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Saúde do trabalhador na sociedade brasileira contemporânea

RESENHAS BOOK REVIEWS

Lia Giraldo da Silva Augusto

Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. giraldo@cpqam.fiocruz.br

SAÚDE DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA. Gomez CM, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2011. 540p.

ISBN: 978-85-7541-204-6

Desafios permanentes para a Saúde do trabalhador

Carlos Minayo Gomez, Jorge Mesquita Huet Machado e Paulo Gilvane Lopes Pena são os organizadores do livro Saúde do Trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea, publicado pela Editora Fiocruz, em 2011. São três acadêmicos militantes da construção da Saúde do Trabalhador no Brasil, o que significa dizer que esta obra não tem nenhuma neutralidade. Assim como nada em ciência e política é neutro. Na verdade, o livro é uma coletânea de importantes textos que atravessam o chamado campo da Saúde do Trabalhador em diferentes e atualizados temas agrupados em quatro partes. Saudamos sua publicação que vem preencher importantes lacunas da produção bibliográfica brasileira. De modo geral, a obra apresenta uma preocupação com o rigor conceitual, são décadas de debate e de embates, demarcando as diferenças conceituais com a Medicina do Trabalho e a Saúde Ocupacional. Esta sem dúvida é uma contribuição ontológica e epistemológica da maior importância e que é construída e reconstruída de modo interdisciplinar. A categoria trabalho, na nova ordem mundial, com suas revoluções técnico-científicas e profundas transformações nos modos de produção está a desafiar cotidianamente os profissionais de saúde, instando-os a rever os processos e as consequências para a saúde dos trabalhadores, assunto tratado já na introdução.

Na primeira parte, de maneira ampla, há uma reflexão mais de cunho sociológico e histórico. No texto de Danilo Fernandes Costa sobre a Prevenção da Exposição ao Benzeno no Brasil: Análise com Base na Experiência em São Paulo cabem alguns comentários críticos pela omissão de algumas importantes referências 1,2,3,4 e de fatos que são fundamentais da experiência do benzenismo no Estado de São Paulo, como foi a Resolução SS 69, de outubro de 1984, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (SES-SP), que instituiu a notificação e investigação compulsória de um elenco de agravos relacionados com o trabalho, entre eles as alterações hematológicas decorrentes da exposição ao benzeno. Fato que só veio a se repetir em 1986 no Estado do Rio de Janeiro e, depois de quase vinte anos, no nível nacional com as portarias GM/MS 777/04 e GM/MS 2473/10. Deixa de citar explicitamente o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT), os Sindicatos de Trabalhadores Metalúrgicos, Petroleiros e da Construção Civil das bases da Baixada Santista-Cubatão, os Químicos com a campanha Benzeno, Essa Flor Não se Cheira e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com sua Operação Caça Benzeno como fatos históricos, bem como os papéis da Regional de Saúde de Santos, do Instituto de Saúde da SES-SP, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), do Conselho Regional de Medicina e da mídia local e nacional que nas décadas de 1980 e 1990 divulgou amplamente o problema. Nessa parte da obra, fico obrigada a colocar tais indicações complementares ao texto. Importante dizer que o autor é um dos organizadores do Repertório Nacional do Benzeno, além de ter se doutorado pesquisando o tema e ser um profissional do Ministério do Trabalho dedicado às questões do benzenismo, não havendo dúvida de sua expertise no assunto. Demonstrou muito bem a atualidade do tema no cenário produtivo nacional. A experiência com os casos expostos ao benzeno é providencial no conjunto desta obra, pois, pelo acúmulo dos estudos e das lutas por prevenção neste caso, há um modelo de vigilância que pode servir de suporte para outras problemáticas relacionadas à exposição química. Ainda na Parte I, quando Jorge Mesquita Huet Machado, no texto Perspectivas e Pressupostos da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil, aponta as fragilidades atuais do desenvolvimento das ações no nível local, penso que a integralidade da atenção à saúde está ainda pouco compreendida para se efetivarem os princípios e diretrizes constitucionais do direito à saúde.

A Parte II do livro reúne textos que tratam de acidentes e agravos relacionados com o trabalho no cenário de invisibilidade diante do modelo de desenvolvimento adotado pelo país, que se reflete no eterno desfio de se organizar um sistema de informação útil à vigilância da saúde dos trabalhadores. O texto de Wanderlei Antonio Pignati e Jorge Mesquita Huet Machado sobre O Agronegócio e seus Impactos na Saúde dos Trabalhadores e da População do Estado de Mato Grosso é um exemplo da atualidade de um tema tão clássico quanto o da exposição dos trabalhadores aos agrotóxicos, agora no cenário da globalização. O Brasil está sustentando seu modelo de desenvolvimento à custa da intensiva exportação de commodities que igualmente é intensiva expropriadora dos recursos naturais, na exploração da força de trabalho e na produção de violência e iniquidade social. A monocultura química dependente é hoje um de nossos grandes flagelos socioambientais.

A Parte III introduz mais claramente o sujeito trabalhador e o sofrimento mental, questões ainda mal tratadas pela seguridade social e por todas as demais políticas públicas. A aproximação com a temática ambiental e da geografia crítica está sinalizando para a importância da confluência, da conjunção, da integração dos saberes. A relevância dos textos aqui apresentados é inquestionável. Os conteúdos são muito bem desenvolvidos e abrilhantam a obra.

A Parte IV traz um em mix de textos de temas candentes e que estão coerentes com o chamamento dos organizadores por assuntos contemporâneos, desvelando a problemática da saúde dos trabalhadores da saúde, que só recentemente está recebendo a proposição de uma política nacional de saúde. Os cuidadores da saúde paradoxalmente não têm até o momento um regulamento adequado às exigências e às diversidades de trabalho que executam. Esperamos que a nova política lhes venha dar essa proteção tão necessária. A questão de gênero e a divisão sexual do trabalho é um dos problemas que sofre profundos impactos nas relações de trabalho e que ainda está pouco explorado em diversas categorias profissionais, tornando o assunto sempre atual. Esta obra também denuncia os conflitos de interesse e de concepções que penalizam os trabalhadores vítimas de doenças e agravos à saúde que acabam não encontrando no sistema securitário a devida proteção, o que torna ainda mais relevante o papel dos serviços de saúde do trabalhador na rede pública de saúde. Por fim, gostaria de sinalizar o destaque dado na obra aos estudos de caráter qualitativo, especialmente sobre o tema da subjetividade na produção do conhecimento. Desde a experiência internacional e bem sucedida do Modelo Operário Italiano, o avanço ainda é pequeno no reconhecimento do saber do trabalhador aqui no Brasil e na falta de respeito à autonomia e dignidade no trabalho. Os temas tratados nesta obra são candentes e foram bem destacados. Trata-se de leitura obrigatória no campo da saúde do trabalhador por todos aqueles que se interessam pela defesa do tema.

  • 1. Augusto LGS. Benzolismo em uma siderúrgica. Revista de Saúde Ocupacional e Segurança - SOS 1984; 10:153-87.
  • 2. Augusto LGS, Bichir A, Freitas CU, Lacaz FAC, Esther L. Vigilância epidemiológica de doenças ocupacionais. Rev Bras Saúde Ocup 1986; 54:185-95.
  • 3. Augusto LGS. Benzenismo em trabalhadores do parque Industrial de Cubatão: causas e providências. Bol Soc Bras Hematol Hemoter 1987; 9:106-9.
  • 4. Augusto LGS. Alterações hematológicas da medula óssea secundárias à exposição ao benzeno e evolução hematológica do sangue periférico em pacientes acometidos [Dissertação de Mestrado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Out 2011
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