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O Modo Africano de Fazer a Guerra: A Guerra Proxy Irregular Regionalizada 1 1 A presente pesquisa foi apoiada pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) da UFSM e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq.

The African Way of Going to War: The Regionalized Irregular Proxy Warfare

La Manière Africaine de Faire la Guerre: La Guerre par Procuration Régionalisée Irrégulière

El Modo Africano de Hacer la Guerra: La Guerra Proxy Irregular Regionalizada

RESUMO

As guerras africanas têm sido amplamente descritas como um fenômeno apolítico, doméstico e localmente restrito. Todavia, tais narrativas não se sustentam após análises mais robustas de dados empíricos, mediante o uso de conceitos capazes de equilibrar generalidade teórica e particularidade dos casos. O défice analítico sobre as guerras na África dificulta inclusive a avaliação de suas causas, consequências e do impacto das respostas geralmente adotadas para as suas resoluções. Este artigo argumenta, em oposição a visões correntes, que as guerras existentes no continente e suas notórias complexidades e irregularidades constituem uma tríade securitária, sintetizada no conceito de Guerra Proxy Irregular Regionalizada. As causas e os efeitos sistêmicos desse modo africano de fazer a guerra estão relacionados, além de causas objetivas, a amplas causas permissivas, nomeadamente ao processo de construção do Estado no continente, envolvendo sua interação com as dinâmicas regionais e a penetração extrarregional. Respostas mais efetivas para guerra na África deveriam levar em conta essas características, suas causas e consequências, e considerar o papel de ações mais sustentáveis, tais como reformas autofortalecedoras dos Estados e o envolvimento de iniciativas regionais mais vigorosas.

guerra; África; guerra irregular; guerra proxy; segurança regional

ABSTRACT

African wars have been widely described as an apolitical, domestic, and locally restricted phenomenon. However, such narratives do not hold up when facing more robust analyzes of empirical data, through the use of concepts capable of balancing a theoretical generality and the particularity of the cases. The analytical deficit on wars in Africa even makes it difficult to assess their causes, consequences and the impact of the responses generally adopted for their resolutions. This article argues, in opposition to current views, that the existing wars on the continent and their notorious complexities and irregularities constitute a security triad, synthesized in the concept of Regionalized Irregular Proxy Warfare. The systemic causes and effects of this African way of warfare are related, in addition to objective causes, to broader permissive causes, namely, the process of State-building on the continent, involving its interaction with regional dynamics and extra-regional penetration. More effective responses to the war in Africa should take into account these characteristics, the causes and consequences of conflicts, and consider the role of more sustainable actions, such as self-empowering reforms by states and the involvement of more vigorous regional initiatives.

war; Africa; irregular warfare; proxy warfare; regional security

RÉSUMÉ

Les guerres africaines ont été largement décrites comme un phénomène apolitique, domestique et localement limité. Cependant, de tels récits ne sont pas soutenus après des analyses plus robustes de données empiriques, grâce à l’utilisation de concepts capables d’équilibrer la généralité théorique et la particularité des cas. Le déficit analytique sur les guerres en Afrique rend difficile même d’évaluer leurs causes, leurs conséquences et l’impact des réponses généralement adoptées à leurs résolutions. Cet article soutient, contrairement aux opinions actuelles, que les guerres existantes sur le continent et ses complexités et irrégularités notoires constituent une triade sécuritaire, synthétisée dans le concept de guerre par procuration irrégulière régionalisée. Les causes et effets systémiques de cette manière africaine de faire la guerre sont liés, en plus des causes objectives, à de larges causes permissives, à savoir le processus de construction de l’État sur le continent, impliquant son interaction avec les dynamiques régionales et la pénétration extra-régionale. Des réponses plus efficaces à la guerre en Afrique devraient prendre en compte ces caractéristiques, leurs causes et leurs conséquences, et considérer le rôle d’actions plus durables, telles que des réformes étatiques autonomes et l’implication d’initiatives régionales plus fortes.

guerre; Afrique; guerre irrégulière; guerre par procuration; sécurité régionale

RESUMEN

Las guerras africanas se han descrito ampliamente como un fenómeno apolítico, doméstico y restringido localmente. Sin embargo, esas narrativas no se apoyan después de análisis más sólidos de datos empíricos, mediante el uso de conceptos capaces de equilibrar la generalidad teórica y la particularidad de los casos. El déficit analítico de las guerras en África incluso dificulta la evaluación de las causas, consecuencias e impacto de las respuestas generalmente aprobadas para sus resoluciones. Este artículo argumenta, en oposición a las visiones actuales, que las guerras en el continente y sus notorias complejidades e irregularidades constituyen una tríada de seguridad, sintetizada en el concepto de Guerra Proxy Irregular Regionalizada. Las causas y los efectos sistémicos de este modo africano de hacer la guerra están relacionados, además de las causas objetivas, con amplias causas permisivas, a saber, el proceso de construcción del Estado en el continente, que implica su interacción con las dinámicas regionales y la penetración extrarregional. Las respuestas más eficaces a la guerra en África deberían tener en cuenta estas características, sus causas y consecuencias, y considerar el papel de las acciones más sostenibles, como reformas auto fortalecedoras de los Estados y la participación de iniciativas regionales más fuertes.

Guerra; África; Guerra Irregular; Guerra Proxy; Seguridad Regional

INTRODUÇÃO

Limites ao conhecimento teórico e empírico engendram mitos sobre a realidade com base naquilo que acreditamos ser verdade, referindo imagens superficiais e preconceitos pessoais. No que diz respeito à África, esta tem sido a regra desde o empreendimento colonial, estabelecendo-se até mesmo na literatura popular e no cinema ( Said, 1995SAID, Edward W. (1995), Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras. ). Em relação aos conflitos africanos, embora recorrente, a atenção global a esses eventos é seletiva e esporádica. A narrativa sobre as guerras na África geralmente reproduz uma visão limitada, baseada nos impactos humanitários da violência e nas características mais grotescas da irregularidade dos grupos beligerantes. A necessidade de chamar a atenção do público para o continente esquecido é muitas vezes privilegiada, em detrimento da lucidez dos aspectos estratégicos e operacionais das guerras na África.

Mesmo no campo acadêmico, interpretações fatalistas atribuem à África uma ideia de lugar exótico, onde processos políticos e sociais ontologicamente diferentes se desenvolvem. Consequentemente, as guerras africanas têm sido amplamente descritas como um fenômeno apolítico, doméstico e localmente restrito. Nessa visão, os conflitos armados africanos são uma questão de disputas pessoais e irracionais, sem objetivos políticos evidentes. Além disso, eles não representam um aspecto da política internacional e, quando o fazem, baseiam-se na influência extrarregional e não em dinâmicas regionais complexas ( Carmody e Owusu, 2007CARMODY, Pádraig R., OWUSU, Francis Y. (2007), “Competing Hegemons? Chinese versus American Geo-Economic Strategies in Africa”. Political Geography, vol. 26, n. 5, pp. 504-524. ). Há também escassez de análises amplas e sistemáticas que comparem as características dos conflitos armados no continente e abordem as principais hipóteses disponíveis na literatura sobre suas causas e efeitos sistêmicos. O défice analítico dificulta a avaliação do impacto das respostas às guerras africanas e o desenvolvimento de soluções sustentáveis. Neste artigo, defendo a necessidade de uma compreensão mais nítida das características, causas e consequências dos conflitos armados africanos, haja vista que uma visão turva das guerras na África, suas bases políticas, institucionais e regionais, leva à incompreensão de suas causas sistêmicas e ao insucesso de respostas sustentáveis. A fim de contribuir com a superação deste desafio, busco organizar a literatura secundária que aborda as guerras na África e compará-las com a pesquisa empírica que produzi nos últimos onze anos. Isto inclui a avaliação de documentos e bases de dados obtidos no Brasil e em pesquisas de campo na África Austral (África do Sul, Moçambique e Zimbábue) em duas ocasiões, 2011 e 2013. Com base nessa pesquisa teórica e empírica, sustento, em oposição a visões correntes, que as guerras existentes no continente africano e sua notória complexidade e irregularidade constituem uma tríade securitária. Essa tríade envolve, de forma relativamente integrada, a presença significativa de grupos irregulares e atores não estatais nos conflitos armados; a permanência da guerra proxy e rivalidades interestatais significativas; e conflitos regionalizados capazes de articular sistemas regionais. As causas e os efeitos sistêmicos desse modo africano de fazer a guerra2 2 A construção é uma referência clara à obra clássica de Russell Weigley (1973) , e à tese atualizada de Max Boot (2003) , sobre o modo americano de fazer a guerra. Tal discussão, amplamente aprofundada no caso dos EUA, ainda não teve a sua contraparte nos Estudos Estratégicos e de Segurança sobre a África. estão relacionados a amplas causas permissivas, nomeadamente ao processo de construção do Estado no continente, envolvendo sua interação com as dinâmicas regionais e de penetração extrarregional. Respostas mais efetivas para a guerra na África deveriam levar em conta essas características e causas, e considerar o papel de reformas de autofortalecimento do Estado e o envolvimento de iniciativas regionais.

Organizo o estudo na seguinte estrutura. A primeira seção avalia a problemática do desequilíbrio entre generalidade e particularidade na análise dos conflitos armados africanos, chamada aqui de paradoxo distância-proximidade. Propõe, assim, a adoção cautelosa de três conceitos que podem contribuir para a superação desse desafio. Eles são guerra irregular complexa, guerra proxy e segurança regional. A segunda seção identifica o paradoxo distância-proximidade na prática, por meio da observação de equívocos comuns na caracterização das guerras africanas, bem como de visões reducionistas sobre suas causas, consequências e alternativas de resolução. Na terceira seção, com base em dados empíricos, apresento as características qualitativas mais relevantes das guerras na África, que conformam a tríade de segurança da Guerra Proxy Irregular Regionalizada. Com base nessa nova interpretação das características das guerras africanas, o trabalho propõe uma visão sistêmica mais ampla das causas, consequências e possíveis alternativas de resolução para os conflitos armados africanos. A conclusão geral retorna à complexidade das características e causas do fenômeno da guerra no continente e apresenta lições a serem adotadas em futuros estudos.

GUERRA CONTEMPORÂNEA E O PARADOXO DISTÂNCIA-PROXIMIDADE

Avaliar características de guerras tem sido uma das tarefas principais dos Estudos Estratégicos. Na literatura especializada, há uma multiplicidade de classificações para conflitos armados, cada qual com um enfoque principal, que prioriza variáveis específicas identificadas nas conflagrações para estabelecer uma tipologia particular. Por exemplo, Antoine-Henri Jomini (1992)JOMINI, Antoine-Henri. (1992), The Art of War. London: Greenhill Books. , Claus von Clausewitz (2003)CLAUSEWITZ, Claus von. (2003), Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes. e John A. Vasquez (2009)VASQUEZ, John A. (2009), The War Puzzle Revisited. Cambridge: Cambridge University Press. produziram classificações gerais e populares, amplamente adotadas na literatura de Estudos Estratégicos. Outras classificações que adotam múltiplas variáveis podem ser encontradas na literatura do direito, da história e da filosofia política. Luigi Bonanate (2001), por exemplo, divide a guerra em cinco elementos básicos: agentes do conflito, modo de emprego da força, tipo de armamento, objetivos na guerra e dimensões da guerra. Ademais, potências internacionais têm proposto classificações que sejam adequadas às suas prioridades estratégicas. Por exemplo, a doutrina militar do exército indiano classifica as guerras de acordo com o seu grau de violência, dando destaque para a guerra nuclear e operações vinculadas a missões de paz ( Índia, 2004ÍNDIA. (2004), Indian Army Doctrine. Headquarters Army Training Command. Disponível em: http://indianarmy.nic.in/indar_doctrine.htm.
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).

Esforços como esses podem servir de instrumento para esclarecer características de guerras e informar inferências sobre suas causas, consequências e tentativas de resolução. No entanto, muitos esforços de classificações possuem seus próprios limites quanto à aplicação na realidade, assim como qualquer empreendimento tipológico ( Weber, 2000WEBER, Max. (2000), Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da Universidade de Brasília. ). A maior parte das dificuldades ocorre quando as lentes adotadas para observar a realidade produzem conceitos que não estão em equilíbrio entre extensão (generalidade) e intensão (particularidade) ( Sartori, 1970SARTORI, Giovanni. (1970), “Concept Misformation in Comparative Politics”. The American Political Science Review, vol. 64, n. 4, pp. 1033-1053. ). No caso dos conflitos do Terceiro Mundo e da África, uma das principais dificuldades envolvidas na observação das características dos conflitos armados é o axioma da diferenciação. Isso pressupõe que os processos sociais e os conflitos armados atuais no Terceiro Mundo, em geral, e na África, em particular, são essencialmente diferentes de qualquer outra experiência em outros momentos ou espaços. Como consequência, a África é entendida como palco de formas completamente exclusivas de relações sociais, individuais e políticas, incluindo novos tipos de guerra que traduzem características, causas e consequências sui generis ( Kaldor, 1999KALDOR, Mary. (1999), New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. Cambridge: Polity Press. ).

Esse axioma leva a um paradoxo de pesquisa, que pode ser verificado em diversos estudos sobre o continente, especificamente no campo da segurança. Chamo-o de paradoxo distância-proximidade. Ele segue a seguinte lógica: as particularidades da dinâmica política africana são tais que deveriam ser analisadas mediante teorias reducionistas, que destacam processos de microescala com poucas considerações a dinâmicas sistêmicas e complexas. Como resultado, os esforços para analisar processos mais estruturais, em seus próprios contextos particulares, são desconsiderados antecipadamente. Então, ao descartar as perspectivas teóricas sistêmicas, as avaliações sobre as características das interações sociais, incluindo o conflito violento, ignoram importantes evidências empíricas que mostram que as particularidades locais também possuem mecanismos recorrentes observados alhures. Paradoxalmente, os aportes conceituais são reduzidos para observar os processos em pequena escala (proximidade) e, após o reducionismo, as evidências empíricas ignoram processos estruturais e permanecem distantes de muitos aspectos da realidade regional e global (distância).

Muitos conceitos relacionados à guerra no Terceiro Mundo têm o potencial de contribuir para a superação dessas dificuldades. Três deles são guerra irregular, guerra proxy e segurança regional. Tais conceitos podem ser utilizados para avaliar particularidades da região, relacionando-as com categorias gerais, como os meios de uso da força, a característica dos grupos beligerantes e a escala geográfica dos conflitos. No entanto, seu uso ainda reflete deficiências que podem reproduzir o paradoxo distância-proximidade.

Em relação à guerra irregular, desde o final da Guerra Fria, e em especial após os atentados de 11 de setembro de 2001, a literatura anglo-saxã tem avaliado crescentemente o fenômeno da guerra irregular e adotado o conceito de guerra irregular complexa (CIW, sigla em inglês), introduzido pelo think tank britânico International Institute for Strategic Studies ( IISS, 2005INTERNATIONAL INSTITUTE FOR STRATEGIC STUDIES. (2005), “Complex Irregular Warfare: The Face of Contemporary Conflict”. The Military Balance 2004-2005. London: Routledge, pp. 411-420. ). Trata-se, em termos gerais, da recorrência da irregularidade na guerra contemporânea, o que evidenciaria aspectos geracionais. Isso, pois, para alguns analistas, a guerra contemporânea é a guerra de quarta geração (4GW, sigla em inglês), caracterizada pelo fim do monopólio estatal sobre a guerra, a proliferação de grupos armados não estatais em ambientes inóspitos, a intensificação da descentralização, a diversificação da iniciativa na guerra, e a crescente importância de fatores culturais ( Lind, 2005LIND, William S. (2005), “Compreendendo a Guerra de Quarta Geração”. Military Review, janeiro-fevereiro, pp. 12-17. ). A informação e os meios de comunicação passariam a ter um papel cada vez mais estratégico e organizacional na guerra. Ganhar opiniões e visões das populações, seus corações e mentes, torna-se parte cada vez mais vital das comunicações estratégicas no ambiente de redes virtuais transnacionais, próprio da Network Centric Warfare (guerra centrada em redes) ( Alberts et al., 2000ALBERTS, David S.; GERSTKA, John J.; STEIN, Frederick P. (2000), Network Centric Warfare: Developing and Leveraging Information Superiority. Washington, D.C.: Department of Defense, CCRP Publication Series. ). Ademais, com a redução do papel do Estado como ator central no travamento da guerra, o mundo estaria vivenciando novas guerras ( Kaldor, 1999KALDOR, Mary. (1999), New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. Cambridge: Polity Press. ; 2013KALDOR, Mary. (2013), “In Defence of New Wars”. Stability: International Journal of Security and Development, vol. 2, n. 4, pp. 1-16. ).

No entanto, quando aplicado a especificidades atuais e locais, o conceito de guerra irregular ainda pode reproduzir o paradoxo distância-proximidade. Em primeiro lugar, porque a guerra irregular pode parecer tão diferente da experiência moderna da guerra e, aparentemente, tão brutal e ilógica, que sua base poderia ser considerada única. Vozes importantes contrastam essa visão e argumentam que, apesar de suas especificidades, a guerra irregular não é sem precedentes e representa um movimento macro-histórico, incompleto e reversível de institucionalização e modernização da guerra ( Gray, 2007GRAY, Colin S. (2007), “Irregular Warfare One Nature, Many Characters”. Strategic Studies Quarterly, pp. 35-57. ; Lind, 2005LIND, William S. (2005), “Compreendendo a Guerra de Quarta Geração”. Military Review, janeiro-fevereiro, pp. 12-17. ; Holsti, 2004HOLSTI, Kalevi J. (2004), Taming the Sovereigns: Institutional Change in International Politics. Cambridge: Cambridge University Press. ). No entanto, a guerra permanece como em qualquer período, um choque de forças politicamente interessadas, integrando, de forma mais ou menos institucionalizada, organização política, base socioeconômica e meios de usar a força, conforme preconizado por Clausewitz (2003)CLAUSEWITZ, Claus von. (2003), Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes. . Em segundo lugar, há um equívoco comum ao se equiparar a guerra irregular à guerra assimétrica ( DOD, 1998DEPARTMENT OF DEFENSE. (1998), “Dictionary of Military and Associated Terms”. U.S. Joint Publication, vol. 1, n. 2, abril, p. 246. ; Miles, 1999MILES, Frankling B. (1999), “Asymmetric Warfare: An Historical Perspective”. USAWC Strategy Research Project. Carlisle Barracks, PA: U.S. Army War College. ), embora a irregularidade dos meios não envolva necessariamente a assimetria das forças ( Mack, 1975MACK, Andrew J. R. (1975), “Why Big Nations Lose Small Wars: The Politics of Asymmetric Conflict”, World Politics, vol. 27, n. 2, Janeiro, pp. 175-200. ; Arreguin-Toft, 2005ARREGUIN-TOFT, Ivan. (2005), How the Weak Win Wars: A Theory of Asymmetric Conflict. New York & Cambridge: Cambridge University Press. ; Kalyvas, 2003KALYVAS, Stathis. (2003), “The Sociology of Civil Wars: Warfare and Armed Groups”. New Haven: Department of Political Science, Yale University. Disponível em: http://www.smallarmssurvey.org/files/portal/issueareas/perpetrators/perpet_pdf/2003_Kalyvas.pdf
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). O problema conceitual pode gerar dificuldades na observação de manifestações reais. Se a irregularidade significa assimetria, ela tende a direcionar a análise para longe da observação de disputas interestatais. Refere-se apenas à prática entre Estados e atores não estatais, e não entre dois Estados com nível de poder equivalente. Isso produz um grande problema para identificar Estados que adotam meios irregulares de guerra, inclusive através da guerra proxy.

Guerra proxy é, justamente, o segundo conceito que tem o potencial de superar o paradoxo de distância-proximidade na análise da guerra do Terceiro Mundo. A guerra proxy é um conflito armado em que há uma relação de suporte, em maior ou menor grau, de um ator principal para outro proxy – e no qual o primeiro busca evitar a participação direta e a responsabilidade pela guerra. O ator principal provém ao proxy auxílio material em tipo e escala variados, o que pressupõe um mínimo de coordenação de atividades e vantagens mútuas. A preocupação maior da guerra proxy genérica é manter a plausibilidade da negação ( plausible deniability ) acerca do envolvimento com o intuito de evitar custos excedentes. O conflito armado proxy funciona como uma opção racional para reduzir os custos militares, econômicos e políticos da guerra interestatal. Assim, a intervenção proxy permite que atores externos avancem seus interesses em territórios estrangeiros enquanto permanecem seguros e relativamente afastados ( Loveman, 2002LOVEMAN, Chris. (2002), “Assessing the Phenomenon of Proxy Intervention”. Conflict, Security & Development, vol. 2, n. 3, pp. 29-48. ). Outra lógica essencial da guerra proxy é que essa envolve uma relação de interdependência assimétrica entre principal e proxy, embora a autonomia do proxy varie de acordo com as características do conflito e a origem primordial das rivalidades (doméstica, regional ou global) ( Loveman, 2002LOVEMAN, Chris. (2002), “Assessing the Phenomenon of Proxy Intervention”. Conflict, Security & Development, vol. 2, n. 3, pp. 29-48. ). Finalmente, a guerra proxy é um conflito híbrido, não uma mera insurgência. Isso, pois o apoio do exterior permite que grupos insurgentes façam frente com relativa facilidade às gendarmerias ou guardas dos Estados nacionais contra os quais se insurgem.

Dois problemas também afetam o conceito de guerra proxy e acabam reproduzindo o paradoxo distância-proximidade. O primeiro problema reside na ideia comum de que as guerras proxy são um instrumento limitado a grandes potências. De fato, a guerra proxy foi um instrumento adotado em larga escala durante a Guerra Fria, mediante a criação de zonas de influência por parte das superpotências e o apoio a países e grupos armados em regiões de conflito ( Davis, 1985DAVIS, Mike. (1985), “O imperialismo nuclear e a dissuasão extensiva”, in E. Thompson et al. (org.). Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Brasiliense. ; Hobsbawm, 1994HOBSBAWM, Eric J. (1994), Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras.: 422). No entanto, a guerra por procuração permaneceu presente no período pós-Guerra Fria como instrumento de qualquer país ou grupo armado ( Loveman, 2002LOVEMAN, Chris. (2002), “Assessing the Phenomenon of Proxy Intervention”. Conflict, Security & Development, vol. 2, n. 3, pp. 29-48. ). Um segundo problema, derivado do primeiro, relaciona-se com a forma de identificar e medir a guerra proxy em uma escala regional. Embora seja parte presente na realidade, o conceito de guerra proxy permanece esquecido ou utilizado de forma pouco criteriosa, sendo que muitas bases de dados populares sobre tipos de guerra têm responsabilidade nisso. A marginalização atual do conceito implica a falha de alguns índices importantes em estabelecer onde começam as guerras interestatais e onde terminam as guerras civis. Classificações de grande credibilidade internacional, como o índice do projeto Correlates of War (COW) e do Uppsala Conflict Data Program (UCDP), incorrem nesse problema ( Sarkees, 2000SARKEES, Meredith Reid. (2000), “The Correlates of War Data on War: An Update to 1997”. Conflict Management and Peace Science, vol. 18, n. 1, pp. 123-144. ; Sarkees et al., 2003SARKEES, M. R.; WAYMAN, F. W.; SINGER, J. D. (2003), “Inter-State, Intra-State, and Extra-State Wars: A Comprehensive Look at Their Distribution over Time, 1816-1997”. International Studies Quarterly, vol. 47, n. 1, março, pp. 49-70. ; Gleidsch et al. , 2002).3 3 O índice COW não inclui em sua base de dados uma diferenciação real entre conflitos intraestatais nacionais e intraestatais internacionalizados (com intervenção externa). Por seu turno, a classificação desenvolvida pelo UCDP, juntamente com o International Peace Research Institute de Oslo (PRIO), inclui guerras intraestatais internacionalizadas, que envolvem a participação de forças externas no campo de batalha. Contudo, além de apresentar incoerências na classificação de guerras intraestatais internacionalizadas africanas, este último índice não diferencia o grau qualitativo da presença estrangeira em conflitos intraestatais. Se é limitada ao suporte aos grupos armados internos ou se a participação é direta, caracterizando uma guerra mista (inter e intraestatal).

A segurança regional é o terceiro conceito que pode contribuir para a redução do paradoxo distância-proximidade na análise da guerra na África. A ideia de segurança regional como o principal nível de dinâmicas de segurança dos Estados, principalmente para potências não globais, remonta à década de 1980 ( Buzan, 1983BUZAN, Barry. (1983), People, States, and Fear: The National Security Problem in International Relations. Brighton: Sussex Wheatsheaf Books Ltd. ; Ayoob, 1986AYOOB, Mohammed (ed.). (1986), Regional Security in the Third World: Case Studies from Southeast Asia and the Middle East. Boulder: Westview Press. ). Com o fim da Guerra Fria e a redução momentânea das disputas globais na maioria das regiões, os complexos regionais de segurança se tornaram um dos principais objetos de análise dos Estudos de Segurança ( Buzan e Hansen, 2009BUZAN, Barry; HANSEN, Lene. (2009), The Evolution of International Security Studies. New York: Cambridge University Press. ). Especialmente no Sul Global, o modelo de Complexos Regionais de Segurança (CRS) fornece uma estrutura analítica sistêmica que abre a possibilidade de observação das interações de atores, processos e estruturas em níveis nacional, regional e global ( Buzan e Waever, 2003BUZAN, B.; Wæver, O., (2003), Regions and Powers: The Structure of International Security. New York: Cambridge University Press. ).

No entanto, o profundo conhecimento das dinâmicas locais e regionais e a suas possíveis conexões com conceitos comparativos mais gerais devem orientar essa promessa de superação do paradoxo distância-proximidade mediante os estudos regionais de segurança. O dilema objetivo é como analisar dinâmicas regionais em escala regional, que podem apresentar menor intensidade do que dinâmicas globais, mas que possuem impacto regional profundo. Além disso, um segundo desafio é como identificar processos geralmente desconhecidos para a literatura tradicional das Relações Internacionais, que sempre ignorou o Sul Global como objeto de estudo legítimo ( Acharya e Buzan, 2009ACHARYA, Amitav; BUZAN, Barry. (2009), Non-Western International Relations Theory: Perspectives on and Beyond Asia. Routledge. ). Essa tarefa nem sempre é bem-sucedida. Por exemplo, ao analisar os casos africanos, Barry Buzan (o pai da teoria dos CRS) e Ole Waever não dão respostas convincentes sobre por que Complexos Regionais de Segurança não existem, ou estão em estado prematuro, em algumas regiões africanas, como a África Ocidental e o Chifre da África ( Buzan e Waever, 2003BUZAN, B.; Wæver, O., (2003), Regions and Powers: The Structure of International Security. New York: Cambridge University Press. ). Alguns analistas já relataram esse e outros equívocos ( Castellano da Silva, 2012bCASTELLANO DA SILVA, Igor. (2012b), “Southern Africa Regional Security Complex: The Emergence of Bipolarity?”. Pretoria: Africa Institute of South Africa, n. 15, pp 1-50. ; Cardoso et al. , 2016CARDOSO, N. C. F.; OTAVIO, A.; MARIN, B.; AQUINO, J. (2016), “Da Guerra Fria aos dias atuais: uma análise crítica dos Complexos Regionais de Segurança no continente africano”, in B. Hendler (eds.). Os Complexos Regionais de Segurança no Século XXI: conflitos, agendas e ameaças. Curitiba: Prisma, pp. 275-304; ; Diallo, 2016DIALLO, M. A. (2016), “A Integração Regional na África Ocidental (1960-2015): Balanço e Perspectivas”. Centro Brasileiro de Estudos Africanos, vol. 1, pp. 243-268. , Fuccille e Rezende, 2013FUCCILLE, Alexandre; REZENDE, Lucas Pereira. (2013), “South American Regional Security Complex: a New Perspective”. Contexto Internacional, vol. 35, n. 1, pp. 77-104. ). Isso revela o desafio de adaptar os conceitos gerais a particularidades locais, mas também as possibilidades concretas dos estudos sobre segurança regional para gradualmente produzir um conhecimento novo e melhor sobre guerra no Terceiro Mundo, que pode combater o paradoxo distância-proximidade. No entanto, no caso das guerras africanas, há um longo caminho para que novos esforços resolvam equívocos ainda comuns sobre características, causas, consequências e a sustentabilidade das respostas frequentemente adotadas.

GUERRA NA ÁFRICA: EQUÍVOCOS SOBRE CARACTERÍSTICAS, CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E POSSIBILIDADES DE RESOLUÇÃO

Apesar de seus próprios desafios em termos de definição e operacionalização, os três conceitos de guerra irregular, proxy e regional podem contribuir para uma compreensão melhor e mais clara das características dos conflitos armados africanos, bem como suas causas, consequências e possibilidades de resolução. No entanto, várias análises reproduzem atualmente o paradoxo distância-proximidade acima mencionado e não proporcionam uma avaliação consistente da guerra africana. Isso ocorre em pelo menos três aspectos: as características e o significado da irregularidade no uso da força, a complexa rede de alianças e rivalidades estratégicas e a característica sistêmica regional dos conflitos armados no continente. Muitas observações sobre guerras africanas destacam um caráter apolítico, exclusivamente interno e localmente constrangido. A direção da interpretação das características da guerra africana influencia a interpretação de suas causas, consequências e formas de resolução. Essa seção apresenta a avaliação comum, e mítica, da guerra na África.

Análises correntes sobre conflitos armados na África adotam frequentemente a perspectiva de se tratarem de guerras apolíticas. Ou seja, tais conflagrações são caracterizadas por aspectos naturalmente atávicos, em que a brutalidade e a irracionalidade prevalecem e são as principais explicações para a recorrência de violência, massacres e genocídios. Essa perspectiva geralmente está ligada a interpretações sobre causas e origens de conflitos situados em variáveis essencialistas, tais como diferenças étnicas, tribais e religiosas. Essa heterogeneidade natural, combinada com um comportamento supostamente irracional (que não considera ações e consequências, custos e benefícios), seria automaticamente traduzida em um tipo especial de conflitos violentos, pertencentes quase exclusivamente aos africanos e aos chamados povos incivilizados. Aqui, a ideia de irregularidade em conflitos armados na África pressupõe que eles tenham sua própria lógica apolítica/irracional, especialmente em casos envolvendo fundamentalismo/terrorismo religioso. Por exemplo, Robert Kaplan (1994)KAPLAN, Robert. (1994), “The Coming Anarchy”. The Atlantic, fevereiro. relaciona os conflitos do Terceiro Mundo, particularmente na Libéria e na Serra Leoa, com confrontos culturais, degradação ambiental e competição por recursos que produzem conflitos armados marcados por banditismo e desordem. Ray Love (2006)LOVE, Ray. (2006), “Religion, Ideology and Conflict in Africa”. Review of African Political Economy, vol. 33, pp. 619-634. liga a guerra na África às diferenças nas crenças religiosas, especialmente as formas de crença inclinadas a comportamentos violentos. Donald Horowitz (1985)HOROWITZ, Donald. (1985), Ethnic Groups in Conflict. Berkeley: University of California Press. situa divisões étnicas, capazes de mitigar a própria noção de civilidade, no centro das causas de conflitos violentos, inclusive na África. Ainda mais marcante é a visão de Jeffrey Gettleman (2010)GETTLEMAN, Jeffrey. (2010), “Africa’s Forever Wars: Why the Continent’s Conflicts Never End”. Foreign Policy, março/abril. Disponível em: http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/02/22/africas_forever_wars.
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, que pressupõe que as guerras na África não são guerras no sentido tradicional, pois são naturalmente irracionais, marcadas por objetivos e ideias pouco claros, limitados à brutalidade e ao crime. Em resumo, há uma visão difundida na literatura de que os conflitos africanos não são guerras de acordo com os termos clausewitzianos, porque estão fora do escopo de Estados, exércitos e nações.

Aqui, chego ao segundo equívoco da visão tradicional sobre guerra na África. Desde a década de 1990, predomina a ideia de que os conflitos armados no continente são exclusivamente intraestatais, isto é, guerras civis entre Estados e grupos domésticos. Além das narrativas jornalísticas, os textos acadêmicos também assumem essa visão. Ibrahim Elbadawi e Nicholas Sambanis (2000)ELBADAWI, Ibrahim; SAMBANIS, Nicholas. (2000), “Why There are so Many Civil Wars in Africa? Understanding and Preventing Violent Conflict”. Journal of African Economies, vol. 9, n. 3, pp. 244-269. igualam a guerra na África à guerra civil baseada em disputas étnicas. Luís Ivaldo Santos (2011SANTOS, Luís Ivaldo Viallafane Gomes. (2011), A arquitetura de paz e segurança africana. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão.: 20-21) argumenta que quase todas as guerras africanas são domésticas, além de apontar que poucas experimentaram incentivos externos. Clarence Tshitereke (2003)TSHITEREKE, Clarence. (2003), “On the Origins of War in Africa”. African Security Review. vol. 12, n. 2, pp. 81-90. situa as guerras africanas principalmente nas relações Estado-sociedade, especificamente relacionadas aos conflitos civis resultantes da redução da autonomia estatal. Análises das características da guerra africana adotam amplamente o conceito de guerra civil e geralmente ignoram rivalidades e disputas interestatais mais sutis, principalmente porque estão distanciadas da realidade local e são informadas pela experiência da interação estratégica entre as grandes potências. Geralmente, quando interesses estatais são incluídos nas análises, o principal aspecto considerado é a política global. A guerra proxy na África seria um reflexo restrito à disputa das grandes potências pelo continente, em uma lógica em que países africanos são geralmente vistos como objetos passivos em um mundo de sujeitos extrarregionais.

Finalmente, a dimensão regional da guerra africana é recorrentemente ignorada. Em geral, entende-se que as guerras em África são estritamente localizadas e não organizam e integram interações em sistemas regionais. Richard Jackson (2002JACKSON, Richard. (2002), “Violent Internal Conflict and the African State: Towards a Framework of Analysis”. Journal of Contemporary African Studies, vol. 20, n. 1, pp. 29-52.: 29), por exemplo, reduz a dimensão internacional da guerra africana à possibilidade de intervenção e à eventual extrapolação de conflitos armados que estão principalmente localizados em um único Estado. Do mesmo modo, como mencionado acima, Buzan e Weaver (2003)BUZAN, B.; Wæver, O., (2003), Regions and Powers: The Structure of International Security. New York: Cambridge University Press. consideram as dinâmicas de segurança na África Ocidental e no Chifre da África insuficientes para compor Complexos Regionais de Segurança, apesar de a interação securitária da região e os conflitos armados serem claramente regionalizados.

Interpretações apressadas das características do modo africano de fazer a guerra podem produzir explicações reducionistas sobre suas causas, consequências e perspectivas de solução. Estudos recentes têm procurado avaliar razões diversas da ocorrência de conflitos armados na África, tanto em perspectiva quantitativa, observando associações mais significativas ( Collier e Hoeffler, 2002COLLIER, Paul; HOEFFLER, Anke. (2002), “Data Issues in the Study of Conflict”. CSAE Econometric and Data Discussion Paper 2002-01. Oxford: University of Oxford. ), quanto de forma qualitativa ( Jaquet, 2003JAQUET, Christophe. (2003), “L’Évolution des conflits en Afrique subsaharienne”. Politique étrangère, n. 2, pp. 307-320. ; Raleigh, 2016RALEIGH, Clionadh. (2016), “Pragmatic and Promiscuous: Explaining the Rise of Competitive Political Militias across Africa”. Journal of Conflict Resolution, vol. 60, n. 2, julho, pp. 1-28. ; Dimah, 2009DIMAH, Agber. (2009), “The Roots of African Conflicts: The Causes and Costs”. Africa Today, vol. 55, n. 4, pp. 129-134. ; Peters e Richards, 2007PETERS, Krijn; RICHARDS. Paul (2007), “Understanding Recent African Wars”. Africa: The Journal of the International African Institute, vol. 77, n. 3, pp. 442-454. ). Apesar do crescente interesse pelo ambiente conflituoso da África, grande parte das análises sustenta uma compreensão limitada em relação à dimensão estrutural de suas causas. Como consequência, predomina o foco nas causas objetivas das guerras africanas, produzindo problemas particulares para uma interpretação complexa do fenômeno. Três conjuntos de causas objetivas são comumente considerados para ocorrência de guerra na África.

Em primeiro lugar, o conjunto mais popular de análises destaca fatores sociais como causas diretas das guerras africanas. Entre eles, podem-se citar a complexa relação entre etnia e conflitos armados ( Gettleman, 2010GETTLEMAN, Jeffrey. (2010), “Africa’s Forever Wars: Why the Continent’s Conflicts Never End”. Foreign Policy, março/abril. Disponível em: http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/02/22/africas_forever_wars.
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; Vigevani et al., 2008VIGEVANI, Tullo; LIMA, Thiago; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. (2008), “Conflito étnico, direitos humanos e intervenção internacional”. Dados [online], vol. 51, n. 1, pp.183-213. ), o precário sentido de identidade comum e pertencimento nacional ( Hyden, 2006HYDEN, Goran. (2006), “Ethnicity and Conflict”, in G. Hyden (org.). African Politics in Comparative Perspective. New York: Cambridge University Press, pp.183-206.: 56), as contradições resultantes do processo de modernização/ocidentalização; e as desigualdades de direitos civis, políticos e sociais como resultado de políticas de cooptação e marginalização de diferentes populações ( Dunn, 2003DUNN, Kevin C. (2003), Imagining the Congo: The International Relations of Identity. New York: Palgrave Macmillan US. ; Boas e Dunn, 2013BØÅS, Morten; DUNN, Kevin C. (2013), Politics of Origin in Africa: Autochthony, Citizenship and Conflict. London: Zed Books. ; Adejumobi, 2001ADEJUMOBI, Said. (2001), “Citizenship, Rights, and the Problem of Conflicts and Civil Wars in Africa”. Human Rights Quarterly, vol. 23, n. 1, pp. 148-170. ). Ressalta-se, contudo, que, embora aspectos de conflitos simbólicos e identitários sejam relevantes para a compreensão das guerras africanas, análises mais críticas sustentam que tais fatores não são necessariamente primordiais/naturais ( Williams, 2011WILLIAMS, Paul D. (2011), War and Conflict in Africa. Cambridge: Polity Press.: 4; Hyden, 2006HYDEN, Goran. (2006), “Ethnicity and Conflict”, in G. Hyden (org.). African Politics in Comparative Perspective. New York: Cambridge University Press, pp.183-206.: 186), tampouco denotam inexistência de racionalidade e interesses por parte dos atores políticos ( Chabal, 2005CHABAL, Patrick. (2005), “Violence, Power and Rationality: A Political Analysis of Conflict in Contemporary Africa”, in P. Chabal et al. (orgs.). Is Violence Inevitable in Africa? Theories of Conflict and Approaches to Conflict Prevention. Leiden: Koninklijke B. Brill. ). Mesmo na ação de grupos vinculados ao fundamentalismo religioso mulçumano (Al-Shabbab e Boko Haram, por exemplo) ou cristão (Lord’s Resistance Army, por exemplo), tais valores e ideias são traduzidos em interesses definidos tanto sob o ponto de vista existencial (racionalidade do tipo present-aim ) quanto pelo cálculo entre custo, benefício e recursos disponíveis (racionalidade do tipo self-interested ) ( Elu e Price, 2014ELU, Juliet; PRICE, Gregory. (2014), “The Causes and Consequences of Terrorism in Africa”, in C. Monga e J. Y. Lin (eds.). The Oxford Handbook of Africa and Economics: Volume 1: Context and Concepts. Oxford: Oxford University Press, pp 1-21. ; Lin, 2014LIN, Justin Yifu. (2014), The Oxford Handbook of Africa and Economics. Volume 1: Context and Concepts. Oxford: Orford University Press. ).

Um segundo conjunto de explicações para a guerra em África baseia-se em questões econômicas e de desenvolvimento. Estudos procuram relacionar a profusão de guerras no continente a situações de pobreza aguda ( Thomas, 2008THOMAS, C. (2008), “Poverty”, in P. Williams (ed.). Security Studies: An Introduction. New York: Routledge, pp. 244-259. ) em um ambiente de escassez de recursos e de populações que são em geral excluídas do processo de crescimento econômico, sobretudo após os processos fracassados de ajuste econômico estrutural ( Arrighi, 2002ARRIGHI, Giovanni. (2002), “The African Crisis: World Systemic and Regional Aspects.” New Left Review, vol. 15, maio/junho, pp. 5-36. ) e a despeito de (ou devido a) programas internacionais de ajuda econômica e humanitária ( Moyo, 2009MOYO, D. (2009), Dead Aid: Why Aid Is Not Working and How There Is a Better Way for Africa. New York: Farrar, Straus and Giroux. ). O precário desenvolvimento econômico e social é prejudicado pela concomitante presença de ilhas de desenvolvimento e a disponibilidade localizada de recursos naturais de grande valor econômico. Essa realidade abre caminho para explicações que definem “guerras por recursos”, fundadas na intensa disponibilidade de recursos naturais (minérios e hidrocarbonetos) em regiões controladas por senhores da guerra e de grande interesse estratégico por parte de atores regionais e globais ( Reno, 1998RENO, William. (1998), Warlord Politics and African States. Boulder: Lynne Rienner. ; Klare, 2010; Ross, 2004ROSS, Michael L. (2004), “What Do We Know about Natural Resources and Civil War?” Journal of Peace Research, vol. 41, n. 3, pp. 337-356. ). Apesar da importância das variáveis econômicas na ocorrência de guerras na África, o principal problema desse conjunto de análise é a recorrente desconsideração de aspectos, estruturas, atores e interesses políticos nesse fenômeno.

No entanto, a inclusão de elementos políticos na avaliação causal dos conflitos africanos ainda pode reproduzir visões reducionistas. Os fatores políticos são um terceiro conjunto de causas objetivas, frequentemente elencadas como explicação para as guerras africanas. Em âmbito da política doméstica, as características dos regimes políticos e das elites governantes fundamentam a análise. Regimes compostos por círculos fechados de elites com mais capacidades políticas que o próprio Estado, devido a particularidades da sua formação distinta da população local, são marcados: (i) pelo patrimonialismo como forma de sustentação da frágil legitimidade do governo e do Estado; (ii) pela utilização do apelo a ideologias aglutinadoras (africanismo, neocolonialismo, socialismo); e (iii) pela obsessão com a permanência no poder (segurança do regime) em detrimento do fortalecimento institucional ( Azar e Moon, 1988AZAR, E. E.; MOON, C.-I. (1988), National Security in the Third World: The Management of Internal and External Threats. College Park: University of Maryland CIDCM.: 278; Williams, 2011WILLIAMS, Paul D. (2011), War and Conflict in Africa. Cambridge: Polity Press.: 51, 58-59). Apesar da importância dessas causas diretas para o conflito armado africano, o destaque para as disputas locais e para um hipotético estilo africano próprio de governo (o chamado Big Man rule ), geralmente omite restrições mais estruturais relacionadas à formação institucional e social, bem como à política internacional.

A diversidade de causas apontadas para os conflitos armados africanos é acompanhada pelas diferentes hipóteses sobre as suas consequências. Estudos sobre impactos econômicos e do desenvolvimento social e humano e sobre o incremento de fragmentações internas de Estados e sociedades sugerem importantes questões sobre o tipo de causalidade envolvida no fenômeno da guerra ( Gyimah-Brempong, 2005GYIMAH-BREMPONG, Kwabena; et al. (2005), “Civil Wars and Economic Growth in Sub-Saharan Africa”. Journal of African Economies, vol. 14, n. 2, pp. 270-311. ). Por exemplo, se a pobreza, a fragilidade social, os impactos ambientais, a distribuição desigual de recursos, de renda e de direitos, o deslocamento de populações e a instabilidade institucional têm capacidade de incentivar o surgimento de conflitos armados, esses são, de igual modo, fatores tendencialmente decorrentes das mesmas conflagrações ( Thomas, 2008THOMAS, C. (2008), “Poverty”, in P. Williams (ed.). Security Studies: An Introduction. New York: Routledge, pp. 244-259. ; Dalby, 2008DALBY, Simon. (2008), “Environmental Change”, in WILLIAMS, P. D. (org.). Security Studies: An Introduction. New York: Routledge, pp. 260-273. ). As causas dos conflitos armados podem igualmente se tornar sua consequência, o que denota a complexidade e a multidirecionalidade causal do fenômeno ( Williams, 2011WILLIAMS, Paul D. (2011), War and Conflict in Africa. Cambridge: Polity Press.: 6). No entanto, a preferência usual por lidar com causas objetivas das guerras africanas resulta em excesso de consideração de impactos humanitários e de respostas direcionadas a esses problemas pontuais, importantes, mas paliativas. Isso resulta em uma obsessão em soluções de curto prazo para lidar com as causas objetivas percebidas das guerras na África.

Como consequência esperada do paradoxo distância-proximidade na compreensão do conflito armado africano, proliferam-se respostas inadequadas. Isso ocorre tanto no nível do combate quanto no da resolução de conflitos. O direcionamento dos esforços de guerra, baseado na leitura convencional de que conflito armado provinha exclusivamente de grupos locais, incapacitou as forças nacionais africanas de fazerem frente à guerra proxy. Além disso, a opção das lideranças beligerantes pela via mais fácil de combater, priorizando o suporte externo em detrimento de uma política que se utiliza da oportunidade estratégica para o fortalecimento de forças combatentes autóctones, foi nociva ao surgimento de capacidades coercivas nacionais. A participação de forças mercenárias, aliados regionais, “potências extrarregionais e instituições multilaterais no esforço de guerra na forma de forças combatentes principais gerou, na prática, desincentivos para a construção de exércitos nacionais autônomos” e adequados à defesa interna e externa dos Estados ( Castellano da Silva, 2016CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2016), “Guerra na África: características, causas e impactos sistêmicos”. Anais do IX ENABED – Forças Armadas e Sociedade Civil: Atores e Agendas da Defesa Nacional no Século XXI, Florianópolis, Associação Brasileira de Estudos de Defesa, vol. 9.: 20). Isto não quer dizer que a população local não sofreu nem se imiscuiu nos combates, mas que em geral as forças mais relevantes na definição dos conflitos armados foram importadas e que a escala do uso da população local não produziu organizações robustas que formariam as bases para a formação de exércitos nacionais, algo mais complexo e socialmente orgânico que meros bandos armados ( Giddens, 2001GIDDENS, Anthony. (2001), O Estado-nação e a violência: Segundo volume de uma crítica, contemporânea ao materialismo histórico. São Paulo: Edusp.: 245-250). Alternativamente, nos casos em que o esforço nacional de combate autóctone foi verificado, como na Nigéria, na África do Sul ou em Angola, o Estado foi capaz de estabelecer um exército nacional como pilar de suas capacidades coercitivas. São, contudo, exceções que confirmam a regra.

A interpretação restrita dos conflitos africanos também gera grandes desafios por meio do incentivo a acordos de paz instáveis. Estudos têm demonstrado que a África é vítima de acordos de paz puramente formais, que não resultam em reformas estruturais das forças armadas em direção à construção de dissuasão contra a retomada de novos conflitos ( Toft, 2010TOFT, Monica Duffy. (2010), “Ending Civil Wars: A Case for Rebel Victory”. International Security, vol. 34, n. 4, pp. 7-36. ) e que premiam grupos insurgentes com posições políticas e na burocracia estatal (inclusive, nas Forças Armadas) mediante mecanismos de power-sharing ( Tull e Mehler, 2005TULL, Denis; MEHLER, Andreas. (2005), “The Hidden Costs of Power-Sharing: Reproducing Insurgent Violence in Africa”. African Affairs, vol. 104, n. 416, pp. 375-98. ). Esses seriam importantes estimuladores à retomada dos conflitos armados em curto e médio prazos ( Castellano da Silva et al., 2013CASTELLANO DA SILVA, Igor. et al., (2013), “Resolução de conflitos na África Subsaariana: o papel do Power-Sharing e da capacidade estatal nos casos de Angola e da República Democrática do Congo.” Conjuntura Internacional, vol. 10, n. 3, pp. 60-74. ). As pressões internacionais para a solução exclusivamente negociada dos conflitos armados africanos, a partir de arranjos de distribuição de poder ( power-sharing ), têm contribuído para a fragilização dos Estados em situações de “pós”-conflito, em que grupos armados são incluídos automaticamente na administração governamental e estatal. Esse mecanismo incentiva a reprodução do caudilhismo político (grupos da administração são praticamente autônomos e defendem interesses particularistas) e a falta de unidade nacional (comando e controle das Forças Armadas) – além de instaurar um sistema de recompensas para grupos que decidem pegar em armas, o que incentiva a sua reprodução. Nesses casos, é comum a propagação dos Estados de Violência, situações instáveis situadas no limbo entre a paz formal e a guerra declarada ( Gros, 2006GROS, Frédéric (2006), États de violence: essai sur la fin de la guerre. Paris: Gallimard. ). Outros exemplos de resolução de conflitos fundada em perspectivas de curto prazo são missões de paz e interferências externas.

Quanto ao primeiro ponto, evidencia-se a importância da Organização das Nações Unidas (ONU) nas guerras africanas. As principais, mais longas e mais robustas missões de paz da organização situam-se no continente africano, onde testam-se, nem sempre com sucesso, iniciativas voltadas ao emprego impositivo/ofensivo da força, como no caso da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), e da responsabilidade internacional de proteger (adaptação contemporânea dos conceitos de droit d’ingérence e de intervenção humanitária), como no polêmico caso da Líbia. Como resultado, as missões da ONU ultrapassam em número e grau de importância as missões regionais africanas, embora essas tentem ocupar gradualmente maior espaço, consoante a recorrentes críticas internacionais a decisões e prioridades do CSNU e a ações polêmicas (imobilidade e atos criminosos) de capacetes azuis (Pugh, 2010:416-417; Zeid, 2005ZEID, Prince Ra’ad. (2005), “A Comprehensive Strategy to Eliminate Future Sexual Exploitation and Abuse in UN Peacekeeping Operations”. UN document A/59/710, março. ; Smith, 2012SMITH, David. (2012), “Congo Rebels Take Goma with Little Resistance and to Little Cheer”. The Guardian, 20 de novembro. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2012/nov/20/congo-rebel-m23-take-goma
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).

Além disso, potências extrarregionais têm adotado políticas próprias, nem sempre debatidas ou legitimadas localmente, para enfrentar desafios securitários africanos. Os EUA estabeleceram o AFRICOM em 2008, com base africana em Camp Lemonnier, no Djibuti, e mantêm apoio a operações militares no Sahel, Chifre, Magreb e África Central, com foco central no antiterrorismo. A França adota uma perspectiva regionalizada, na África Ocidental e no Magreb, com foco no apoio a governos aliados, contra insurgentes, e na supressão de regimes não aliados. A atual Operação Barkhane, iniciada em 2014, estabeleceu base permanente para 3 mil tropas francesas no Chade a fim de realizar operações de contrainsurgência no Sahel, especificamente nos francófonos Mali, Burkina Faso, Chade, Mauritânia e Níger. As ações de EUA e França, com amparo eventual do Reino Unido, têm sido talvez a principal iniciativa de grande impacto de oferta securitária no continente, como ocorrido recentemente em Costa do Marfim, Líbia, Mali e República Centro Africana, embora sejam criticadas por Estados africanos de perfil autonomista, pelo seu ímpeto intervencionista ( Castellano da Silva et al., 2011CASTELLANO DA SILVA, Igor e DIALLO, Mamadou Alpha e OLIVEIRA, Lucas Kerr De. (2011), “A Crise da Costa do Marfim: A desconstrução do projeto nacional e o neo-intervencionismo francês”. Conjuntura Austral, vol. 2, pp. 1-30. ).

O problema com esses dois tipos de resposta é que eles reproduzem o mesmo efeito deletério da exportação dos esforços de travamento de combate. Além disso, não estão livres de manipulação política ou de falhas de execução, como no caso da intervenção da OTAN na Líbia. Quando tem efeito positivo, tal como atual Force Intervention Brigade no Congo, a ameaça imediata é reduzida, mas há poucos indícios de como os Estados conseguirão romper com o ciclo de dependência e tomar as rédeas da atividade primária de sua existência empírica, o monopólio legítimo dos meios de coerção ( Castellano da Silva e Martins, 2014CASTELLANO DA SILVA, Igor; MARTINS, José Miguel Quedi. (2014), “National Army and State-Building in Africa: The Brazilian Approach in the Case of The Democratic Republic of the Congo”. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, Porto Alegre, vol. 3, n. 5, pp. 137-179. ). Mesmo para as potências extrarregionais, os custos são muito maiores do que a alternativa de fortalecimento de capacidades ( Esterhuyse, 2008ESTERHUYSE, A. (2008), “The Iraqization of Africa? Looking at AFRICOM from a South African Perspective”. Strategic Studies Quarterly.: 121). A alternativa de resolução de conflitos no continente deveria refletir uma perspectiva sistêmica mais clara das características, causas e consequências das guerras africanas.

A GUERRA PROXY IRREGULAR REGIONALIZADA NA ÁFRICA: CARACTERÍSTICAS, CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E POSSÍVEIS RESPOSTAS

Nesta seção, avalio dados empíricos e desenvolvo o argumento de que para uma compreensão mais profunda das características e causas das guerras africanas, bem como opções mais sustentáveis para a resolução de conflitos, é necessário desenvolver uma melhor noção de guerra irregular, proxy e regional. Esses três componentes mostram claramente o aspecto Clausewitziano da guerra africana, no sentido de que deriva de interesses políticos e que produz impactos políticos sistêmicos.

Por meio de uma revisão empírica das guerras africanas nos últimos 60 anos ( tabela 1 ), verifico diversos fatores qualitativos evidentes nesses embates. O primeiro deles, como propõe a literatura tradicional, é o uso irregular da força. Podemos nos referir ao uso de armas não tradicionais, como estupros coletivos e crianças-soldados; o tribalismo como fator agravante na oposição de grupos rivais e instabilidades políticas internas; a recente penetração do fundamentalismo religioso como um pilar da insurreição armada (terrorismo); a disponibilidade de recursos naturais como forma de financiamento ilícito de grupos insurgentes (bem como um fator agravante da concorrência internacional na região); e a consolidação de redes internacionais de tráfico de drogas, pirataria e tráfico de seres humanos. As guerras na África são marcadas pelo uso de todos os recursos e meios de impacto (crianças-soldados, estupro coletivo, genocídio) e mobilização (instrumentalização de laços étnicos, comunitários ou religiosos) ( Castellano da Silva, 2015CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2015), “Política externa na África Austral: causas das mudanças nos padrões de cooperação-conflito (1975-2010)”. Tese (Doutorado em Estudos Estratégicos Internacionais). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.: 189; 2017). A complexidade da irregularidade se manifesta em outros aspectos da guerra. Por exemplo, as características ambientais (florestas fechadas, chuvas extensas, infraestrutura escassa, heterogeneidade linguística e presença de doenças letais) também complicam a locomoção dentro e fora do teatro de operações e a condução de operações militares convencionais ( Alexander, 2009ALEXANDER, John B. (2009), “Africa: Irregular Warfare on the Dark Continent”. JSOU Report 09-5. Florida: JSOU Press.: 29-30). Igualmente importante é a multiplicidade de participantes, observados virtualmente na pluralidade de grupos irregulares subnacionais (às vezes, transnacionais), cuja instabilidade política interna permite a divisão recorrente de suas estruturas e a emancipação de novas facções. Isso se relaciona com a capacidade de ascensão política e econômica local, regional e mundial e de mobilização dos chamados “senhores da guerra” ( Reno, 1998RENO, William. (1998), Warlord Politics and African States. Boulder: Lynne Rienner. ).

Quadro 1
: Principais Guerras na África, acima de mil mortos (1952-atualidade)

No entanto, nossa análise contrasta fortemente com a suposição de que a guerra irregular significa conflito apolítico. Pelo contrário, a guerra irregular na África é profundamente política. Ela é, portanto, “ about people, not about which side has the biggest guns, or most advanced technology. Success depends on understanding social dynamics, tribal politics, religious influences and cultural mores ” ( Alexander, 2009ALEXANDER, John B. (2009), “Africa: Irregular Warfare on the Dark Continent”. JSOU Report 09-5. Florida: JSOU Press.: 69). A principal característica da guerra irregular é que ela busca ganhar legitimidade e influência sobre as populações e anular o apoio dessas populações aos grupos/governos rivais ( USA, 2001USA. (2001), Department of Defense Dictionary of Military and Associated Terms. Joint Pub 1-02. United States of America: Department of Defense.: 246). Sua irregularidade, complexidade e eventual brutalidade, no entanto, não significam ausência de racionalidade ou de interesses político-estratégicos, como observado nos objetivos predominantes em confronto (independência, governo e território). Apesar de alguns analistas interpretarem esse tipo de conflagração como naturalmente irracional ( Gettleman, 2010GETTLEMAN, Jeffrey. (2010), “Africa’s Forever Wars: Why the Continent’s Conflicts Never End”. Foreign Policy, março/abril. Disponível em: http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/02/22/africas_forever_wars.
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), salienta-se, assim como Gray (2007)GRAY, Colin S. (2007), “Irregular Warfare One Nature, Many Characters”. Strategic Studies Quarterly, pp. 35-57. , que a guerra irregular não possui uma natureza diferenciada da guerra convencional, de se fundar na contradição de interesses políticos ( Clausewitz, 2003CLAUSEWITZ, Claus von. (2003), Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes. ). Na África, onde a imposição colonial produziu instituições modernas inacabadas, ilegítimas e instáveis, a guerra irregular é parte integrante do dilema da modernidade ( Clapham, 2005CLAPHAM, Christopher. (2005), Africa and the International System: The Politics of State Survival. Cambridge: Cambridge Studies in International Relations. ; Ayoob, 1995AYOOB, M. (1995) The Third World Security Predicament: State Making, Regional Conflict, and the International System. Boulder: Lynne Rienner Publishers. ; Fanon, 1968FANON, Frantz. (1968), Os condenados da terra. Tradução José Laurêncio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira ; Gros, 2006GROS, Frédéric (2006), États de violence: essai sur la fin de la guerre. Paris: Gallimard. ).

O segundo aspecto importante da guerra africana identificado em nossa análise empírica é comumente omitido, qual seja, o potencial de regularidade do emprego da força, provido, sobretudo, pela atuação dos Estados nacionais, mediante a guerra proxy. A guerra irregular na África não é simplesmente uma guerra civil, talvez aí resida a sua mais profunda complexidade, relacionada à natureza das ameaças da guerra africana e ao caráter das forças combatentes principais. Em relação à natureza das ameaças, existe um entendimento quase consensual de que, na África, as ameaças à segurança doméstica são predominantes em relação aos níveis interestatais, inter-regionais ou globais. Existe uma presença constante de atores subestatais e transnacionais rivais ao Estado, os quais, em geral, “clamam fortes relações com estruturas pós-tradicionais (vínculos étnicos, instrumentalizados ou não) e controlam regiões ricas em recursos naturais estratégicos”, exploradas com suporte de redes externas ( Castellano da Silva, 2016CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2016), “Guerra na África: características, causas e impactos sistêmicos”. Anais do IX ENABED – Forças Armadas e Sociedade Civil: Atores e Agendas da Defesa Nacional no Século XXI, Florianópolis, Associação Brasileira de Estudos de Defesa, vol. 9.: 11). Casos notórios são os senhores da guerra (por exemplo, Jonas Savimbi e Charles Taylor) e líderes tribais/espirituais (por exemplo, Joseph Kony, do Lord’s Resitance Army ) ( Castellano da Silva, 2016CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2016), “Guerra na África: características, causas e impactos sistêmicos”. Anais do IX ENABED – Forças Armadas e Sociedade Civil: Atores e Agendas da Defesa Nacional no Século XXI, Florianópolis, Associação Brasileira de Estudos de Defesa, vol. 9.: 11). Contudo, a existência constante de ameaças internas e a escassez de guerra interestatais puras escondem a constante presença de rivalidades interestatais significativas. Grupos insurgentes na África têm logrado o suporte de outros Estados africanos ou potências extrarregionais e muitas vezes representam parte menor no conflito, instrumentalizados pelas tensões interestatais.

A dita guerra civil africana foi marcada pelo suporte de países vizinhos e de potências extrarregionais a grupos insurgentes. Nesse caso, a pressão internacional fazia com que os governos dos Estados africanos tivessem de lutar não mais contra as forças originais das guerrilhas internas – mas contra grupos caracterizados por um novo perfil decorrente da ajuda externa. Esse foi o caso da Guerra Civil Moçambicana, da Guerra Civil Congolesa (Brazzaville) e da Guerra Civil de Serra Leoa. Em alguns momentos a ajuda foi de tamanha monta que tropas externas passaram a lutar lado a lado com as guerrilhas, conferindo aspecto interestatal mais intenso à guerra civil e engendrando o que definimos como guerra mista (interestatal e intraestatal). Esses foram os casos da Segunda Guerra Civil da Libéria, da Segunda Guerra Civil do Chade e da Guerra Civil de Angola. Ainda assim, em todos esses casos, a fragilidade doméstica permaneceu o canal básico para a manifestação de tensões políticas sob a forma de conflitos armados. As guerras por procuração também foram evidentes quando as forças externas apoiaram governos estabelecidos e se tornaram decisivas para a definição de conflitos, como nos casos da Guerra Civil de Angola, da Guerra Civil Moçambicana, da Guerra de Ogaden, da Guerra Civil da Somália, da Primeira Guerra Civil da Libéria, da Guerra Civil de Serra Leoa e da Segunda Guerra Civil da República Centro-Africana (CAR) ( Arnold, 2008ARNOLD, G., (2008), Historical Dictionary of Civil Wars in Africa. Lanham: Scarecrow Press. ; Leogrande, 1980LEOGRANDE, William. (1980), Cuba’s Policy in Africa, (1959-1980). Berkeley: University of California. ; Tareke, 2000TAREKE, Gebru (2000), “The Ethiopia-Somalia War of 1977 Revisited”. International Journal of African Historical Studies, vol. 33, pp. 635-668. ; Markakis, 1986MARKAKIS, John. (ed.). (1986), Military Marxists Regimes in Africa. London: Frank Cass. ). O apoio das forças militares externas (armas, conselheiros, suprimentos e intervenção direta), sejam globais ou regionais (mercenários, forças aliadas ou operações de paz), é uma constante nas guerras africanas, quer sejam intraestatais, interestatais ou mistas.

A guerra na África também possui uma dimensão regional relevante e recorrentemente ignorada. A regionalização dos conflitos armados na África acompanha seu caráter proxy irregular, em termos de transbordamento de ameaças para a região e de respostas regionais concretas aos conflitos armados no continente. A dimensão regional é parte integrante dos conflitos armados africanos do ponto de vista das ameaças. Embora politicamente estáveis, as fronteiras territoriais estabelecidas na imposição dos Estados coloniais, e mantidas em sua maioria no processo de independência, não são capazes de frear dinâmicas securitárias de países vizinhos. Nesse caso, as regiões estão mais ligadas pela fraqueza do que pelo poder dos estados ( Buzan e Waever, 2003BUZAN, B.; Wæver, O., (2003), Regions and Powers: The Structure of International Security. New York: Cambridge University Press. ; Dokken, 2008DOKKEN, Karin. (2008), African Security Politics Redefined. New York: Palgrave Macmillan US. ; Poku, 2001POKU, Nana. (2001), Regionalization and Security in Southern Africa. New York: Palgrave. ). Na África, as rivalidades interestatais acabam sendo limitadas em termos de projeção e focando no ambiente regional imediato. A inefetividade no controle interno territorial e populacional produz zonas cinzentas em que o Estado nacional é incapaz de penetrar, o que as tornam suscetíveis a serem regiões propícias à influência de Estados vizinhos, mediante custos relativamente reduzidos para estes. Esse foi o caso, por exemplo, da AFDL e da RCD nas guerras do Congo, da UNITA em Angola, da RENAMO em Moçambique, do SPLF no Sudão do Sul, do RPF em Ruanda, do NPLF na Libéria e do RUF em Serra Leoa. Portanto, a continuidade da guerra proxy irregular depende do nível regional de interação e o nível regional de interação nos complexos de segurança se concretiza na guerra de proxy irregular.

Além disso, a guerra na África não é regionalizada apenas do ponto de vista das ameaças, mas também das repostas concretas oferecidas para a sua solução. O regionalismo na África tem se tornado, sobretudo, após a década de 1990, um dos fatores mais importantes da interação securitária (Grant, 2003; Hettne et al. , 2000HETTNE, Björn; INOTAI, András; SUNKEL, Osvaldo (orgs.). (2000), National Perspectives on the New Regionalism in the South. Basingstoke: Palgrave Macmillan. ). Além da renovação e ampliação das organizações regionais de integração, a pauta da segurança passou a compor grande parte das iniciativas, o que resultou, a nível continental e sub-regional, em avanços na consolidação institucional de mecanismos de paz e segurança, de missões de paz empregadas autônoma ou conjuntamente com as Nações Unidas e no estabelecimento de forças regionais de pronto emprego ( Castellano da Silva, 2013CASTELLANO DA SILVA, Igor. et al., (2013), “Resolução de conflitos na África Subsaariana: o papel do Power-Sharing e da capacidade estatal nos casos de Angola e da República Democrática do Congo.” Conjuntura Internacional, vol. 10, n. 3, pp. 60-74. ; IISS, 2010:286; Mandrup, 2009:15-17).

Uma visão mais clara sobre as características do modo de guerra africano pode reduzir o paradoxo distância-proximidade e permitir perspectivas mais sistêmicas sobre suas causas e consequências. No que diz respeito às causas dos conflitos armados africanos, uma visão sistêmica pode considerar a importância de causas objetivas, mas principalmente associá-las a causas estruturais permissivas. Em primeiro lugar, a anarquia internacional funciona como uma causa permissiva básica das guerras africanas e reproduz a competição regional. Como em qualquer sistema internacional anárquico, as guerras ocorrem porque podem ocorrer; porque, ao contrário dos sistemas políticos domésticos, não há instituições capazes de garantir um monopólio legítimo dos meios de coerção e de imposição de obediência aos agentes políticos ( Waltz, 1979WALTZ, Kenneth. (1979), Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley Publishing. ). Em todos os sistemas internacionais não hierárquicos, a anarquia constrange os atores a buscar sua autossobrevivência, adotando os meios necessários (de segurança) ou disponíveis (poder). Esse contexto produz um dilema securitário que, dadas as incertezas e oportunidades político-econômicas, pode levar à reincidência da guerra. No entanto, na África isso não ocorre do mesmo modo que no balanço de poder das grandes potências.

No caso da África, os efeitos da anarquia foram justamente limitados graças à submissão dos Estados aos preceitos da ordem global (dada a sua posição subalterna), a reprodução de princípios dessa ordem no sistema regional e aos interesses das elites políticas com tal estrutura. Isso ocorre precisamente porque os sistemas regionais, principalmente no Sul Global, estão relativamente abertos à penetração de atores, processos e estruturas extrarregionais ( Moyo, 2009MOYO, D. (2009), Dead Aid: Why Aid Is Not Working and How There Is a Better Way for Africa. New York: Farrar, Straus and Giroux. ; Shubin, 2008SHUBIN, V. (2008), The Hot “Cold War”: The USSR in Southern Africa. London: Pluto Press. ; Taylor, 2010TAYLOR, I. (2010), International Relations of Sub-Saharan Africa, New York: Continuum. ). Os quasi -Estados africanos existiriam mais por conivência da ordem internacional e regional, relativamente amistosas, do que por capacidades próprias ( Jackson e Rosberg, 1982JACKSON, Robert H; ROSBERG, Carl G. (1982), “Why Africa’s Weak States Persist: the Empirical and the Juridical in Statehood”. World Politics, vol. 35, n. 1, outubro, pp. 1-24. ; Jackson, 1990JACKSON, Robert H. (1990), Quasi-states: Sovereignty, International Relations and the Third World. Cambridge: Cambridge University Press. ). Desde a experiência colonial no continente, construiu-se um ambiente relativamente estável mediante o empoderamento de povos do litoral (modelo econômico voltado para o setor externo) e o estabelecimento de fronteiras rígidas e internacionalmente aceitas. Essa característica teve continuidade no período pós-colonial por meio do congelamento das fronteiras nacionais e do banimento da guerra de agressão pelos regimes internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização da Unidade Africana (OUA) ( Herbst, 1990HERBST, Jeffrey. (1990), “War and the State in Africa”. International Security, vol. 14, n. 4, pp. 117-139. ; 2000; Castellano da Silva, 2015CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2015), “Política externa na África Austral: causas das mudanças nos padrões de cooperação-conflito (1975-2010)”. Tese (Doutorado em Estudos Estratégicos Internacionais). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.: 131, 2017CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2017), Política externa da África Austral: Guerra, construção do Estado, e ordem regional (África do Sul, Angola, Moçambique, Zimbábue e Namíbia). Porto Alegre: CEBRÁFICA-UFRGS. ). No entanto, o amparo institucional das ordens global e regional não foi capaz de eliminar as rivalidades interestatais na África, próprias do mundo político. Pelo contrário, as rivalidades interestatais não foram extintas, mas mudaram a sua forma de manifestação, sobretudo devido ao espaço aberto por uma segunda causa permissiva dos conflitos armados africanos, a fraqueza dos Estados. Desafios geográficos e demográficos, imposições externas históricas e oportunismo interno produziram uma crise generalizada nas capacidades coercivas, extrativas e administrativas dos Estados africanos que se reproduzem até hoje ( Adebajo, 2010ADEBAJO, A. (2010), The Curse of Berlin: Africa After the Cold War. Scottsville: University of KwaZulu-Natal Press.: 25; Herbst, 1990HERBST, Jeffrey. (1990), “War and the State in Africa”. International Security, vol. 14, n. 4, pp. 117-139. ; 2000HERBST, Jeffrey. (2000), “Economic Incentives, Natural Resources and Conflict in Africa”. Journal of African Economics, vol. 9, n. 3, pp. 270-294. ; Clapham, 2005CLAPHAM, Christopher. (2005), Africa and the International System: The Politics of State Survival. Cambridge: Cambridge Studies in International Relations. ; Buzan e Waever, 2003BUZAN, B.; Wæver, O., (2003), Regions and Powers: The Structure of International Security. New York: Cambridge University Press. ). Na África a anarquia interna aos Estados parece ter sido maior que a do sistema regional, e tal relação produziu o ensejo estrutural para a recorrência de conflitos armados proxy irregulares regionalizados.

A fragilidade estatal também permitiu que as rivalidades interestatais tivessem, ao mesmo tempo, ímpeto e uma via de escoamento para a sua concretização, já que os desincentivos e custos para a guerra interestatal puderam ser superados. É possível afirmar que a estabilidade formal do Estado, concomitante à fraqueza de suas instituições, permitiram que causas objetivas se concretizassem, entre elas: o subdesenvolvimento, a reduzida integração social e a fraqueza institucional em controlar elites e moderar disputas políticas. Houve, assim, a predominância de políticas de tipo patrimonial no governo central e a existência de ilhas de coerção e de senhores da guerra rivais ao poder do Estado – o que resultou na preponderância de ameaças internas à segurança estatal, vinculadas aos desafios de legitimidade interna dos regimes políticos ( Ayoob, 1995AYOOB, M. (1995) The Third World Security Predicament: State Making, Regional Conflict, and the International System. Boulder: Lynne Rienner Publishers. ; Azar e Moon, 1988AZAR, E. E.; MOON, C.-I. (1988), National Security in the Third World: The Management of Internal and External Threats. College Park: University of Maryland CIDCM. ). Igualmente, a incapacidade estatal permitiu que elites políticas incentivassem, ignorassem ou fossem incapazes de superar desafios derivados da fome, da pobreza, da degradação ambiental, dos abusos aos direitos básicos e da reduzida integração social e política, que assolaram populações locais e se comportaram como causas objetivas para conflitos armados. A Figura 1 apresenta as conexões propostas entre causas objetivas e permissivas da guerra nos sistemas regionais africanos.

Figura 1
: Variáveis causais relacionadas à ocorrência de guerra na África

Além disso, uma visão sistêmica dos conflitos africanos permite uma interpretação mais profunda de suas consequências. Uma consequência geralmente omitida da guerra no continente é a sua pressão em direção a elementos estruturais dos sistemas regionais. Embora limitada no que tange ao emprego da força convencional, a guerra na África possui a mesma capacidade de alhures de produzir transformações nas estruturas dos sistemas internacionais, entre elas as instituições de ordens regionais e a distribuição de poder no sistema (ascensão e queda de potências). Conflagrações no Chifre da África entre Etiópia e Somália (Guerra de Ogaden), na África Austral entre África do Sul e seus vizinhos (Guerras Civis em Angola e Moçambique), e a Segunda Guerra do Congo tiveram caráter sistêmico, justamente por afetar tais variáveis estruturais ( Castellano da Silva, 2017CASTELLANO DA SILVA, Igor. (2017), Política externa da África Austral: Guerra, construção do Estado, e ordem regional (África do Sul, Angola, Moçambique, Zimbábue e Namíbia). Porto Alegre: CEBRÁFICA-UFRGS. ). Tal capacidade resulta tanto do potencial destruidor do conflito bélico, quanto da sua capacidade de impelir atores sistêmicos a prover respostas autofortalecedoras e cooperativas que no longo prazo podem gerar resultados positivos ( Tilly, 1996TILLY, C. (1996), Coerção, Capital e Estados Europeus. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. ; Gilpin, 1981GILPIN, Robert. (1981), War and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press. ; Mann, 1984MANN, Michael. (1984), “The Autonomous Power of the State: Its Origins, Mechanisms, and Results”, European Journal of Sociology, vol. 25, n. 2, pp. 185-213. ). Nesse caso, importa também a capacidade de a guerra incentivar construção das unidades sistêmicas (Estados). Aqui, o caso africano parece mais relevante em termos teóricos, pois a situação beligerante no continente instiga questionamentos sobre a plausibilidade de teorias, produzidas a partir da experiência histórica europeia, que afirmam que guerras produzem incentivos para a construção de capacidades estatais ( Tilly, 1996TILLY, C. (1996), Coerção, Capital e Estados Europeus. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. ; 2007TILLY, C. (2007), Democracy. New York: Cambridge University Press. ; O’Neill, 2008O’NEILL, Eoin. (2008), “Guerra, formação do estado e identidade nacional nas franjas do mundo Atlântico”. Dados [online], vol. 51, n. 1, pp. 239-260. ). Na África, a profusão de conflitos armados não gerou Estados capazes. De fato, o impacto da guerra na África e no Terceiro Mundo foi diverso ao constatado na Europa, embora também tenha afetado profundamente o modo de organização social ( Taylor e Botea, 2008TAYLOR, B. D.; BOTEA, R., (2008), “Tilly Tally: War-Making and State-Making in the Contemporary Third World”. International Studies Review, vol. 10, n. 1, pp 27-56. ). Diversos processos podem explicar a incapacidade da guerra em gerar Estados fortes nessa região, entre eles, fatores relacionados às respostas dadas pelos agentes africanos aos conflitos armados no continente ( Castellano da Silva, 2012aCASTELLANO DA SILVA, Igor. (2012a), Congo, a guerra mundial africana: conflitos armados, construção do estado e alternativas para a paz. Porto Alegre: Leitura XXI/Cebrafrica /UFRGS. ).

Finalmente, um relato mais complexo e sistêmico dos conflitos africanos também pode produzir respostas mais amplas e sustentáveis à sua estabilização. Dado o aspecto causal estrutural ligado à dimensão software da segurança estatal ( Azar e Moon, 1988AZAR, E. E.; MOON, C.-I. (1988), National Security in the Third World: The Management of Internal and External Threats. College Park: University of Maryland CIDCM.: 8), a solução de causas objetivas isoladas dificilmente produzirão resultados sustentáveis na solução dos conflitos armados africanos. Particularmente, nos casos em que há predominância de grupos insurgentes, como na maioria dos conflitos armados africanos, as respostas exclusivamente militares, embora necessárias de forma pontual, são insuficientes para soluções a longo prazo ( Castellano da Silva, 2012aCASTELLANO DA SILVA, Igor. (2012a), Congo, a guerra mundial africana: conflitos armados, construção do estado e alternativas para a paz. Porto Alegre: Leitura XXI/Cebrafrica /UFRGS. ; Solomon, 2015SOLOMON, Hussein. (2015), “The Terrorist Threat in Africa and the Limitation of the Current Counter-Terrorist Paradigm”, in H. Solomon (org.). Terrorism and Counter-Terrorism in Africa- Fighting Insurgency from Al Shabaab, Ansar Dine and Boko Haram. London: Palgrave Macmillan, pp. 1-19. ). Se as causas objetivas estão ligadas a causas permissivas relacionadas à anarquia doméstica dos Estados e à estrutura regional, que esconde disputas, mas não suprime a concorrência violenta, soluções estruturais podem ser desejáveis, relativas às capacidades dos Estados e à política regional.

Quanto aos Estados, os esforços para reduzir as causas permissivas das guerras no continente podem estar relacionados à redução da anarquia doméstica nas unidades políticas africanas. Isso está relacionado aos incrementos das capacidades do Estado e as conexões entre o Estado e a sociedade. Uma das instituições do Estado prioritárias que lidam com a anarquia interna, o exército nacional, é geralmente esquecida ou, pior, fragmentada mediante de pressões internacionais e acordos de paz. O exército nacional, como uma instituição burocrática autônoma e distante de disputas políticas, pode produzir dois incentivos desejáveis para a resolução de conflitos ( Castellano da Silva e Martins, 2014CASTELLANO DA SILVA, Igor; MARTINS, José Miguel Quedi. (2014), “National Army and State-Building in Africa: The Brazilian Approach in the Case of The Democratic Republic of the Congo”. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, Porto Alegre, vol. 3, n. 5, pp. 137-179. ). Primeiro, pode resultar em dissuasão que contenha disputas armadas locais ou regionais. Os estados africanos geralmente têm forças armadas ineficazes, muitas vezes desorganizadas por lideranças, com medo do poder rival dos militares e de outros grupos organizados ( Williams, 2011WILLIAMS, Paul D. (2011), War and Conflict in Africa. Cambridge: Polity Press.: 51). Além disso, suas forças armadas focalizadas em contrainsurgência têm pouca capacidade operacional para lidar com o desgaste, a ampla escala, a tecnologia e a logística da luta convencional envolvida na guerra proxy, em que os grupos armados locais deixam de ser meros insurgentes ao contar com forças armadas e apoio logístico de potências externas. O imperativo de reformar as forças armadas de África conecta-se à importância que alguns autores atribuem ao papel da Reforma do Setor de Segurança em acordos de paz e pode ser observado empiricamente em experiências bem-sucedidas de resolução de conflitos, como na Guerra Civil de Angola ( Toft, 2010TOFT, Monica Duffy. (2010), “Ending Civil Wars: A Case for Rebel Victory”. International Security, vol. 34, n. 4, pp. 7-36. ; Castellano da Silva et al. , 2013CASTELLANO DA SILVA, Igor. et al., (2013), “Resolução de conflitos na África Subsaariana: o papel do Power-Sharing e da capacidade estatal nos casos de Angola e da República Democrática do Congo.” Conjuntura Internacional, vol. 10, n. 3, pp. 60-74. ).

Logicamente, respostas à fragilidade do Estado podem receber assistência de atores e instituições regionais e internacionais. Ainda assim, as potências e instituições regionais têm poucos impactos na capacitação de Estados mais fracos. Pelo contrário, as potências regionais como a Nigéria, a África do Sul e a Etiópia têm geralmente adotado o compromisso com a supressão de conflitos (por exemplo, nos casos da RDC, Libéria, Serra Leoa, Somália, CAR), usando sobretudo meios de coerção, em uma abordagem de curto prazo e dispendiosa. No entanto, as potências e instituições regionais podem incentivar o compromisso com a cooperação e a redução dos incentivos à guerra proxy e aos conflitos regionalizados. Ademais, potências e instituições regionais cooperam e competem com atores e instituições extrarregionais. Por sua vez, atores extrarregionais geralmente não têm gerado capacitação nem cooperação regional. Pelo contrário, historicamente reproduziram a dependência externa e a rivalidade regional. Apesar do diagnóstico difícil, novas potências globais e potências regionais no ambiente inter-regional podem ter espaço para produzir respostas de longo prazo para as guerras africanas, conectadas a um novo empoderamento interno e ao comprometimento das potências regionais africanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse renovado do mundo em direção à África no século XXI, mediante o estabelecimento de novas cadeias de comércio, investimentos, cooperação técnica, e políticas securitárias contrasta com a escassez de análises aprofundadas sobre as principais características, causas e potenciais consequências dos conflitos armados no continente. A maior parte da literatura sobre as guerras africanas é insuficiente na forma simplista de caracterizar os conflitos no continente e na perspectiva reducionista das suas causas, consequências e possíveis respostas. Enfrentando esse desafio, o estudo buscou oferecer três conjuntos de contribuições teóricas e empíricas. Primeiro, recupera o potencial de três conceitos que, se adotados com equilíbrio entre generalidade e particularidade, podem reduzir o paradoxo distância-proximidade na observação dos conflitos armados africanos. Segundo, revela características de conflitos africanos que rejeitam concepções de que as guerras africanas são apolíticas, limitadas a questões domésticas e restringidas localmente. De forma alternativa, argumento que as guerras africanas são baseadas em uma tríade de segurança, configurando a Guerra Proxy Irregular Regionalizada. Por fim, o artigo amplia a compreensão das causas e consequências das guerras africanas, concentrando-se em uma literatura comumente esquecida, que pode abrir novos horizontes para opções de resolução de conflitos a partir de variáveis sistêmicas.

Procurou-se demonstrar que a África apresenta caso de relevância aos Estudos Estratégicos por ambientar conflitos de complexidade significativa vinculada: (i) ao seu perfil irregular, mas com a permanente ação de forças e meios regulares/convencionais; (ii) à presença constante de participação externa e vínculos hierárquicos que envolvem rivalidades ou cooperação interestatal, próprios da guerra proxy ; e (iii) à regionalização das conflagrações, seja do ponto de vista das ameaças quanto da oferta de segurança por parte de atores regionais, em competição e/ou cooperação com iniciativas extrarregionais. As causas dos conflitos armados africanos transitam de fatores causais mais objetivos, como o subdesenvolvimento em meio à concentração de riquezas, a desigualdades de direitos e conflitos comunais, e a disputas sobre o controle de instituições políticas, governos e territórios, até causas permissivas, tais como as estruturas do sistema regional e a fragilidade dos Estados nacionais. Tais fatores locais e regionais são ambientados pela estrutura de poder global em que a África se situa em posição subalterna, sempre suscetível à dependência e interferências externas de atores estatais e não estatais, embora isso constranja, mas não elimine, a importância e a capacidade de agência dos atores africanos. No âmbito das consequências das guerras africanas, os fenômenos mais observados são impactos deletérios nas dinâmicas econômicas, sociais e políticas africanas, que por vezes podem transbordar para fora do continente, como é o caso dos fluxos de refugiados e migrantes aos continentes europeu e americano. Menos compreendidos são os impactos nas estruturas dos sistemas regionais (ascensão e declínio de potências e ordens regionais) e na formação dos Estados nacionais (fortalecimento ou enfraquecimento). No último caso, as próprias respostas adotadas no travamento e na resolução das guerras no continente são capazes de definir que tipo de instituições serão formadas durante e após as conflagrações e a sua capacidade e autonomia para lograr a solução e evitar a recorrência dos conflitos armados.

Esse fenômeno complexo necessita, contudo, de avaliações mais precisas, sobretudo acerca do impacto das guerras africanas, e das respostas geralmente dadas a esses conflitos, nas estruturas institucionais do continente. Novas hipóteses que dialoguem com a proposta teórica de Charles Tilly poderiam ser testadas de forma mais robusta no caso do continente. Tal esforço abriria novos caminhos para a compreensão das razões de a recorrência da guerra no continente não ter produzido os resultados teóricos esperados de fortalecimento dos Estados nacionais. Pelo contrário, ser resultado e causa da anarquia doméstica, que propicia a Guerra Proxy Irregular Regionalizada, ou seja, o modo africano de fazer a guerra.

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NOTAS

  • 1
    A presente pesquisa foi apoiada pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) da UFSM e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq.
  • 2
    A construção é uma referência clara à obra clássica de Russell Weigley (1973)WEIGLEY, Russell Frank. (1973), The American Way of War: A History of United States Military Strategy and Policy. New York: The Macmillan Co. , e à tese atualizada de Max Boot (2003)BOOT, Max. (2003). “The New American Way of War”. Foreign Affairs, julho/agosto, pp. 1-14. , sobre o modo americano de fazer a guerra. Tal discussão, amplamente aprofundada no caso dos EUA, ainda não teve a sua contraparte nos Estudos Estratégicos e de Segurança sobre a África.
  • 3
    O índice COW não inclui em sua base de dados uma diferenciação real entre conflitos intraestatais nacionais e intraestatais internacionalizados (com intervenção externa). Por seu turno, a classificação desenvolvida pelo UCDP, juntamente com o International Peace Research Institute de Oslo (PRIO), inclui guerras intraestatais internacionalizadas, que envolvem a participação de forças externas no campo de batalha. Contudo, além de apresentar incoerências na classificação de guerras intraestatais internacionalizadas africanas, este último índice não diferencia o grau qualitativo da presença estrangeira em conflitos intraestatais. Se é limitada ao suporte aos grupos armados internos ou se a participação é direta, caracterizando uma guerra mista (inter e intraestatal).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2019
  • Aceito
    17 Mar 2021
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