Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação físico-química e microbiológica da adição de carne de frango mecanicamente separada em embutido fermentado

Evaluation of the effect of mechanically deboned poultry meat addition in a fermented sausage

Resumos

Dada a importância de um melhor aproveitamento da carne mecanicamente separada (CMS) pela indústria de aves, o presente trabalho objetivou avaliar os efeitos da sua adição em um embutido fermentado. Para isto foram estudadas cinco formulações, onde a carne de frango manualmente desossada foi substituída pela CMS nas seguintes proporções: 0, 9, 18, 27,5 e 37%. Os resultados indicam que a substituição de carne de frango manualmente desossada por CMS de frango não afetou a composição química do embutido, melhorou a produção de ácido lático, e não prejudicou o desenvolvimento da cultura lática e a qualidade microbiológica do produto. Entretanto, a estabilidade química foi significativamente prejudicada.

Avaliação; Embutido Fermentado; Carne Mecanicamente Separada


Taking into account the importance of the utilization by industry of mechanically deboned meat (MDM) to the poutry industry, the present research was conducted with the objective of evaluating the effect of it's addition in a fermented sausage. Five formulations were studied, substituting hand deboned poultry meat by poultry MDM in the following proportions: 0, 9, 18, 27.5 and 37%. The results showed that the substitution of hand deboned poultry meat by poultry MDM did not affect the chemical composition of the sausage, improved lactic acid production, and did not impair de starter culture performance and the microbial quality of the product. However, the chemical stability was significantly impaired.

Evaluation; Fermented Sausage; Mechanically Deboned Meat


Avaliação físico-química e microbiológica da adição de carne de frango mecanicamente separada em embutido fermentado

Evaluation of the effect of mechanically deboned poultry meat addition in a fermented sausage

Lúcio A. M. Gomide; Andrea M. Garcia; Afonso S. O & Pereira; Regina C. S. Mendonça

Depto de Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa. CEP 36.570-000, Viçosa, MG

RESUMO

Dada a importância de um melhor aproveitamento da carne mecanicamente separada (CMS) pela indústria de aves, o presente trabalho objetivou avaliar os efeitos da sua adição em um embutido fermentado. Para isto foram estudadas cinco formulações, onde a carne de frango manualmente desossada foi substituída pela CMS nas seguintes proporções: 0, 9, 18, 27,5 e 37%.

Os resultados indicam que a substituição de carne de frango manualmente desossada por CMS de frango não afetou a composição química do embutido, melhorou a produção de ácido lático, e não prejudicou o desenvolvimento da cultura lática e a qualidade microbiológica do produto. Entretanto, a estabilidade química foi significativamente prejudicada.

Palavras-chave: Avaliação, Embutido Fermentado, Carne Mecanicamente Separada

SUMMARY

Taking into account the importance of the utilization by industry of mechanically deboned meat (MDM) to the poutry industry, the present research was conducted with the objective of evaluating the effect of it's addition in a fermented sausage. Five formulations were studied, substituting hand deboned poultry meat by poultry MDM in the following proportions: 0, 9, 18, 27.5 and 37%.

The results showed that the substitution of hand deboned poultry meat by poultry MDM did not affect the chemical composition of the sausage, improved lactic acid production, and did not impair de starter culture performance and the microbial quality of the product. However, the chemical stability was significantly impaired.

Key-words: Evaluation, Fermented Sausage, Mechanically Deboned Meat

1 — INTRODUÇÃO

O Brasil ocupa atualmente uma posição de destaque como produtor e exportador de carne de frango. Pode-se observar um crescimento da comercialização de cortes especiais, em detrimento da comercialização de frangos inteiros. Este tipo de comercialização levou a um aumento, na indústria, da disponibilidade das partes de baixo valor comercial, principalmente dorso, pescoço e ossos com carne remanescente. Esta carne representa cerca de 15 a 25% do peso da carcaça (4), e o único processo racional e rentável para sua recuperação é por via mecânica.

Encontra-se na legislação brasileira (Circular no 028/DICAR, 1981) a seguinte descrição de CMS, "produto obtido a partir de ossos ou partes de carcaças dos animais liberados pela Inspeção Federal, à exceção dos ossos da cabeça, submetidos à separação mecânica em equipamentos específicos (máquina de desossa mecânica) e imediatamente congelado por processos rápidos ou ultra-rápidos, desde que não tenha utilização imediata".

As matérias-primas mais comumente usadas para separação mecânica de aves são dorsos, pescoços, ossos oriundos da retirada de filés.

A desossa mecânica é um processo no qual a matéria-prima escolhida é forçada contra faces perfuradas. A carne e parte da medula óssea passam pelos orifícios, enquanto ossos e cartilagens ficam retidos.

Alguns autores observaram que a desossa mecânica altera o percentual lipídico e protéico da CMS, observando-se uma diminuição da proteína e um aumento do teor de lipídios quando comparados aos da carne manualmente desossada (12, 15, 20, 22, 28, 29, 34, 41).

Um aumento no teor de minerais, principalmente cálcio, ferro, flúor, é observado por ESSARY (12) e HAMM & SEARCY (21) sem contudo apresentar efeitos prejudiciais a saúde. O teor de ossos incorporados é controlado medindo-se o teor de cálcio, não sendo permitido um teor de cálcio superior a 2,5%, calculado sobre a matéria seca (Circular 028/DlCAR, 1981).

As propriedades químicas e funcionais também sofrem alterações durante o processo, diminuindo a estabilidade da emulsão (15), a extratibilidade das proteínas tanto solúveis em sal como em água (20, 34, 41), a estabilidade à oxidação (9, 11, 17, 24, 26, 34).

A população microbiológica da CMS é muito variada e depende de fatores tais como: fonte da matéria-prima, temperatura da sala de desossa manual e a condição de estocagem (18, 32).

O processo de fermentação consiste no crescimento de certos microrganismos (láticos) que têm a capacidade de fermentar primariamente alguns carboidratos a ácido lático e, assim, reduzir o pH (3).

O ácido lático produzido confere o sabor picante, além de desnaturar proteínas, resultando na textura associada a produtos fermentados (39).

Um dos métodos de fermentação mais difundido atualmente é o uso de culturas específicas, selecionadas, que permitem reduzir o tempo de produção e uniformizar cor, textura, sabor, pH e aroma, evitando assim, produtos indesejáveis (2, 3, 6, 13, 42).

As bactérias láticas são conhecidas por sua capacidade de reprimir o crescimento bacteriano indesejado por meio da produção de ácido (7, 8, 40) , de peróxido de hidrogênio (35) e de antibióticos (23, 38), contribuindo, assim, para aumentar a vida-de-prateleira do produto fermentado.

Dada a importância do melhor aproveitamento da CMS pela indústria, o trabalho que ora se apresenta teve por objetivo verificar se a adição de CMS interfere no crescimento das culturas láticas, na produção do ácido lático e na queda do pH durante a fermentação e maturação do produto, bem como determinar o efeito da sua adição na qualidade microbiológica e química do produto.

Para isto foram estudadas cinco formulações com três repetições e um delineamento inteiramente casualizado, onde a carne de frango manualmente desossada foi substituída pela CMS nas seguintes proporções: 0, 9, 18, 27,5 e 37%.

2 — MATERIAL E MÉTODOS

2.1 - Formulação e Produção do Embutido Fermentado

A massa do embutido controle foi processada de acordo com as seguintes proporções: 30%de carne bovina (patinho), 55% de carne de aves (peito e coxa) e 15% de toucinho. Em relação a esta massa, foram utilizados os seguintes ingredientes não cárneos:

Foramtestados cinco tratamentos, com três repetições, em um delineamento inteiramente casualizado, onde a carne de frango manualmente desossada foi substituída por CMS, proveniente de pescoço de frango, da seguinte forma:

As carnes foram descongeladas, pesadas e separadas para cada tratamento. Foram moídas usando disco com orifícios finos (0,75 cm). O toucinho foi moído em disco médio (1,2 cm) e deixado separado. Cada tratamento foi misturado separadamente. O inóculo das culturas láticas e todos os ingredientes, exceto o sal, foram, então, adicionados à massa, a qual foi homogeneizada. Em seguida foi adicionado o sal e a massa foi massageada por tempo suficiente para extração das proteínas (±10 min) responsáveis pela liga do produto. Por fim, adicionou-se o toucinho misturando-se novamente. Esta mistura foi transferida para a embutidora manual, e usando-se tripas de celulose (NALO FASER BACK - HOECHST) com cerca de 60 mm de diâmetro, sendo realizado o embutimento de modo a obter bisnagas de cerca de 15 cm de comprimento. Registrou-se o peso. Para cada tratamento foram preparados sete quilos de massa.

As bisnagas foram colocadas em BOD, modelo 347. G - FANEM a24-26°C e Umidade Relativa (UR) de, aproximadamente, 90% por 48 horas (tempo necessário para que o pH alcançasse 4,8 a 5,2, conforme definido em ensaios preliminares). As amostras foram, então, levadas para sala de secagem e maturação a 15°C e UR de cerca de 90% nos primeiros cinco dias. Após este período a UR foi reduzida gradualmente para cerca de 75% até completar a secagem e maturação (quebra de 40% no peso) em um tempo médio de vinte e cinco dias.

Após este período o produto foi defumado, em defumador artesanal (tipo manilha), por uma hora, resfriado, parafinado e estocado à temperatura ambiente para análises posteriores.

2.2 - Determinação do pH e Ácido Lático

Os valores do pH e do ácido lático foram determinados nos dias 0, 1, 2, 3, 7, 15 e no produto final, em duplicata, de acordo com ACTON et al. (1).

2.3 - Determinação do número de TBA

A análise dos valores de TBA foi realizada, segundo o método de TARLADGIS et al. (1960), acrescentando-se 0,2 ml de BHT (1,5 g BHT + 10 ml etanol a 98%) antes da destilação, conforme utilizado por GOMIDE (19), nos dia 1, 7, 15, 30 e 45.

2.4 - Composição do produto

Porcentagens de umidade, gordura, e cinzas foram determinados no dia em que o embutido foi produzido e no produto final, de acordo com a metodologia usada no Laboratório de Carnes da Universidade de Purdue, descrita por LONERGAN (27), a qual consiste em se determinar umidade (estufa 105°C até peso constante) e gordura (refluxo em aparelho Soxhlet por 6 horas), nesta ordem, em uma única amostra (10 g) acondicionada em "pacote" de papel de feltro. A porcentagem de proteínas foi obtida por diferença (14).

2.5 - Análises microbiológicas

Foram realizadas no produto após um dia de estocagem a temperatura ambiente. Foram conduzidas, em duplicatas, as pesquisas de Salmonella, a contagem de coliformes totais, de Clostridia sulfito redutores e de Staphylococcus de acordo com a metodologia descrita no manual do Laboratório de Referência Animal (25).

2.5.1 - Contagem de bactérias láticas

Foram realizadas contagens de bactérias láticas durante o processo de fermentação e maturação, nos dias 0, 1, 2, 3, 4, 7, 15 e um dia após a elaboração do produto final, segundo metodologia usada por MENDONÇA (30).

3 — RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados apresentados no Quadro 1 mostram que a substituição de carne manualmente desossada por CMS não afetou (P > 0,05) a composição centesimal do produto elaborado. Isto talvez se deva ao efeito diluente dos demais componentes cárnicos da formulação, uma vez que dados da literatura (12, 15, 20, 22, 28, 34, 41) demonstram que CMS apresenta níveis mais elevados de umidade, gordura e cinzas, e menores teores de proteína.


Trabalhando com embutido fermentado contendo apenas carne de peru, McMAHON e DAWSON (28) verificaram um ligeiro aumento no teor de gordura e decréscimo nos teores de proteína e umidade à medida que se aumentava a proporção de carne de peru mecanicamente separada, o que foi creditado ao maior teor de gordura da CMS de peru. Já os resultados apresentados por DHILLON e MAURER (10) mostram que embutidos fermentados formulados substituindo-se carne bovina pela CMS tendem a apresentar mesmo teor de proteínas, menor teor de gordura e maior teor de umidade e cinzas, o que, provavelmente, se deve ao maior teor de gordura da carne bovina.

A qualidade microbiológica dos embutidos elaborados é mostrada no Quadro 2. Verificou-se que todos os tratamentos estavam dentro dos padrões estabelecidos pela Portaria n°- 1 da DINAL/Ministério da Saúde de 28101/1987, que estabelece os seguintes valores máximos para produtos embutidos-. ausência de Salmonella em 25g de amostra- 102 NMP/g de amostra para Coliformes Totais; 103 UFC/grama de amostra para Staphylococcus aureus; e 5 x 10 UFC/ grama de amostra para Clostridium sulfito redutor.


Os resultados apresentados no Quadro 2 mostram que a incorporação de até 37% de CMS não afetou a qualidade microbiológica, ficando o produto dentro do padrão estabelecido pela Portaria no1 da DINAL para embutidos cárneos, muito embora OSTOVAR et al. (32) tenham verificado que carne mecanicamente separada de aves (CMS) apresente contagens totais variando de 105 a 107 UFC/g, NMP de coliformes fecais variando de 460 a 1.100 em amostras recentes desta matéria-prima, e apesar de FRONING et al. (16) terem demonstrado que a incorporação de CMS de peru em salsichas tipo Frankfurt levou a um aumento da contagem total neste produto. Entretanto, os resultados apresentados por OSTOVAR et al. (32) mostram que a CMS não é uma importante fonte de contaminação por Salmonella (6 amostras positivas em 54), C. perfrigens (4 amostras positivas em 54), ou por S. aureus (nenhuma amostra positiva em 54).

Os ácidos orgânicos produzidos pelas bactérias láticas, via fermentação dos açúcares presentes na massa, são capazes de se difundirem livremente através da membrana celular (quando o pH do meio é igual ou inferior ao seu pKa, causando sua dissociação) e de se ionizarem dentro das células microbianas, acidificando o meio interno e inibindo o seu crescimento (5). Também a produção de outras substâncias inibidoras tem sido mostrada, dentre elas se destacam o peróxido de hidrogênio, e os antibióticos "Bulgarican", "Nisina", "Diplococcina" e "Micrococina" (22, 34, 37).

As baixas contagens encontradas neste trabalho se devem, dentre outros fatores, ao baixo teor de umidade do produto, à provável produção de bacteriocinas e à efetiva produção de ácido lático, com consequente abaixamento do pH no produto, oriundos da inoculação e desenvolvimento das culturas "starters".

Outro fator, especialmente no início do processo, a contribuir para as baixas contagens encontradas foi o pesado inóculo de culturas "starters" usado (1,4 x 107 UFC/g de massa de Lactobacillus plantarum e 2,9 x 107 UFC/g de massa de Pediococcus pentosaceus), o que, provavelmente, possibilitou que a cultura inoculada superasse a flora microbiana contaminante na utilização de substratos para o seu desenvolvimento. Neste sentido, RACCACH e BAKER (37) trabalharam inoculando Pediococcus cerevisiae e Lactobacillus plantarum em CMS cozida, na tentativa de aumentar seu tempo de estocagem, e observaram que uma mistura de 50-50 destas duas culturas (2 x 109 células/g) foi o tratamento mais efetivo para retardar o tempo necessário para três espécies de Pseudomonas alcançarem 107 células/g (contagem associada à deterioração da CMS). O inóculo usado reprimiu o crescimento de Salmonella typhimurium e Staphylococcus aureus. RACCACH et ai. (38) também encontraram resultados semelhantes, trabalhando com carne moída e CMS refrigeradas.

A análise de variância (Quadro 3), relativa ao desenvolvimento da cultura "starter", não detectou diferença significativa (P > 0,05) entre as porcentagens de CMS adicionadas, indicando que a adição de CMS, até o nível de 37%, não prejudicou o crescimento das bactérias láticas. Isto parece indicar que a carga microbiana presente na CMS não foi suficientemente alta para afetar o desenvolvimento das culturas "starters". Entretanto não se avaliou a carga microbiana existente na CMS, o que dificulta afirmar esta hipótese.


Independentemente do nível de CMS utilizado, o comportamento, no tempo, da cultura inoculada segue a curva de crescimento esperada (Figura 1). A inexistência de uma fase lag (aproximadamente doze horas) se explica pelo tempo (cerca de 10 horas) entre a adição do inóculo na massa e a realização da primeira análise microbiológica. As demais fases, estão compreendidas entre o dia de embutimento e três dias depois (fase log), de três a quinze dias (fase estacionária), e entre quinze e vinte e quatro dias (fase de declínio).


O Quadro 4 resume os efeitos dos níveis de CMS e tempo sobre a produção de ácidos (expressa como ácido lático) no embutido elaborado.


Os resultados indicam que a adição de CMS influenciou (P < 0,05) a produção de ácido lático pela cultura starter utilizada, e que a quantidade de ácido lático variou (P < 0,05) durante as diversas etapas de obtenção do produto fermentado.

O efeito da adição de CMS sobre a produção de ácido láctico, pode ser expresso pela regressão linear (Figura 2), na qual se pode observar que a produção de ácido tende a aumentar com a adição de CMS empregada na elaboração do produto. Os resultados apresentados por McMAHON e DAWSON (28), entretanto, não mostram nenhuma tendência da acidez titulável em função de diferentes níveis de carne de peru mecanicamente separada.


A maior produção de ácido lático, apresentada pelas culturas inoculadas, nos níveis mais altos de CMS pode ser devido ao maior teor de microelementos presentes nesta. ZAIKA e KISSINGER (43) mostraram o efeito estimulante do íon magnésio (Mg++) na taxa de produção de ácido pelo L. plantarum e P. acidilactici.

Analisando a composição mineral de CMS de aves, ESSARY (12) verificou que o Mg++ era um dos elementos encontrados em maior quantidade, cerca de 160,5 ppm. HAMM e SEARCY (21), encontraram resultados semelhantes, cerca de 123 ppm. Isto talvez possa explicar a maior produção de ácido lático pelas culturas nos níveis mais altos de CMS.

O efeito do tempo (P < 0,05) na produção/concentração de ácido lático também segue uma regressão linear (Figura 3) e tem dois motivos aparentes. Inicialmente, deve-se à elevada taxa de crescimento das culturas lácticas, e, num segundo estágio, se deve à sua concentração em razão da secagem do embutido.


O Quadro 5 resume os efeitos dos níveis de CMS e tempo sobre o pH do embutido elaborado.


Não houve diferença significativa (P > 0,05) de pH entre os níveis utilizados de CMS, muito embora os níveis de CMS tenham influenciado a produção de ácido lático, conforme previamente discutido. Isto talvez se deva ao fato de que o pH tende a se estabilizar quando se aproxima do pKa do ácido lático. Há, também de se considerar um possível efeito tamponante do meio, principalmente em se considerando que CMS tende a possuir teores mais elevados de fosfatos como resultado da fragmentação de tecido ósseo. Neste caso, a produção de ácido seria neutralizada pelo maior teor de cálcio e fosfatos existentes nas formulações contendo maiores teores de CMS. Isto talvez explique o fato de McMAHON e DAWSON (28) terem observado uma elevação de pH em produtos contendo maiores níveis de carne de peru mecanicamente separada (CPMS) em formulações de produto fermentado nas quais não houve adição prévia de fosfatos, como foi o caso do presente estudo. Segundo estes mesmos autores (28), os seus resultados mostraram que esta elevação de pH não foi tão evidente nas formulações em que fosfatos foram utilizados.

Pela Figura 4 pode-se observar uma queda acentuada do pH até o terceiro dia de fermentação, e que o pH crítico para esta cultura "starter" (5,5 e 5,8, segundo Buchanan e Gibbon (1974), citados por MENDONÇA (30)) é atingido em 1 dia. Isto pode ser confirmado (Figura 1) pela curva de crescimento das bactérias láticas, onde se nota que, a partir do terceiro dia, não há mais crescimento, quando o pH variava de 5,20 (0% de CMS) a 5,00 (37% de CMS). Outros fatores possivelmente influenciando o não crescimento das bactérias láticas são: a queda, no tempo, da atividade de água (30), o abaixamento da temperatura de fermentação (25°C) para a temperatura de maturação (18°C), e a elevação da concentração de sal devido à secagem.


Pode-se notar que, para todos os níveis de adição de CMS, a queda de pH se deu até o terceiro dia (período de fermentação e primeiro dia de maturação e secagem), quando então se estabilizou, o que se relaciona com o período de máximo crescimento da cultura "starter" (fase log).

O Quadro 6 resume a análise de variância dos valores de TBA do embutido elaborado. Embora não tenha havido efeito significativo (P > 0,05) dos níveis de CMS, o modelo de regressão linear apresenta um efeito direto (P < 0,05) da adição de CMS sobre os valores de TBA, o qual aumenta com a adição de CMS (Figura 5). Isto se deve à variabilidade entre as partidas analisadas que é alta nas análises de TBA (31). Esta variabilidade, contudo, é minimizada ao se fazer a análise de regressão por dois motivos principais: a) a não consideração do efeito de tempo, com o que se aumenta o número de observações para análise do efeito de tratamento, e b) à utilização de médias para efeito de estabelecimento da equação de regressão, o que elimina a grande dispersão dos dados.



O aumento (P < 0,05) no valor de TBA com a adição de CMS pode ser devido ao seu maior teor de ferro heme (proveniente da medula óssea), maior teor de gordura insaturada (proveniente da medula óssea e da pele), e à incorporação de oxigênio, que ocorrem durante o processo de desossa mecânica (9, 24, 26, 33). Isto favoreceria processos oxidativos em CMS e produtos que a contenham.

O modelo da regressão que apresenta o acompanhamento da evolução dos valores de TBA no tempo está representado na Figura 6, e mostra que o valor de TBA cresce com o tempo.


A comparação dos valores do número de TBA do embutido elaborado com produtos similares do mercado não foi possível devido à falta de dados a este respeito na literatura, e por não se ter previsto esta análise antes da condução deste experimento.

4 — CONCLUSÕES

- A adição da CMS utilizada até 37% não prejudicou o desenvolvimento da cultura lática.

- A estabilidade química do produto durante a estocagem à temperatura ambiente foi relativamente baixa com maiores adições de CMS.

- A qualidade microbiológica do produto, em termos de contagens de coliformes, Clostridium sulfito redutor, Salmonella e Staphylococcus, não foi prejudicada pela adição de até 37%, de CMS, mantendo-se dentro dos padrões preconizados pelo Ministério da Saúde.

- A adição, de até 37%, da CMS utilizada não afetou a composição centesimal do produto.

5 — REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido para publicação em 8/11/95

Aceito para publicação em 2/7/97

  • (1) ACTON, J.C.; WILLIAMS, J.G.; JOHNSON, M.G. Effects of fermentation temperature on changes in meat properties and flavor of summer sausage. J. Milk Food Technol.,35 (5):264-8, 1972.
  • (2) ANDRES, C. Starter culture for sausage has two microorganisms for better perfomance. Food Processing, 38 (1):132-133, 1977.
  • (3) BACUS, J.N. e BROWN, W.L. Use of microbial cultures: meat products. Food Technol., 35 (01): 74-77,198 1.
  • (4) BERAQUET, N. J. Como aproveitar toda a carne de frangos. ASI, 8: 34, 36 - 38, 42; 1990.
  • (5) CORLETTE, JR., D.A. e BROWN, M.H. pH e acidez. ln: Ecologia Microbiana de los Alimentos. ELLIOT, R.P. (coord.). Zaragoza, Academic Press, 1980. p. 97-117.
  • (6) COVENTRY, J. e HICKEY, M. W. Growth characteristics of meat starter cultures. Meat Science, 30 (1): 41- 48, 1991.
  • (7) DALY, C.; CHANCE, N.; SANDINE, W.E.; ELLIKER, P.R. Control of Staphylococcus aureus in sausage by starter culture and chemical acidulation. J. of Food Sci., 38: 426, 1973.
  • (8) DARMADJI, P.; IZUMIMOTO, M.; MIYAMOTO, T. and KATOAKA, K. Lactic fermentation effects on preservative qualities of dendeng giling. J. Food Sci., 55 (6): 1523 -7, 1990.
  • (9) DAWSON, L.E. e GARTNER, R. Lipid oxidation in mechanically deboned poultry. Food Technol., 37: 112-6, 1983.
  • (10) DHILLON, A.S. e MAURER, A.J. Utilization of mechanically deboned chicken meat in the formulation of summer sausages. Poult. Sci., 54 (4):1164-74, 1975.
  • (11) DIMICK, P. S.; MACNEIL, J. H.; GRUNDEN, L. P. Poultry product quality. Carbonyl composition and organoleptic evaluation of mechanically deboned poultry meat. J. Food Sci., 37: 544-546, 1972.
  • (12) ESSARY, E.O. Moisture, fat, protein and mineral content of mechanically deboned poutry meat. J Food Sci, 44: 1070-1073, 1979.
  • (13) EVERSON, C.W.; DANNER, W.E.; HAMMES, P.A- Bacterial starter cultures in sausage products. J. Agric. Food Chem., 18 (04): 570-571, 1970.
  • (14) FAGUNDES, S.G. Avaliaçăo de nova técnica na produçăo de charque. Niterói, UFF, Faculdade de Veterinária, 1982. 89p. (tese M. S.
  • (15) FRONING, G.W. Poultry meat sources and their emulsifying characteristics as related to processing variables. Poultry Sci., 49:1625 - 31, 1970.
  • (16) FRONING, G.W.; ARNOLD, R.G.; MANDIGO, R-W.; NETH, C.E.; HARTUNG, T.E. Quality and storage stability of frankfurters containing 15% mechanically deboned turkey meat. J. Food Sci., 36: 974, 197 1.
  • (17) FRONING, G.W. e JOHNSON, F. Improving the quality of mechanically deboned fowl meat by centrifugation. J. Food Sci., 30: 279-281, 1973.
  • (18) FRONING, G.W. Mechanically deboned poultry meat. Food Technol., 30: 50-63, 1976.
  • (19) GOMIDE, L.A.M. Integration of production and postmortem technologies for improvement of USDA select grade beef. West Lafayette, Purdue University, 1992. 100 p. (Tese Ph.D.
  • (20) GRUNDEN, L.P.; MAC NEIL, J.H.; DIMICK, P. S. Poultry product quality: chemical and physical characteristics of mechanically deboned poultry meat. J. Food Sci., 37: 247-249, 1972.
  • (21) HAMM, D. e SEARCY, G.K. Mneral contents of commercial sample of mechanically deboned poultry meat. Poultry Sci., 60: 686-688, 1981.
  • (22) HAMM, D. e YOUNG, L.L. Further studies on the composition of comercially prepared mechanically deboned poultry meat. Poultry Sci., 62: 1810-1815, 1983.
  • (23) HUST, A. Microbial antagonism in foods. J. Inst. Can. Sci. Technol. Aliment., 6 (2): 80 - 90, 1973.
  • (24) JANKY, D. M. e FRONING, G. W. Fators affecting chemical properties of heme and lipid components in mechanically deboned turkey meat. Poultry Sci., 54: 1378 - 87, 1975.
  • (25) LABORAT"RIO DE REFERÊNCIA ANIMAL. Métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e seus ingredientes: II- Métodos fisicos e químicos. Brasília, DF, 1981.
  • (26) LEE, Y.B.; HARGUS, G.LO.; KIRKPATRICK, J.A.; BERNER, D.L.- FORSYTHE, R.H. Mechanism of lipid oxidation in mechanically deboned chicken meat. J. Food Sci., 40: 964-967, 1975.
  • (27) LONERGAN, D.A. Basic laboratory procedures for food analysis. s.n.t. năo paginado. (apostila)-
  • (28) McMAHON, E.F. e DAWSON, L.E. Influence of mechanically deboned meat and phosphate salts on functional and sensory attributes of fermented turkey sausage. Poultry Sci., 55: 103-112, 1976 a.
  • (29) McMAHON, E.F. e DAWSON, L. E. Effects of salt and phosphates on functional characteristics of hand and mechanically deboned turkey meat. Poultry Sci., 55: 573-578, 1976 b.
  • (30) MENDONÇA, R.C.S. Lactobacillus plantarum e Pediococcus pentosaceus na produçăo de salame tipo italiano. Viçosa, UFV, 1992. 112 p. (Tese MS).
  • (31) NAWAR, W.W. Lipids. ln: Food Chemistry, New York, 1985. p. 139-244.
  • (32) OSTOVAR, K.; MAC NEIL,, J.H. e O'DONNEL, K. Poultry product quality. 5. Microbiological evaluation of mechanically deboned poultry meat. J. Food Sci., 36: 1005-1007, 1971.
  • (33) PEARSON, A.M.; LOVE, J.D.; SHORLAND, F. "Warmed-over flavor in meat, poultry and fish. Adv. Food Res., 23: 1-74, 1977.
  • (34) PIKUL, J. e NIEWIAROWICZ, A. Composition and stability of mechanically deboned chicken meat. Arch. Geflugelk, 52 (5):188 - 192, 1988.
  • (35) PRICE, R.J. e LEE, J.S. Inhibition of Pseudomonas species by hydrogen peroxide producing Lactobacilli. J. Milk Food Tecnol., 33: 13 -18.
  • (36) RACCACH M.; e BAKER, R.C. Lactic acid bacteria as an antispoilage and safety factor in cooked mechanically deboned poultry meat. Food Protection, 41 (09):703-705, 1978.
  • (37) RACCACH M.; BAKER, R.C.- REGENSTEIN, J.M.; MULNIX, E.J. Potential application of microbial antagonism to extended storage stability of a flesh type food. J. Food Sci., 44:43-6,1979.
  • (38) REDDY, G.V. e SHAHANI, K.M. Isolation of an antibiotic from Lactobacillus bulgaricus. J. Dairy Sci., 54: 748, 1971 (Abstracts).
  • (39) SMITH, J.L. e PALUMBO, S.A. Microorganisms as food additives. J. Food Protection, 44 (12): 936 - 955, 1981.
  • (40) SMITH, J.L.; PALUMBO, S.A.; KISSINGER, J.C.; HUHTANEN, C.N. Survival of Salmonella dublin and Salmonella Typhimurium in Lebanon Bologna. J. Milk Food Technol., 38 (3):150-4, 1975.
  • (41) VADEHRA D.N. e BAKER, R.C. Physical and chemical properties of mechanically deboned poultry meat. Poultry Sci., 49: 446, 1970.
  • (42) VIGNOLO, G.M.; HOLGADO, A.P.R. e OLIVER, G. Use of bacterial cultures in the ripening of fermented sausages. J. Food Protection, 52 (11): 787 - 791, 1989.
  • (43) ZAIKA, L.L. e KISSINGER, J.C. Fermentation by spices: identification of actives component. J. Food Sci., 49: 5-9, 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 1997
Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos Av. Brasil, 2880, Caixa Postal 271, 13001-970 Campinas SP - Brazil, Tel.: +55 19 3241.5793, Tel./Fax.: +55 19 3241.0527 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revista@sbcta.org.br