No processo de publicação científica, é comum que autores se questionem ou questionem os editores sobre os motivos que levaram à recusa de seus artigos sem a etapa de revisão por pares.
Historicamente, a publicação científica passou por alterações substanciais que redefiniram o papel dos pesquisadores e dos periódicos. Entre os principais efeitos dessas alterações, destaca-se a intensificação da exigência de produção e submissão de artigos, acompanhada pelo aumento da produtividade que, em muitos casos, favorece a quantidade em detrimento da qualidade e que pode comprometer a integridade científica. Como consequência desse fenômeno, observa-se um cenário caracterizado por um verdadeiro paper boom, que gera uma pressão direta sobre todos os atores envolvidos no processo editorial. Com o crescimento exponencial da quantidade de artigos que as revistas científicas recebem mensalmente, especialmente aquelas que não cobram taxas de envio ou publicação, tornou-se necessário readequar os processos editoriais.
Mudanças de procedimentos ou de práticas estabelecidas não representam, necessariamente, uma solução definitiva para os desafios da publicação científica. No entanto, representam uma estratégia necessária para garantir a qualidade do bom fluxo de trabalho na comunicação científica. Nesse contexto, também recai sobre os autores a responsabilidade de adotar cuidados rigorosos, de modo que seus textos possam ser avaliados e compreendidos adequadamente 1. A submissão de um artigo acadêmico costuma ser um momento de entusiasmo, mas demanda paciência e atenção minuciosa aos detalhes, de modo a reduzir ao máximo a ocorrência de erros 1.
Em CSP, todos os manuscritos passam por uma avaliação inicial quanto à adequação do tema, relevância metodológica e alinhamento com os objetivos e escopo da revista 2. Por recebermos muito mais submissões do que podemos enviar para avaliação por pares, não é possível encaminhar todos os trabalhos para essa etapa. Nesse sentido, priorizamos artigos que tragam contribuições inovadoras e originais, informações bem organizadas, referências atualizadas e de interesse mais amplo para nossa comunidade de leitores. É primordial que os artigos tenham algum tipo de relevância social.
A recusa nessa etapa não significa falhas em todos os aspectos do artigo, tais como qualidade, métodos ou outros critérios de avaliação. Muitas vezes, recebemos trabalhos sobre temas recorrentes, que acabam por repetir discussões já amplamente exploradas e publicadas. Nesses casos, damos preferência àqueles que rompem com o “mais do mesmo”, oferecendo contribuições novas, sejam teóricas, metodológicas ou empíricas 3. Quando isso não ocorre, entendemos que o manuscrito não constitui prioridade no momento e pode ter melhor acolhida em outros periódicos. A celeridade na emissão dessa decisão permite que os autores direcionem oportunamente seu artigo a outro veículo de divulgação. Certamente os autores podem recorrer das decisões editoriais, em qualquer etapa da avaliação. Entretanto, nessa etapa específica, a solicitação de pareceres encontra limitações, justamente em função do motivo que fundamenta a recusa.
Os editoriais desempenham uma função essencial e são elemento chave do processo de publicação científica. Cumprem o papel de expressar as reflexões do Conselho Editorial sobre os artigos selecionados, sobre um tema específico, sobre tendências emergentes ou sobre políticas editoriais. Representam, portanto, “a voz da revista” − o espaço em que se manifesta sua identidade, se revelam seus valores, se delineiam os caminhos que pretende oferecer a leitores e autores, e se registram as perspectivas de seus editores 4.
Antes de elaborar um manuscrito, é recomendável que o autor escolha previamente a revista em que pretende publicar. Para isso, é fundamental realizar uma leitura atenta dos editoriais e verificar se o tema do artigo dialoga com as áreas e os interesses centrais da publicação. Também é importante observar se o assunto já foi tratado anteriormente e com que frequência: o fato de haver publicações indica pertinência, mas, em alguns casos, pode sinalizar saturação do tema, reduzindo o interesse editorial no momento. Quando não há esse alinhamento, a alternativa mais adequada é direcionar o texto a outro periódico cuja linha editorial se aproxime mais da comunicação que se deseja estabelecer.
O conceito de originalidade no processo de publicação não se limita ao ineditismo dos dados ou dos objetivos do estudo. Ele envolve, sobretudo, a capacidade de compreender como o fenômeno investigado se desenvolve ao longo do tempo e de estabelecer sua relação com a realidade das populações afetadas. Um exemplo marcante são os estudos sobre a pandemia de COVID-19. Ao menos num primeiro momento, CSP deu prioridade a análises mais atualizadas dos impactos da pandemia em comparação com estudos que, embora situados em contextos inéditos, tratavam de dinâmicas já amplamente descritas em outros cenários. Naturalmente, esse não é um critério binário, tampouco inquestionável, e cada submissão é avaliada em suas especificidades.
Outro aspecto importante diz respeito à própria escrita acadêmico-científica. Diferentes gêneros discursivos compõem a rotina do pesquisador: do projeto ou proposta inicial até a divulgação dos resultados de uma pesquisa em teses, artigos e relatórios. Muitas vezes, porém, em função da pressão por produtividade e de prazos cada vez mais curtos, muitos autores acabam submetendo artigos recortados diretamente de outros documentos - ou, pior ainda, não chegam a ter formação adequada para distinguir um gênero de outro. O rigor mantido por CSP quanto a esse aspecto é uma forma de resistência à naturalização dessa produtividade desmedida.
Este editorial convida os leitores a conhecer - ou revisitar - as diretrizes de CSP, apresentadas ao longo de seus editoriais, tanto as mais antigas quanto as mais recentes. O espaço editorial funciona como um farol, orientando a submissão de estudos alinhados ao perfil da revista e que contribuam para o avanço do conhecimento científico, mantendo-se, ao mesmo tempo, aberto à pluralidade de percursos e perspectivas que caracterizam o campo da Saúde Coletiva.
Referências bibliográficas
- 1 Santos MSL, Mesquita CT. Publication of a scientific article: what authors need to know. Int J Cardiovasc Sci 2023; 36:e20230115.
- 2 Alves LC, Carvalho MS, Lima LD. Transparency and editorial process: how do Editors-in-Chief work? Cad Saúde Pública 2022; 38:e00089822.
- 3 Carvalho MS, Travassos C, Coeli CM. More of the same epidemiology? Cad Saúde Pública 2013; 29:2141.
- 4 van Teijlingen ER, Hundley V, Sathian B, Simkhada P, Robinson J, Banerjee I. The art of the Editorial. Nepal J Epidemiol 2022; 12:1135-8.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
03 Set 2025 -
Aceito
04 Set 2025
