à Universidade projetar o futuro, considerando tais princípios. Para isso, é preciso utilizar importantes desafios: o da imaginação, o da liberdade, o da crítica. Torna-se imperioso questionar sobre que Universidades o país precisa. Como perceber caminhos capazes de contribuir para a construção de Universidades mais próximas da realidade social, menos fechadas à cooperação, menos excludentes e preconceituosas? Há que se promover ações inovadoras, corajosas e concretas, objetivando a projeção desses caminhos. O momento é esse! Faz-se necessária uma mudança nos modelos de Universidades que nos são apresentados. Já existem experiências que estão transgredindo o já estabelecido e dogmatizado.

A proposta advinda dessa mudança deve ser pautada por valores que têm por princípio a cidadania plena, e que, portanto, não pode ser complacente com práticas acadêmicas que se distanciam de tal ideário. É preciso reatar os nós que estabelecem a conexão de profissionais e discentes com a realidade social da qual fazem parte. É preciso, como apontado no importante artigo de Naomar Almeida Filho, reviver, plenamente, Anísio Teixeira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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