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RESENHAS BOOK REVIEWS

Daniela Koeller Rodrigues Vieira

Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. daniela.vieira@iff.fiocruz.br

IDENTIDADES EMERGENTES, GENÉTICA E SAÚDE: PERSPECTIVAS ANTROPOLÓGICAS. Santos RV, Gibbon S, Beltrão J, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Garamond/Editora Fiocruz; 2012. 272p.

ISBN: 978-85-7617-257-4.

Os estudos sociais sobre ciência vêm contribuindo para analisar como os fatores sociais são constitutivos do conhecimento científico e como se dá o relacionamento da ciência com o mundo 1. Um papel central para as ciências da vida, em especial da genética, a partir da década de 90, vem sendo conferido nesses estudos 2.

Como uma contribuição a esse campo em expansão, os novos conhecimentos sobre genética e os impactos destes sobre questões sociais, são analisados no livro Identidades Emergentes, Genética e Saúde: Perspectivas Antropológicas com base em exemplos empíricos que abordam vários temas relevantes na área da genética e saúde.

A estrutura do texto é subdividida em três partes distintas. A primeira, Saúde, Genética e Sociedade: Novas/Velhas Questões, Novas/Velhas Configurações é composta por três capítulos que trazem novas abordagens para antigos assuntos.

O artigo de Sandra Caponi, Degeneração e Eugenia na História da Psiquiatria Moderna, estuda em profundidade os caminhos que seguiram as discussões, conceitos e classificações da psiquiatria baseados nas teorias da degeneração e da eugenia, no "mito da degeneração hereditária" e na saúde como normalidade. A autora nos mostra como ainda na atualidade o determinismo neurogenético é defendido em publicações cientificas e populares em detrimento de outras áreas, empobrecendo as possibilidades de encontrarem-se soluções reais para tais problemas.

Agressividade e Violência, a Difícil Tarefa de Conceituar no Diálogo entre Geneticistas e Cientistas Sociais, de Gláucia Silva, trata de analisar baseando-se em artigos de um médico e de uma socióloga sobre as possíveis interlocuções entre áreas do conhecimento tão distintas, ao tratar de um tema como a violência. Ela realiza uma análise crítica a partir da qual demonstra os problemas decorrentes de uma visão especializada da biologia, que muitas vezes chega a respostas simplificadoras baseadas na ideia de seleção natural. A visão da antropologia, ao mesmo tempo, vem mudando para poder incluir novas contribuições à disciplina, possibilitando, conforme sugerido por Ingold, que tanto as ciências humanas como as naturais possam contribuir para o estudo das culturas.

Luís David Castiel contribui com o capítulo Saúde, Longevidade e Genética, um Olhar Biopolítico. Partindo da análise na grande rede do termo longevidade, os resultados encontrados na busca demonstram a participação expressiva dos conhecimentos biológicos e genômicos apresentados como possibilidades para a ampliação da duração da vida. As questões que envolvem a genética na saúde, como é o caso da identificação de predisposições genéticas, criam novos problemas para as discussões envolvendo o conceito de risco e do controle dos riscos. O autor irá discutir como o biopoder e o epidemiopoder que têm como objeto a saúde e a vida de indivíduos e populações, têm impacto nas decisões sobre saúde e também na definição de novas dimensões como as especializações, a bioeconomia e a molecularização da vida humana.

A segunda parte, Reprodução, Molecularização e Biopolítica da Vida em Si, é formada por mais três capítulos. No primeiro deles, Rosely Gomes Costa escreve sobre a questão da doação de sêmen e classificação étnico-racial no Brasil. A autora analisa os critérios da classificação étnico-racial utilizados por três bancos no Estado de São Paulo, levando em conta as tensões surgidas entre o desejo das famílias de conhecer as características do doador em contraponto à necessidade imposta pela legislação brasileira sobre a manutenção do seu anonimato. Seu artigo mostra claramente a insuficiência dos critérios para a caracterização dos doadores, assim como o impacto das questões culturais e sociais que estão imbricadas nas questões bioéticas e antropológicas relacionadas ao tema.

O assunto Identidade Genética no Debate sobre o Estatuto de Fetos e Embriões é trazido à luz por Naara Luna, com base nos processos jurídicos do Supremo Tribunal Federal. A autora faz a análise dos pareceres proferidos por especialistas e juristas, e discute sobre as diferenças de enfoque trazidas pelos pareceristas oriundos da área biomédica e pelos juristas, e o uso de conhecimentos da área da genética a favor e contra as posições pró-vida. Discussão empreendida mostra o impacto sociocultural do uso de conhecimentos especializados da biologia e da genética humana e sua contribuição para a "genetização do ser humano e das relações familiares".

A Molecularização do Câncer de Próstata: Reflexões sobre o Chip de DNA, de Marko Monteiro e Ricardo Vêncio, faz uma reflexão sobre a utilização de novas tecnologias para a classificação desta doença, com impacto na conceituação, no diagnóstico e prognóstico. Os autores comparam o uso das antigas classificações baseadas no estudo anatomopatológico dos tumores e o uso do diagnóstico molecular por meio da técnica de array, demonstrando como o uso de novas tecnologias pode influenciar nas decisões terapêuticas e informações sobre prognóstico. Com base nessa análise, ampliam a discussão para a questão da molecularização da vida e dos conceitos em saúde e a mudança nas representações sociais das doenças.

A terceira parte do livro, Tecnologias Genéticas e Identidades Étnico-Raciais Emergentes, discute o impacto dos conhecimentos em genética nas questões sociais e políticas envolvendo populações específicas.

Elena Calvo-Gonzáles traz em seu artigo a discussão sobre os Usos Políticos da Leucopenia e Diferenças Raciais no Brasil Contemporâneo. Esse texto apresenta as diferentes formas em que se apresentam as questões raciais no Brasil, a partir do olhar de empregados, empregadores e na discussão e formulação de políticas sociais e relacionadas ao trabalho.

Michael Kent, no único capítulo que trata da questão externa ao Brasil, discute no texto A Importância de SER Uro: Movimentos Indígenas, Políticas de Identidade e Pesquisa Genética nos Andes Peruanos. O texto apresenta uma análise dos resultados encontrados por pesquisadores na área da genética e sua utilização como subsídio para questões relacionadas a disputas políticas e econômicas da população em estudo, mostrando como o conhecimento genético foi relevante na construção da identidade e do reconhecimento social do povo uro.

O artigo Biorrevelações: Testes de Ancestralidade Genética em Perspectiva Antropológica Comparada, de Verlan Valle Gaspar Neto, Ricardo Ventura Santos e Michael Kent, mostra várias formas de se apresentarem os testes de ancestralidade genética em diferentes países, influenciados pela forma como as populações de tais regiões do globo valorizam tal tipo de informação. No caso do Brasil, por exemplo, o reconhecimento da miscigenação da população como um valor influencia no tipo de teste oferecido pelo laboratório estudado.

Os autores possibilitam, após a leitura da obra, uma reflexão sobre as modificações sociais que estão ocorrendo a partir dos novos conhecimentos em genética, em especial baseando-se nas discussões sobre o biopoder e sobre a molecularização da vida. É relevante que tanto os cientistas das áreas humanas como aqueles oriundos das ciências naturais possam incluir em suas discussões os aspectos debatidos nos estudos sociais sobre a ciência.

  • 1. Nunes JA. Um discurso sobre as ciências 16 anos depois. In: Santos SB, organizador. Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. 2Ş Ed. São Paulo: Cortez Editora; 2006. p. 59-83.
  • 2. Lee R. O destino das "duas culturas": mais uma salva de tiros nas "guerras da ciência". In: Santos SB, organizador. Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. 2Ş Ed. São Paulo: Cortez Editora; 2006. p. 85-102.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013
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