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Um homem

Gláucio A. Dillon Soares

Há vários anos Oriana Fallaci, conhecida jornalista política italiana, escreveu um livro sobre Alexander (Alekos) Panagoulis, um revolucionário grego que se opôs à ditadura militar de Papadopoulos. Panagoulis foi preso diversas vezes, torturado, exilado, perseguido, mas continuou lutando contra a ditadura militar de George Papadopoulos. Não desanimou. Os carcereiros o respeitavam, impressionados com a impossibilidade de dobrar Panagoulis. Fallaci não endeusou Panagoulis, deixando muito claras as suas deficiências: o descreveu como era, ressaltando a sua coragem, a sua determinação. Panagoulis acabou, como ele próprio pressagiou, sendo assassinado pela direita fascista. O título do livro, Um Homem, expressava a admiração da autora por um ser extremamente corajoso, digno da raça humana.

Olavo Brasil de Lima Junior mereceria um livro semelhante, tendo, como Panagoulis, a determinação, a coragem e a perseverança de poucos. Olavo há muito tempo sofria de doença mortal. A reação das pesoas diante de adversidades extremas, de catástrofes ¾ nacionais, como uma ditadura, perseguição política e tortura, ou pessoais, como doença mortal ¾ pode indicar o caráter de uma pessoa. É muito difícil reagir positivamente nestas situações. Muitos acabam bem antes da morte. Na sala de espera da radiação, no Cancer Center, do Shands Hospital, durante mais de um mês vi poucas reações construtivas. Vi pessoas falsamente corajosas que riam mas que, em privado, admitiam que tudo o que faziam era chorar. Muitos ficam paralisados e abandonam a vida que lhes resta, sejam poucas semanas ou muitos anos. Não poucos passam o que lhes resta de vida orbitando ao redor da própria doença. Raros vivem a vida. E poucos, pouquíssimos, o fazem de maneira tão construtiva como Olavo.

O que há de comum entre pessoas tão destacadas como Antonio Carlos Alkmim dos Reis, Antônio Lavareda Filho, Fabiano Guilherme Mendes Santos, Helena Maria Bousquet Bomeny, Jairo Marconi Nicolau, José Giusti Tavares, Leandro Piquet Carneiro, Maria Celina Soares d'Araújo e Maria Manoela Neves? Todos terminaram o doutorado, todos continuaram pesquisando, todos têm livros publicados e todos foram orientados no Mestrado, no Doutorado ou em ambos, por Olavo Brasil de Lima Junior. Estes são apenas alguns dos nomes. A lista parece uma compilação dos jovens integrantes do Who's Who na Antropologia, na Ciência Política, na Sociologia e na História no Brasil. Ao preparar este texto, busquei atualizar as informações que eu tinha sobre Olavo. Eu conhecia os livros e os artigos. Mas quando pedi a lista dos orientados fiquei pasmo. Olavo não só produziu pesquisas e obras relevantes, mas produziu pessoas que produzem pesquisas relevantes. Sem dúvida, Olavo foi um dos orientadores mais profícuos e bem sucedidos do país. Evidentemente, esses cientistas políticos e sociais chegaram a ser o que são por mérito próprio, mas não é por acaso que todos demonstram a mesma competência e a mesma dedicação que o mestre. Afinal, ele lhes mostrou o caminho. O mais importante, o que temos que destacar, é que Olavo orientou quase todos eles enquanto lutava contra doença mortal. Onde outros se encolheriam e morreriam antes do tempo, Olavo puxou uma respiração mais profunda e continuou trabalhando, orientando, fazendo o bem.

A dedicação de Olavo ao ensino, aos seus alunos, tem produzido estórias. Vivi uma delas. Passei uma temporada no IUPERJ durante a qual ministrei, juntamente com Olavo, um Seminário. Enquanto participávamos, juntos, do Seminário, Olavo eticamente entregou-me uma cópia de livro de sua autoria que estava no prelo. O livro continha críticas pesadas a teses de livro que eu publicara em 1973. Escrevi um artigo, com respostas igualmente pesadas, que entreguei a Olavo que, por sua vez escreveu uma réplica etc. Enquanto isto acontecia, ministrávamos juntos o Seminário, almoçávamos juntos com certa freqüência. Terminado o Seminário, fizemos uma avaliação informal, ao fim da qual Olavo agregou: creio que aprenderam, também, que é possível ter divergências acadêmicas e continuar amigos. Creio que foi a melhor lição do Seminário. Olavo sugeriu que publicássemos o debate em Dados, o que foi feito. Enquanto debatíamos, a preocupação discretamente maior de Olavo era didática, era o exemplo.

Talvez fosse academicamente apropriado terminar este texto dizendo que Olavo vive através da sua obra e dos seus alunos. Seria apropriado porque algumas das suas pesquisas e livros marcaram a Ciência Política brasileira e alguns dos trabalhos dos seus alunos também o fizeram e continuarão a fazê-lo. Mas acredito que há mais: vejo Olavo em outra dimensão, em outro plano, sendo recebido por Alekos Panagoulis, ou alguém de igual estatura, com um aperto de mão, orgulhoso em encontrar um semelhante, que também honrou a sua espécie e o seu gênero. Parabéns, Olavo, por uma vida corajosa, produtiva e bem vivida!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 1999
  • Data do Fascículo
    1999
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