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Avaliação da produção de ácido lático por Leuconostoc mesenteroides B512F em xarope de caju

Resumos

O ácido lático é um produto de grande importância industrial. Sua obtenção por fermentação representa mais de 50% da produção mundial. Para comportar a demanda, esforços para se baixar os custos têm sido alvo de vários estudos. Este trabalho teve como objetivo avaliar a produção de ácido lático utilizando o xarope do pedúnculo do caju (Anacardium orcidentale). O microrganismo escolhido foi o Leuconostoc mesenteroides B512F. Foi realizado um planejamento experimental para se determinar a faixa de extrato de levedura e açúcares redutores totais iniciais adequados ao meio de cultura. Um segundo planejamento foi realizado com a adição de extrato de levedura, fosfato e a diluição xarope em relação aos açúcares iniciais de acordo com o planejamento para se otimizar o meio de cultura baseado no xarope de caju. Uma cinética foi realizada com o substrato otimizado de acordo com o planejamento. Portanto, conclui-se que a linhagem produz o ácido lático em concentração satisfatória em se tratando de um substrato natural acrescido apenas de fontes de nitrogênio e fosfato.

bioprocessos; otimização de meio de cultura; fermentação submersa


The production of lactic acid by fermentation accounts for more than 50% of the world production. To meet the demand, efforts to lower the costs have been the objective of several studies. This work aimed to study the lactic acid production in cashew apple (Anacardium orcidentale) syrup. The microorganism used was the Leuconostoc mesenteroides B512F. In the experimental investigation, the ideal concentrations of yeast extract and initial sugar were determined. A second experimental investigation was carried out with cashew apple syrup by adding yeast extract and phosphate and by diluting the syrup according to the initial sugar concentrations to optimize the medium culture. A kinetic study was carried out with the optimized substrate obtained. The results showed that the studied strains can produce lactic acid in satisfactory concentrations provided the natural syrup substrate contains only yeast extract and phosphate.

bioprocess; culture medium optimization; submerge fermentation


Avaliação da produção de ácido lático por Leuconostoc mesenteroides B512F em xarope de caju

Alexandre de Araujo GuilhermeI; Gustavo Adolfo Saavedra PintoII; Sueli RodriguesIII, * * A quem a correspondência deve ser enviada

IDepartamento de Engenharia Química, Universidade Federal do Ceará - UFC

IIEmbrapa Agroindústria Tropical, Rua Dra. Sara Mesquita 2270, Pici, CEP 60511-110, Fortaleza - CE, Brasil

IIIDepartamento de Tecnologia de Alimentos, Laboratório de Biotecnologia, Universidade Federal do Ceará, Av Mister Hull, 2977, Bloco 858, Campus do Pici, CEP 60356-000, Fortaleza - CE, Brasil, E-mail: sueli@ufc.br

RESUMO

O ácido lático é um produto de grande importância industrial. Sua obtenção por fermentação representa mais de 50% da produção mundial. Para comportar a demanda, esforços para se baixar os custos têm sido alvo de vários estudos. Este trabalho teve como objetivo avaliar a produção de ácido lático utilizando o xarope do pedúnculo do caju (Anacardium orcidentale). O microrganismo escolhido foi o Leuconostoc mesenteroides B512F. Foi realizado um planejamento experimental para se determinar a faixa de extrato de levedura e açúcares redutores totais iniciais adequados ao meio de cultura. Um segundo planejamento foi realizado com a adição de extrato de levedura, fosfato e a diluição xarope em relação aos açúcares iniciais de acordo com o planejamento para se otimizar o meio de cultura baseado no xarope de caju. Uma cinética foi realizada com o substrato otimizado de acordo com o planejamento. Portanto, conclui-se que a linhagem produz o ácido lático em concentração satisfatória em se tratando de um substrato natural acrescido apenas de fontes de nitrogênio e fosfato.

Palavras-chave: bioprocessos; otimização de meio de cultura; fermentação submersa.

ABSTRACT

The production of lactic acid by fermentation accounts for more than 50% of the world production. To meet the demand, efforts to lower the costs have been the objective of several studies. This work aimed to study the lactic acid production in cashew apple (Anacardium orcidentale) syrup. The microorganism used was the Leuconostoc mesenteroides B512F. In the experimental investigation, the ideal concentrations of yeast extract and initial sugar were determined. A second experimental investigation was carried out with cashew apple syrup by adding yeast extract and phosphate and by diluting the syrup according to the initial sugar concentrations to optimize the medium culture. A kinetic study was carried out with the optimized substrate obtained. The results showed that the studied strains can produce lactic acid in satisfactory concentrations provided the natural syrup substrate contains only yeast extract and phosphate.

Keywords: bioprocess; culture medium optimization; submerge fermentation.

1 INTRODUÇÃO

O ácido lático tem sido extensivamente utilizado em diversas aplicações industriais, incluindo as indústrias química, farmacêutica e de alimentos. Atualmente o ácido lático se tornou um insumo industrial de larga produção, sendo a produção anual estimada em 100 mil toneladas. O ácido lático é um produto químico industrial valioso e tem sido utilizado como acidulante, conservante de bebidas e alimentos. Também é empregado em curtumes, na indústria têxtil e de lavanderia. O lactato de cálcio é utilizado na indústria de panificação, como suplementação em ração animal e em preparações farmacêuticas (KISHOR; TRIVEDI; PATEL, 2007). O produto é ainda empregado para produção de plásticos biodegradáveis, produtos químicos oxigenados, reguladores do crescimento de plantas, solventes não poluentes e intermediários para síntese química, além dos usos já citados na indústria de alimentos. Dessa forma, o ácido lático tem se tornado um importante monômero na indústria de plásticos, sendo facilmente polimerizado em plástico biodegradável utilizado para confecção de embalagens, incluindo embalagens para alimentos (GAO et al., 2004, 2005, 2006; HIRATA et al., 2005). Polímeros à base de ácido lático são também aplicados na produção de órgãos artificiais biocompatíveis, estruturas autodissolúveis e carreadores de drogas com liberação controlada (KISHOR; TRIVEDI; PATEL, 2007). A taxa de consumo de ácido lático tem crescido em média 15% ao ano e um mercado de aproximadamente 390 mil tonelas/ano é projetado para 2008 (TONG et al., 2004).

O ácido lático pode ser obtido industrialmente através de síntese química ou processo fermentativo com bactérias láticas (KISHOR; TRIVEDI; PATEL, 2007), sendo este ácido um produto metabólico destes microrganismos. A produção de ácido lático a partir da fermentação microbiana representa mais de 50% da produção mundial. Devido à crescente demanda, esforços para a diminuição do custo do processo produtivo têm sido alvo recente de estudos. A utilização de substratos de origem agropecuária tais como: amido, melaço de cana, xarope de abacaxi e suco uva tem sido estudada como uma forma de redução de custos e, portanto, aumento da competitividade no mercado mundial.

O ácido lático é produzido por bactérias láticas que necessitam de minerais específicos, vitaminas do complexo B e diversos aminoácidos para garantir seu crescimento. O extrato de levedura é uma fonte de nutriente comumente utilizado em laboratório para o cultivo de microrganismos. Trata-se de uma fonte muito rica de nutrientes e, segundo diversos autores, a melhor para o cultivo de bactérias láticas (ARASARATNAM; SENTHURAN; BALASUBRAMANIAN, 1996; GÖKSUNGUR; GÜVENC, 1997; NANCIB et al., 2005).

Neste contexto, o uso de excedentes agrícolas regionais como substrato de baixo custo para o desenvolvimento de processos fermentativos é uma alternativa interessante. O caju possui pedúnculo que é desperdiçado, pois o maior valor dessa cultura está associado à amêndoa da castanha. O produto de maior expressão econômica é a amêndoa, sendo tipicamente um produto de exportação, enquanto os produtos obtidos a partir do processamento do pedúnculo destinam-se basicamente ao mercado interno (LEITE, 1994). Considerando-se que o pseudofruto corresponde a 90% do peso do caju, calcula-se que o País produza cerca de dois milhões de toneladas desse produto. No entanto, menos de 10% desse total é aproveitado industrialmente ou para consumo in natura, sendo grande parte perdida no campo, no momento do descastanhamento feito para a indústria de beneficiamento de castanha. O produto industrial mais significativo do pedúnculo é o suco de caju (PAIVA; GARRUTI; SILVA NETOM, 2000; SANCHO, 2006). O suco de caju é rico em nutrientes e sais minerais. Seus açúcares majoritários são glicose e frutose e, portanto, o produto não requer nenhum tratamento prévio como hidrólise ou tratamento enzimático para a fermentação lática. Sendo assim, o xarope de caju é uma matéria-prima de baixo custo para a produção do ácido lático (CHAGAS et al., 2007; HONORATO et al., 2007).

Este trabalho teve como objetivo a otimização de um meio de cultura e a avaliação da produção de ácido lático utilizando xarope de caju como substrato. O microrganismo escolhido para este trabalho foi o L. mesenteroides B512F, uma bactéria lática que tem sido estudada no Laboratório de Biotecnologia da Universidade Federal do Ceará e que apresentou bom crescimento no xarope de caju. Com isso pretende-se reduzir o custo do meio de cultura a partir do aproveitamento de excedentes da agroindústria tropical local pelo desenvolvimento de tecnologia, processos e conhecimentos que viabilizem o uso eficiente de recursos e que permitam a redução de perdas e aumento de viabilidade econômica.

2 Material e métodos

2.1 Ativação do Leuconostoc mesenteroides B512F

A bactéria L. mesenteroides NRRL B512F foi obtida junto ao banco de microrganismos ARS Culture Collection (Agricultural Reserch Service Culture Collection, Peoria, Illinois - USA) na forma liofilizada e foi ativada a partir de meio sintético contendo sacarose como fonte de carbono segundo procedimento padrão otimizado (GUIMARÃES et al., 1999). O pH do meio de cultura foi ajustado para 6,5, pH ótimo de crescimento do L. mesenteroides B542F, e o meio, esterilizado em autoclave a 121 ºC por 15 minutos. O microrganismo foi ativado à temperatura de 30 °C em shaker rotatório (150 rpm) em 100 mL de meio dispostos em Erlenmyer de 250 mL. O meio padrão de ativação é constituído de sacarose (50 g.L-1); extrato de levedura (20 g.L-1); K2HPO4 (20 g.L-1), MgSO4 (0,20 g.L-1); MnSO4 (0,01 g.L-1); FeSO4 (0,01 g.L-1), CaCl2 (0,02 g.L-1) e NaCl (0,01 g.L-1). Após 8 horas de cultura, foi realizado um repique e a fermentação foi conduzida por mais 15 horas, sendo esta última cultura utilizada como inóculo para os ensaios fermentativos.

2.2 Obtenção do xarope de caju

O xarope de caju utilizado neste trabalho foi obtido junto à Embrapa Agroindústria Tropical, que o produz a partir da concentração do suco clarificado por evaporação a vácuo. O suco é obtido a partir do pedúnculo (pseudofruto) do cajueiro por prensagem mecânica (ABREU, 2006).

Uma caracterização físico-química do xarope foi realizada, sendo avaliados os teores de açúcares redutores totais (glicose e frutose) pelo método de DNS (MILLER, 1959); o nitrogênio proteico determinado segundo o método KJELDAHL (AOAC,1990) e a composição mineral determinada por absorção atômica.

A composição mineral foi realizada de acordo com a metodologia segundo Silva (1999). Todas as vidrarias usadas para o preparo das amostras foram lavadas com detergente neutro e enxaguadas cinco vezes com água deionizada. Em seguida, as vidrarias foram deixadas por 24 horas em uma solução de HCl 10% (preparada com água deionizada) e depois enxaguadas cinco vezes com água deionizada. Os xaropes foram diluídos na proporção de (1:4) com água deionizada, sendo usados 5 mL destas soluções para a mineralização das amostras. A mineralização foi realizada utilizando-se uma solução de ácidos HNO3: HClO4 (3:1 v/v) no bloco digestor (Tecnal model TE007D, São Paulo, Brasil) a 200 °C até o volume de 1,5 mL em 3 a 4 horas. Este volume foi aferido para 50 mL com água deionizada em balão volumétrico. Um branco foi realizado com água deionizada em lugar das amostras. Padrões da Carlo Erba (Carlo Erba Reagent, Limito, Italy) foram utilizados para quantificar os minerais. Os minerais ferro, cálcio, manganês, magnésio, zinco e cobre foram quantificados por espectrofotômetro de absorção atômica (Perkin-Elmer, model A-Analyst 300, USA) usando chama de acetileno (Single Slot Burner Heads for Perkin-Elmer Analyst series Spectrometers, Slot length: 10 cm). Ferro, cobre e zinco foram diretamente determinados a partir das diluições descritas acima. Cálcio e magnésio foram diluídos previamente em água deionizada e com solução de lantânio em uma segunda diluição. Potássio e sódio foram determinados por fotometria de chama em um equipamento DIGIMED modelo DM-61 (São Paulo, Brasil).

2.3 Planejamento experimental para otimização do meio de cultura à base de xarope de caju para produção de ácido lático

As fermentações foram realizadas em 50 mL de meio dispostos em Erlenmyers de 125 mL. As culturas foram cultivadas estaticamente em estufa incubadora tipo BOD a 30 ± 1 °C. As concentrações de açúcares redutores totais (AR) e extrato de levedura inicial variaram de acordo com os planejamentos experimentais estudados.

O primeiro planejamento (Tabela 2) foi realizado em meio sintético com a seguinte composição: K2HPO4 (20 g.L-1); MgSO4 (0,20 g.L-1); MnSO4 (0,01 g.L-1); FeSO4 (0,01 g.L-1); CaCl2 (0,02 g.L-1); e NaCl (0,01 g.L-1). Os açúcares foram Glicose e Frutose na proporção de 1:1. As concentrações de extrato de levedura e açúcares iniciais foram variadas de acordo com o planejamento experimental. Para o primeiro planejamento, as amostras foram retiradas nos seguintes tempos: em meio contendo 50 g.L-1 de AR inicial, as amostras foram retiradas em 24 horas de fermentação; em meio contento 175 g.L-1 de AR inicial, as amostras foram retiradas em 72 horas; e em meio contendo 300 g.L-1 de AR inicial, as amostras foram retiradas em 144 horas. Os tempos diferentes para a retirada das amostras se devem ao fato de se saber, por ensaios anteriores, que quanto maior a quantidades de açúcares, maior é o tempo necessário para o L. mesenteroides consumi-los.

O segundo planejamento foi realizado com a adição de fosfato (20 g.L-1) ao xarope de caju, já o extrato de levedura e o teor de açúcares iniciais variaram de acordo com o planejamento experimental (Tabela 9). Não foram adicionados sais minerais ao xarope de caju, pois este apresenta em sua composição os principais sais necessários ao crescimento do microrganismo estudado. Os açúcares majoritários presentes no xarope de caju utilizado são glicose e frutose aproximadamente na proporção de 1:1. As concentrações iniciais dos açúcares, de acordo com o planejamento, foram obtidas através da diluição do xarope de caju. Para o segundo planejamento, as amostras foram retiradas nos seguintes tempos: em meio contendo 50 g.L-1 de AR inicial, amostras retiradas em 48 horas de fermentação; em meio contendo 100 g.L-1 de AR inicial, amostras retiradas em 96 horas; e em meio contendo 150 g.L-1 de AR inicial, amostras retiradas em 168 horas. O aumento do tempo de amostragem no segundo planejamento se deve à verificação de grandes quantidades de açúcar redutor nas amostras retiradas em tempos menores no primeiro planejamento.

As concentrações de extrato de levedura e açúcares redutores totais foram variadas segundo os níveis determinados pelo planejamento experimental composto central completo utilizado. Os planejamentos foram gerados utilizando-se o software Statistica v 5.0 (Statsoft). Os resultados foram analisados através da metodologia de análise de superfície de resposta (BARROS NETO; SCARMINIO; BRUNS, 2002; RODRIGUES; IEMMA, 2005). As análises de variância e dos efeitos significativos foram feitas utilizando o software Statistica com nível de significância de 90%. Nas Tabelas 2 e 9 são apresentados os planejamentos realizados.

2.4 Estudo cinético da produção de ácido lático em xarope de caju

O estudo cinético foi realizado com o xarope de caju diluído para (125 g.L-1) de açúcares totais, tendo sido a ele adicionados 8,0 g.L-1 de extrato de levedura e 20 g.L-1 de fosfato como complementação nutricional do meio de cultura. O pH inicial foi ajustado para 6,5. O tampão fosfato foi utilizado para tamponar o meio, sendo o fosfato também utilizado como nutriente pelo microrganismo. A fermentação foi realizada de forma estática em estufa incubadora tipo BOD a 30 °C em duplicata em Erlenmyers de 125 mL contendo 50 mL de meio. As amostras foram retiradas assepticamente em intervalos regulares de tempo.

2.5 Determinação do valor do pH

O pH foi determinado por potenciometria direta tão logo as amostras eram coletadas. Utilizando-se um potenciômetro Marconi PA 200.

2.6 Determinação do crescimento microbiano

O crescimento microbiano foi determinado por método espectrofotométrico através de densidade ótica a 590 nm. Os valores, expressos em massa seca, foram calculados a partir de uma curva de calibração.

2.7 Remoção das células do fermentado

Antes da realização das análises de açúcares redutores finais e ácido lático, as células foram removidas das amostras por centrifugação a 11806 g por 10 minutos.

2.8 Determinação do ácido lático

O ácido lático produzido durante a fermentação foi quantificado através do método colorimétrico (TAYLOR, 1996). Neste método o ácido lático reage com H2SO4 a quente liberando acetaldeído, o qual reage com cobre e p-fenilfenol (pPP), resultando em um cromógeno que absorve luz a 570 nm.

2.9 Determinação dos açúcares redutores totais

A determinação dos açúcares redutores totais foi realizada pelo método de DNS (MILLER, 1959).

2.10 Determinação da taxa de crescimento, consumo de substrato e produção de ácido lático

As taxas de crescimento específico, consumo específico dos substratos (glicose e frutose) bem como de produção do ácido lático foram determinadas de acordo com as Equações 1, 2 e 3:

em que:

μX: taxa específica de crescimento do microrganismo (h-1);

μS: taxa específica de consumo de açúcares redutores totais (h-1);

μP: taxa específica de formação do ácido lático (h-1);

X: concentração de biomassa em base seca (g.L-1);

S: concentração de açúcares redutores totais (g.L-1); e

P: concentração de ácido lático (g.L-1).

2.11 Determinação do rendimento em ácido lático

O rendimento do processo foi calculado ao longo da fermentação com base no açúcar consumido conforme a Equação 4.

3 Resultados e discussão

Na Tabela 1 é apresentada à composição do xarope de caju em relação aos açúcares redutores totais, minerais e nitrogênio proteico.

Observa-se que o xarope de caju é um meio rico em minerais e açúcares, servindo como substrato para a obtenção de produtos via processos fermentativos incluindo o ácido lático. No caso do ácido lático, o xarope foi enriquecido com fontes de nitrogênio, vitaminas e fosfatos para suprir as necessidades nutricionais do L. mesenteriodes B512F, uma vez que no processo fermentativo o xarope é diluído para concentrações mais baixas de açúcar, diminuindo, portanto, sua concentração de nitrogênio final.

O primeiro planejamento foi realizado com o intuito de serem obtidos resultados em meio sintético padrão para serem comparados com o segundo planejamento realizado com o xarope de caju, uma vez que outros componentes do xarope poderiam interferir na fermentação, além da carência de nutrientes tais como nitrogênio proteico. Na Tabela 2 é apresentado o planejamento executado em meio sintético, bem como os resultados das análises de ácido lático produzido, biomassa produzida, valores de pH e açúcares redutores consumidos.

Observa-se que a produção máxima de ácido lático (15,96 ± 1,20 g.L-1) ocorreu no meio 4. Entretanto, muito açúcar redutor residual para ser biotransformado em ácido lático foi encontrado em todos os ensaios. O rendimento em ácido lático, com base no açúcar redutor consumido, foi de 8% para o meio 4. Nas Tabelas de 3 a 5 estão apresentados os efeitos principais e das interações entre a concentração de extrato de levedura e a de açúcares redutores iniciais para o planejamento (Tabela 2) realizado com o meio sintético ao nível de 90% de significância.

Nas Tabelas de 6 a 8 são apresentadas as análises de variância (ANOVA) dos modelos de regressão (Equações de 5 a 7) obtidos com os resultados do planejamento realizado com o meio sintético (Tabela 2).

De acordo o teste de F, modelos de regressão apresentam significância estatística no intervalo de confiança considerado, quando Fcalculado > FTabelado (BARROS NETO; SCARMINIO; BRUNS, 2002; RODRIGUES; LONA; FRANCO, 2006). Dessa forma, de acordo com os resultados apresentados nas Tabelas de 6 a 8, todos os modelos de regressão apresentaram significância estatística, exceto o modelo de regressão para a biomassa, uma vez que o valor de F calculado foi inferior ao tabelado. Dessa forma, não foi construída superfície de reposta com o modelo de regressão para a biomassa. Nas Figuras 1 e 2 estão apresentadas as superfícies de resposta obtidas com os modelos do planejamento com o meio sintético (Tabela 2).



De acordo com a Figura 1, observa-se que a adição de extrato de levedura não apresentou influência significativa na produção de ácido lático e que a concentração de açúcar inicial apresentou um efeito mais acentuado na produção de ácido lático. A adição conjunta desses dois compostos favorece a produção lática.

De acordo com a Figura 2, observa-se que o extrato de levedura não influenciou no consumo de açúcares redutores totais, porém a concentração inicial de açúcares redutores influenciou diretamente o consumo de açúcar. Os dois fatores juntos não apresentaram interação significativa para o consumo de açúcares.

Observou-se que, em todos os pontos experimentais do primeiro planejamento, restou muito açúcar redutor e que a concentração extrato de levedura pouco influenciou na produção de ácido lático. Dessa forma, um segundo planejamento com o xarope de caju foi realizado tomando-se como base os resultados do primeiro planejamento. Este planejamento foi feito, então, baixando-se as concentrações iniciais de açúcares redutores totais e de extrato de levedura, bem como se estendendo o tempo de fermentação para se aumentar seu rendimento. Na Tabela 9 é apresentado o segundo planejamento realizado com xarope de caju bem como os resultados das análises para a produção de ácido lático e biomassa, valores de pH e açúcares redutores consumidos.

Observa-se uma produção de 15,5 g.L-1 de ácido lático no meio 6. Entretanto, restou ainda muito açúcar para ser biotransformado em ácido lático. O rendimento em ácido lático, com base no açúcar consumido, obtido no ensaio 6 foi de 23,9%. Este rendimento é da ordem de 15% superior ao rendimento máximo obtido no primeiro planejamento (Tabela 2).

Observa-se que, em ambos os planejamentos experimentais, a fermentação foi encerrada com valores de pH abaixo de 5,0. Dessa forma, o metabolismo do microrganismo pode ter sido reduzido devido ao baixo valor de pH, afetando a produção lática. Nas Tabelas de 10 a 13 estão apresentados os efeitos da concentração de extrato de levedura e de açúcares redutores iniciais para o planejamento realizado com o xarope de caju ao nível de 90% de significância.

Nas Tabelas de 13 a 15 são apresentadas as análises de variância ANOVA dos modelos de regressão (Equações de 8 a 10) obtidos com os dados para o planejamento realizado com o xarope de caju (Tabela 9).

De acordo com os resultados apresentados nas Tabelas de 13 a 15, todos os modelos de regressão são estatisticamente significativos (Fcalculado > FTabelado). Nas Figuras de 3 a 5 são apresentadas as superfícies de resposta obtidas a partir dos modelos de regressão dos dados obtidos com o planejamento com xarope de caju (Tabela 9).




De acordo com os resultados apresentados na Figura 3, observa-se a influência direta do teor inicial de açúcares redutores e uma menor influência para as concentrações de extrato de levedura na produção de ácido lático. Aumentando-se o teor de açúcares iniciais, aumenta-se a concentração final de ácido lático.

Os resultados apresentados na Figura 4 mostram a interação dos dois fatores estudados. O máximo crescimento microbiano ocorre na faixa de concentrações superiores a 4 g.L-1 para o extrato de levedura e concentrações na faixa de 80 a 125 g.L-1 de açúcares redutores iniciais.

De acordo com os resultados apresentados na Figura 5, a concentração de extrato de levedura praticamente não influencia o consumo de açúcares. Entretanto, quanto maior a concentração de açúcares iniciais, maior é o consumo de açúcar durante a fermentação.

A análise da Figura 3 permite a seleção de uma concentração ideal aproximada de açúcares iniciais e extrato de levedura para a produção de ácido lático com o xarope de caju. Estas concentrações são as seguintes: 125 g.L-1 de açúcares e 8 g.L-1 de extrato de levedura. Para o crescimento microbiano, de acordo com a Figura 4, os valores ideais aproximados são 120 g.L-1 de açúcares inicias e 8 g.L-1 de extrato de levedura inicial. Dessa forma, escolheu-se a concentração de 125 g.L-1 de açúcares redutores e de 8 g.L-1 para o estudo cinético da produção de ácido lático em xarope de caju (Figura 5). Na Tabela 16 são apresentados os resultados dos rendimentos da produção de ácido lático obtidos durante o estudo cinético da fermentação com o xarope de caju.

O consumo de açúcares foi de 54,9%, restando ainda substrato disponível para produção de ácido lático. Entretanto observou-se uma produção final de ácido lático de 11,9 g.L-1, apresentando um rendimento final de 15% em 72 horas de fermentação nas condições estudadas. O rendimento máximo observado foi obtido em 24 horas de fermentação, quando 19,5% dos açúcares redutores totais consumidos foram convertidos em ácido lático.

Nas Figuras 6 e 7 são apresentados os resultados da cinética de produção de ácido lático, do consumo dos açúcares redutores totais, do crescimento microbiano e dos valores de pH no meio de cultura.



De acordo com os resultados apresentados na Figura 6, observa-se uma maior produção do ácido lático entre as 12 e 24 horas de fermentação. A produção final foi de 11,7 ± 0,9 g.L-1 em 72 horas de fermentação. O valor inicial de ácido lático no tempo zero é devido à presença deste produto no meio de inoculação do microrganismo, este valor foi subtraído no cálculo do rendimento apresentado na Tabela 16. Observa-se um maior consumo dos açúcares redutores totais no intervalo de 12 a 24 horas, tendo sido observada simultaneamente uma maior produção de ácido lático. Na figura 7, são apresentados o crescimento microbiano e o pH do meio durante a fermentação.

De acordo com os resultados apresentados na Figura 7, observa-se um maior crescimento microbiano no intervalo de 6 a 24 horas de fermentação e depois um crescimento com taxas menores. O valor inicial de biomassa é devido ao inóculo. Observa-se que o valor do pH diminui para 4,35 após 24 horas de fermentação. Valores de pH abaixo de 5,0 afetaram as taxas metabólicas do microrganismo reduzindo a produção de ácido lático, o consumo de açúcares redutores totais e o crescimento microbiano. Na Tabela 17 são apresentados os valores das taxas de produção de ácido lático, consumo de substrato e produção de biomassa.

Observa-se um aumento da taxa de produção do ácido lático entre o intervalo de 2 a 8 horas, e um decréscimo a partir de 8 horas de fermentação. Observa-se um aumento na taxa de consumo de açúcares até a sexta hora de fermentação que se manteve estável até as 24 horas e decresceu após esse período. Um aumento da taxa de crescimento microbiano é observado até 8 horas de fermentação, quando a taxa máxima é obtida e, em seguida, observa-se um decréscimo da taxa de crescimento. Durante o segundo dia de fermentação, foi observada a formação de bolhas que pode ser um indicativo da produção de CO2 já que a linhagem estudada é heterofermentativa e produz também o etanol.

4 Conclusão

De acordo com os resultados apresentados, conclui-se que o xarope de caju é um meio rico em minerais e açúcares, servindo como substrato para a produção de produtos obtidos por processos fermentativos, incluindo os ácidos orgânicos. No caso do ácido lático, o xarope deve ser enriquecido com fonte externa de nitrogênio e fosfato para suprir as necessidades nutricionais do L. mesenteriodes B512F.

A partir dos resultados obtidos nos planejamentos experimentais estudados, verificou-se um indicativo de que as taxas metabólicas do microrganismo estudado são comprometidas quando valores elevados de açúcares são empregados, uma vez que restou muito açúcar não consumido especialmente no primeiro planejamento.

A partir do planejamento com xarope de caju, conclui-se que a produção de ácido lático em xarope de caju é viável, chegando-se a valores de 15,5 g.L-1 de ácido em 96 horas no meio contendo 8 g.L-1 de extrato de levedura e na faixa de 100 g.L-1 de açúcares iniciais provenientes do xarope de caju. A partir dos gráficos de superfície de resposta, pode-se concluir como condições ideais aproximadas para a produção de ácido lático em xarope de caju a adição de 8 g.L-1 de extrato de levedura ao xarope diluído para 125 g.L-1 de açúcares iniciais.

A partir do estudo cinético apresentado, pode-se concluir que o maior rendimento de ácido lático por L. mesenteroides B512F a partir do xarope de caju se deu nas primeiras 24 horas de experimento. A produção de ácido lático por fermentação submersa não é viável quando o valor do pH está abaixo de 5,0, pois se observou uma redução das taxas metabólicas da linhagem estudada após valores de pH em torno de 4,3.

Dessa forma, a produção de ácido lático por L. mesenteroides B512F em xarope de caju é viável. Entretanto, uma fermentação deve ser realizada com o valor de pH controlado acima de 5,0 através da adição de NaOH em fermentador batelada com adição de nutrientes essenciais como extrato de levedura e fosfato, para que os açúcares redutores totais sejam completamente consumidos e se possa observar a cinética de produção do ácido lático sem açúcares redutores residuais. Estes estudos são objetos de trabalhos futuros.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) o auxílio financeiro e bolsa concedida e à ARS Culture Collection pelo microrganismo utilizado neste trabalho.

Recebido para publicação em 28/11/2007

Aceito para publicação em 20/3/2008 (003048)

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    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      20 Mar 2008
    • Recebido
      28 Nov 2007
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