Acessibilidade / Reportar erro

Como as heurísticas e os vieses cognitivos afetam as decisões sobre vacinação

Resumo:

A imunização, a intervenção da saúde pública mais bem sucedida até hoje, só pode ser eficaz se as pessoas elegíveis ou seus representantes legais tiverem acesso às vacinas e aderirem ao seu uso. A subvacinação pode resultar de várias causas: acesso, viabilidade, conscientização, aceitação e ativação. Neste trabalho, focamos na aceitação e, especificamente, nos concentramos nos fatores relativos à cooperação do indivíduo ou de seus pais, especificamente a psicologia do julgamento e da tomada de decisões. Descrevemos como as heurísticas e os vieses cognitivos - um aspecto dos pensamentos e sentimentos - afetam a tomada de decisão quanto à vacinação. Além disso, abordamos quando e como os processos sociais desempenham um papel e como as atitudes em relação às vacinas podem refletir uma atitude ou ideologia subjacente mais geral. A compreensão de como a tomada de decisões em relação às vacinas ocorre e o papel desempenhado pelas heurísticas e pelos vieses cognitivos pode ajudar a informar as intervenções de saúde pública de forma mais adequada.

Palavras-chave:
Vacinação; Cognição; Heurística

Abstract:

Immunization, the most successful public health intervention to date, can only be effective if eligible individuals or their legal representatives have access to vaccines and subsequently comply with their use. Under-vaccination stems from multiple causes: access, affordability, awareness, acceptance and activation. In this paper, we focus on acceptance and, specifically, on factors pertaining to individual or parental compliance, specifically the psychology of judgment and decision making. We describe how heuristics and cognitive biases - a facet of thoughts and feelings - affect vaccination decision making. Additionally, we address when and how social processes play a role and how attitudes towards vaccines might reflect a more general underlying attitude or ideology. The understanding of how decision making, with regards to vaccines occurs, and the role played by heuristics and cognitive biases can help inform more appropriate public health interventions.

Keywords:
Vaccination; Cognition; Heuristics

Resumen:

La inmunización es la intervención en salud pública más exitosa hasta la fecha. No obstante, sólo puede ser efectiva si las personas elegibles, o sus representantes legales, tienen acceso a las vacunas y, consecuentemente, cumplen con su uso. Existen múltiples causas de infravacunación: acceso, asequibilidad, concienciación, aceptación y activación. En este trabajo, nos enfocamos en la aceptación y esceficamente, centrándonos en factores respecto a la conformidad individual o parental, específicamente en cuanto a la psicología de juicio y toma de decisiones. Describimos como sesgos heurísticos y cognitivos -una faceta de pensamientos y sentimientos- que afectan a la toma de decisiones sobre la vacunación. Asimismo, nos centramos en cuándo y cómo los procesos sociales desempeñan un papel y cómo las actitudes hacia las vacunas quizás reflejen una actitud subyacente más general o ideológica. La compresión sobre cómo se toman las decisiones, en relación a cuándo se tienen que tomar las vacunas y el papel desempeñado por sesgos heurísticos y cognitivos puede informarnos más apropiadamente sobre las intervenciones en salud pública.

Palabras-clave:
Vacunación; Cognición; Heurística

Introdução

A imunização, a intervenção da saúde pública mais bem sucedida até hoje, só pode ser eficaz se as pessoas elegíveis ou seus representantes legais tiverem acesso às vacinas e concordarem em usá-las. A subvacinação em um determinado local pode resultar de várias causas: acesso, viabilidade, conscientização, aceitação e ativação 11. Thomson A, Robinson K, Vallee-Tourangeau G. The 5As: a practical taxonomy for the determinants of vaccine uptake. Vaccine 2016; 34:1018-24., que interagem em níveis sobrepostos com as políticas, instituições, comunidades e fatores inter e intrapessoais 22. Bedford H, Attwell K, Danchin M, Marshall H, Corben P, Leask J. Vaccine hesitancy, refusal and access barriers: the need for clarity in terminology. Vaccine 2018; 36:6556-8.,33. McLeroy KR, Bibeau D, Steckler A, Glanz K. An ecological perspective on health promotion programs. Health Educ Q 1988; 15:351-77.. Neste trabalho, nos concentramos nos fatores relativos à concordância ou adesão dos pais, ou seja, presumimos o acesso, a viabilidade e a conscientização. Especificamente, nos concentramos na psicologia do julgamento e da tomada de decisões e na economia comportamental 44. Ariely D. Predictably irrational: the hidden forces that shape our decisions. New York: Harper; 2008.. A incorporação de insights da psicologia para aumentar a cobertura vacinal foi revista em um trabalho de 2017 de Brewer et al. 55. Brewer NT, Chapman GB, Rothman AJ, Leask J, Kempe A. Increasing vaccination: putting psychological science into action. Psychol Sci Public Interest 2017; 18:149-207., que descreve como os pensamentos, os sentimentos e os processos sociais influenciam a tomada de decisões. Neste trabalho enfatizamos de que modo as heurísticas e os vieses cognitivos - um aspecto dos pensamentos e sentimentos - afetam a tomada de decisão quanto à vacinação.

Os estudos mostraram como as pessoas adotam as heurísticas simples quando são confrontadas com uma tarefa probabilística complexa. A heurística é um atalho mental que permite que as pessoas resolvam problemas e façam julgamentos de forma rápida e intuitiva. Às vezes referida como regra-de-ouro, a heurística reduz significativamente o tempo das tomadas de decisões e permite que as pessoas ajam com mais eficiência, sem parar constantemente para pensar melhor sobre o próximo plano de ação 66. Kahneman D. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux; 2011.. A heurística é útil em diversas situações, mas também pode levar a vieses previsíveis (ou erros sistemáticos) ao fazer as previsões. Os pioneiros no campo de julgamento e tomada de decisões incluem Sarah Lichtenstein, Paul Slovic e Amos Tversky, que posteriormente trabalhou com Daniel Kahneman 66. Kahneman D. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux; 2011.,77. Slovic P. Perception of risk. Science 1987; 236:280-5..

Usando a terminologia popularizada por Kahneman em Thinking Fast and Slow66. Kahneman D. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux; 2011. (p. 21), os dois modos de pensar dos seres humanos são o rápido (sistema 1), que “opera automática e rapidamente sem nenhuma percepção de controle voluntário”, e o devagar (sistema 2), que “requer atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam e são associadas com a experiência subjetiva de atividade e escolha”. A tomada de decisões é resultante dos dois sistemas, sendo chamada de processamento dual.

Conforme proposto em modelos teóricos de comportamento, tais como o Modelo de Crenças em Saúde, mais aplicado em estudos sobre imunização, a percepção de uma pessoa sobre o risco e a gravidade da doença, bem como as percepções dos benefícios e das barreiras das vacinas, são consideradas como fatores que têm influência no comportamento. No processamento dual, uma decisão do sistema 2 sobre a vacinação implicaria em contrabalançar o peso da probabilidade dos resultados relativos à doença e à vacina de acordo com as melhores evidências disponíveis. No entanto, como descrito brevemente, ao decidir sobre vacinar a si mesmo ou a uma criança, uma percepção do sistema 1 sobre os riscos provavelmente tem um papel importante. Neste trabalho, nos concentramos nas heurísticas e nos vieses cognitivos que foram vinculados e que foram mais descritos e estudados em relação às decisões sobre vacinação. A compreensão de como a tomada de decisões relativa às vacinas ocorre e o papel desempenhado pelas heurísticas e pelos vieses cognitivos pode ajudar a informar as intervenções de saúde pública de forma mais adequada.

Heurísticas e vieses importantes para o destinatário e a mensagem

As percepções do risco referem-se à avaliação intuitiva do risco pela pessoa, que é mais influenciada pelos conhecimentos e pelas informações que foram recebidos de diversas fontes 77. Slovic P. Perception of risk. Science 1987; 236:280-5.. A Internet está cada vez mais se tornando a fonte de informações relativas à saúde onde podem ser encontradas informações de especialistas, além de narrativas contendo informações pessoais de validade desconhecida. Em comparação com as estimativas objetivas do risco, as narrativas fornecem informações sobre uma experiência individual que pode despertar uma resposta emocional (afeto) que oriente o julgamento do risco para além das informações objetivas; isso foi chamado de “heurística do afeto” 88. Blumenthal-Barby JS, Krieger H. Cognitive biases and heuristics in medical decision making: a critical review using a systematic search strategy. Med Decis Making 2015; 35:539-57.,99. Slovic P, Finucane ML, Peters E, MacGregor DG. Risk as analysis and risk as feelings: some thoughts about affect, reason, risk, and rationality. Risk Anal 2004; 24:311-22.. Em um estudo experimental online realizado com estudantes universitários da Alemanha, os participantes receberam informações estatísticas e narrativas detalhando experiências pessoais com uma doença juntamente com a recomendação de vacinar seus filhos contra a doença 1010. Betsch C, Ulshofer C, Renkewitz F, Betsch T. The influence of narrative v. statistical information on perceiving vaccination risks. Med Decis Making 2011; 31:742-53.. O objetivo era avaliar se o tom emocional da narrativa influenciaria a magnitude percebida do risco e a intenção subsequente de vacinar. Os participantes foram expostos a informações que foram manipuladas em relação ao número de narrativas citadas, bem como ao seu conteúdo emocional. Em seguida, foi pedido que eles avaliassem o risco e a gravidade da doença, e informassem sobre as intenções de vacinação. Os autores concluíram que o número de narrativas, ao contrário das informações estatísticas objetivas, foi a variável crítica que influenciou os julgamentos feitos sobre os riscos e eventos adversos após a vacinação, diminuindo, portanto, as intenções de vacinação 1010. Betsch C, Ulshofer C, Renkewitz F, Betsch T. The influence of narrative v. statistical information on perceiving vaccination risks. Med Decis Making 2011; 31:742-53..

Outro estudo de 2015 explorou o impacto da “heurística do afeto” em uma estrutura de processamento dual para a tomada de decisões em relação a um cenário hipotético de vacina contra a gripe aviária em uma amostra representativa em âmbito nacional dos Estados Unidos 11. O estudo avaliou especificamente a direção da influência entre as variáveis heurísticas e de processamento sistemático, adaptando modelos alternativos aos dados empíricos. A intenção de vacinação foi medida por meio de perguntas sobre qual seria a probabilidade de os participantes tomarem a nova vacina, presumindo que ela estavisse prontamente disponível e fosse gratuita. Os benefícios e os riscos da vacinação foram ambos avaliados com um item cada um, de modo similar à suscetibilidade e à percepção de gravidade em relação à gripe aviária hipotética. O afeto foi medido por meio da solicitação para que os participantes indicassem “o seu sentimento em relação a tomar a vacina”. Os resultados sugeriram uma influência bidirecional entre afeto e crenças: as pessoas com o afeto mais positivo consideraram que as vacinas eram mais benéficas e se percebiam como mais suscetíveis; o afeto também teve um efeito positivo na intenção de vacinação. Além disso, os resultados indicaram que a gravidade percebida previa o afeto.

A “heurística da disponibilidade” é o atalho mental que confia nos exemplos imediatos que vêm à mente ao avaliar o risco de um resultado 88. Blumenthal-Barby JS, Krieger H. Cognitive biases and heuristics in medical decision making: a critical review using a systematic search strategy. Med Decis Making 2015; 35:539-57.. Ou seja, as pessoas avaliam um perigo como mais arriscado quando existe um resultado mais marcante mas menos provável do que um perigo com um resultado menos marcante mas mais provável. Por exemplo, a doença meningocócica é uma doença rara que o público pode associar a imagens vívidas de vítimas com erupções cutâneas e membros amputados. A gripe, por outro lado, é mais comum e mais transmissível, mas vista como de menor risco devido à natureza normal e banal dos desfechos: sintomas do trato respiratório superior. Do mesmo modo, as pessoas podem superestimar a probabilidade de doenças com maiores taxas de letalidade sem considerar as taxas de ataque ou de incidência, levando a cenários assustadores de doença grave.

A “aversão à ambiguidade” é a preferência apresentada por probabilidades conhecidas ou certas em relação a probabilidades desconhecidas ou incertas 88. Blumenthal-Barby JS, Krieger H. Cognitive biases and heuristics in medical decision making: a critical review using a systematic search strategy. Med Decis Making 2015; 35:539-57.. Foi constatado que ela teve um papel em um estudo qualitativo usando entrevistas detalhadas semiestruturadas com pais australianos, divididos em grupos dependendo da situação vacinal de seus filhos (completa, incompleta, parcial e nenhuma) 1212. Bond L, Nolan T. Making sense of perceptions of risk of diseases and vaccinations: a qualitative study combining models of health beliefs, decision-making and risk perception. BMC Public Health 2011; 11:943.. O medo do desconhecido se mostrou importante: tanto os pais vacinadores como os não vacinadores temiam o desconhecido, mas percebiam o desconhecido de modo diferente. Entre os vacinadores, as doenças menos conhecidas eram percebidas como mais graves e, portanto, valiam a tomada de uma ação preventiva (p.ex.: meningite). Por outro lado, os não vacinadores temiam o desconhecido das vacinas, que eram descritas não somente como ineficazes como também perigosas. Ao mesmo tempo, a doença era percebida como tendo risco somente para crianças “desnutridas, com saneamento precário e com sistema imunológico comprometido”, e também era minimizada dado que “o acesso ao hospital estaria prontamente disponível se necessário1212. Bond L, Nolan T. Making sense of perceptions of risk of diseases and vaccinations: a qualitative study combining models of health beliefs, decision-making and risk perception. BMC Public Health 2011; 11:943. (p. 7).

O “viés otimista”, mencionado como um dos vieses mais consistentes e predominantes, embora ausente em pessoas deprimidas 1313. Sharot T. The optimism bias. Curr Biol 2011; 21:R941-5., refere-se às nossas inferências sobre a probabilidade de eventos futuros e é marcada por uma superestimação da probabilidade de coisas positivas ou uma subestimação da probabilidade de coisas negativas acontecerem. No estudo acima mencionado entre pais australianos 1212. Bond L, Nolan T. Making sense of perceptions of risk of diseases and vaccinations: a qualitative study combining models of health beliefs, decision-making and risk perception. BMC Public Health 2011; 11:943., ao avaliar uma notícia hipotética sobre uma nova cepa de gripe, o viés otimista apareceu como tendo um papel. Embora os cenários fossem construídos para incluir os entrevistados no grupo de risco, os participantes não acreditavam que estavam em risco. Especificamente, eles estavam mais dispostos a correr riscos pela não vacinação quando reagiam a um cenário que implicava em riscos para eles próprios (os pais) do que para seus filhos.

A “antecipação do arrependimento” (ou medo do arrependimento) aparece frequentemente nos estudos como influenciador nas decisões sobre a vacinação. Aqui, as pessoas antecipam o arrependimento quanto a um determinado resultado da vacinação ou da não vacinação. É uma emoção altamente negativa. Uma metanálise de 2016 sobre o papel da antecipação do arrependimento em vários tipos de comportamentos de saúde mostraram que está associada com a intenção comportamental, bem como com a adoção real do comportamento. Além disso, o arrependimento antecipado por uma decisão de adotar um comportamento (arrependimento da ação) foi menos determinante do comportamento do que o arrependimento antecipado pela inação (ou seja, de decidir não adotar um comportamento) 1414. Brewer NT, DeFrank JT, Gilkey MB. Anticipated regret and health behavior: a meta-analysis. Health Psychol 2016; 35:1264-75.. Isso foi particularmente relevante para a vacinação; nove entre dez classificações de estudos de antecipação do arrependimento pela ação (vacinação) foram mais baixas do que as classificações de arrependimento pela inação (abster-se da vacinação). Conforme declarado pelos autores, “a inação geralmente desafia a autoridade médica, deixando o tomador de decisões mais vulnerável à autorrecriminação1414. Brewer NT, DeFrank JT, Gilkey MB. Anticipated regret and health behavior: a meta-analysis. Health Psychol 2016; 35:1264-75. (p. 1270), o que torna o arrependimento antecipado pela inação um importante impulsionador psicológico da adoção das vacinas. Do mesmo modo, em um estudo com 114 pais, os autores exploraram o impacto das percepções dos riscos da doença e da vacina, os benefícios das vacinas juntamente com a percepção da antecipação ou não do arrependimento e os sentimentos de responsabilidade caso o dano tenha ocorrido como resultado da inação (omissão) ou da ação (comissão) 1515. Wroe AL, Bhan A, Salkovskis P, Bedford H. Feeling bad about immunising our children. Vaccine 2005; 23:1428-33.. O arrependimento antecipado do dano ocorrido como resultado da não imunização foi altamente correlacionado com a probabilidade de optar pela vacina MMR (explicando 24% da variação), enquanto o arrependimento antecipado do dano ocorrido como resultado da imunização com a MMR foi altamente correlacionado com a probabilidade de imunização com vacinas individuais (sarampo, caxumba, rubéola).

Um viés contrastante (e controverso) relacionado é o “viés de omissão”, ou a tendência a preferir o dano devido a um ato de omissão do que a um ato de comissão. O viés de omissão foi sugerido para desempenhar um papel em um estudo que constatou que os pais preferiam aceitar resultados significativamente piores da doença da gripe do que da sua vacina 1616. Brown KF, Kroll JS, Hudson MJ, Ramsay M, Green J, Vincent CA, et al. Omission bias and vaccine rejection by parents of healthy children: implications for the influenza A/H1N1 vaccination programme. Vaccine 2010; 28:4181-5.. Uma fundamentação para essa constatação poderia ter origem no fato de que as vacinas são administradas como prevenção em pessoas saudáveis e, portanto, seus benefícios só podem ser estimados no nível populacional, enquanto seus riscos (reais ou presumidos) são visíveis no nível individual 1717. Dube E, Laberge C, Guay M, Bramadat P, Roy R, Bettinger J. Vaccine hesitancy: an overview. Hum Vaccin Immunother 2013; 9:1763-73.. Dito isso, outros autores sugeriram que o viés da omissão na verdade funciona por meio da antecipação do arrependimento, que assim se constitui no processo cognitivo primário para a tomada de decisões sobre vacinação 1818. Connolly T, Reb J. Omission bias in vaccination decisions: where's the "omission"? Where's the "bias"? Organ Behav Hum Decis Process 2003; 91:186-202..

O “viés de confirmação” refere-se à observação de que “os pontos de vista iniciais fortes são resistentes à mudança porque influenciam o modo como as informações subsequentes são interpretadas77. Slovic P. Perception of risk. Science 1987; 236:280-5. (p. 281). A facilidade com que as informações de saúde podem ser pesquisadas online faz com que o potencial de um viés de confirmação tenha um papel cada vez maior na esfera da vacinação, bem como em outras decisões relativas à saúde. É importante ressaltar que a Internet mudou a frequência relativa das informações médicas ou científicas ligadas às informações de fontes desconhecidas sobre um tema, tornando-se uma plataforma para o compartilhamento de histórias e/ou informações não oficiais 1919. Meppelink CS, Smit EG, Fransen ML, Diviani N. "I was right about vaccination": confirmation bias and health literacy in online health information seeking. J Health Commun 2019; 24:129-40.. Em um experimento online, os autores mostraram como a literacia em saúde desempenha um papel no contexto do viés de confirmação 1919. Meppelink CS, Smit EG, Fransen ML, Diviani N. "I was right about vaccination": confirmation bias and health literacy in online health information seeking. J Health Commun 2019; 24:129-40.. Uma amostra de 480 pais de crianças com idades de 0 a 4 anos foi avaliada com instrumentos que mediam a literacia em saúde e as crenças quanto à vacinação, sendo apresentada uma lista com 10 títulos de mensagens sobre vacinação entre os quais os pais deveriam selecionar os cinco que mais os interessaram. Por fim, eles foram expostos a duas mensagens completas de texto de cerca de 200 palavras e solicitados a classificar a percepção quanto à credibilidade e a utilidade das informações. Como era esperado pelo viés de confirmação, os resultados mostraram que os pais preferiram os títulos de mensagens que eram consistentes com suas crenças e classificaram as informações que eram consistentes com suas crenças como mais confiáveis e úteis 1919. Meppelink CS, Smit EG, Fransen ML, Diviani N. "I was right about vaccination": confirmation bias and health literacy in online health information seeking. J Health Commun 2019; 24:129-40..

O “efeito de enquadramento” é um viés cognitivo em que as escolhas são influenciadas pelo modo como o conteúdo da mensagem é apresentado, ou seja, com consequências positivas ou negativas ou, como descrito de forma mais tradicional, em um enquadramento de ganha-perde. No experimento inicial publicado em 1984, foram apresentadas estratégias hipotéticas equivalentes com o objetivo de combater a “doença asiática” 2020. Kahneman D, Tversky A. Choices, values and frames. Am Psychol 1984; 39:341-50.. Para cada cenário, todos os quais tinham exatamente a mesma utilidade de 200 pessoas salvas, foram apresentadas duas estratégias. No cenário 1 (enquadramento de ganho), as estratégias eram: (A) Salva 200 pessoas e (B) Tem 1/3 de chances de salvar 600 pessoas. No cenário 2 (enquadramento de perda), as estratégias eram: (A) Permite a morte de 400 pessoas e (B) Tem 1/3 de chances de que ninguém morra. Os resultados mostraram que no cenário 1 as pessoas preferiram a opção de certeza A e no cenário 2 as pessoas preferiram a opção de incerteza B, ou seja, a escolha da estratégia foi feita em função de se a estratégia foi apresentada em um quadro positivo ou negativo.

A partir desse estudo original, diversos estudos empíricos exploraram qual tipo de enquadramento é mais eficaz e em quais circunstâncias. Um estudo de 2016 fornece uma ampla revisão da evidência experimental e meta-analítica do efeito do enquadramento de mensagens e, ao mesmo tempo, questionando a fundamentação teórica subjacente do efeito proposto 2121. Van 't Riet J, Cox AD, Cox D, Zimet GD, De Bruijn GJ, Van den Putte B, et al. Does perceived risk influence the effects of message framing? Revisiting the link between prospect theory and message framing. Health Psychol Rev 2016; 10:447-59.. Uma revisão da literatura em 2018 2222. Penta MA, Baban A. Message framing in vaccine communication: a systematic review of published literature. Health Commun 2018; 33:299-314. sobre enquadramento de mensagens ganho-perda relativas às vacinas incluiu 34 estudos (16 dos quais já tinham sido analisados em uma revisão metanalítica 2323. O'Keefe DJ, Nan X. The relative persuasiveness of gain- and loss-framed messages for promoting vaccination: a meta-analytic review. Health Commun 2012; 27:776-83. mais 16 novos estudos), nos quais 12 não mostravam nenhum efeito principal ou interativo significativo do enquadramento na adesão, intenção ou atitude em relação às vacinas. Quatro estudos mostraram (ao contrário da hipótese inicial) um efeito de perda no enquadramento de mensagens em comparação ao quadro de ganho. Parece que a eficácia relativa do enquadramento de mensagens de ganho vs. perda depende de outras características, pertencentes ao indivíduo ou ao formato e ao conteúdo das mensagens. Além disso, o resultado da metanálise anterior 2323. O'Keefe DJ, Nan X. The relative persuasiveness of gain- and loss-framed messages for promoting vaccination: a meta-analytic review. Health Commun 2012; 27:776-83. está alinhado com essas novas constatações, já que mostrou que o enquadramento de mensagens de ganho e perda não diferem significativamente quanto à eficácia.

Outro viés importante que foi menos estudado em relação às vacinas é o “efeito Dunning-Krueger”, no qual “os indivíduos sem muito conhecimento não conseguem avaliar corretamente o seu próprio conhecimento em comparação a especialistas sobre o assunto2424. Motta M, Callaghan T, Sylvester S. Knowing less but presuming more: Dunning-Kruger effects and the endorsement of anti-vaccine policy attitudes. Soc Sci Med 2018; 211:274-81. (p. 275). Um aspecto importante é que as pessoas em geral não têm informações ou têm informações incorretas sobre a segurança das vacinas 2525. Brown KF, Kroll JS, Hudson MJ, Ramsay M, Green J, Long SJ, et al. Factors underlying parental decisions about combination childhood vaccinations including MMR: a systematic review. Vaccine 2010; 28:4235-48., e as plataformas online e de mídias sociais são usadas para disseminar informações sem comprovação científica 2626. Kata A. Anti-vaccine activists, Web 2.0, and the postmodern paradigm: an overview of tactics and tropes used online by the anti-vaccination movement. Vaccine 2012; 30:3778-89.,2727. Davies P, Chapman S, Leask J. Antivaccination activists on the world wide web. Arch Dis Child 2002; 87:22-5. e/ou teorias de conspiração (para obter uma escala validada para medir as teorias de conspiração relativas a vacinas, consulte Shapiro et al. 2828. Shapiro GK, Holding A, Perez S, Amsel R, Rosberger Z. Validation of the vaccine conspiracy beliefs scale. Papillomavirus Res 2016; 2:167-72.). Uma pesquisa nacional dos Estados Unidos de 2018 avaliou o papel do “efeito Dunning-Krueger” para explicar as atitudes relacionadas às “políticas antivacinação” 2424. Motta M, Callaghan T, Sylvester S. Knowing less but presuming more: Dunning-Kruger effects and the endorsement of anti-vaccine policy attitudes. Soc Sci Med 2018; 211:274-81.. Os autores mediram o conhecimento dos participantes sobre as causas do autismo, suas crenças no mito de que as vacinas causam o autismo, seu nível de confiança no seu próprio conhecimento em relação aos dos “médicos” ou “cientistas” e o quanto eles endossavam as “políticas antivacinação” definidas como “o quanto os pais deveriam ser capazes de decidir por NÃO vacinar seus filhos2424. Motta M, Callaghan T, Sylvester S. Knowing less but presuming more: Dunning-Kruger effects and the endorsement of anti-vaccine policy attitudes. Soc Sci Med 2018; 211:274-81. (p. 277). Entre os resultados, os autores constataram que as pessoas que sabiam menos sobre as causas do autismo e que endossavam o mito de que as vacinas causam o autismo acreditavam que sabiam mais do que os médicos sobre as causas do autismo, e esse excesso de confiança também estava correlacionado com o endosso de “políticas antivacinação”, como definido pelos autores 2424. Motta M, Callaghan T, Sylvester S. Knowing less but presuming more: Dunning-Kruger effects and the endorsement of anti-vaccine policy attitudes. Soc Sci Med 2018; 211:274-81..

Teoria dos Fundamentos Morais

Mais recentemente, estudos baseados na Teoria dos Fundamentos Morais forneceu insights interessantes ao estudo de julgamento e tomada de decisões em relação às vacinas. A Teoria dos Fundamentos Morais teve origem no campo da psicologia social e no trabalho de Jonathan Haidt, Jesse Graham, Craig Joseph e outros 2929. Haidt J. The new synthesis in moral psychology. Science 2007; 316:998-1002.,3030. Graham J, Nosek BA, Haidt J, Iyer R, Koleva S, Ditto PH. Mapping the moral domain. J Pers Soc Psychol 2011; 101:366-85. e está baseada na ideia de que as intuições morais e a moralidade são decorrentes do afeto. De relevância para o presente, o trabalho de Joshua Greene explica o julgamento moral dentro da teoria do processo dual, sendo determinado tanto pelas respostas emocionais automáticas como pelo raciocínio cuidadoso e consciente 3131. Greene J, Haidt J. How (and where) does moral judgment work? Trends Cogn Sci 2002; 6:517-23.,3232. Greene JD. Moral tribes: emotion, reason, and the gap between us and them. New York: Penguin Press; 2013.. É importante observar que o trabalho gerado dentro da Teoria de Fundamentos Morais sugere o entendimento de que as heurísticas e os vieses cognitivos têm raízes subjacentes no julgamento moral. Historicamente, as pessoas que endossam as atividades antivacinação sempre existiram, e provavelmente constituem um fenômeno mundial que nunca vai deixar de existir 3333. Leask J. Should we do battle with antivaccination activists? Public Health Res Pract 2015; 25:e2521515.. Da mesma forma, a antivacinação pode ser uma manifestação de um conjunto mais profundo de valores compartilhados.

A Teoria de Fundamentos Morais foi usada para entender a ideologia política 3434. Graham J, Haidt J, Nosek BA. Liberals and conservatives rely on different sets of moral foundations. J Pers Soc Psychol 2009; 96:1029-46. com estudos recentes sobre o papel da orientação política na formação das atitudes de vacinação. Um relatório de 2014 de uma pesquisa com uma amostra de mais de 2.000 indivíduos demograficamente diversos dos Estados Unidos constatou que aqueles que tinham uma atitude negativa em relação às vacinas, que constituíam a grande minoria, não pertenciam a nenhum grupo político específico 3535. Kahan DM. Vaccine risk perceptions and ad hoc risk communication: an empirical assessment. CCP Risk Perception Studies Report n. 17; Yale Law & Economics Research Paper n. 491. SSRN 2014; 29 jan. https://ssrn.com/abstract=2386034.
https://ssrn.com/abstract=2386034...
. Por outro lado, em uma pesquisa online realizada nos Estados Unidos, os liberais foram constatados como mais a favor das declarações pró-vacinas e menos a favor das declarações antivacinas do que os moderados ou conservadores 3636. Rabinowitz M, Latella L, Stern C, Jost JT. Beliefs about childhood vaccination in the United States: political ideology, false consensus, and the illusion of uniqueness. PLoS One 2016; 11:e0158382.. Do mesmo modo, um estudo ecológico observou, no nível estadual, que os estados com maior filiação de Republicanos (em comparação com a filiação dos Democratas nas eleições de 2012) tinham uma cobertura de vacinas preconizadas para adolescentes significativamente menor (vacinas contra o papilomavírus humano, tétano-difteria-coqueluche acelular e meningocócica). É importante ressaltar, como foi destacado em Motta et al. 2424. Motta M, Callaghan T, Sylvester S. Knowing less but presuming more: Dunning-Kruger effects and the endorsement of anti-vaccine policy attitudes. Soc Sci Med 2018; 211:274-81. e claramente explicado em Sapolsky 3737. Sapolsky RM. Behave: the biology of humans at our best and worst. New York: Penguin Press; 2017., que a orientação política é uma manifestação de uma ideologia subjacente mais ampla que tem origem em fatores profundos e implícitos e tem pouco a ver com uma questão política específica. Para citar uma esfera específica, as diferenças afetivas existem dependendo da ideologia política, com estudos que mostram que, em média, os conservadores são mais ansiosos quanto à ambiguidade, não gostam de novidades, preferem a previsibilidade e a estrutura e percebem as circunstâncias como ameaçadoras mais prontamente 3737. Sapolsky RM. Behave: the biology of humans at our best and worst. New York: Penguin Press; 2017.. Um estudo notável constatou como as escolhas dos políticos podem ser inconscientes quando crianças de 5 a 13 anos elegeram como “capitão do barco” o político vencedor em 71% das vezes entre um par de faces em fotos das eleições que eram desconhecidas para eles 3838. Antonakis J, Dalgas O. Predicting elections: child's play! Science 2009; 323:1183..

Em uma pesquisa de 2019, Rossen et al. 3939. Rossen I, Hurlstone MJ, Dunlop PD, Lawrence C. Accepters, fence sitters, or rejecters: moral profiles of vaccination attitudes. Soc Sci Med 2019; 224:23-7. estudaram a relação entre as atitudes antivacinação e as preferências morais entre pais australianos. Usando a Teoria dos Fundamentos Morais como base do estudo, os autores identificaram quais fundamentos morais eram mais fortemente endossados pelos três diferentes perfis de pais (aceitadores, em cima do muro e rejeitadores) usando análises de perfis latentes. Os autores constataram que os domínios morais de pureza e de liberdade econômica e de estilo de vida eram endossados mais fortemente pelos que rejeitam as vacinas. Especificamente, nessa amostra australiana, embora tenham sido encontrados os três fundamentos morais acima mencionados, a ideologia política não foi associada com os perfis antivacinação, o que também foi constatado em outro trabalho dos Estados Unidos 3535. Kahan DM. Vaccine risk perceptions and ad hoc risk communication: an empirical assessment. CCP Risk Perception Studies Report n. 17; Yale Law & Economics Research Paper n. 491. SSRN 2014; 29 jan. https://ssrn.com/abstract=2386034.
https://ssrn.com/abstract=2386034...
.

Outra teoria interessante propõe que os acionadores de atitudes antivacinação não são propriamente as vacinas nem os fatores próximos relacionados aos seus riscos e benefícios, mas sim as “raízes das atitudes” 4040. Hornsey MJ, Harris EA, Fielding KS. The psychological roots of anti-vaccination attitudes: a 24-nation investigation. Health Psychol 2018; 37:307-15.. As raízes das atitudes foram propostas recentemente como explicação para uma rejeição mais geral da ciência, seja em relação às vacinas, ao clima ou outros campos 4141. Hornsey MJ, Fielding KS. Attitude roots and Jiu Jitsu persuasion: understanding and overcoming the motivated rejection of science. Am Psychol 2017; 72:459-73.. Para as vacinas, as raízes das atitudes sugerem que as pessoas têm atitudes emocionais ou intuitivas em relação às vacinas e que essa atitude as motiva a pesquisar e a aceitar/rejeitar as evidências de acordo com o quanto elas apoiam suas atitudes anteriores por meio do “raciocínio motivado”. Assim, de modo semelhante ao “efeito Dunning-Krueger” descrito acima, existe um processo cognitivo enviesado sempre que primeiro adotamos uma atitude e depois pesquisamos e questionamos seletivamente a evidência para apoiá-la (em vez de partir da evidência para a atitude) 4242. Kraft PW, Lodge M, Taber CS. Why people "don't trust the evidence": motivated reasoning and scientific beliefs. Ann Am Acad Pol Soc Sci 2015; 658:121-33.. As propostas dessa teoria sugerem que a questão relevante a ser levantada não é “porque as pessoas rejeitam evidências sobre as vacinas”, mas sim “porque as pessoas querem rejeitar as evidências4040. Hornsey MJ, Harris EA, Fielding KS. The psychological roots of anti-vaccination attitudes: a 24-nation investigation. Health Psychol 2018; 37:307-15. (p. 2). Essa mudança de perspectiva sugere que as verdadeiras razões para a rejeição das vacinas são medos subjacentes, questões de identidade e visões do mundo.

Uma pesquisa online em 24 países 4040. Hornsey MJ, Harris EA, Fielding KS. The psychological roots of anti-vaccination attitudes: a 24-nation investigation. Health Psychol 2018; 37:307-15. na qual foram avaliadas as atitudes em relação às vacinas, além das “raízes das atitudes” subjacentes propostas: crenças conspiratórias, horror a sangue e injeções, reatância (ou seja, o quanto as pessoas são céticas quanto às visões de consenso e o quanto são intolerantes em relação a pessoas que lhes dizem como devem pensar) e visões de mundo individualistas ou hierárquicas. Os autores constataram que as crenças conspiratórias eram os maiores indicadores das crenças antivacinação, seguindo-se a reatância e o horror (mesmo após um ajuste quanto a idade, gênero, educação e ideologia política). Estudos qualitativos com pais não praticantes da vacinação constataram um alinhamento com práticas parentais intensivas, crenças sobre responsabilidade pessoal, autoconfiança e saúde natural 4343. Ward JK, Attwell K, Meyer S, Rokkas P, Leask J. Risk, responsibility and negative responses: a qualitative study of parental trust in childhood vaccinations. J Risk Res 2017; 21:1117-30.,4444. Helps C, Leask J, Barclay L, Carter S. Understanding non-vaccinating parents' views to inform and improve clinical encounters: a qualitative study in an Australian community. BMJ Open 2019; 9:e026299.. Eles também podem se ver como apartados, mais vigilantes e mais cuidadosos do que os “outros pouco saudáveis” 4545. Attwell K, Smith DT, Ward PR. 'The Unhealthy Other': how vaccine rejecting parents construct the vaccinating mainstream. Vaccine 2018; 36:1621-6..

Conclusões

No presente trabalho, ressaltamos como a heurística e os vieses cognitivos influenciam as decisões das pessoas, quando e como os processos sociais desempenham um papel e como as atitudes em relação às vacinas podem refletir uma atitude ou visão de mundo subjacente. Esses achados podem ajudar no desenvolvimento de intervenções que levem em consideração esses influenciadores. Do mesmo modo, como ressaltado por Nesse 4646. Nesse RM. Good reasons for bad feelings: insights from the frontier of evolutionary psychiatry. New York: Dutton; 2019. (p. 54), é importante frisar que “as emoções são estados diferenciados que ajustam a fisiologia, a cognição, a experiência subjetiva, as expressões faciais e o comportamento de forma que aumentem a capacidade de atender aos desafios adaptativos de situações que são recorrentes em toda a história evolucionária da espécie”. Sendo assim, ser influenciado por emoções não é necessariamente bom ou mau. O que precisa ser estabelecido em diferentes contextos, por exemplo, é se uma emoção negativa em relação a uma vacina é uma resposta excessiva 4646. Nesse RM. Good reasons for bad feelings: insights from the frontier of evolutionary psychiatry. New York: Dutton; 2019. em relação a um risco muito pequeno (muito menor do que os benefícios em potencial) ou um ceticismo prudente quanto a uma intervenção proposta que é fornecida a um indivíduo saudável para uma doença que talvez a pessoa nunca tenha visto.

Revisamos alguns dos trabalhos sobre a heurística e os vieses cognitivos que foram apresentados como tendo um papel na tomada de decisões relativas à vacinação, mas de forma alguma cobrimos todas as facetas. Uma revisão crítica de 2015 avaliou 213 estudos empíricos originais revistos por pares sobre heurística e vieses cognitivos relativos à tomada de decisões de pacientes e/ou prestadores de serviços em que 28% dos estudos avaliavam uma decisão relativa a exames ou vacinação 88. Blumenthal-Barby JS, Krieger H. Cognitive biases and heuristics in medical decision making: a critical review using a systematic search strategy. Med Decis Making 2015; 35:539-57.. É importante observar, nesse último, que mais de três quartos dos estudos se baseavam em cenários de decisões totalmente hipotéticos, destacando a necessidade de ampliar o estudo da influência da heurística e vieses em cenários reais. Quanto aos fundamentos teóricos para entender a recusa às vacinas, concordamos com a necessidade de atualizar modelos teóricos de comportamentos de saúde 4747. Sturm LA, Mays RM, Zimet GD. Parental beliefs and decision making about child and adolescent immunization: from polio to sexually transmitted infections. J Dev Behav Pediatr 2005; 26:441-52. à luz do trabalho mencionado. Uma revisão seletiva de 2019 tem uma abordagem similar, ressaltando como o conhecimento de como as pessoas tomam decisões pode ajudar as estratégias que incentivam a mudança no comportamento de saúde 4848. Chapman G. A decision-science approach to health-behavior change. Curr Dir Psychol Sci 2019; 28:469-74..

Como foi analisado no livro mais recente de Pinker 4949. Pinker S. Enlightenment now: the case for reason, science, humanism, and progress. New York: Viking; 2018., Enlightment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress, o progresso se desenvolve devagar e gradualmente. As vacinas, um progresso científico notável, trouxeram grandes realizações ao controle de doenças 5050. Omer SB, Salmon DA, Orenstein WA, deHart MP, Halsey N. Vaccine refusal, mandatory immunization, and the risks of vaccine-preventable diseases. N Engl J Med 2009; 360:1981-8., mas doenças evitadas não são notícias na mídia. Na verdade, a imunização oferece enormes benefícios à população, mas, para cada indivíduo participante, a probabilidade de benefício normalmente é baixa (o Paradoxo da Prevenção 5151. Rose G. Sick individuals and sick populations. Int J Epidemiol 1985; 14:32-8.); e com o tempo, os indicadores de risco-benefício diminuem com a continuidade da redução da doença, mas o risco da vacina (embora pequeno) continua constante. Nós, seres humanos, entendemos claramente nossas limitações físicas e, consequentemente, concebemos meios de alcançar nossos objetivos contornando as limitações. Do mesmo modo, argumentamos que se entendermos nossas limitações cognitivas, nossas heurísticas e os vieses consequentes, e como as nossas crenças e atitudes em relação às vacinas podem ser influenciadas pelas emoções, pelos fundamentos morais ou alinhamentos com grupos, poderemos formular melhor os meios de contornar essas limitações para alcançar nossos objetivos comuns.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

References

  • 1
    Thomson A, Robinson K, Vallee-Tourangeau G. The 5As: a practical taxonomy for the determinants of vaccine uptake. Vaccine 2016; 34:1018-24.
  • 2
    Bedford H, Attwell K, Danchin M, Marshall H, Corben P, Leask J. Vaccine hesitancy, refusal and access barriers: the need for clarity in terminology. Vaccine 2018; 36:6556-8.
  • 3
    McLeroy KR, Bibeau D, Steckler A, Glanz K. An ecological perspective on health promotion programs. Health Educ Q 1988; 15:351-77.
  • 4
    Ariely D. Predictably irrational: the hidden forces that shape our decisions. New York: Harper; 2008.
  • 5
    Brewer NT, Chapman GB, Rothman AJ, Leask J, Kempe A. Increasing vaccination: putting psychological science into action. Psychol Sci Public Interest 2017; 18:149-207.
  • 6
    Kahneman D. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux; 2011.
  • 7
    Slovic P. Perception of risk. Science 1987; 236:280-5.
  • 8
    Blumenthal-Barby JS, Krieger H. Cognitive biases and heuristics in medical decision making: a critical review using a systematic search strategy. Med Decis Making 2015; 35:539-57.
  • 9
    Slovic P, Finucane ML, Peters E, MacGregor DG. Risk as analysis and risk as feelings: some thoughts about affect, reason, risk, and rationality. Risk Anal 2004; 24:311-22.
  • 10
    Betsch C, Ulshofer C, Renkewitz F, Betsch T. The influence of narrative v. statistical information on perceiving vaccination risks. Med Decis Making 2011; 31:742-53.
  • 11
    Chen NT. Predicting vaccination intention and benefit and risk perceptions: the incorporation of affect, trust, and television influence in a dual-mode model. Risk Anal 2015; 35:1268-80.
  • 12
    Bond L, Nolan T. Making sense of perceptions of risk of diseases and vaccinations: a qualitative study combining models of health beliefs, decision-making and risk perception. BMC Public Health 2011; 11:943.
  • 13
    Sharot T. The optimism bias. Curr Biol 2011; 21:R941-5.
  • 14
    Brewer NT, DeFrank JT, Gilkey MB. Anticipated regret and health behavior: a meta-analysis. Health Psychol 2016; 35:1264-75.
  • 15
    Wroe AL, Bhan A, Salkovskis P, Bedford H. Feeling bad about immunising our children. Vaccine 2005; 23:1428-33.
  • 16
    Brown KF, Kroll JS, Hudson MJ, Ramsay M, Green J, Vincent CA, et al. Omission bias and vaccine rejection by parents of healthy children: implications for the influenza A/H1N1 vaccination programme. Vaccine 2010; 28:4181-5.
  • 17
    Dube E, Laberge C, Guay M, Bramadat P, Roy R, Bettinger J. Vaccine hesitancy: an overview. Hum Vaccin Immunother 2013; 9:1763-73.
  • 18
    Connolly T, Reb J. Omission bias in vaccination decisions: where's the "omission"? Where's the "bias"? Organ Behav Hum Decis Process 2003; 91:186-202.
  • 19
    Meppelink CS, Smit EG, Fransen ML, Diviani N. "I was right about vaccination": confirmation bias and health literacy in online health information seeking. J Health Commun 2019; 24:129-40.
  • 20
    Kahneman D, Tversky A. Choices, values and frames. Am Psychol 1984; 39:341-50.
  • 21
    Van 't Riet J, Cox AD, Cox D, Zimet GD, De Bruijn GJ, Van den Putte B, et al. Does perceived risk influence the effects of message framing? Revisiting the link between prospect theory and message framing. Health Psychol Rev 2016; 10:447-59.
  • 22
    Penta MA, Baban A. Message framing in vaccine communication: a systematic review of published literature. Health Commun 2018; 33:299-314.
  • 23
    O'Keefe DJ, Nan X. The relative persuasiveness of gain- and loss-framed messages for promoting vaccination: a meta-analytic review. Health Commun 2012; 27:776-83.
  • 24
    Motta M, Callaghan T, Sylvester S. Knowing less but presuming more: Dunning-Kruger effects and the endorsement of anti-vaccine policy attitudes. Soc Sci Med 2018; 211:274-81.
  • 25
    Brown KF, Kroll JS, Hudson MJ, Ramsay M, Green J, Long SJ, et al. Factors underlying parental decisions about combination childhood vaccinations including MMR: a systematic review. Vaccine 2010; 28:4235-48.
  • 26
    Kata A. Anti-vaccine activists, Web 2.0, and the postmodern paradigm: an overview of tactics and tropes used online by the anti-vaccination movement. Vaccine 2012; 30:3778-89.
  • 27
    Davies P, Chapman S, Leask J. Antivaccination activists on the world wide web. Arch Dis Child 2002; 87:22-5.
  • 28
    Shapiro GK, Holding A, Perez S, Amsel R, Rosberger Z. Validation of the vaccine conspiracy beliefs scale. Papillomavirus Res 2016; 2:167-72.
  • 29
    Haidt J. The new synthesis in moral psychology. Science 2007; 316:998-1002.
  • 30
    Graham J, Nosek BA, Haidt J, Iyer R, Koleva S, Ditto PH. Mapping the moral domain. J Pers Soc Psychol 2011; 101:366-85.
  • 31
    Greene J, Haidt J. How (and where) does moral judgment work? Trends Cogn Sci 2002; 6:517-23.
  • 32
    Greene JD. Moral tribes: emotion, reason, and the gap between us and them. New York: Penguin Press; 2013.
  • 33
    Leask J. Should we do battle with antivaccination activists? Public Health Res Pract 2015; 25:e2521515.
  • 34
    Graham J, Haidt J, Nosek BA. Liberals and conservatives rely on different sets of moral foundations. J Pers Soc Psychol 2009; 96:1029-46.
  • 35
    Kahan DM. Vaccine risk perceptions and ad hoc risk communication: an empirical assessment. CCP Risk Perception Studies Report n. 17; Yale Law & Economics Research Paper n. 491. SSRN 2014; 29 jan. https://ssrn.com/abstract=2386034
    » https://ssrn.com/abstract=2386034
  • 36
    Rabinowitz M, Latella L, Stern C, Jost JT. Beliefs about childhood vaccination in the United States: political ideology, false consensus, and the illusion of uniqueness. PLoS One 2016; 11:e0158382.
  • 37
    Sapolsky RM. Behave: the biology of humans at our best and worst. New York: Penguin Press; 2017.
  • 38
    Antonakis J, Dalgas O. Predicting elections: child's play! Science 2009; 323:1183.
  • 39
    Rossen I, Hurlstone MJ, Dunlop PD, Lawrence C. Accepters, fence sitters, or rejecters: moral profiles of vaccination attitudes. Soc Sci Med 2019; 224:23-7.
  • 40
    Hornsey MJ, Harris EA, Fielding KS. The psychological roots of anti-vaccination attitudes: a 24-nation investigation. Health Psychol 2018; 37:307-15.
  • 41
    Hornsey MJ, Fielding KS. Attitude roots and Jiu Jitsu persuasion: understanding and overcoming the motivated rejection of science. Am Psychol 2017; 72:459-73.
  • 42
    Kraft PW, Lodge M, Taber CS. Why people "don't trust the evidence": motivated reasoning and scientific beliefs. Ann Am Acad Pol Soc Sci 2015; 658:121-33.
  • 43
    Ward JK, Attwell K, Meyer S, Rokkas P, Leask J. Risk, responsibility and negative responses: a qualitative study of parental trust in childhood vaccinations. J Risk Res 2017; 21:1117-30.
  • 44
    Helps C, Leask J, Barclay L, Carter S. Understanding non-vaccinating parents' views to inform and improve clinical encounters: a qualitative study in an Australian community. BMJ Open 2019; 9:e026299.
  • 45
    Attwell K, Smith DT, Ward PR. 'The Unhealthy Other': how vaccine rejecting parents construct the vaccinating mainstream. Vaccine 2018; 36:1621-6.
  • 46
    Nesse RM. Good reasons for bad feelings: insights from the frontier of evolutionary psychiatry. New York: Dutton; 2019.
  • 47
    Sturm LA, Mays RM, Zimet GD. Parental beliefs and decision making about child and adolescent immunization: from polio to sexually transmitted infections. J Dev Behav Pediatr 2005; 26:441-52.
  • 48
    Chapman G. A decision-science approach to health-behavior change. Curr Dir Psychol Sci 2019; 28:469-74.
  • 49
    Pinker S. Enlightenment now: the case for reason, science, humanism, and progress. New York: Viking; 2018.
  • 50
    Omer SB, Salmon DA, Orenstein WA, deHart MP, Halsey N. Vaccine refusal, mandatory immunization, and the risks of vaccine-preventable diseases. N Engl J Med 2009; 360:1981-8.
  • 51
    Rose G. Sick individuals and sick populations. Int J Epidemiol 1985; 14:32-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2020
  • Aceito
    10 Ago 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br