Resumo
Nas últimas décadas, observa-se uma intensa circulação de políticas para LGBTI+ no Brasil. Uma vez que tais políticas foram marcadas pela fraca capacidade de indução do Governo Federal, como explicar sua circulação entre níveis e unidades da federação? Para responder essa pergunta, o artigo analisa a trajetória de circulação dos centros de referência LGBTI+ e do “tripé da cidadania” em cinco unidades de observação a partir de dados de entrevistas e de análise documental. Os resultados indicam que o “ativismo multinível” foi fundamental para a circulação dessas políticas por meio: da construção de redes informais de interação que integram níveis; da formação de organizações multinível; da atuação em arenas que reúnem atores oriundos de múltiplos níveis; e do deslocamento e múltiplo pertencimento de atores entre níveis. O artigo defende, assim, a fertilidade de um “olhar multinível” para as relações entre movimentos sociais e políticas públicas.
Movimentos Sociais; Políticas Públicas; Governança Multinível; Ativismo Multinível; Movimento LGBTI
Abstract
During the past decades, an intense process of policy circulation of LGBTI+ policies has taken place in Brazil. Since those policies had weak induction capacities in the federal level, how to explain their circulation between levels and units of the Brazilian federation? To answer this question, this article analyses the circulation trajectories of the “LGBTI+ reference centers” and the “citizenship triplet” among five observation units using data from official documents and interviews. Results show that “multilevel activism” was crucial for the circulation of those policies, through the construction of informal interaction networks that integrate levels, the foundation of multilevel organizations, the action within arenas that gather actors from multiple levels and the displacement and multiple filiations of actors between levels. The article argues for the fertility of a “multilevel approach” to the relations between social movements and public policies.
Social Movements; Public Policies; Multilevel Governance; Multilevel Activism; LGBTI+ Movement
Résumé
Au cours des dernières décennies, on observe une intense circulation de politiques en faveur des LGBTI+ au Brésil. Étant donné que ces politiques ont été marquées par de faibles capacités d’induction du gouvernement fédéral, comment expliquer leur circulation entre les niveaux et les unités de la fédération ? Pour répondre à cette question, l’article analyse la trajectoire de circulation des centres de référence LGBTI+ et du “tripode de la citoyenneté” dans cinq unités d’observation à partir de données d’entretiens et d’analyses documentaires. Les résultats indiquent que « l’activisme multiniveau » a été central pour la circulation de ces politiques, à travers la construction de réseaux informels d’interaction qui intègrent les niveaux, la formation d’organisations multiniveaux, l’action dans des arènes réunissant des acteurs de multiples niveaux et le déplacement et l’appartenance multiple des acteurs entre les niveaux. Ainsi, l’article défend la fécondité d’un « regard multiniveau » sur les relations entre les mouvements sociaux et les politiques publiques.
Mouvements Sociaux; Politiques Publiques; Gouvernance Multiniveau; Activisme Multiniveau; Mouvement LGBTI+
Resumen
En las últimas décadas, ha habido una intensa circulación de políticas LGBTI+ en Brasil. Dado que estas políticas han estado marcadas por la escasa capacidad de inducción del gobierno federal, ¿cómo explicar su circulación entre niveles y unidades de la federación? Para responder a esta pregunta, el artículo analiza la circulación de los centros de referencia LGBTI+ y el “trípode de la ciudadanía” en cinco unidades de observación a partir de datos de entrevistas y análisis documentales. Los resultados indican que el “activismo multinivel” fue fundamental para la circulación de estas políticas, a través de la construcción de redes de interacción informales que integran niveles, la formación de organizaciones multinivel, la acción en arenas que reúnen a actores de múltiples niveles y el desplazamiento y la pertenencia múltiple de actores entre niveles. El artículo defiende así la utilidad de una “visión multinivel” de la relación entre los movimientos sociales y las políticas públicas.
Movimientos Sociales; Políticas Públicas; Gobernanza Multinivel; Activismo Multinivel; Movimiento LGBTI+
Introdução
No Brasil, políticas públicas destinadas à garantia dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais, intersexos e outras pessoas que não conformam padrões hegemônicos de identidade de gênero e orientação sexual (LGBTI+) têm se difundido entre governos subnacionais. De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de LGBT (ABGLT), o “Mapa da Cidadania”1, por exemplo, até 2022, entre os 26 estados e o Distrito Federal (DF), 20 contavam com conselhos estaduais específicos para políticas nessa área, 17 dispunham de órgãos estaduais voltados de forma exclusiva à construção dessas políticas públicas e 11 ofereciam serviços assistenciais, psicológicos e jurídicos (entre outros) por meio de centros de referência voltados exclusivamente a esse público. Esse processo de circulação se intensificou a partir da década de 2010. Dentre os 20 conselhos estaduais LGBTI+, por exemplo, 18 foram criados a partir de 2011, sendo 8 deles a partir de 2016.
Em sua maioria, essas iniciativas foram precedidas pela formulação de políticas semelhantes pelo Governo Federal. Com o lançamento do programa Brasil sem Homofobia (BSH) em 2004, a União passou a financiar a implementação de centros de referência para LGBTI+ por organizações de movimentos e governos subnacionais. Após a construção do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (Plano Nacional LGBT) em 2009, a então Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) montou um órgão e um conselho específico para as políticas para LGBTI+ em sua estrutura em 2010 (Carrara, 2010; Pereira, 2017, 2018)
A literatura que analisou essas políticas em nível federal, contudo, converge, em linhas gerais, em um diagnóstico: sua fragilidade do ponto de vista de seu orçamento, de sua formalização legal e de sua continuidade (Mello et al., 2012; Mello, Avelar, Maroja, 2012; Mello, Brito, Maroja, 2012; Pereira, 2018). Tais características se acentuaram a partir do governo de Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores - PT) em decorrência de pressões de parlamentares conservadores que compunham sua base de apoio legislativa, se ampliando ainda mais com a deposição dessa presidenta em 2016, seguida pela eleição de Jair Bolsonaro em 2018 (então Partido Social Liberal – PSL) (Pereira, 2018). Dessa forma, as políticas federais não parecem ter sido capazes de transferir recursos massivos e estáveis para a criação de políticas para LGBTI+ em nível subnacional e tampouco de normatizar pela via legal a formulação e implementação de tais políticas. Cabe ressaltar, ainda, que a intensificação da difusão dessas políticas a partir de 2010 coincide justamente com o período no qual elas começam a ser enfraquecidas em nível federal.
Dessa maneira, se a indução federal - que tem sido apontada pela literatura sobre o federalismo brasileiro como um importante mecanismo de difusão de políticas públicas - não é capaz de explicar esse processo, que atores atuaram para a circulação de políticas para LGBTI+ entre unidades e níveis da federação no Brasil e como o fizeram? Para responder essa pergunta, foi analisado o processo de circulação de duas políticas para LGBTI+ em sentido top-down e bottom-up: os centros de referência LGBTI e o chamado “tripé da cidadania”, demanda do movimento que consistia na construção de um órgão, um conselho e um plano de políticas para LGBTI+ pelas administrações públicas. A circulação dessas políticas foi examinada em cinco unidades de observação selecionadas de forma indutiva: o Governo Federal, o governo do estado do Rio de Janeiro e os governos municipais de São Paulo, Campinas e Fortaleza.
O principal resultado da pesquisa indica que o movimento LGBTI+ foi essencial para a circulação dessas políticas. Sua atuação foi marcada pelo que denomino neste artigo de “ativismo multinível”: a defesa coletiva de causas contenciosas por redes de ativistas que atuam simultaneamente e/ou circulam entre níveis de governo. De forma específica, o ativismo multinível foi colocado em prática por meio: a) da construção de redes de interação informal entre atores situados em múltiplos níveis; b) da criação de organizações que formalizaram e rotinizaram essas relações; c) da atuação de ativistas em arenas de interação que reuniam atores situados em múltiplos níveis e; d) da realização de deslocamentos de atores que provocaram sua mobilidade de um nível a outro. Por meio dessas práticas, ativistas promoveram a circulação de ideias sobre políticas públicas (Campbell, 2002) que propunham modelos programáticos para a estruturação de uma área de políticas para LGBTI+ - o “tripé da cidadania” – e para o oferecimento de serviços para vítimas de violência LGBTfóbica – os centros de referência2 - que foram adotados pelos governos com adaptações locais.
A principal contribuição deste artigo centra-se no diálogo com a literatura brasileira recente sobre movimentos socieis3 e suas interações com política institucional e as políticas públicas (Abers, 2021; Gurza Lavalle et al., 2019; Silva, Oliveira, 2011; Tatagiba, Teixeira, 2021). Essa literatura tem demonstrado como movimentos sociais constroem redes de ativismo que se sobrepõem às fronteiras entre sociedade civil e Estado, produzindo efeitos sobre políticas públicas. Os achados desta pesquisa apontam para a fertilidade de uma perspectiva “multinível” para o exame das relações entre movimentos sociais, Estado e políticas públicas. Nesse sentido, o artigo apresenta a noção de “ativismo multinível” de forma a compreender como redes de movimentos sociais articulam ações entre níveis de governo e como a atuação de tais redes produz efeitos sobre as relações entre estes níveis como, nesse caso, a circulação de políticas públicas.
O conceito de “ativismo multinível” aqui proposto foi construído a partir do diálogo com três conjuntos de estudos, sobre: a) relações federativas e governança multinível (Arretche, 2015; Bichir, 2018); b) circulação de políticas públicas (Delpeuch, 2009; Dolowitz, Marsh, 2000; Porto de Oliveira, 2021) e; c) ativismo transnacional (Bringel, 2010; della Porta, Tarrow, 2005; Tarrow, 2005). Estudos sobre ativismo transnacional contribuíram para a elaboração desse conceito ao evidenciar a lógica de atuação em níveis de movimentos sociais e outras redes de ativismo. Estudos sobre circulação de políticas públicas ajudaram a conectar o ativismo multinível à análise das políticas públicas ao evidenciar o papel de redes de atores socioestatais na circulação de ideias sobre as políticas. Já a literatura sobre relações federativas e governança multinível contribuiu para a formulação desse conceito ao evidenciar o caráter multinível das estruturas e das dinâmicas políticas e institucionais com as quais o ativismo multinível interage.
Secundariamente, este artigo também contribui para essas literaturas nos seguintes sentidos: em relação aos estudos sobre relações federativas e governança multinível, sugere que o “ativismo multinível” pode ter impactos sobre as interações verticais entre níveis da federação; no diálogo com pesquisas sobre a circulação de políticas, o texto aprofunda a análise de um ator específico que contribui para esse processo, as redes de ativismo; por fim, no diálogo com estudos sobre ativismo transnacional, indica como a atuação entre níveis dos movimentos sociais e outros grupos de ativistas também é relevante para a análise de sua atuação em países com arranjos federativos complexos, como no caso brasileiro.
Para desenvolver e apresentar esses argumentos, o artigo está dividido da seguinte maneira: a próxima seção é composta por uma revisão que busca apresentar o conceito de “ativismo multinível” em diálogo com os debates teóricos mencionados anteriormente. Na seção seguinte, os dados e métodos empegues na pesquisa empírica são detalhados. A seguir, descrevo a trajetória de circulação das duas políticas analisadas para, logo após, explorar quais atores contribuíram para sua circulação e como o fizeram. Por fim, são apresentadas as conclusões da pesquisa.
Movimentos sociais e políticas públicas em uma perspectiva multinível:
Em especial a partir da década de 2010, a literatura brasileira sobre movimentos sociais explorou em profundidade a influência dos movimentos sobre as políticas públicas. Essa literatura tem demonstrado que redes de movimentos sociais se sobrepõem em muitos casos às redes da burocracia estatal, estabelecendo com as instituições políticas não apenas relações de conflito a partir de táticas extrainstitucionais (como protestos), mas também incorporando em seus “repertórios de interação” formas de ação institucionais, como o “ativismo institucional” (Abers, 2021; Abers, Silva, Tatagiba, 2018; Abers, Serafim, Tatagiba, 2014; Carlos, 2015; Cayres, 2017; Silva, Oliveira, 2011; Tatagiba, Teixeira, 2021). Se afastando da “hipótese da cooptação necessária”, tais estudos indicam que, em suas trajetórias de interação com o Estado, os movimentos sociais seriam capazes de produzir “encaixes institucionais”, que ampliam suas capacidades de direcionar a permeabilidade estatal em favor de suas demandas, produzindo efeitos sobre as políticas públicas (Dowbor, Carlos, Albuquerque, 2018; Gurza Lavalle et al., 2019).
No entanto, se essa literatura avançou no exame das relações entre movimentos sociais e instituições políticas e na compreensão de como elas produzem efeitos sobre as políticas públicas, concedeu pouca atenção a uma característica fundamental das interações socioestatais: elas ocorrem em múltiplos níveis. Na maioria dos casos, o exame das trajetórias de interação entre movimentos sociais e governos e de seus efeitos sobre as políticas públicas foi realizado em um único nível – municipal, estadual ou federal – sendo analisados os “fluxos horizontais” de interação socioestatal. Assim, essa literatura tendeu a secundarizar a análise dos “fluxos verticais” de interação socioestatal, ou seja, das interações entre movimentos sociais e Estado (e, por vezes, outros atores) que envolvem atores e instituições situadas em múltiplos níveis da federação (Pereira, 2024).
Para dar conta dessa lacuna, proponho o conceito de “ativismo multinível”. Parto da definição de ativismo proposta por Abers (2021) que, em suma, define “ativismo” como a defesa coletiva de causas contenciosas, sem limitar o conceito à atuação dos movimentos sociais, incluindo, por exemplo, “ativistas institucionais”, que atuam no interior de órgãos de governo ou em partidos políticos. Na definição aqui proposta, o “ativismo multinível” ocorre quando esta defesa coletiva de causas contenciosas ocorre simultaneamente em diversos níveis de governo ou, ainda, quando ativistas circulam entre níveis de governo para defender suas causas.
Para definir este conceito, parto do diálogo com campos de estudos diversos, que incluem estudos sobre federalismo e governança multinível, sobre circulação de políticas públicas e sobre ativismo transnacional. Nesse ponto, sigo a tradição da literatura brasileira recente sobre movimentos sociais e instituições políticas, que se notabilizou pelo estabelecimento de diálogo com campos de estudos diversos – como participação, políticas públicas, processos legislativos, entre outros – de forma a “desestabilizar” (Rosa, Penna, Carvalho, 2020) o Estado, não tomando-o como um todo homogêneo, mas como um conjunto heterogêneo de processos em constante fluxo de transformação. Nesse sentido, este artigo defende uma ampliação do diálogo com o campo de estudos sobre relações federativas no Brasil, de forma a compreender os efeitos mútuos entre movimentos sociais, arranjos federativos e processos que envolvem múltiplos níveis de governo, como a circulação de políticas públicas. Nas próximas subseções, destaco ao mesmo tempo as contribuições desses três corpos de literatura para a definição do conceito de “ativismo multinível” e as contribuições desse conceito para cada um desses corpos de estudo.
Relações Federativas e Governança Multinível:
O problema das relações entre políticas formuladas e implementadas em diferentes níveis da federação é, por óbvio, um tema central de estudos sobre federalismo no Brasil. Essa literatura tem produzido evidências contrárias à tese de que o desenho institucional brasileiro estaria marcado por baixas capacidades regulatórias da União e que, portanto, a coordenação entre políticas produzidas entre diversos níveis estaria obstaculizada. Pelo contrário, tem argumentado que devido a fatores como a ampla concentração de recursos e de competências legislativas no nível federal, a carência de pontos de veto em instituições subnacionais, dentre outros, o Governo Federal teria forte papel centralizador e de indução e normatização de políticas sociais no Brasil (Arretche, 2013; 2015). Assim, a União e sua capacidade indutora e regulatória seria fundamental no processo de difusão de políticas em sentido top-down no arranjo federativo brasileiro.
Em um “prolongamento crítico” desse debate, estudos recentes indicam que uma vez que políticas “chegam” aos governos subnacionais, elas se transformam no seu processo de implementação a depender das capacidades estatais locais, bem como das características das redes de relações socioestatais produzidas em torno dessa política em nível subnacional (Bichir, Brettas, Canato, 2017; Bichir, Simoni Junior, Pereira, 2020; Coelho, Marcondes, Barbosa, 2019; Gurza Lavalle, Rodrigues, Guicheney, 2019). É nesse contexto que o conceito de “governança multinível”4 se apresenta como uma ferramenta analítica útil, que destaca como políticas públicas são produzidas continuamente em um jogo de relações entre os fluxos verticais das relações entre os governos e os fluxos horizontais das interações socioestatais que ocorrem em cada nível.
Mesmo nesses trabalhos, contudo, o lugar das interações socioestatais se limitou em grande medida aos fluxos horizontais relacionados a processos de implementação. Já os fluxos verticais são analisados, principalmente, em sua dimensão institucional formal e no seu papel regulatório, de indução ou constrangimento. Essa ênfase nas relações entre governos no eixo vertical não deve ser vista como uma “falha” de estudos brasileiros que têm se apropriado desse conceito, mas, antes, se relaciona à natureza dos debates nos quais esse conceito foi incorporado, que partiram da constatação da concentração de poderes regulatórios na União, privilegiando em suas análises políticas públicas nacionalmente reguladas que, devido a esse arranjo, seriam as mais recorrentes (Arretche, 2013; 2015). Nesses casos, a força dos poderes institucionais da União nos fluxos verticais de interação explicaria em princípio a circulação dessas políticas do Governo Federal para governos subnacionais por mecanismos de indução. Contudo, como vimos na introdução desse artigo, esse não é o caso das políticas para LGBTI+ e, dessa maneira, o papel indutor da União não parece explicar por completo a circulação dessas políticas, sendo necessário analisar a relevância da verticalidade das interações socioestatais para isso.
Dessa forma, o debate sobre relações federativas e governança multinível contribui para a elaboração do conceito de “ativismo multinível” ao identificar as estruturas e as relações político-institucionais com as quais o ativismo institucional interage, indicando que, no processo de desenvolvimento de políticas públicas, tais estruturas e relações operam em uma lógica de influência mútua entre governos situados em diferentes níveis e não a partir da ação isolada ou unilateral de um determinado governo. Por sua vez, o conceito de “ativismo institucional” contribui para essa literatura ao evidenciar o papel de interações socioestatais não apenas nas dinâmicas horizontais de interação em cada nível de governo, mas também na articulação entre eles, o que parece especialmente relevante em casos de políticas marcadas por baixas capacidades estatais.
Circulação de Políticas Públicas:
Em contraste aos trabalhos sobre governança multinível citados anteriormente, estudos sobre “transferência”, “difusão” ou “circulação” de políticas públicas, de fato, destacam o papel de redes socioestatais nesse processo5. De forma geral, eles apontam que não apenas atores e arenas institucionais atuam de forma a promover a circulação das políticas públicas, mas também atores da sociedade civil e do mercado, como ONGs internacionais, corporações transnacionais, thinks tanks, redes de especialistas e de consultores, entre outros (Dolowitz, Marsh, 2000; Porto de Oliveira, 2021). A ação da sociedade civil no Brasil, por exemplo, tem sido destacada por estudos sobre a transferência de políticas públicas entre países do Sul Global (Waisbich, Pomeroy, Leite, 2021). Tais estudos também têm identificado como esses atores atuam de forma a promover essa circulação, por meio da construção de eventos, fóruns e redes de articulação, da circulação de documentos e estudos descrevendo e avaliando experiências locais, da circulação de membros dessas comunidades por meio de “viagens de estudos”, dentre outras (Osorio-Gonnet, 2018). Por meio desses processos, atores contribuem para a difusão de ideias sobre políticas públicas (Campbell, 2002), que podem ser posteriormente adaptadas por governos para a construção de políticas (Silva, Segatto, 2021).
Em sua maioria, tais estudos têm se dedicado à análise da circulação de políticas públicas entre países e regiões globais. Contudo, ainda que minoritárias, pesquisas sobre a circulação de políticas entre unidades e níveis da federação também ressaltam a atuação de redes informais de interação que envolvem atores do Estado e da sociedade civil em processos de difusão de políticas públicas. Em diálogo com a literatura sobre federalismo no Brasil, outras pesquisas também têm se apoiado nas contribuições da literatura sobre difusão de políticas públicas para compreender processos de circulação que não se limitam à indução de políticas públicas em sentido top-down pelo Governo Federal (Segatto, 2018; Silva, Segatto, 2021). De forma semelhante ao proposto nesse artigo, sugerem que “as ideias transitam entre jurisdições a partir da interação entre atores e de sua posição relacional em redes formais ou informais”, ainda que essa circulação dependa também das capacidades institucionais locais (Silva, Segatto, 2021:107).
Dessa forma, a literatura sobre circulação de políticas públicas evidencia a centralidade da mobilização de redes de atores que promovem a circulação de ideias entre diferentes níveis e unidades de governo nas dinâmicas de circulação de políticas. Ademais, identifica certos processos por meio dos quais esses atores agem, como a criação de redes, organizações e arenas de interação, bem como o trânsito desses mesmos atores. Ou seja, essa literatura indica ao mesmo tempo um possível efeito do ativismo multinível (a circulação de ideias sobre as políticas) e possíveis processos por meio dos quais o ativismo multinível opera para produzir esses efeitos6. Por sua vez, o conceito de “ativismo multinível” contribui para o debate sobre circulação de políticas públicas ao aprofundar o estudo da atuação de redes de movimentos sociais e de ativismo nessas dinâmicas.
Ativismo Transnacional:
A ideia de que ativistas possam atuar simultaneamente em múltiplos níveis não é novidade para o campo de estudos sobre movimentos sociais. Abordagens como a teoria do processo político e até mesmo os estudos sobre movimentos sociais urbanos no Brasil foram construídas, em larga medida em torno de Estados nacionais, vistos como alvos centrais da ação contestatória dos movimentos (Kowarick, 1989; McAdam, 1999 [1982]; Tarrow, 2009). Dessa forma, processos de globalização e a crescente influência de instituições transnacionais tanto sobre a política doméstica quanto sobre a política internacional colocaram um desafio teórico para esse campo.
A partir desse desafio, estudos de diferentes matrizes teóricas têm demonstrado que movimentos sociais - e outros grupos de ativistas e promotores de causas e políticas públicas7 - são capazes de construir redes de “ativismo transnacional” que ultrapassam as fronteiras dos Estados nacionais, desafiando ao mesmo tempo governos locais, instituições supranacionais e relações de poder estabelecidas na arena global, como aquelas entre o “Norte” e o “Sul”. Ainda que esse não seja um fenômeno novo – como evidencia, por exemplo, a ação do movimento abolicionista (Alonso, 2015) – a articulação de redes transnacionais e os fluxos de comunicação nessas redes teriam se intensificado nas últimas décadas de forma articulada aos fenômenos anteriormente descritos (Bringel, 2010; della Porta, Tarrow, 2005; Keck, Sikkink, 1998; Tarrow, 2005).
Se este artigo sugere que o “ativismo multinível” pode provocar a circulação de ideias sobre políticas públicas, esse argumento encontra respaldo na literatura sobre ativismo transnacional, que tem indicado que nessas redes circulam identidades, repertórios, frames, experiências, entre outros elementos ideacionais importantes para a ação coletiva. Nesse processo, ativistas protagonizam práticas de “tradução” de sentido que operam em uma via de mão dupla: a) “externalizando” para outros países e para as arenas internacionais fenômenos locais e; b) “internalizando” para seus respectivos Estados nacionais questões tematizadas internacionalmente (Bringel, 2010; della Porta, Tarrow; 2005; Tarrow, 2005). Ademais, pesquisas sobre o deslocamento de ativistas entre países – como por exemplo aqueles motivados pelo exílio – tem indicado que tal processo pode gerar uma intensa troca de influências entre os ativistas, provocando mudanças em suas demandas, identidades e estratégias de luta (Bringel, Marques, 2021; Marques, 2017).
Em suma, estudos sobre ativismo transnacional contribuem para a noção de “ativismo multinível” ao evidenciar que movimentos sociais e outras redes de ativismo podem se organizar e atuar em múltiplos níveis e que essa atuação pode contribuir para a circulação de ideias caras aos ativistas. Dessa forma, auxilia a compreender formas e consequências da ação de movimentos sociais de forma simultânea ou alternada em diferentes níveis. O conceito de “ativismo multinível”, por sua vez, amplia esse insight ao aplicá-lo também para as relações estabelecidas entre ativistas situados em diferentes níveis em sistemas federalistas. Ademais, possibilita a articulação desse debate aos estudos sobre governança multinível e sobre circulação de políticas públicas, evidenciando influências mútuas entre arranjos federativos e movimentos sociais e outras redes de ativismo, de forma semelhante ao que essa literatura fez em relação à emergência de novos padrões de governança global.
Dados e métodos
Essa pesquisa tem como objetivo compreender o processo de circulação de políticas para LGBTI+ entre unidades e níveis da federação ao longo das últimas duas décadas no Brasil. Duas políticas foram selecionadas para análise em razão de sua centralidade nesse campo de políticas públicas ao longo do período de abrangência da investigação: os centros de referência LGBTI+ e o “tripé da cidadania”. Sua circulação foi investigada em cinco unidades de observação: Governo Federal, governo do estado do Rio de Janeiro e governos municipais de São Paulo, Campinas e Fortaleza.
Inicialmente, a pesquisa foi desenhada de forma restrita aos casos da Prefeitura Municipal de São Paulo e do Governo Federal. Contudo, evidências da pesquisa empírica motivaram a ampliação da investigação para as demais unidades de observação citadas em decorrência de sua centralidade nos processos analisados8. Cabe ressaltar, desde já, que essa pesquisa não pretende examinar de forma exaustiva a circulação dessas políticas no Brasil, uma vez que não inclui na análise diversos governos subnacionais que as adotaram. Ressalta-se, ainda, que a opção pela análise comparada entre essas unidades de observação tem como custo a perda da profundidade da análise de cada caso. Dessa forma, o artigo não pretende trabalhar de forma exaustiva as dinâmicas locais que levaram à adoção de determinada política em cada caso.
Para alcançar o objetivo geral da pesquisa, dois objetivos específicos foram delineados: a) reconstruir a trajetória de circulação dessas políticas nessas unidades de observação e; b) identificar os atores que contribuíram para esse processo, bem como suas formas de ação. Para isso, duas técnicas de produção de dados foram utilizadas: a pesquisa documental e as entrevistas. O exame de cada uma das unidades de observação teve início com uma pesquisa em documentos oficiais – como atos da administração pública e legislações – que buscou identificar o desenvolvimento de tais políticas por esses governos. Consultas à literatura pré-existente sobre cada um dos casos também auxiliaram esse mapeamento inicial.
A seguir, foram entrevistados vinte ativistas e gestores que atuaram em cada uma dessas unidades de observação. Tais ativistas foram identificados por meio de indicações dos primeiros entrevistados (método “bola-de-neve”), bem como por meio de sua identificação na análise documental e na revisão da literatura previamente realizadas. Enquanto os ativistas entrevistados ocupavam, em sua maioria, posições de liderança em organizações de movimentos sociais ou partidárias, os gestores entrevistados incluem atores situados em diferentes níveis hierárquicos, como a chefia de pastas de direitos humanos, a chefia de órgãos de políticas públicas para LGBTI+ subordinados a essas pastas e a coordenação de equipamentos públicos como os centros de referência. Experiências dos entrevistados com a gestão pública também incluem a participação em conselhos de políticas públicas e em grupos de trabalho dedicados a políticas LGBTI+, bem como a ocupação de cargos de assessoria parlamentar.
Conforme será detalhado na seção de análise empírica do artigo, tais ativistas e gestores em muitos casos atuaram em mais de um nível ou unidade da federação ao longo de suas trajetórias. Também conforme detalhado nas seções seguintes, entrevistas com atores vinculados à Prefeitura Municipal de São Paulo e ao Governo Federal foram mais numerosas em comparação às relacionadas às demais unidades de observação. Isso se deve ao desenho inicial da investigação, focado nesses dois casos. Nos demais casos, o menor número de evidências de entrevistas foi suplementado pela análise da literatura existente sobre eles.
As entrevistas incluíram questões sobre a trajetória de formulação dessas políticas, sobre as influências de experiências de outros governos e sobre a atuação de movimentos sociais na formulação e circulação das políticas, dentre outros temas que integravam os demais objetivos da pesquisa empírica. Foram realizadas em encontros online mediados por plataformas de videoconferência entre maio e agosto de 2021. Em dois casos, foram realizados dois encontros com os entrevistados. A duração das entrevistas variou entre 56 e 122 minutos. A partir das informações dos entrevistados, eventualmente, novos materiais documentais foram levantados.
O material assim produzido foi analisado com auxílio de um CAQDAS (computer-assisted qualitative data analysis software). Foram construídas duas árvores de categorias: uma relativa a cada um dos objetivos da pesquisa. As categorias relativas às trajetórias de circulação das políticas foram construídas indutivamente a partir das evidências empíricas. Já as categorias relativas aos atores relevantes e suas formas de atuação foram construídas por procedimentos dedutivos e indutivos. Dessa forma, tanto o conhecimento acumulado da literatura sobre circulação de políticas públicas quanto as evidências da pesquisa empírica foram insumos importante para a construção da análise e do conceito de “ativismo multinível”.
Trajetórias de circulação: os centros de referência e o “tripé da cidadania”
Esta seção tem como objetivo descrever a trajetória de circulação de duas políticas para LGBTI+ entre as unidades de observação incluídas aqui: os centros de referência para LGBTI+ e o chamado “tripé da cidadania”. Em ambos os casos, a circulação das políticas ocorreu tanto entre unidades quanto entre níveis da federação. Já no que se refere à sua direcionalidade, em linhas gerais, essas trajetórias se deram, em um primeiro momento, de forma predominante no sentido bottom-up e, a seguir, no sentido top-down, ainda que esses movimentos não tenham sido lineares e os casos guardem diferenças entre si.
A Circulação dos Centros de Referência LGBTI+:
Nas unidades de observação aqui analisadas, a trajetória de circulação dos centros de referência para o atendimento de LGBTI+ (Figura 1) teve início no estado do Rio de Janeiro e no município de Campinas. No primeiro caso, o centro foi criado em 1999, no governo de Anthony Garotinho (então PDT), com a denominação de Centro de Referência contra a Violência e Discriminação ao Homossexual (CERCONVIDH)9. A iniciativa foi formulada em conjunto com o desenvolvimento de um canal de recebimento de denúncias de violência contra LGBTI+, o Disque Defesa Homossexual (DDH), em um contexto mais amplo de reformulação de políticas de segurança pública pelo governo do estado. Gerido por organizações do movimento LGBTI+, o centro funcionava, ainda, como um espaço de acolhimento e orientação jurídica para vítimas desse tipo de violência, também oferecendo atividades educacionais, como cursos de formação para policiais militares (Carrara et al., 2017; Ramos, 2004).
Já a experiência de Campinas teve sua origem nos governos de Toninho do PT (PT) e Izalene Tiene (PT). Aqui, a construção do originalmente chamado Centro de Referência GLBTT remonta à implementação do Orçamento Participativo (OP) no município em 2001. Já nos primeiros ciclos do OP, organizações do movimento LGBTI+ se mobilizaram de forma a demandar uma política semelhante àquela implementada no Rio de Janeiro, que aliou um centro de referência a um canal para recebimento de denúncias de violência contra LGBTI+ (Zanoli, 2013; 2015; 2019). Após adaptações no modelo inicial, o centro de referência de Campinas se tornou um equipamento gerido pela Prefeitura Municipal, que oferecia serviços psicológicos, jurídicos e assistenciais para LGBTI+.
O modelo dos centros de referência LGBTI+ se nacionalizou, em especial, a partir da construção do programa Brasil sem Homofobia (BSH), lançado em 2004 pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT). Conforme veremos em detalhes na próxima seção, o BSH foi desenhado por um grupo de trabalho em grande medida composto por ativistas do movimento, muitos dos quais tinham contato prévio direto ou indireto com as experiências pioneiras do Rio de Janeiro e de Campinas. Assim, o programa previu entre suas ações o apoio do Governo Federal à construção e à manutenção de centros de referência na área, citando nominalmente, em nota de rodapé, esses dois municípios (Brasil, 2004). De fato, nos anos seguintes, editais para o financiamento de centros de referência LGBTI+ foram lançados pela SEDH, financiando centros coordenados por organizações do movimento e por governos subnacionais.
Os editais de financiamento do Governo Federal provocaram uma circulação em sentido top-down do modelo dos centros de referência. Esse é o caso do município de São Paulo, que abriu seu primeiro centro de referência com recursos do Governo Federal em 2006, na gestão de José Serra (PSDB)/Gilberto Kassab (então PFL). Também o primeiro centro de referência de Fortaleza foi construído com recursos federais em 2005, ao longo da primeira gestão de Luizianne Lins (PT), ainda que implementado por uma organização do movimento LGBTI+. O próprio município de Campinas também acessou recursos desse edital de forma a ampliar o orçamento de seu centro.
O financiamento do Governo Federal, contudo, apresentou uma série de mudanças e descontinuidades ao longo do tempo. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que os contratos eram de curta duração e, dessa forma, não davam a organizações do movimento e governos subnacionais a previsão de recursos estáveis para a política. Em segundo lugar, em especial ao longo do governo Dilma Rousseff (PT), o financiamento a centros de referência passou por duas importantes mudanças: a) deu prioridade a convênios com governos subnacionais em detrimento àqueles firmados com organizações LGBTI+ e; b) descontinuou os editais exclusivos para centros de referência LGBTI+, fundindo-os a outros centros na área dos direitos humanos.
Essa instabilidade no fluxo de recursos federais teve efeitos diversos nos governos subnacionais. No caso de Fortaleza, por exemplo, o centro de referência criado em 2005 e gerido por uma organização LGBTI+ foi descontinuado e um novo foi criado apenas em 2010 com recursos do último edital específico para esses espaços, sob a promessa de que o município assumiria o financiamento do centro nos anos seguintes. De fato, no caso de Fortaleza, não apenas o município assumiu o financiamento dos centros, como também o estabeleceu por lei municipal em 2012, no último ano da gestão de Luizianne Lins (PT). Em São Paulo, com o fim do convênio federal, o município também assumiu o orçamento do centro e, em 2013, ampliou o número de equipamentos, redistribuiu-os geograficamente e aliou-os ao atendimento por unidades móveis ao longo da gestão de Fernando Haddad (PT). Já no caso de Campinas, o financiamento voltou a ser exclusivamente realizado pela Prefeitura uma vez finalizado o convênio com a União.
No estado do Rio de Janeiro, de acordo com Carrara e seus colaboradores (2017), a iniciativa pioneira do CERCONVIDH passou por um período de perda de apoio e de eficácia ao longo dos anos 2000. O centro foi reabilitado no âmbito do projeto Rio sem Homofobia (descrito em detalhes na próxima subseção) ao longo dos governos de Sérgio Cabral (PMDB), em particular, a partir de 2010, agora sob a denominação de Centro de Cidadania LGBT. De acordo com um ativista que participou de ambos os projetos, o novo centro de referência teve como diferenças fundamentais em relação ao anterior a inserção em um modelo transversal de políticas públicas por meio do Rio sem Homofobia e a gestão pelo próprio governo estadual e não mais por organizações do movimento, se aproximando do modelo de Campinas e da lógica intersetorial das políticas do Governo Federal. O centro manteve sua articulação com um canal de recebimento de denúncias de violência, o agora chamado Disque Cidadania LGBT. O centro de referência e o novo “Disque”, contudo, não foram financiados pelo Governo Federal, mas sim pelo próprio governo fluminense.
A Circulação do “Tripé da Cidadania”:
A trajetória de circulação do chamado “tripé da cidadania” foi certamente menos linear em comparação ao caso analisado anteriormente, envolvendo “idas e vindas” mais recorrentes entre níveis da federação (Figura 2). A própria consolidação da ideia de “tripé” como a articulação entre um órgão de governo para políticas LGBTI+, um conselho de políticas públicas e um programa ou plano de políticas se consolidou apenas em 2008 ao longo da 1ª Conferência Nacional GLBT (sigla utilizada em seu chamamento), após uma série de iniciativas “experimentais” em diversos níveis da federação. Sua consolidação em nível federal, contudo, também produziu efeitos sobre os níveis subnacionais.
Nas unidades de observação aqui analisadas, o município de São Paulo foi pioneiro na construção de iniciativas que seriam consideradas parte do “tripé da cidadania”. Já na gestão de Serra (PSDB), em 2005, foi implementada a então denominada Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual (CADS) e o então Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual (CMADS). De acordo com gestores que atuaram nesse processo, a construção desses órgãos ocorreu a partir de articulações realizadas ao longo da campanha eleitoral entre redes que integravam a campanha de José Serra e organizações LGBTI+ paulistanas, que já haviam demandado a criação de uma coordenadoria ao governo de Marta Suplicy (PT). Cabe lembrar que José Serra havia sido Ministro da Saúde ao longo dos governos federais de Fernando Henrique Cardoso, no qual conexões entre o ministério e o movimento LGBTI+ se fortaleceram no âmbito das políticas públicas de enfrentamento ao HIV/AIDS.
Mesmo antes de 2008, outras iniciativas semelhantes foram realizadas, ainda que em modelos distintos: menos formais ou exclusivos para políticas LGBTI+. Em Fortaleza, um órgão de governo para políticas LGBTI+ foi criado ainda em 2005, também com origem na articulação entre redes do movimento e partidos ao longo de campanhas eleitorais, nesse caso, as redes petistas da campanha de Luizianne Lins. Nesse momento, porém, a chamada Assessoria Especial de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual (ADS) era um órgão informal ligado ao Gabinete da Prefeita.
Já no estado do Rio de Janeiro, iniciativas anteciparam outras duas partes do “tripé da cidadania” (a construção de um plano e de um órgão de governo nessa área): o projeto Rio sem Homofobia construído em 2007 (claramente inspirado no BSH de 2004); e a reformulação da Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos (SUPERDIR) através da posse de um ativista LGBTI+ que teve participação ativa nas experiências de 1999 e na formulação do BSH. Contudo, também nesse caso, algumas diferenças em relação ao modelo posteriormente defendido do “tripé” podem ser observadas: a construção de um plano nos moldes do BSH e sem origem em uma conferência e a existência de um órgão não exclusivo para políticas LGBTI+.
Mesmo em nível federal, algumas iniciativas anteciparam o chamado “tripé da cidadania”, cuja demanda nesses termos se consolidaria em 2008. No que se refere ao plano de governo, a formulação do BSH de 2004 foi um antecedente fundamental. Ainda que não tenha sido produto de uma conferência, o programa foi formulado em grande medida por ativistas LGBTI+ de diversas regiões do Brasil que compuseram um grupo de trabalho para sua formulação. Já em relação à existência de um órgão, após o lançamento do BSH foi criado um grupo de trabalho para sua execução no âmbito da SEDH, embora construído de maneira informal na estrutura da Secretaria. Já em relação ao conselho, o então denominado Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD) de 2001 já atuava em políticas LGBTI+, ainda que essa atribuição não fosse formal e que o Conselho também se dedicasse a outras temáticas.
A consolidação da demanda pelo “tripé” na 1ª Conferência de 2008 teve efeitos sobre esses antecedentes. Como resultado da conferência, foi elaborado o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (ou Plano Nacional LGBT), publicado em 2009. Nesse mesmo ano foi formalizado na estrutura da SEDH um órgão exclusivamente dedicado a essas políticas, a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos LGBT (CGPDLGBT). Já em 2010, o CNCD foi reformulado, passando a se dedicar de forma exclusiva a políticas públicas nessa área e adotando a denominação CNCD/LGBT. A estrutura do Governo Federal se tornou, assim, um exemplo de consolidação do chamado “tripé da cidadania”.
O “tripé da cidadania” avançaria a seguir em governos subnacionais. Os ciclos de conferência se tornaram importantes para a circulação de elementos desse “tripé”. Já o primeiro ciclo de conferências de 2008 foi seguido no governo do estado do Rio de Janeiro pela criação do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT em 2009 (Carrara et al., 2017). Nos municípios de São Paulo, Campinas e Fortaleza, o segundo ciclo nacional de conferências ocorrido no ano de 2011 teve como objetivos formar planos municipais de políticas para LGBTI+. Em Fortaleza, um plano municipal foi lançado em 2012. Em São Paulo, as propostas da conferência foram sistematizadas em um documento no mesmo ano. Porém, conforme informações do gestor que atuava na CADS à época, o projeto de lei que instituía o Plano Municipal apresentado à Câmara de Vereadores não foi aprovado. Em Campinas, o site da Prefeitura e o estudo de Zanoli (2015) mencionam a existência de um Programa criado a partir da conferência, embora esse documento não tenha sido acessado ao longo dessa pesquisa e sua data de publicação não tenha sido confirmada.
Já em relação aos demais elementos do “tripé”, em Fortaleza, em 2009, ocorreu a formalização legal da Coordenadoria de Diversidade Sexual, agora vinculada à pasta de direitos humanos, e em 2014, do Conselho Municipal de Direitos da População de LGBT (CMDLGBT). No caso de Campinas, a Coordenação de Políticas de Diversidade Sexual (CPDS) foi criada em 2010, sendo, contudo, descontinuada a partir de 2013 (Zanoli, 2015; Zanoli, Falcão, 2015), quando o centro de referência voltou a assumir funções de coordenação. A criação de um conselho nesse município tramita como proposta de lei desde 2019 na Câmara de Vereadores.
Por fim, no município de São Paulo, na gestão de Fernando Haddad (PT), mudanças importantes na coordenadoria e no conselho já existentes foram implementadas. Conforme detalhado a seguir, nesse governo, redes de burocratas e ativistas que trabalhavam na pasta de direitos humanos do Governo Federal se deslocaram para a Prefeitura. Uma reforma ampla na estrutura das políticas de direitos humanos foi implementada na capital paulista, em grande medida espelhada naquela antes construída em nível federal. Nesse processo, coordenadoria e conselho de políticas LGBTI+ mudaram de nome e passaram a integrar essa nova estrutura. De acordo com gestores que atuaram na SMDCH nesse período, a construção da coordenadoria e do conselho LGBTI+ era um projeto previsto mesmo que os CADS e CMADS não existissem antes, em virtude desse “espelhamento” com o Governo Federal, o que não significa que a presença de tais órgãos e de seu “legado” não tenha atuado como facilitador do processo.
Assim, no caso da circulação do “tripé da cidadania”, a influência de ações do Governo Federal é menos direta em comparação ao caso dos centros de referência. Aqui, a ideia do “tripé” circulou também em sentido top-down em grande medida por meio da atuação de redes de ativismo. Ademais, muitas das iniciativas posteriores a 2008 já se constituíam como demandas do movimento em diferentes unidades da federação e sua formação pode ser vista como o desdobramento de interações socioestatais anteriores. O Governo Federal ocupou um papel de “modelo” para governos subnacionais, ainda que também tenha promovido ciclos de conferências que se conectaram à formação de algumas dessas iniciativas.
Cabe ressaltar que a partir de 2013 o Governo Federal adotou uma estratégia de difusão do “tripé da cidadania” por meio da criação do Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra LGBT (ou Sistema Nacional LGBT) que, contudo, teve baixa efetividade. Se esforços federais de indução dessa política não tiveram sucesso, como explicar sua circulação? A próxima seção busca responder essa questão, sugerindo que a atuação de redes de ativismo LGBTI+ na circulação de ideias sobre políticas públicas foi fundamental para esse processo.
Ativismo multinível e a circulação de políticas LGBTI+
Conforme já mencionado, os resultados da investigação empírica apontaram para a centralidade da atuação de redes de ativismo situadas em múltiplos níveis nos processos de circulação de políticas acima descritos. Tais redes possibilitaram a circulação de ideias programáticas sobre como estruturar um campo de políticas para LGBTI+ – por meio do “tripé da cidadania” – e como oferecer serviços de combate à discriminação contra a população LGBTI+ - por meio dos centros de referências. Nessa seção, busco explorar como tais redes de ativismo multinível atuaram na prática nesse processo. Quatro formas de ação foram identificadas: a) a construção de redes informais de ativismo multinível; b) a criação e formalização de organizações multinível; c) a atuação no âmbito de arenas de interação multinível e; d) o deslocamento e o múltiplo pertencimento de atores e redes de ativismo entre níveis.
Redes de Ativismo Multinível:
Por “redes de ativismo multinível” me refiro a redes de interação informal entre atores que atuam na defesa de determinada causa contenciosa e que atravessam níveis e unidades da federação. Essas redes contribuem para a circulação de políticas públicas por meio de processos informais de interação – como conversas telefônicas, trocas de e-mail, encontros casuais, entre outras – nos quais ideias sobre as políticas públicas e experiências práticas são compartilhadas. Destaco aqui três tipos de redes de ativismo multinível: a) redes de movimentos; b) redes de gestores e; c) redes partidárias. Cabe ressaltar que essas distinções não são rígidas, uma vez que é comum que um mesmo indivíduo atue ao mesmo tempo ou ao longo de sua trajetória em movimentos, na burocracia e em partidos políticos.
Ao longo da década de 1990, ocorreu um amplo processo de difusão das redes do movimento LGBTI+ em território nacional, em parte, induzido por políticas do Ministério da Saúde que fomentaram a criação de organizações do movimento no âmbito do combate ao HIV/AIDS, como o chamado Projeto Somos. Novos grupos e organizações do movimento foram fundados em diversos municípios e estados brasileiros, ampliando a rede do movimento no Brasil (Facchini, 2003; Quinalha, 2022). Desde a década de 1990, portanto, interações informais entre ativistas situados em diversas unidades da federação e atuando em diversos níveis foram fortalecidas.
Essas redes informais foram fundamentais para a circulação de informações sobre experiências pioneiras de políticas de direitos de LGBTI+ no território nacional, tais como os centros de referência do Rio de Janeiro e de Campinas e as estruturas administrativas e participativas de São Paulo. A construção do programa Brasil sem Homofobia exemplifica esse processo. De acordo com relatos de ativistas que participaram de sua construção, o BSH foi desenhado rapidamente por um grupo de trabalho formado majoritariamente por ativistas de diversas regiões do Brasil. Antes de sua formulação final, informações sobre diversas experiências subnacionais já circulavam no movimento, inclusive dando origem a esboços desenhados por organizações do movimento para o programa. Como explica um ativista envolvido na sua construção e previamente atuante nas experiências pioneiras do Rio de Janeiro:
Já tinha a experiência no Rio, tinha experiência de Campinas, tinha algumas experiências na Bahia. E eu também era um cara que rodava nessa coisa toda. Então também o ato de produzir a proposta para o Brasil sem Homofobia foi um misto: um pouco da experiência do Rio de Janeiro e um pouco também desse olhar coletivo.
Não apenas redes do movimento LGBTI+ atuaram na circulação dessas ideias e experiências. Também gestores de políticas construíram redes informais de interação que possibilitaram essa troca de informações por meio, por exemplo, da realização de visitas técnicas a outras unidades da federação e da circulação de documentos para difundir ou obter informações sobre políticas.
Um exemplo da atuação de redes informais de burocratas é o diálogo estabelecido entre gestores de centros de referência LGBTI+. O gestor responsável pela implementação dos centros de referência na cidade de São Paulo, por exemplo, relatou ter realizado uma visita técnica à cidade de Campinas para obter informações sobre o modelo utilizado por essa cidade para a implementação do centro de referência. O entrevistado também relatou ter posteriormente realizado cursos de formação para gestores de outras unidades da federação. Já a gestora responsável pelo centro de referência de Campinas relatou ter produzido um “guia” com informações sobre a implementação do centro para circulação entre responsáveis pela política.
Redes de partidos políticos também tiveram atuação importante nesse processo de circulação. Cabe ressaltar aqui a existência de duas redes que, embora tenham contato, atuaram com certo grau de autonomia e até mesmo conflito nesse período. De um lado, a rede de ativistas ligada ao PSDB que atuou nas experiências pioneiras de São Paulo e, de outro, a rede de ativistas ligadas ao PT, que atuou fortemente nas experiências de Fortaleza, do Governo Federal e, posteriormente, da cidade de São Paulo.
Em decorrência da atuação dessas redes, é possível observar na trajetória das políticas aqui analisadas a centralidade de governos petistas (ou por ele apoiados) na adoção de tais políticas e, no caso da Prefeitura Municipal de São Paulo, também das administrações tucanas. De forma semelhante, em decorrência do baixo nível de formalização dessas iniciativas (com algumas exceções, como no caso da lei complementar que institui o centro de referência do município de Fortaleza), mudanças de governo foram, em diversos casos, acompanhadas por seu desmonte ou enfraquecimento ou, ainda, por transformações em sua estrutura, como no caso da capital paulista. Cabe destacar que, em casos de desmonte, foi possível observar que servidores públicos que integravam redes de gestores atuaram em defesa da manutenção das políticas.
Organizações Multinível:
Em alguns casos, tais redes informais de interação (de movimentos, gestores e partidos) se formalizam em organizações ou estruturas que articulam atores que atuam em diferentes níveis e unidades da federação, aqui denominadas como “organizações multinível”. Tais organizações contribuem para a circulação de ideias sobre políticas públicas de diversas maneiras como, por exemplo, ao rotinizar as relações entre ativistas de diversos locais, ao estabelecer demandas por políticas públicas compartilhadas entre diversos níveis e unidades da federação, ao produzir levantamentos sistemáticos de informações sobre políticas públicas e, como detalhado na próxima subseção, ao promover encontros e eventos.
Organizações multinível do movimento LGBTI+ se formaram também, em grande medida, impulsionadas pelos esforços de combate à epidemia do HIV/AIDS na década de 1990. Nesse período, ocorreu uma nacionalização do movimento de forma a estabelecer interações com o Governo Federal. Foram formadas organizações como a ABGLT, a Articulação Brasileira de Gays (ArtGay), a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), para citar apenas alguns exemplos (Facchini, 2003). Tais organizações atuam em nível nacional em articulação com grupos que operam em nível estadual e municipal a elas filiadas ou articuladas.
Essas organizações influenciaram a circulação de ideias sobre políticas LGBTI+ de diversas formas. A ABGLT, por exemplo, atuou junto ao Governo Federal para a nacionalização das políticas mencionadas anteriormente. No caso dos centros de referência, a organização tinha como um de seus membros um dos idealizadores da iniciativa pioneira do Rio de Janeiro e atuou fortemente na construção do BSH, que previa o apoio aos centros pelo Governo Federal. Já no caso do “tripé da cidadania”, a organização foi uma das responsáveis por consolidar essa ideia como uma demanda prioritária do movimento, inicialmente para o Governo Federal e, posteriormente, para os governos subnacionais. Mais recentemente, essa organização produziu o chamado “Mapa da Cidadania”, que reúne informações sobre leis e políticas para LGBTI+ de todas as unidades da federação.
Redes da burocracia envolvida com políticas LGBTI+ também construíram uma organização própria: o Fórum Nacional de Gestoras e Gestores Estaduais e Municipais de Políticas Públicas para População LGBT (Fonges LGBT). O grupo foi formado em 2011, em especial, a partir de articulação de gestores de centros de referência, que fortaleceram suas redes a partir dos encontros nacionais promovidos pelo Governo Federal, conforme será detalhado a seguir. De acordo com membros da organização, o Fonges reúne gestores de políticas LGBTI+ de diversas regiões e partidos políticos, exercendo duas principais atividades: a) articular gestores de governos subnacionais para apresentar demandas ao Governo Federal e; b) promover o intercâmbio de experiências sobre políticas públicas entre gestores que atuam em diversas unidades da federação. É nesse último ponto que a circulação de ideias e de informações sobre políticas públicas ocorre, em especial nos eventos do grupo conforme explica uma gestora de Campinas e, na época da entrevista, presidente da organização:
São articulações muito importantes que acontecem. É um momento que a gente consegue dialogar com outras gestões, com outros estados. A gente consegue botar todo mundo junto. A gente consegue falar a mesma língua. A gente consegue entender o que os outros estados estão fazendo, trazer essas experiências para cá e levar um pouco das nossas experiências para eles também.
Por fim, cabe ressaltar que redes partidárias de ativismo LGBTI+ também formam organizações e grupos internos aos partidos políticos para sua organização e para a troca de experiências. No caso das redes do PSDB – em especial as paulistanas – cabe mencionar a formação do grupo Diversidade Tucana em 2006. Já no caso das redes do PT, destaca-se a criação da Setorial Nacional LGBT do PT em 2001, alçada ao status de Secretaria em 2017 (Cruz, 2021; Feitosa, 2022; Pereira, 2023; Rodrigues e Pereira, 2022).
Arenas de Interação Multinível:
Redes e organizações recorrentemente promovem eventos e encontros que reúnem ativistas e gestores com atuação em diversos níveis e unidades da federação, o que chamo aqui de “arenas de interação multinível”. Tais arenas contribuem para a circulação de ideias sobre políticas ao permitir uma intensa troca de informações em um curto período, ao auxiliar a definição conjunta de demandas e, em alguns casos, apresentá-las aos governos, configurando-se em “momentos críticos” para a circulação e consolidação de ideias sobre políticas. Assim como no caso das redes e organizações, arenas podem reunir atores vinculados a movimentos sociais, à burocracia e a partidos políticos.
Também aqui a ampliação da realização de encontros nacionais do movimento tem origem na década de 1990 com os Encontros Brasileiros de Homossexuais e é, em parte, resultado do financiamento de políticas na área da saúde (Facchini, 2003). O relato abaixo descreve esse cenário:
Nos meus cursos de história do movimento. eu falo muito do ano 95 (...). Você tem a Conferência da ILGA10 no Brasil. Você tem aquela primeira passeata, pós-ILGA no Rio de Janeiro. (...) Você tem o SENALI, que é o Seminário Nacional de Lésbicas. Percebe? Aí foi criada a LBL. E depois você tem a parada de São Paulo em 96, 97. Ali explode, porque a parada de São Paulo articula o espaço durante uma semana. No feriado, de quarta a domingo, todo o movimento vinha para cá. Todo ano. Então ali você explode.
Encontros do movimento tiveram continuidade na década de 2000. Inicialmente, destaca-se a importância da realização, entre as décadas de 1990 e 2000, dos Encontros Brasileiros de GLT (EBGLT) e dos Encontros Nacionais de Travestis e Transexuais que atuam na Luta e Prevenção à AIDS (ENTLAIDS). Foi durante um EBGLT realizado em Manaus em 2003 que o movimento apresentou a representantes do recém-empossado governo Lula a demanda pela expansão das políticas LGBTI+ para além da área da saúde, originando o BSH. Posteriormente, os ciclos das conferências de políticas públicas assumiram centralidade. Cabe lembrar que foi na 1ª Conferência que a ideia do “tripé da cidadania” se consolidou e se nacionalizou, e que foi a partir dos ciclos subnacionais das conferências que diversos “elementos” desse tripé foram formados em governos subnacionais. Além disso, gestores entrevistados relataram ter participado de etapas estaduais e municipais de outras localidades para divulgar as políticas realizadas em seu próprio estado ou município de origem.
Outros espaços que reúnem as redes do movimento LGBTI+ incluem os seminários de políticas LGBTI+ do Congresso Nacional e os encontros promovidos por organizações multinível, como a ABGLT. Ademais, a paradas promovidas pelo movimento também se tornaram espaços de encontro entre os ativistas, em especial, a do município de São Paulo. Não raro, a programação das paradas é antecedida ou sucedida por seminários do movimento ou por “semanas da diversidade” que abrigam atividades e reuniões diversas. Um desses eventos recorrentes é a Plenária Nacional LGBT do PT, que reúne redes LGBTI+ desse partido e é realizada desde 2001 dias antes da parada realizada na capital paulista.
Além de redes e organizações do movimento LGBTI+ e partidos, também gestores de políticas LGBTI+ promovem arenas de interação multinível. O próprio Fonges LGBT teve origem em encontros entre gestores de centros de referência promovidos pelo Governo Federal diante da ausência de normas claras da União para a implementação da política. Uma vez formada, a organização passou a promover eventos regulares nos quais ideias e experiências em políticas LGBTI+ circulavam entre gestores de diferentes níveis e unidades da federação.
Deslocamento e Múltiplo Pertencimento de Ativistas entre Níveis:
As posições de membros de redes de movimentos, burocratas e ativistas partidários não são estáticas. Ao longo das suas trajetórias, atores que as compõem se deslocam entre organizações, governos e partidos. Em muitos casos, tais atores sobrepõem vínculos de pertencimento a diversos grupos e espaços. Os dois processos – deslocamento e múltiplo pertencimento – ocorrem entre níveis quando atores se deslocam ou mantêm vínculos concomitantes entre grupos e espaços subnacionais e nacionais. O deslocamento e o múltiplo pertencimento de ativistas entre níveis importa para a circulação das políticas, uma vez que atores levam consigo ideias e experiências sobre políticas públicas em suas trajetórias, bem como recursos que podem ser valiosos para a implementação de políticas (como contatos construídos junto a gestores federais).
Esses processos podem ocorrer de diversas maneiras. Tomemos a trajetória dos entrevistados dessa pesquisa como exemplo (Quadro 1). Essas trajetórias evidenciam que membros de organizações locais de movimentos recorrentemente passam a integrar grupos nacionais que aglutinam ativistas de diversas regiões do país, mantendo seus vínculos nacionais e subnacionais de forma concomitante. Também é recorrente o deslocamento de burocratas de suas posições em governos subnacionais para o Governo Federal e vice-versa. Em três das unidades de observação subnacionais aqui analisadas – São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza – gestores de políticas para LGBTI+ atuaram em algum momento na gestão de políticas federais. No caso de Campinas, destaca-se um outro modelo de ação entre níveis: a atuação em um governo local junto à atuação em uma organização nacional.
Por vezes, atores específicos se tornam “atores-chave” na trajetória de circulação de ideias sobre determinada política. Um exemplo da relevância desse processo pode ser encontrado na trajetória do Entrevistado 10. Em sua atuação como ativista de uma organização local e no governo do estado do Rio de Janeiro, esse militante foi um dos responsáveis pela formulação e pela implementação das iniciativas pioneiras do DDH e do CERCONVIDH no estado. Sua participação em uma organização nacional do movimento contribuiu para que políticas como essas se tornassem parte da agenda de demandas do movimento ao Governo Federal. Como vimos, essas demandas foram defendidas e apresentadas no EBGLT realizado em Manaus e culminaram na formulação do BSH. O Entrevistado 10 foi um dos membros do grupo responsável pela redação da proposta do programa, que incluiu o apoio de centros de referência e a construção de canais de recebimento de denúncias de violação de direitos de LGBTI+ pelo Governo Federal, citando nominalmente a experiência fluminense como exemplo. Já em seu “retorno” ao nível estadual, o ativista atuou em 2007 na elaboração e na gestão de um programa claramente inspirado em sua experiência no BSH: o Rio sem Homofobia. Dessa maneira, seus deslocamentos em sentido bottom-up e top-down foram acompanhados pela circulação de políticas LGBTI+ nos mesmos sentidos entre o governo do estado do Rio de Janeiro e o Governo Federal.
Cabe destacar, ainda, que deslocamentos podem não ocorrer de forma individual, mas também em rede, quando um conjunto de ativistas que atuam de forma coordenada em um nível se desloca para outro. Nesse caso, além de ideias, experiências e recursos, as redes podem trazer consigo uma dinâmica de trabalho familiar que facilite a formulação e a implementação das políticas. No governo municipal de Fernando Haddad em São Paulo, por exemplo, redes que atuavam na SDH no Governo Federal se deslocaram em direção à Prefeitura, processo que incluiu as Entrevistadas 4 e 6 e o Entrevistado 5, os dois últimos em cargos de gestão da secretaria como um todo e a primeira na gestão de políticas para LGBTI+. O Entrevistado 3 também atuou como gestor nesse governo e, embora não tivesse vínculos diretos com a SDH do Governo Federal, havia atuado em políticas federais para LGBTI+ como assessor parlamentar e como conselheiro do CNCD/LGBT. Junto consigo, os atores trouxeram o projeto de adoção pela Prefeitura de São Paulo de um modelo organizacional adotado em nível federal, que incluía a construção de uma secretaria de direitos humanos que reunisse estruturas organizacionais voltadas a públicos “específicos” como mulheres, negros e LGBTI+. De acordo com seus relatos, a inspiração do modelo federal foi a responsável pela reestruturação da CADS e do CMADS, estruturas já existentes no governo municipal para políticas LGBTI+. Cabe ressaltar, ainda, que a Entrevistada 4 posteriormente retornou ao Governo Federal levando consigo o projeto de criação de um programa inspirado na experiência paulistana do Transcidadania, embora o desenvolvimento dessa política tenha sido interrompido com o impeachment da presidenta Dilma.
Nota sobre a indução federal:
Embora o artigo tenha destacado a importância do ativismo multinível para a circulação das políticas LGBTI+, isso não significa que a ação institucional seja irrelevante nesse processo. De forma indireta, o modelo adotado pelo Governo Federal foi citado por alguns entrevistados como uma “inspiração” no caso do tripé. Ainda de forma indireta, prêmios e documentos produzidos pelo Governo Federal que destacam “boas práticas” de governos subnacionais podem ter ajudado a difundir informações sobre as políticas. Além de tais influências “informais”, formas mais diretas de indução de políticas também ocorreram com variados níveis de sucesso.
Efeitos da indução federal podem ser observados, por exemplo, no fortalecimento das redes do movimento pelo financiamento das políticas de combate ao HIV-AIDS. No caso dos centros, a indução ocorreu por meio dos editais de financiamento desses espaços publicados ao longo dos governos Lula. Contudo, cabe ressaltar que, mesmo nesse caso, a normatização federal dos centros era limitada e o financiamento instável. Dessa forma, coube às redes do movimento e de gestores a troca de informações sobre a implementação dos centros, bem como aos governos subnacionais garantir sua permanência após o término dos convênios com o Governo Federal. Já no caso do “tripé da cidadania” destaca-se a atuação do CNCD/LGBT monitorando e pressionando governos estaduais e municipais para a adoção desse modelo em conjunto com grupos do movimento. Contudo, por se tratar de uma instituição participativa, a atuação do conselho se confundia à atuação do próprio movimento.
Por fim, é possível destacar um esforço de indução federal que produziu efeitos limitados: a construção do Sistema Nacional LGBT. Esse sistema buscou construir acordos e termos de compromisso junto a governos subnacionais que incentivassem a adoção do “tripé da cidadania” e de outras políticas para LGBTI+ no território nacional. Ativistas e gestores, contudo, avaliam que o Sistema teve efeitos limitados, uma vez que contava com mecanismos débeis de indução da cooperação, quadro que se expressa, por exemplo, pela ausência de recursos do Governo Federal que poderiam ser destinados aos governos locais para a construção dessas políticas.
Conclusões:
Ao longo do artigo, busquei identificar como foi possível a circulação de políticas para LGBTI+ no Brasil nas últimas décadas mesmo diante da baixa capacidade de indução do Governo Federal nessa área. Os principais resultados apresentados indicam a centralidade do que denominei aqui de “ativismo multinível” nesse processo.
Nos casos dos centros de referências LGBTI+ e do “tripé da cidadania”, iniciativas pioneiras foram inicialmente desenvolvidas por governos subnacionais e circularam no sentido bottom-up em direção ao Governo Federal na década de 2000. A seguir, ainda que de maneira não linear, trajetórias de circulação em sentido top-down ocorreram, no caso dos centros, com atuação da União por meio da transferência de recursos que, contudo, teve curta duração e não ocorreu no caso do “tripé da cidadania”.
Ao longo dessas trajetórias, identificou-se que o ativismo multinível contribuiu para a circulação dessas políticas ao difundir e consolidar ideias sobre políticas para LGBTI+ entre jurisdições. As redes informais de interação entre ativistas que foram construídas atravessando níveis e unidades da federação possibilitaram constantes trocas entre atores situados em múltiplos níveis, difundindo ideias e experiências relativas a essas políticas. As organizações multinível que surgiram formalizaram e rotinizaram interações, ajudando a delinear as demandas prioritárias dos ativistas, ampliando a circulação de ideias e consolidando-as em demandas das organizações. Arenas multinível criaram espaços de interação nos quais essas trocas se intensificaram ao longo de alguns dias em “momentos críticos”, ampliando a difusão e a consolidação de ideias sobre políticas que eram então apresentadas como demandas do movimento (e não mais apenas das organizações) aos governos. Ainda, quando atores se deslocaram ou mantiveram vínculos simultâneos entre unidades e níveis da federação, levaram consigo ideias sobre políticas públicas e recursos para sua implementação. Dessa maneira, práticas de ativismo multinível possibilitaram a circulação de políticas para LGBTI+ diante das baixas capacidades estatais para tal.
O diagnóstico de que o ativismo multinível impacta a circulação de políticas tem consequências nos debates teóricos aqui mobilizados. Evidencia a fertilidade de uma abordagem “multinível” em estudos sobre movimentos sociais e políticas públicas, sugere que interações socioestatais são essenciais nos “fluxos verticais” de governança multinível, aprofunda a análise da ação dos movimentos sociais na circulação de políticas públicas em arranjos federativos e desloca insights da literatura sobre ativismo transnacional para o cenário doméstico.
Tal diagnóstico, contudo, não pode ser diretamente generalizado para outros casos. Conforme já destacado, políticas para LGBTI+ foram marcadas por uma baixa capacidade de ação de indução e regulação federal. É diante dessa fragilidade que a atuação de ativistas se tornou essencial para a circulação dessas políticas. Cabe ressaltar, porém, que esse não é um caso isolado. No campo de políticas de direitos humanos, por exemplo, outros setores são marcados por características semelhantes, como as políticas para mulheres e políticas de igualdade racial. Dessa forma, os resultados apontam para a relevância de uma agenda de pesquisa sobre ativismo multinível e suas consequências para os fluxos verticais de interação presentes no arranjo federativo brasileiro (que incluem, mas não se limitam à circulação de políticas públicas) que examine de forma comparada setores caracterizados por distintas capacidades estatais e configurações relacionais entre Estado, sociedade civil e mercado.
Agradecimentos
*Versões preliminares deste trabalho foram apresentadas no ciclo de seminários do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) de 2022, em uma oficina interna do Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE/UFRGS), bem como no “ST22: Mudança, desmonte e resiliência de políticas públicas e (re)construção democrática” do 46º Encontro Anual da ANPOCS. Agradeço a contribuição de todas as pesquisadoras que participaram desses espaços de discussão bem como aos pareceristas anônimos da revista Dados, que muito contribuíram para o desenvolvimento dos argumentos presentes neste artigo. Agradeço, ainda, a Manu Raupp pela elaboração gráfica das figuras que ilustram o artigo. A pesquisa recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2020/14910-2).
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Notas
-
1
. Disponível em: https://www.abglt.org/mapa-da-cidadania. Acesso em 6 de setembro de 2022.
-
2
. O conceito de “ideias de políticas públicas” busca evidenciar a dimensão cognitiva, normativa e cultural da produção de políticas públicas. Diante da polissemia desse conceito, em sua revisão da literatura sobre o tema, Campbell (2002) subdivide-o em cinco “tipos” de ideias sobre políticas públicas: paradigmas culturais, quadros normativos, cultura mundial, frames e ideias programáticas. No presente artigo, o termo “ideias sobre políticas públicas” é utilizado nesse último sentido. De acordo com o autor, ideias programáticas são “ideias causais específicas (por exemplo, cognitivas) que facilitam o desenvolvimento de políticas para as elites ao especificar como é possível resolver determinados problemas de políticas públicas” (Campbell, 2002:28, tradução nossa).
-
3
. Alinhando-me a essa literatura, defino movimentos sociais como “redes de interação informal entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações engajadas em um confronto político e/ou cultural tendo como base uma identidade coletiva compartilhada” (Diani, 1992:03, tradução nossa).
-
4
. Esse conceito tem origem no debate europeu sobre políticas públicas, tendo sido desenvolvido para compreender duas transformações simultâneas que ocorriam na governança das políticas nesse continente: a ampliação no número de atores envolvidos em processos locais de produção de políticas (motivada em grande parte por reformas gerenciais do Estado) e o fortalecimento da integração regional europeia, que ampliou a articulação entre organismos supranacionais e governos locais. Assim, busca compreender os impactos de governos e redes locais que conectam atores estatais e não-estatais sobre a produção de políticas públicas em um contexto de influência crescente de organismos internacionais (Kazepov, Barberis, 2013; Sellers, Lindstrom, Bae, 2020; Tortola, 2017).
-
5
. Adoto aqui a noção de “circulação” de políticas públicas uma vez que essa metáfora destaca a multidirecionalidade desses processos, não concebendo-os como uma “transferência” intencional de um governo ao outro ou, ainda, como uma “difusão” de um governo específico a vários, mas sim como um processo dinâmico de “idas e vindas” entre diversos governos. Conforme a seção empírica irá demonstrar, essa direcionalidade é mais apropriada para o caso aqui analisado (Delpeuch, 2009; Porto de Oliveira, 2021).
-
6
. Tais insights da literatura sobre circulação de políticas públicas são uma base fundamental para a construção das categorias mobilizadas para a análise do caso aqui estudado.
-
7
. Nessa literatura, enquanto alguns autores enfatizam a atuação transnacional de movimentos sociais (della Porta, Tarrow; 2005; Tarrow, 2005) outros destacam a ação coletiva de atores mais diversificados na arena internacional na defesa de determinadas causas e políticas, como exemplifica o conceito de “redes transnacionais de advocacy” (Keck, Sikkink, 1998). Nesse sentido, esse último conceito se alinha à definição ampla de “ativismo” proposta por Abers (2021) e aqui adotada, ainda que enfatizando as relações entre os níveis nacional e internacional, diferentemente do proposto no presente artigo. Contudo, ao longo do texto, mantenho referência apenas ao conceito de “ativismo” de Abers (2021) para evitar duplicidades.
-
8
. As unidades de observação foram selecionadas indutivamente a partir de referências dos primeiros e das primeiras entrevistadas a interações com atores e governos de outras unidades e níveis da federação. Chama atenção que, em alguns casos (como da Prefeitura Municipal de São Paulo, Campinas e Fortaleza) o nível municipal é destacado pelos atores e, em outros (como no Governo do Estado do Rio de Janeiro) o nível estadual adquira centralidade. Os motivos que levam ora governos municipais, ora governos estaduais a se apresentarem como protagonistas dessas políticas em nível subnacional, contudo, foge ao escopo dessa pesquisa, se apresentando como tema pertinente para futuras investigações.
-
9
. Anteriormente denominado Centro de Referência de Proteção de Minorias Sexuais (Carrara et al., 2017).
-
10
. O entrevistado se refere à International Lebian, Gay, Bisexual, Trans, and Intersex Association (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexos).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Nov 2024 -
Data do Fascículo
Ago 2025
Histórico
-
Recebido
19 Maio 2023 -
Revisado
18 Jul 2023 -
Aceito
9 Out 2023