Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados

Prevalence and characterization of chronic pain among the elderly living in the community

Resumos

Os objetivos deste estudo foram: determinar a prevalência da dor crônica em idosos servidores municipais e caracterizar esta dor quanto ao local, intensidade, duração, freqüência do episódio e horário preferencial. Estudo transversal de base populacional realizado em área urbana de Londrina, Paraná, Brasil. A população pesquisada foi de 451 idosos servidores municipais. A coleta de dados foi realizada por entrevista domiciliar, aplicada ao idoso. Considerou-se dor crônica toda dor com duração igual ou superior a seis meses, e idoso, todo servidor com mais de sessenta anos. Constatou-se prevalência de dor crônica de 51,44%. Os locais de dores mais freqüentes foram: região dorsal (21,73%) e membros inferiores (21,5%). A dor em região dorsal foi descrita como diária (31,63%), contínua ou com duração entre 1 e 6 horas (19,39%), leve (50%) e sem horário preferencial (56,12%). Dor em membros inferiores foi descrita como diária (42,27%), com duração variável (32,99%) ou contínua (22,68%), leve (53,61%) e sem horário preferencial (48,45%). Evidenciou-se alta prevalência de dor crônica em idosos. As características da dor observadas podem interferir na qualidade de vida dessa população, impondo sofrimento desnecessário.

Dor; Saúde do Idoso; Estudos Transversais


The purpose of this cross-sectional study was to determine the prevalence of chronic pain in elderly municipal employees (n = 451) in Londrina, Paraná State, Brazil, and to characterize the pain in relation to: location, intensity, duration of episode, periodicity, and most frequent time of day. Data were collected using home interviews. Chronic pain was defined as lasting > six months and the elderly were defined as > 60 years of age. Overall prevalence of chronic pain was 51.44%, involving mostly the back (21.73%) and lower limbs (21.5%). Back pain was described as daily (31.63%), continuous, or lasting 1-6 hours (19.39%), mild (50%), and without a specific time of day (56.12%). Pain in the lower limbs was described as daily (42.27%), of variable duration (32.99%) or continuous (22.68%), mild (53.61%), and without a specific time of day (48.45%). The study showed a high prevalence of chronic pain in the elderly, with characteristics that can interfere in their quality of life, causing unnecessary suffering.

Pain; Aging Health; Cross-Sectional Studies


ARTIGO ARTICLE

Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados

Prevalence and characterization of chronic pain among the elderly living in the community

Mara Solange Gomes DellarozaI; Cibele Andrucioli de Mattos PimentaII; Tiemi MatsuoIII

ICentro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil

IIEscola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

IIICentro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil

Correspondência Correspondência: M. S. G. Dellaroza Departamento de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde Universidade Estadual de Londrina. Rua Borba Gato 1078, apto. 904, Londrina, PR 86010-630, Brasil. maradellaroza@dilk.com.br

RESUMO

Os objetivos deste estudo foram: determinar a prevalência da dor crônica em idosos servidores municipais e caracterizar esta dor quanto ao local, intensidade, duração, freqüência do episódio e horário preferencial. Estudo transversal de base populacional realizado em área urbana de Londrina, Paraná, Brasil. A população pesquisada foi de 451 idosos servidores municipais. A coleta de dados foi realizada por entrevista domiciliar, aplicada ao idoso. Considerou-se dor crônica toda dor com duração igual ou superior a seis meses, e idoso, todo servidor com mais de sessenta anos. Constatou-se prevalência de dor crônica de 51,44%. Os locais de dores mais freqüentes foram: região dorsal (21,73%) e membros inferiores (21,5%). A dor em região dorsal foi descrita como diária (31,63%), contínua ou com duração entre 1 e 6 horas (19,39%), leve (50%) e sem horário preferencial (56,12%). Dor em membros inferiores foi descrita como diária (42,27%), com duração variável (32,99%) ou contínua (22,68%), leve (53,61%) e sem horário preferencial (48,45%). Evidenciou-se alta prevalência de dor crônica em idosos. As características da dor observadas podem interferir na qualidade de vida dessa população, impondo sofrimento desnecessário.

Dor; Saúde do Idoso; Estudos Transversais

ABSTRACT

The purpose of this cross-sectional study was to determine the prevalence of chronic pain in elderly municipal employees (n = 451) in Londrina, Paraná State, Brazil, and to characterize the pain in relation to: location, intensity, duration of episode, periodicity, and most frequent time of day. Data were collected using home interviews. Chronic pain was defined as lasting > six months and the elderly were defined as > 60 years of age. Overall prevalence of chronic pain was 51.44%, involving mostly the back (21.73%) and lower limbs (21.5%). Back pain was described as daily (31.63%), continuous, or lasting 1-6 hours (19.39%), mild (50%), and without a specific time of day (56.12%). Pain in the lower limbs was described as daily (42.27%), of variable duration (32.99%) or continuous (22.68%), mild (53.61%), and without a specific time of day (48.45%). The study showed a high prevalence of chronic pain in the elderly, with characteristics that can interfere in their quality of life, causing unnecessary suffering.

Pain; Aging Health; Cross-Sectional Studies

Introdução

Muito se tem estudado sobre o envelhecimento populacional como um fenômeno mundial. Visando a assegurar boa qualidade de vida à população idosa, é essencial avaliar os fatores de morbidade a que esta população está exposta.

O crescimento da população mundial tende a confirmar as projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS) que prevê para o ano 2025, 30 milhões de idosos, o que corresponderá a 10% da população brasileira 1,2. Essas cifras levarão o país a ocupar a sexta posição entre os países com maior número de idosos do mundo (OMS, 1982, apud Silvestre 2).

Em Londrina, cidade do interior do Estado do Paraná, Brasil, o fenômeno do envelhecimento populacional já é percebido quando comparamos dados dos censos de 1991 e 2000. No primeiro (1991) o índice de envelhecimento da população de Londrina era de 15% passando a 24% em 2000 3.

Essa mudança na pirâmide populacional traz conseqüências na estrutura onde os idosos estão inseridos: família, mercado de trabalho, política econômica, organização e metas dos serviços de saúde e sociais 1,4,5.

O processo de envelhecimento, na maioria das vezes, não se caracteriza como um período saudável e de independência. Ao contrário, caracteriza-se pela alta incidência de doenças crônicas e degenerativas que, muitas vezes, resultam em elevada dependência 5,6,7,8. Muitos desses quadros são acompanhados por dor e, em significativa parcela deles, a dor crônica é a principal queixa do indivíduo, fato que pode interferir de modo acentuado na qualidade de vida dos idosos.

Entre as conseqüências que a transição demográfica e a longevidade têm trazido à sociedade, a dor é das mais significativas. A dor é compreendida como um fenômeno multifatorial, e a lesão tecidual, aspectos emocionais, sócio-culturais e ambientais são fatores que compõem o fenômeno 9,10,11.

A dor crônica, como uma doença e não um sintoma pode ter conseqüências na qualidade de vida. Fatores como depressão, incapacidade física e funcional, dependência, afastamento social, mudanças na sexualidade, alterações na dinâmica familiar, desequilíbrio econômico, desesperança, sentimento de morte e outros, encontram-se associados a quadros de dor crônica. A dor passa a ser o centro, direciona e limita as decisões e comportamentos do indivíduo. Acarreta, ainda, fadiga, anorexia, alterações do sono, constipação, náuseas, dificuldade de concentração, entre outros 12. A impossibilidade de controlá-la traz sempre sofrimento físico e psíquico 13. Todos esses fatores associados parecem aumentar a morbidade entre os idosos e onerar o sistema de saúde.

As conseqüências biopsicossociais da dor crônica enfatizam a importância do dimensionamento da sua prevalência visando ao planejamento de medidas para seu controle e tratamento.

Apesar da magnitude da dor, apontada em estudos internacionais, no Brasil não se encontraram estudos sobre prevalência de dor crônica em idosos da comunidade. Esse fato dificulta a sensibilização de profissionais da área de saúde para o problema da dor dos idosos, a criação de serviços, o planejamento de programas e a alocação de recursos humanos e materiais visando ao controle da dor crônica nessa população. Diante disso, é emergente a necessidade de estudos epidemiológicos sobre a prevalência de dor crônica entre idosos. Assim, os objetivos do presente estudo foram: determinar a prevalência da dor crônica em idosos servidores municipais de Londrina e caracterizar a dor crônica em idosos quanto ao local, intensidade, duração, freqüência e horário preferencial do episódio.

Método

Este estudo, do tipo transversal de base populacional, foi autorizado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Londrina e pelos órgãos competentes da Prefeitura Municipal de Londrina.

Assumiremos neste estudo o conceito de dor da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) de 1986 (apud Merskey 14, p. 210), que refere-se à dor como "uma experiência sensorial e emocional desagradável que é descrita em termos de lesões teciduais, reais ou potenciais. A dor é sempre subjetiva e cada indivíduo aprende e utiliza este termo a partir de suas experiências anteriores".

Dor crônica é definida como "aquela que persiste além do tempo razoável para a cura de uma lesão" 14 (p. xi). É também descrita como aquela associada a processos patológicos crônicos, que causam dor contínua ou recorrente em intervalos de meses ou anos. Neste estudo foi considerada dor crônica aquela com duração igual ou superior a seis meses, de caráter contínuo ou recorrente, conforme preconizado pela IASP 14.

Considerou-se idoso todo indivíduo com mais de sessenta anos, conforme preconizado pela OMS para países em desenvolvimento 15.

As perguntas utilizadas para avaliar a ocorrência de dor crônica, segundo os critérios estabelecidos foram: "Sentiu alguma dor nesta última semana incluindo hoje?", "Tem alguma outra dor que não ocorreu na última semana?", "Há quanto tempo sente estas dores?".

Foi realizado em julho de 1999 o teste piloto para adaptações no roteiro de entrevista e no sistema de tabulação dos dados.

A população constituiu-se de 529 idosos, ou seja, a totalidade dos servidores municipais de Londrina, com mais de sessenta anos. Foram entrevistados 451 idosos, o que representou perda de 14,47% da população (78 idosos); as causas das perdas foram incapacidades física ou cognitiva 11,5% das perdas (9 idosos), alcoolismo 1,3% (1 idoso), recusa 20,5% (16 idosos) e não localização do idoso após 6 tentativas 66,7% (52 idosos). A proporcionalidade das perdas quanto a sexo e idade não interferiu na representatividade da população pesquisada.

O método de coleta foi entrevista domiciliar. A coleta de dados ocorreu de outubro de 1999 a março de 2000, e foi realizada por dez entrevistadores de campo selecionados a partir de um treinamento de trinta horas com temas teóricos práticos sobre dor e técnica de entrevista a idosos.

O roteiro de entrevista constituiu-se de três partes. A primeira com o objetivo de realizar a caracterização sócio-econômica.

A segunda parte objetivou determinar a prevalência de dor crônica no último ano e sua caracterização quanto ao local, intensidade, tempo de ocorrência, freqüência e duração dos episódios. Para essa categorização utilizou-se a classificação de dor crônica da IASP 14.

Para avaliação da intensidade, optou-se pela escala de copos proposta por Whaley & Wong 16 e testada por Wong & Baker 17, e avaliada como adequada no teste piloto e em estudo realizado com idosos brasileiros 18. A referida escala compõe-se do desenho de seis copos onde o primeiro copo "vazio" representa sem dor e o sexto copo "cheio", representa a pior dor imaginável. Nessa escala os copos "2" e "3" representaram dor leve, copos "4" e "5" dor moderada e o copo "6", dor intensa.

A última parte do instrumento constituía-se no Mini Exame do Estado Mental proposto por Folstein et al. 19. A opção por realizar a avaliação cognitiva deveu-se ao desejo de obter informações sobre um aspecto que, sabe-se, influi no relato da queixa de dor.

Os dados coletados foram organizados em planilhas do programa Excell e realizada análise estatística utilizando-se o programa SAS versão 6.12 (SAS Institute, Cary, Estados Unidos). Foram realizadas análises de freqüência absoluta e relativa e medidas de posição: média e mediana e dispersão através do desvio padrão. Realizaram-se teste de c2 para avaliar a homogeneidade das freqüências ou Fisher e Tukey para comparação múltipla entre as médias considerando-se em µ = 0,05, ou seja, consideram como significativos os testes cujo valor de p for menor do que 0,05.

Resultados

Na Tabela 1 apresentamos o perfil sócio-demográfico dos idosos pesquisados.

A distribuição entre as faixas etárias está de acordo com a realidade nacional, mas a distribuição quanto ao sexo não reflete a realidade do Brasil, visto que a mulher figura em maior número na faixa etária acima de sessenta anos. As diferenças encontradas quanto ao sexo, pela presente pesquisa, possivelmente devam-se ao fato de que a base populacional do estudo foi uma fonte empregatícia 3, o que aumenta a probabilidade de maior presença de homens.

Referente à categorização social observa-se uma significativa representatividade de todas as categorias sócio-econômicas, conforme a classificação de classe sócio-econômica da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME) 20. Todas as categorias apresentaram grande variabilidade de renda per capita.

Os escores obtidos no Mini Exame de Estado Mental demonstraram um nível cognitivo normal entre os idosos entrevistados. Os idosos entre 60 e 75 anos apresentaram escore médio de 24,84, com mediana de 26 e desvio padrão de 3,95. Já os idosos acima de 75 anos apresentaram média de 22,32, mediana de 24,50 e desvio padrão de 6,37.

A Tabela 2 abaixo apresenta a prevalência de idosos com dor crônica, ou seja, dor com duração igual ou superior a seis meses.

Observa-se que 51,4% apresentaram queixa de dor crônica. Desses, 39,9% referiram uma dor crônica, 9,3% duas dores e 2,2% três dores crônicas.

Os 232 idosos com dor crônica referiram ao todo 294 locais de dor crônica, e os locais mais prevalentes foram: região dorsal (21,7%) e membros inferiores (21,5%).

Considerando-se que dores em membros inferiores e em região dorsal foram as mais freqüentes, correspondendo a 43,2% das dores crônicas, optou-se por organizar os dados de acordo com as variáveis: dor em membros inferiores, dor em região dorsal e outras dores, que inclui todos os outros locais de dores referidas.

A dor em região dorsal teve freqüência variável em 38,8% dos casos, seguida de episódios diários (31,6%). A duração dos episódios foi descrita como variável em 37,8% das dores, contínua em 19,4% dos casos e com duração entre 1 e 6 horas também em 19,4% das vezes. A intensidade da dor dorsal foi leve em metade dos casos e moderada em 42,7% das vezes. Não houve horário preferencial na maior parte das queixas (56,1%) e, em 20,4% dos casos, o período da manhã foi referido como o de maior ocorrência.

Conforme relatado, a dor em membros inferiores foi diária em 42,3% das vezes, a duração dos episódios foi variável em 33% dos casos e descrita como contínua em 22,7% dos relatos. A dor foi leve em 53,6% das queixas, moderada em 35% das vezes e, em 11,3% dos casos, foi descrita como intensa. Não houve horário de maior ocorrência em 48,45% das dores e, em cerca de 19% dos casos, os horários da tarde e da noite foram descritos como os de maior ocorrência.

Dor em outros locais teve freqüência variável em 31,31%, seguida de episódios semanais (30,3%) e diários (24,2%). A duração dos episódios foi variável em 31,3%, e com duração de 1 a 6 horas em 21,2% e maior que 6 horas em 18,2%. A intensidade foi leve em metade dos casos, moderada em 38,4% dos casos, e em 10,1% foi descrita como intensa. Não houve horário preferencial em 52,5% das queixas e, em 20,2% dos casos o período da noite foi descrito como preferencial.

A intensidade foi leve em metade dos casos, moderada em 38,4% dos casos, e em 10,1% foi descrita como intensa. Não houve horário preferencial em 52,5% das queixas e, em 20,2% dos casos o período da noite foi descrito como preferencial.

Relativamente às dores crônicas, a freqüência diária ocorreu em 32,6% e em 31,3% a freqüência foi variável. A duração do episódio foi considerada variável em 34%, em 19,1% foi de 1 a 6 horas de duração e em 18,4% foi contínua. A dor foi leve em 50,7%, moderada em 38,4% e intensa em 9,5%. Em 52,4% dos casos a incidência da dor não esteve limitada a um horário específico, em 16,3% a incidência deu-se no período da noite e em 13,6% no período da manhã e no da tarde.

Aos idosos com dores múltiplas foi indagado qual dor mais o incomodava, e 21,7% deles responderam ser a dor em membros inferiores, e para 19,6%, a dor em região dorsal. A terceira dor que mais incomoda foi a dor abdominal, em 7,6% dos casos.

Discussão

Neste estudo foi observada dor crônica em 51,44% dos idosos. Helme & Gibson 21 que estudaram mil idosos comunitários com dor há mais de três meses, observaram prevalência de 51% para jovens idosos (60 a 75 anos), 48% para idosos (75 a 85 anos) e de 55% para os "mais idosos" (acima de 85 anos). Brattberg et al. 22 pesquisaram 537 idosos da comunidade com mais de 77 anos e encontraram 72,8% com alguma queixa dolorosa. Roy & Thomas 23, ao estudarem 205 idosos vinculados a uma associação social e recreativa, observaram que 69,75% tiveram alguma queixa de dor. A maior prevalência encontrada nos estudos de Brattberg et al. 22 e Roy & Thomas 23 talvez seja justificada pela não explicitação dos critérios utilizados na definição da dor, o que sugere que nesta prevalência podem estar incluídas as dores agudas. Nota-se o quanto os critérios estabelecidos para definir dor crônica permitem grande variabilidade de achados e a inclusão de queixas, potencialmente, muito diversas. Há que se refinar esse conceito.

Estudos sobre dor em idosos institucionalizados relataram prevalência que variou de 71 a 83% 12,23,24. Essas variações devem-se aos diferentes critérios utilizados na definição de dor crônica e a não explicitação do tempo de ocorrência de dor. Prevalência mais elevada de dor em idosos institucionalizados pode ser devido a piores condições de saúde dos mesmos, quando comparados com idosos da comunidade 25,26.

O estudo de Birse & Lander 27 realizado com adultos canadenses (n = 410) com 12,5% da amostra de idosos, encontrou 58,3% de prevalência de dor no grupo de 65 a 74 anos e 53,3% para os idosos acima de 75 anos, valores que se aproximam do valor de 51,44% do presente estudo.

As prevalências de dor crônica encontradas na região dorsal, membros inferiores, cabeça e face, no abdômen e nos membros superiores (Tabela 3) coincidem com estudos que também encontraram dor em região dorsal e em membros inferiores como as mais prevalentes na população idosa 25.

Em vários estudos observou-se que com o aumento da idade a prevalência de dor em região dorsal tende a diminuir, quando comparada com outras faixas etárias 28,29. Entretanto, von Korff et al. 9, não encontraram relação entre idade e dor no dorso.

Em estudos realizados com adultos, em que se incluíram idosos, a prevalência de dor lombar variou de 14 a 49% 5,9,29,30. Andersson et al. 29 utilizaram como critério de dor crônica aquela com duração superior a três meses e encontraram prevalência de 23,8%, semelhante à encontrada no presente estudo (21,73%).

Na presente pesquisa a prevalência de dor crônica em membros inferiores foi de 21,5%. A maioria dos estudos demonstrou que a freqüência de dor nas pernas e nos pés aumenta com a idade 25,29,31,32,33,34.

Herr et al. 31 observaram em 3.094 idosos, 64% de prevalência de dor em membros inferiores, no último ano. Os autores, porém, não apresentaram critérios quanto ao tempo de dor, o que faz supor que nessa prevalência tenham-se incluído dores agudas. Outros estudos referem-se a partes dos membros inferiores como o joelho, cuja prevalência variou entre 12,7 e 48% 28,29,33, nos pés cuja prevalência ficou entre 9,6 e 31% 28,29,33,34,35 e nos quadris, em torno de 10% 28,29. As variações de prevalência constatadas nos estudos devem-se aos diferentes delineamentos de pesquisa.

Em estudo de dores em geral entre idosos institucionalizados foi possível discriminar as prevalências relacionadas a membros inferiores. Cãibras em membros inferiores e dores nos joelhos ocorreram em 6,52% dos avaliados, 4,34% tiveram dor no quadril por artrite e dor nos pés e 5,43% por claudicação 12. Não há nesse estudo especificação do tempo de duração da dor, assim a prevalência encontrada pode ter incluído dores agudas.

A terceira dor crônica mais prevalente no presente estudo foi dor na cabeça e face, que acometeu 7,09% dos idosos.

Em estudos específicos de cefaléia em população de comunidade, a prevalência varia conforme a classificação utilizada e conforme o sexo, ficando esta entre 36 e 53% 36,37. A diferença entre os valores descritos e os observados na presente pesquisa pode ser explicada pela maior sensibilidade dos estudos específicos. Em estudos sobre dores em geral em idosos institucionalizados, a prevalência de cefaléia variou entre 7 e 23,2% 12,24. Os estudos citados não especificam critérios para a classificação da dor, o que torna difícil a comparação.

Poucos estudos caracterizaram a dor quanto à freqüência dos episódios. Um estudo com 100 idosos institucionalizados encontrou 66% deles com dores intermitentes, sendo que 51% destas dores ocorriam diariamente e 35% semanalmente 12. Cabe salientar que a maior freqüência de episódios de dor com freqüência "variável" era esperada na presente pesquisa, devido à diversidade das dores estudadas, e que a porcentagem de dores com freqüência diária foi bastante significativa, podendo resultar em forte impacto na qualidade de vida do idoso.

A tentativa de analisar a duração e a freqüência da recorrência deveu-se à compreensão de que tais aspectos estariam ligados ao desconforto e comprometimento da qualidade de vida. Esses dados são apresentados na Tabela 4. Esses aspectos são pouco explorados nos estudos epidemiológicos. Em estudo de dores em geral, encontrou-se 34% dos idosos com dores contínuas e 66% com dores recorrentes. Dessas, 51% recorriam diariamente 12.

Um aspecto que pode interferir na qualidade de vida das pessoas com dor crônica é a intensidade da dor. No presente estudo, 42,71% daqueles com dor na região dorsal, 35,05% dos que informaram dor em membros inferiores e 38,43% das queixas de dor em geral, consideraram a dor como moderada. A dor foi descrita em aproximadamente 10% das vezes como intensa em membros inferiores e em outros locais, e em cerca de 7% dos casos de dor dorsal. Considerando que a população da presente pesquisa não foi selecionada a partir de um serviço de saúde ou de idosos institucionalizados, situações nas quais poderíamos esperar maior "gravidade" de queixas de dor, acredita-se que o quadro de dor descrito é significativo e apresenta características que podem comprometer a funcionalidade dos indivíduos.

Na maioria dos estudos a intensidade do fenômeno álgico é amplamente estudada e relacionada ao grau de incapacidade. Dois estudos sobre dores em geral, realizados com idosos institucionalizados, encontraram entre 18 e 52% dos idosos com dor intensa 12,24. Tais estudos utilizaram para avaliar a magnitude da dor instrumentos diferentes dos utilizados na presente pesquisa, e estudaram idosos de hospital-dia (18% de dor intensa) 24 e de uma instituição de internação permanente e com diferentes graus de dependência (52% de dor intensa) 12.

As características de freqüência, duração do episódio e intensidade da dor (Tabela 4), associadas aos aspectos psicossociais, repercutem na funcionalidade, bem-estar e qualidade de vida do idoso. Tais aspectos justificam que o controle da dor em idosos é uma questão de saúde pública e de respeito humano.

A escassez de estudos que abordam esse aspecto inviabiliza comparações. Cabe destacar a porcentagem de idosos com dores noturnas, fato que certamente interfere na qualidade do sono, já normalmente alterado entre idosos, e que tem conseqüências sobre a disposição física e mental para as atividades diárias. Cabe ressaltar que o presente estudo não teve como objetivo determinar a etiologia da dor. Encontrou-se na literatura estudo em que 77% dos idosos relataram dor em membros inferiores relacionada a cãibras noturnas 31.

Das variáveis sócio-demográficas analisadas (Tabela 5), somente o sexo associou-se à presença de dor. Não se observaram associações entre dor e faixa etária, categoria profissional, situação ocupacional, escolaridade, estado conjugal, classe social e renda familiar e renda per capita. A dor foi mais freqüente em mulheres. O número de idosos pesquisados pode ter interferido na análise das variáveis, já que para o estudo de algumas variáveis o tamanho da amostra foi insuficiente. A maioria dos estudos epidemiológicos encontrou maior prevalência de dor entre mulheres 22,29,33,34,38,39, o que concorda com o observado na presente pesquisa.

Conclusão

Trata-se do primeiro estudo brasileiro sobre a prevalência de dor crônica em idosos não vinculados a serviços de saúde. Os achados demonstraram que a dor foi freqüente e com características capazes de comprometer a qualidade de vida dos idosos. O presente estudo forneceu dados para o planejamento de medidas visando à prevenção e controle da dor crônica.

Colaboradores

M. S. G. Dellaroza e C. A. M. Pimenta elaboraram o artigo. T. Matsuo foi responsável pelas análises estatísticas.

Recebido em 01/Fev/2006

Versão final reapresentada em 29/Set/2006

Aprovado em 06/Nov/2006

  • 1. Castro CRN, Rodrigues RAP. O idoso e a aposentadoria. Rev Esc Enfermagem USP 1992; 26:275-88.
  • 2. Silvestre JA, Kalache A, Ramos LR, Veras RP. O envelhecimento populacional brasileiro e o setor saúde. Arq Geriatr Gerontol 1996; (1):81-9.
  • 3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de população. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2006/ (acessado em 30/Set/2006).
  • 4. Laurenti R. Transição demográfica e transição epidemiológica. In: Anais do I Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Rio de Janeiro: ABRASCO; 1990. p. 143-65.
  • 5. Valkenburg HA. Epidemiologic considerations of the geriatric population. Gerontology 1988; 34 Suppl 1:2-10.
  • 6. Ramos LR, Rosa TEC, Oliveira ZM, Medina MCG, Santos FRG. Perfil do idoso em área metropolitana na região sudeste do Brasil: resultados de inquérito domiciliar. Rev Saúde Pública 1993; 27:87-94.
  • 7. Chaimowicz F. A saúde dos idosos brasileiros às vésperas do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev Saúde Pública 1997; 31:184-200.
  • 8. Teixeira MJ, Pimenta CAM. Introdução. In: Teixeira MJ, Côrrea CF, Pimenta CAM, organizadores. Dor: conceitos gerais. São Paulo: Editora Limay; 1994. p. 3-6.
  • 9. von Korff M, Dwokin SF, Le Resche L, Kruger A. An epidemiologic comparison of pain complaints. Pain 1988; 12:173-83.
  • 10. Jacob WF, Magold RM, Chiamolera M. Característica da dor no idoso. In: Jacob WF, organizador. Envelhecimento do sistema nervoso e a dor no idoso. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 1996. p. 103-10.
  • 11. Pimenta CAM, Teixeira MJ. Avaliação da dor. Revista de Medicina 1997; 76:27-35.
  • 12. Ferrel BA, Ferrel BR, Osterweil D. Pain in the nursing home. J Am Geriatr Soc 1990; 38:409-14.
  • 13. Pimenta CAM, Koizumi MS, Teixeira MJ. Dor, depressão e conceitos culturais. Arquivos de Neuro-psiquiatria 1997; 55:370-80.
  • 14. Merskey NB. Classification of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms prepared by the International Association for the Study of Pain. 2nd Ed. Seattle: IASP Press; 1994.
  • 15
    Política Nacional do Idoso. Lei n. 8.842 de janeiro de 1994. www.planalto.gov.br/cccivil_03/Leis/l8842.htm (acessado em 02/Set/2005).
  • 16. Whaley L, Wong DL. Nursing care of infants and children. 3rd Ed. St. Louis: Mosby; 1987.
  • 17. Wong DL, Baker CM. Pain in children: comparison of assessment scales. Pediatr Nurs 1988; 14:9-17.
  • 18. Pimenta CAM, Cruz DAL. Instrumento para avaliação da dor, o que há de novo em nosso meio. In: Anais 3ş Simpósio Internacional de Dor. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudo da Dor; 1997. p. 40-6.
  • 19. Folstein M, Folstein S, McHygh P. Mini mental state: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinical. J Psychiatr Res 1975; 12:189-98.
  • 20. Portnoi AG. Dor, stress e coping grupos operativos em doentes com síndrome de fibromialgia [Tese de Doutorado]. São Paulo: Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo; 1999.
  • 21. Helme RD, Gibson SJ. Pain in the elderly. In: Jensen TS, Turner JA, editors. Proceedings of the 8th Word Crongress on Pain. Seattle: IASP Press 1997. p. 919-44.
  • 22. Brattberg G, Parker MG, Thorslund M. The prevalence of pain among the oldest old in Sweden. Pain 1996; 67:29-34.
  • 23. Roy R, Thomas M. A survey of chronic pain in an elderly population. Can Fam Physician 1986; 32:513-6.
  • 24. Parmelee PA, Smith B, Katz TR. Pain complaints and cognitive status among elderly instituition residents. J Am Geriatr Soc 1993; 41:517-22.
  • 25. Helme RD, Gibson SJ, Croft PR, Linton SJ, Le Resche L, von Korff M. Pain in the older people. In: Crombie IK, Croft PR, Linton SJ, Le Resche L, von Korff M, editors. Epidemiology of pain. Seattle: IASP Press; 1999. p. 103-12.
  • 26. Gagliese L, Katz J, Melzack R. Pain in the elderly. In: Wall PD, Milzack R, editors. Textbook of pain. 4th Ed. Livingstone: Churchill; 1999. p. 991-1006.
  • 27. Birse TM, Lander J. Prevalence de chronic pain. Can J Public Health 1998; 89:129-31.
  • 28. Bergström BG, Bjelle A, Sundh V, Svanborg A. Joint disordens at ages 70, 75 and 79 year a cross- sectional comparison. Br J Rheumatol 1986; 25:333-41.
  • 29. Andersson HI, Ejlertsson G, Leden I, Rosenberg C. Chronic pain in a geographically defined general population: studies of differences in age, gender, social class, and pain localization. Clin J Pain 1993; 9:174-82.
  • 30. Badley EM, Tennant A. Changing profile of joint disorders with age: findings from a postal survey of the population of Calderdale, West Yorkshire, United Kingdom. Ann Rheum Dis 1992; 51:366-71.
  • 31. Herr KA, Mobily PR, Wallace RB, Chung Y. Leg pain in the rural Towa: 65 + population. Clin J Pain 1991; 7:114-21.
  • 32. Mobily PR, Herr KA, Clark MK, Wallace RB. An epidemiologic analysis of pain in the elderly: the Iowa 65 + rural health study. J Aging Health 1994; 6:139-54.
  • 33. Woo L, Ho SC, Lau J, Leung PC. Musculoskeletal complaints and associated consequences in elderly chinese aged 70 years and over. J Rheumatol 1994; 21:1927-31.
  • 34. Benvenuti F, Ferrucci L, Guralnik JM, Gangemi S, Baroni A. Foot pain and disability in older persons: an epidemiologic survey. J Am Geriatr Soc 1995; 43:479-84.
  • 35. Leveille SG, Guralnik JM, Ferruci L, Hirsch R, Simonsick E, Hochberg MC. Foot pain and disability in older women. Am J Epidemiol 1998; 148:657-65.
  • 36. Cook NR. Correlates of headache in a population based cohort of elderly. Arch Neurol 1989; 46:1338-43.
  • 37. Wang SJ, Liu HC, Fuh JL, Liu CY, Lin KP, Chen HM, et al. Prevalence of headaches in a Chinese elderly population in Kinmen: age and gender effect and cross-cultural comparisons. Neurology 1997; 49:195-200.
  • 38. Lasvky-Shulan M, Wallace RB, Kohout F, Lemke JH, Morris MC, Smith IM. Prevalence and functional correlates of low back pain in the elderly: the Iowa 65+ rural health study. J Am Geriatr Soc 1985; 33:23-8.
  • 39. von Korff M, Dwokin SF, Le Resche L, Kruger A. An epidemiologic comparison of pain complaints. Pain 1988; 12:173-83.
  • 40. Prefeitura do Município de Londrina. Lei Municipal nş. 5.832/94. Jornal Oficial do Município de Londrina 1997; 27 jul.
  • Correspondência:

    M. S. G. Dellaroza
    Departamento de Enfermagem, Centro de Ciências da Saúde
    Universidade Estadual de Londrina.
    Rua Borba Gato 1078, apto. 904, Londrina, PR
    86010-630, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Revisado
      29 Set 2006
    • Recebido
      01 Fev 2006
    • Aceito
      06 Nov 2006
    Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br