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Da Diferença à Equivalência: Hipóteses Laclaunianas sobre a Trajetória Legislativa de Jair Bolsonaro* * Este texto é o produto de uma pesquisa coletiva realizada pelos discentes do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), por mim coordenada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradeço a todos os envolvidos, em particular: Giulia Gouveia, pela revisão do texto, Luan Guedes e Paula Frias, por terem me ajudado na organização, na análise dos dados e na coordenação desse processo de aprendizado recíproco.

From Difference to Equivalence: Laclaunian Hypotheses on Jair Bolsonaro’s Legislative Trajectory

De la Différence à l’Équivalence: Hypothèses Laclauniennes sur la Trajectoire Législative de Jair Bolsonaro

De la Diferencia a la Equivalencia: Hipótesis Laclaunianas sobre la Trayectoria Legislativa de Jair Bolsonaro

Resumo

O objeto deste artigo é a trajetória legislativa de Jair Messias Bolsonaro. Apresentaremos, pois, o resultado de uma pesquisa que categorizou os 162 Projetos de Lei por ele formulados durante sete mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados. Combinando abordagens quantitativas e qualitativas com o objetivo de identificar a dispersão temática e temporal de sua produção legislativa, também foram analisados históricos de votação e discursos em Plenário. Através desse esforço, almejamos dialogar com a literatura, formulando hipóteses acerca dos fatores que lhe permitiram expandir o espectro de grupos que se identificam com seus discursos para além daqueles que, segundo nossa hipótese inicial, compunham sua base de apoio originária: militares e agentes de segurança pública. Desse modo, a partir das abordagens laclauniana e ideacional acerca do conceito de populismo, fomos capazes de identificar os pontos nodais que atraíram novos segmentos sociais para a órbita do bolsonarismo, articulando-os na conformação de um sujeito político com pretensões hegemônicas.

trajetória legislativa; populismo; discurso parlamentar; Jair Bolsonaro; Ernesto Laclau

Abstract

The object of this article is Jair Messias Bolsonaro’s legislative. Therefore, we will present the result of research that categorized the 162 bills he formulated over seven consecutive mandates in the lower house of the National Congress, the Chamber of Deputies. Combining quantitative and qualitative approaches to identify the thematic and temporal dispersion of his legislative output, we will also analyze speeches and votes in the Plenary. By doing so, we aim to dialogue with the literature about formulating hypotheses concerning the factors that allowed Bolsonaro to expand the range of those relating to his speeches on top of his original electoral base: military and public security agents. Thus, based on Laclaunian and Ideational approaches to the concept of populism, we were able to identify the central points that attracted new social segments to bolsonarism, organizing them in shaping a political subject with hegemonic aspirations.

legislative trajectory; populism; parliamentary speech; Jair Bolsonaro; Ernesto Laclau

Résumé

L’objet de cet article est la trajectoire législative de Jair Messias Bolsonaro. Nous présenterons donc les résultats d’une enquête qui a catégorisé les 162 projets de loi qu’il a formulés pendant sept mandats consécutifs à la Chambre des Députés. En combinant des approches quantitatives et qualitatives dans le but d’identifier la dispersion thématique et temporelle de sa production législative, les historiques de vote et les discours en plénière ont également été analysés. Par cet effort, nous visons à dialoguer avec la littérature, en formulant des hypothèses sur les facteurs qui lui ont permis d’élargir le spectre des groupes qui s’identifient à ses discours, au-delà de ceux qui, selon notre hypothèse de départ, constituaient sa base de soutien d’origine : les militaires et les agents de la sécurité publique. Ainsi, à partir des approches laclaunienne et idéationnelle du concept de populisme, nous avons pu identifier les points nodaux qui ont attiré de nouveaux segments sociaux dans l’orbite du bolsonarisme, les articulant dans la conformation d’un sujet politique aux prétentions hégémoniques.

trajectoire législative; populisme; discours parlementaire; Jair Bolsonaro; Ernesto Laclau

Resumen

El objeto de este artículo es la trayectoria legislativa de Jair Messias Bolsonaro. Presentaremos el resultado de una investigación en la que se categorizaron los 162 Proyetos de Ley que él formuló durante siete mandatos consecutivos en la Cámara de los Diputados. Fueron combinados abordajes cuantitativos y cualitativos con el objetivo de identificar la dispersión temática y temporal de su producción legislativa, así como analizados los historiales de votación y sus discursos en Plenario. A través de ese esfuerzo, pretendemos dialogar con la literatura, formulando hipótesis acerca de los factores que le permitieron expandir el espectro de grupos que se identifican con sus discursos, más allá de aquellos que, según nuestra hipótesis inicial, componían su base de apoyo originaria: militares y agentes de seguridad pública. De este modo, a partir de abordajes laclaunianos e ideacional acerca del concepto de populismo, logramos identificar los puntos nodales que atrajeron nuevos segmentos sociales para la órbita del bolsonarismo, articulándolos en la conformación de un sujeto político con pretensiones hegemónicas.

trayectoria legislativa; populismo; discurso parlamentario; Jair Bolsonaro; Ernesto Laclau

Introdução

O objeto deste artigo é a produção legislativa de Jair Messias Bolsonaro, ao longo dos seus 27 anos como Deputado Federal do Rio de Janeiro. Apresentaremos, pois, o resultado de uma pesquisa que analisou e sistematizou os 162 Projetos de Lei por ele apresentados durante seus sete mandatos consecutivos, combinando abordagens quantitativas e qualitativas com o objetivo de identificar os principais temas abrangidos, bem como rupturas e continuidades ao longo de sua trajetória parlamentar. Nesse processo, almejamos lançar luz sobre os fatores que permitiram ao deputado expandir sua base eleitoral de forma a viabilizar-se como candidato à Presidência da República. Nosso propósito é buscar em sua atuação parlamentar indícios que permitam compreender a consolidação e subsequente expansão de sua base de apoio entre diferentes segmentos sociais.

Nossa hipótese inicial, que dialoga com as leituras apresentadas por diferentes autores (Hunter, Power, 2019; Power, Rodríguez Silveira, 2018; Samuels, Zucco, 2018; Amaral, 2020Amaral, Oswaldo E. do. (2020), “The Victory of Jair Bolsonaro According to the Brazilian Electoral Study of 2018”. Brazilian Political Science Review, v. 14, n. 1.), indica a transformação de um representante de um grupo de interesse particular – uma minoria corporativa (militares, agentes de segurança pública, familiares e simpatizantes) – para um representante majoritário, capaz de atrair diferentes segmentos sociais. Deste modo, a hipótese que orienta nossa pesquisa diz respeito ao papel de Jair Bolsonaro nesse processo de representação que engendrou a formação de um novo sujeito político.

Será utilizada uma matriz teórica laclauniana como ferramenta para a compreensão das dinâmicas discursivas envolvidas na formação de sujeitos políticos. Em particular, utilizaremos o conceito de populismo (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso., 2003Laclau, Ernesto. (2003), “Identidad y Hegemonía: el rol de la universalidad en la constitución de lógicas políticas”, in J. Butler, E. Laclau, S. Zizek (eds.), Contingencia, hegemonía y universalidad: diálogos contemporáneos en la izquierda. México, FCE., 1996Laclau, Ernesto. (1996), Emancipación y Diferencia. Buenos Aires, Ariel., 1978Laclau, Ernesto. (1978), Política e Ideología en la Teoría Marxista. Madrid, Siglo XXI.) como categoria explicativa para a configuração de vínculos de pertencimento e identidade entre líderes e liderados. Com esta base pós-estruturalista1 como horizonte teórico, assume-se a impossibilidade de significação plena (pós-fundacionalismo), sendo todo sentido estabelecido através de fixações parciais que podem assumir a função de centro (pós-estruturalismo) (Marchart, 2009Marchart, Oliver. (2009), El Pensamiento Político Posfundacional: La Diferencia Política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, FCE.; Mendonça, 2008Mendonça, Daniel. (2008), “A Impossibilidade da Emancipação: Notas a partir da Teoria do Discurso”, in: Daniel Mendonça; Léo Peixoto Rodrigues. Pós-Estruturalismo e Teoria do discurso: Em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre, Editora PUCRS.)

Seguindo a categorização apresentada por Mouffe e Laclau em Hegemonia e Estratégia Socialista (1987), na ausência de fundamentos transcendentes, metafísicos ou naturais, a formação dos sujeitos políticos passa a ser considerada como o produto de articulações discursivas, contextuais e precárias entre sujeitos sociais distintos. Tais articulações são o resultado de dinâmicas equivalenciais (Laclau, Mouffe, 1987:73-74) que se apresentam como o operador preferencial de uma construção hegemônica – isto é, na formação de um status quo político-econômico e social (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso., 120, 125; Mendonça, 2008Mendonça, Daniel. (2008), “A Impossibilidade da Emancipação: Notas a partir da Teoria do Discurso”, in: Daniel Mendonça; Léo Peixoto Rodrigues. Pós-Estruturalismo e Teoria do discurso: Em torno de Ernesto Laclau. Porto Alegre, Editora PUCRS., Silva, 2013Silva, Mayra Goulart. (2013), Entre César e o Demos: Notas Agonísticas sobre a Democracia na Venezuela. Tese de Doutorado em Ciência Política, Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., 2017Silva, Mayra Goulart. (2017), “Luta Hegemônica e Populismo na América Latina: Teoria e Práxis a partir de Ernesto Laclau”. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciências Sociais, v. 26, n. 1, pp. 65-88., 2019Silva, Mayra Goulart. (2019), “O Populismo para além de Laclau: entre a Expansão do Demos e a Desfiguração do Liberalismo”. Revista Estudos de Politica, v. 9, n. 1, pp. 49-70.). As cadeias de equivalência, por sua vez, são produzidas através da identificação entre grupos que se percebem excluídos do atual polo hegemônico, ou na terminologia apresentada por Laclau em Teoria e Política na Tradição Marxista (1978), do bloco no poder.

Forma-se, pois, um novo sujeito político com a pretensão de alterar a atual correlação de forças, tendo em vista a percepção por parte de cada grupo de que suas demandas e identidades não se encontram devidamente contempladas e representadas pelo bloco no poder. Esta percepção compartilhada é precipitada por atos de fala que enfatizam uma relação de antagonismo, na qual a formação de um nós dar-se-á mediante a diferenciação quanto a um outro, ao qual é atribuída a responsabilidade pela presente relação de exclusão (Laclau, Mouffe, 1987; Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.). Nesse tipo de articulação, as identidades particulares de cada grupo são relativamente subsumidas, tendo em vista a formação de um novo sujeito que as abarca.

Ao abordar o processo de articulação de atores coletivos através do compartilhamento de demandas, Laclau as diferencia em dois tipos: populares – responsáveis por originar cadeias de equivalência nas quais esses atores têm sua identidade mitigada em prol de um sujeito político comum – e diferenciais – que se distinguem pela preservação de cada identidade coletiva particular (Silva, Guedes, 2021:122). As dinâmicas diferenciais/democráticas caracterizam-se pela afinidade com um tipo de representação pluralista que canaliza, para o plano do Estado, interesses e identidades minoritárias formadas na sociedade civil. Essa, aliás, seria a vocação do Parlamento dentro da estrutura institucional democrático-liberal.

Tais dinâmicas destoam, portanto, da lógica agonística que subjaz ao populismo, entendido como tipo de vínculo representativo de vocação majoritária, no qual a ideia de exclusão e de opressão quanto a um inimigo comum mantém-se como núcleo estruturante (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.). Esse tipo de vínculo representativo possui mais afinidade com o Poder Executivo, embora essa relação não seja necessária. Quando não conseguem ser atendidas ou representadas pelas instituições, essas demandas (e sujeitos) se articulam em um processo de representação, que se dá a partir da identificação desses elementos com um princípio de identidade que simboliza tais reivindicações (idem:135). Esse é o papel do líder, na transformação de demandas democráticas (portadas por minorias ou segmentos sociais definidos) para demandas populares (cujo portador é uma maioria, um sujeito político).

De acordo com Laclau, os discursos populistas se definiriam pela capacidade de forjar uma cadeia de equivalência, agregando sujeitos sociais distintos a partir de uma fronteira antagônica entre o “povo” e o poder, isto é, a partir da percepção de uma ameaça comum: um inimigo (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.). Essa, portanto, foi a segunda hipótese da pesquisa: a de que Jair Bolsonaro utilizou como ponto nodal o antagonismo com relação à esquerda em geral e, posteriormente, ao Partido dos Trabalhadores (PT), em particular – que, como ver-se-á, aparecem recorrentemente nas justificativas apresentadas aos Projetos de Lei por ele postulados na Câmara.

Compreendidos como elementos discursivamente privilegiados por meio dos quais são configuradas as práticas articulatórias hegemônicas, os pontos nodais são responsáveis por converter demandas particulares/diferenciais em equivalentes (Laclau, Mouffe, 1987:83; Mendonça, 2007:250; Cerqueira, 2015:271). Nessa medida, os pontos nodais conseguem exercer essa função de articulação por não possuírem um significado inequívoco ou um conteúdo particular, podendo funcionar, nos termos de Laclau e Mouffe (1987)Laclau, Ernesto; Mouffe, Chantal. (1987), Hegemonía y Estrategia Socialista. Madrid, España., como um significante vazio.

Este argumento será detalhado na terceira parte do trabalho2, na qual será apresentada a sistematização dos 162 Projetos de Lei, combinando as 31 categorias temáticas da Câmara dos Deputados com as 56 oferecidas pelo Comparative Manifesto Project usadas para identificar seus conteúdos mais frequentes. Esta proposta metodológica pressupõe a ideia de que cada sentença, a partir de cada documento analisado, pode ser classificada por meio de um mesmo sistema de categorias políticas relacionadas, de acordo com um conjunto de regras e instruções próprias (Bara et al., 2013, Appendix II:169-191). Também serão analisados os históricos de votação e discursos proferidos por Bolsonaro no Plenário nos quais ele menciona o PT, de modo a indicar quando e como esse ponto nodal começou a ser configurado. Na conclusão, os resultados da aplicação desta metodologia às fontes serão escrutinados a partir do referencial teórico aqui proposto.

Referencial teórico

O conceito de populismo e sua abordagem ideacional

A pluralidade de definições de populismo e sua onipresença no debate político atual provocam reações distintas entre os analistas. Enquanto muitos desprezam o conceito por sua vulgaridade, outros se encantam por sua natureza polissêmica, precária, imperfeita e ambígua. Incluo-me entre os últimos, reconhecendo o desafio de lidar com uma categoria que ultrapassa os muros da universidade, sendo mobilizado como ferramenta analítica pela sociedade civil. Enquanto agenda de pesquisa, o populismo possibilita refletir sobre os contextos de suas recepções e mutações, observando a relação dialética entre o que ocorre dentro e fora da academia (Silva, Frias e Guedes, 2020:129). Neste texto, todavia, não há espaço para tal reflexão, nem mesmo para aquelas que visam compreender o populismo quer como ameaça quer como salvação da democracia liberal. Em consonância com esta preocupação a categoria não foi utilizada na pesquisa com o propósito de qualificar um determinado fenômeno (o bolsonarismo enquanto sujeito político), mas para decompô-lo em suas partes constitutivas (identificando os diferentes sujeitos sociais que dele fazem parte). Esta proposta metodológica, que mobiliza o conceito de populismo de maneira instrumental, me parece particularmente útil para analisar o caso de Jair Bolsonaro e foi por mim utilizada em diferentes textos (Silva, 2022; Gracino Júnior, Frias, Silva, 2021; Rodrigues, Silva, 2021; Silva, Guedes, 2021; Silva, Guedes, Frias, 2020). Por este motivo, embora centrada na abordagem laclauniana, esta pesquisa adere ao propósito que orienta a chamada abordagem ideacional, que recupera o debate acerca do conceito de populismo, optando por reduzir seu núcleo semântico com o propósito de reforçar seus measurable effects (Hawkins, Kaltwasser, 2018:7; Hawkins, Ridding, Mudde, 2012). Essa abordagem, portanto, concentra-se nos objetivos que orientam tal propósito: indicar mecanismos causais que (i) descrevam a performance de lideranças e (ii) expliquem por que elas encontram apoio entre a população, entendendo tal performance em termos discursivos (propostas, declarações) e materiais (decisões e políticas públicas)3.

Tal perspectiva não implica reduzir o populismo ao carisma ou a uma estratégia política (Weyland, 2001Weyland, Kurt. (2001), “Clarifying a Contested Concept: Populism in the Study of Latin American Politics”. Comparative Politics v. 34, n. 1, pp. 1-22.) por meio da qual um líder exerce o poder através de uma relação direta com seus seguidores. Ainda que ambos sejam atributos importantes na compreensão da natureza dos fenômenos, uma definição limitada a eles estaria demasiadamente centrada no emissor dos discursos (dimensão bottom up), negligenciando sua recepção (dimensão top down). Ademais, seguindo por essa perspectiva, nos aprisionamos em um círculo tautológico e demofóbico: populismo é o que encontra adesão no povo / o que encontra adesão no povo é populismo.

Para que atinja seu potencial heurístico, o populismo precisa articular as duas dimensões da política moderna: líderes (top down) e liderados (bottom up). Em outros termos, precisa esboçar alguma hipótese sobre a conexão entre ambos, uma vez que nela reside o resquício de democracia ainda existente no mundo atual. Desta forma, o populismo surge como hipótese para a compreensão da formação dos vínculos de pertencimento e de identidade estabelecidos entre os cidadãos e suas lideranças, responsáveis por forjar um ator coletivo de natureza política (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.; Arditi et al., 2005). Essa forma de compreender o populismo se justifica por seus efeitos operacionais na organização de um ator coletivo, a cuja liderança se atribui o propósito de devolver ao povo o poder que lhes foi usurpado por uma elite conspiratória (Hawkins 2009Hawkins, Kirk. (2009), “Is Chávez Populist? Measuring Populist Discourse in Comparative Perspective”, Third World Quarterly, Ed. 24, v. 6, pp. 1137–1160., 2010Hawkins, Kirk. (2010), “Venezuela’s Chavismo and Populism in Comparative Perspective”. Cambridge, Cambridge University Press. Comparative Political Studies v. 42, n. 8, pp. 1040-1067.).

O núcleo semântico do conceito passa então a ser composto por apenas dois elementos: (i) o antielitismo e (ii) pela centralidade conferida ao povo enquanto ator político (people centrism), que se expressa pela ideia de vontade geral como fundamento de legitimidade das decisões do líder ou do partido. Essa definição se desdobra em três requisitos para que um caso possa ser enquadrado na categoria: a) cosmologia moral maniqueísta; b) visão do povo enquanto totalidade homogênea e virtuosa; c) definição da elite como corrupta e selvagem (Hawkins, Kalwasser, 2018:3).

Segundo essa abordagem, o populismo funcionaria como uma thin-centered ideology por meio da qual a oposição entre povo e elite exerce o papel de um catalizador selecionando e organizando discursivamente um manancial de ideias já existentes em cada sociedade, sob a forma de antagonismo. Essas ideias e discursos são mutuamente determinados de maneira ad hoc, alterando-se em face de cada conjuntura política (Mudde, Kaltwasser 2013:159-160). Embora todas as manifestações de populismo se definam pelo uso (em menor ou maior grau) de uma cosmologia maniqueísta que reduz a política à luta entre o povo puro e a elite corrupta (Canovan, 1999Canovan, Margareth. (1999), “Trust the People! Populism and the Two Faces of Democracy”. Political studies, v. 47, n. 1, pp. 2-16.:3-4), ambos os termos se constituem como receptáculos vazios (empty-vessels), preenchidos por diferentes conteúdos que definirão os critérios de pertencimento a cada grupo (Mudde, Kaltwasser, 2013:151).

O discurso populista se caracterizaria, todavia, por manipular esse reservatório de ideias e valores de maneira mais frouxa do que outras formas discursivas como a ciência, a religião e as ideologias, por exemplo. Em outros termos, o populismo não implica um conjunto articulado de princípios e ideias (uma ideologia propriamente dita) (Silva, Guedes, Frias, 2020:130). Ele é um hospedeiro ou um anfitrião (Freeden, 1998Freeden, Michael. (1998), “Is Nationalism a Distinct Ideology?”. Political studies v. 46, n. 4, pp. 748-765.) que organiza de maneira frouxa e, por vezes, ambígua os conteúdos ideológicos a serem operacionalizados por seu núcleo semântico composto pelo antielitismo e pelo people-centrism. Essa frouxidão implica definições flutuantes acerca dos requisitos necessários para ser incluído no povo, ou na elite a ser combatida (Hawkins, Kaltwasser, 2018:21-22), que variam oportunamente conforme a correlação de forças disponível ao líder ou partido populista em questão.

No tocante à pesquisa aqui conduzida, foi possível identificar ambos elementos na análise dos componentes discursivos dos projetos de lei apresentados por Jair Bolsonaro, nos quais observamos: (i) a recorrência de alusões ao povo enquanto totalidade homogênea, na medida em que se rejeita qualquer concepção plural e minoritária de bem (ou de família); (ii) inúmeras referências à corrupção da elite política, assim como (iii) o propósito de se apresentar como líder apto a defender o povo daqueles que o ameaçam (no caso, a esquerda como elite política e as minorias por ela empoderadas).

Não obstante, apesar da utilidade da abordagem ideacional para a compreensão desses elementos, foi a partir da obra de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1987), em especial dos conceitos de equivalência e diferença, que estruturamos nossa hipótese acerca da mutação do perfil de Jair Bolsonaro como representante, haja vista a percepção de que, em um primeiro momento, o deputado se comportou como um porta-voz de demandas diferenciais dos militares, para tornar-se, progressivamente, o portador de demandas populares que perpassam distintos grupos sociais.

A abordagem laclauniana

Equivalência e diferença: duas formas de constituição do social

Em A Razão Populista, a seção dedicada a definir demandas e identidades populares começa com uma questão metodológica: “qual vai ser nossa menor unidade de análise?”, sendo tal questionamento particularmente importante para este trabalho, cujo propósito é analisar as demandas representadas nos Projetos de Lei apresentados por Jair Bolsonaro, de modo a identificar os sujeitos coletivos a elas associadas. Em seguida, Laclau coloca-nos diante de duas opções. Se escolhermos o grupo enquanto tal, o populismo seria uma ideologia ou tipo de mobilização de um grupo já constituído. No entanto, se nossa opção como unidade de análise for uma demanda, portada por um, ou diferentes grupos, o populismo surge como “um modo de constituir <e de explicar> a própria unidade do grupo” (Laclau, 2005:122 <inserção minha>).

Sob esta perspectiva, continua Laclau, as demandas sempre emergem isoladas e iniciam seu processo de articulação caso não sejam atendidas pelo sistema institucional ao qual se dirigem. Nesse caso, estabelece-se entre elas uma relação de equivalência (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.:123). Quando permanecem isoladas, satisfeitas ou não, elas são por ele denominadas “demandas democráticas”, e se encontram inseridas em uma “totalidade institucional/diferencial” (Idem:129). Quando articuladas conformando uma subjetividade social mais ampla, elas são chamadas de “demandas populares” (Idem). Essa articulação se realiza a partir da negatividade, isto é, da percepção de que essa totalidade nega a possibilidade de plena realização de cada um dos diferentes sujeitos sociais aglutinados. A totalidade, por sua vez, funciona como um exterior constitutivo, uma vez que é a partir dela – a partir dessa relação de antagonismo e de sua nomeação – que o novo sujeito político será conformado. Nas palavras de Chantal Mouffe (1999Mouffe, Chantal. (1999), El Retorno de lo Político: Comunidad, Ciudadanía, Pluralismo, Democracia Radical. Paidós Ibérica.:101), o exterior constitutivo é algo externo à comunidade política que a torna possível, na medida em que a unidade e o consenso que a possibilitam são sempre parciais, provisórios e dependentes de atos de exclusão.

Diferença e equivalência são apresentadas, portanto, como duas maneiras de constituir o social. A primeira se daria “por meio da afirmação de uma particularidade – no caso, uma particularidade de demandas – cujas únicas ligações com outras particularidades são de natureza diferencial” (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.:129). A segunda, por sua vez, dar-se-á “por meio de uma rendição parcial da particularidade, enfatizando tudo o que as particularidades possuem em comum no plano da equivalência” (Idem). Essa segunda forma de construção do social operaria a partir do estabelecimento de uma “fronteira antagônica”, ou seja, da percepção de que há um sujeito/sistema/totalidade que, de alguma forma, impede que essas demandas sejam representadas dentro do espaço de identidades e significados que compõem aquela coletividade política (Mendonça 2003Mendonça, Daniel. (2003), “A Noção de Antagonismo na Ciência Política Contemporânea: Uma Análise a partir da Perspectiva da Teoria do Discurso”. Revista Sociologia e Política, v. 20, pp. 135-145., 2007; Junior, Mendonça, 2011; Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.; 2007; Marques, 2020Marques, Marcelo de S. (2020), “Status ontológico da Teoria do Discurso (TD) em Laclau e Mouffe: Diálogos, Perspectivas Teóricas e Conceitos Básicos”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 63, n. 2, pp. 1-33. Disponível em: https://doi.org/10.1590/001152582020211. Acesso em 15 jul. 2020.
https://doi.org/10.1590/001152582020211...
).

Antes de finalizarmos esta exegese das definições laclaunianas, cabe sinalizar que o autor ressalta o caráter não excludente das duas lógicas. O que significa que, embora o populismo implique uma expansão da lógica da equivalência, isso não determina a construção de uma articulação total das demandas com a completa diluição das diferenças entre elas. A totalização parcial operada pelo “laço hegemônico” é construída através da universalização de demandas particulares e da constituição de uma totalidade, um sujeito político a partir da articulação de sujeitos sociais distintos e portadores de diferentes demandas. Isso não resulta, no entanto, em uma subsunção necessária e completa de suas identidades particulares em uma identidade total. Por esse motivo, nas palavras de Laclau, “a equivalência não tenta eliminar diferenças”, na medida em que as diferenças “continuam a operar no bojo da equivalência” (Laclau, 2005:130-131). Sob esta perspectiva, como argumenta Gerardo Aboy Carlés, as duas lógicas podem ser representadas como um espectro espacial conformado a partir de graus de intensidade, no qual é possível posicionar os diferentes sistemas a identidades parciais na conformação de uma identidade total que, contudo, nunca é completa. No outro extremo, em relação ao populismo, estaria o puro institucionalismo/pluralismo liberal no qual não haveria a formação de uma identidade coletiva abarcando os diferentes grupos (Aboy Carlés, 2010, 2014; Fair, 2015Fair, Hernan. (2015), “Debates en Torno a la Teoría del Populismo de Ernesto Laclau:¿ Puede Haber Grados de Populismo y Mixturas con el Liberalismo y la Lógica Institucional?”. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/legadolaclau/files/2015/07/Hern%c3%a1n-Fair.pdf
https://wp.ufpel.edu.br/legadolaclau/fil...
).

Em face dessa tipologia, foi delineada a hipótese que estrutura a pesquisa aqui apresentada, que recorre à razão populista para explicar a ampliação das bases sociais de Jair Bolsonaro e a mudança de seu perfil como representante. Dessa forma, a utilidade da formulação laclauniana reside no papel conferido aos discursos do líder na composição de relações causais que tornam mais nítidos os processos de configuração de novos sujeitos e identidades populares através de dinâmicas representativas (Laclau, 2011:147-148).

Metodologia

Análise de discurso e discurso parlamentar

A mudança no perfil representativo de Bolsonaro, bem como a ampliação de suas bases eleitorais não é um resultado exclusivo da sua atuação no Parlamento, tendo em vista o papel crucial que a mídia tradicional e as redes sociais desempenharam nesse processo4. Este, contudo, não será objeto de análise no presente artigo, que almeja se inserir no campo dos estudos sobre o Legislativo e sobre discurso parlamentar, entendendo-o como o produto de diferentes variáveis históricas, políticas e institucionais (Bayley, 2004Bayley, Paul. (Ed.). (2004), Cross-cultural perspectives on parliamentary discourse (Vol. 10). John Benjamins Publishing.:4). O discurso parlamentar, portanto, é um subgênero da linguagem política e representa sua variável mais formal e institucionalizada, sendo boa parte dela determinada pelo aspecto ritual e regimental do processo legislativo (Bayley, 2004Bayley, Paul. (Ed.). (2004), Cross-cultural perspectives on parliamentary discourse (Vol. 10). John Benjamins Publishing.). Essa percepção orientou a análise das fontes desta pesquisa, que se concentrou no elemento menos ritualístico/procedimental dos Projetos de Lei (PLs).

De acordo com as informações disponibilizadas pela Câmara dos Deputados, cada PL se subdivide em três partes. A primeira, denominada parte preliminar, se divide em: epígrafe, autoria, ementa, preâmbulo, enunciado e âmbito de aplicação da norma. A segunda, denominada parte normativa, compreende a matéria de que trata o projeto, se subdividindo em parágrafos, incisos, alíneas e itens. A parte final traz as informações complementares necessárias à implementação da norma, como prazo de vigência, cláusulas revogatórias e justificativa. Nessa última, são apresentadas as razões e argumentos que fundamentam o projeto, bem como as razões que levaram o autor a elaborar a proposição. Redigida no formato de uma “dissertação argumentativa”, a justificativa dos PLs é apresentada sob a forma de um discurso, por este motivo, embora as outras partes tenham sido levadas em conta na classificação, é sobre ela que recaiu nossa atenção particular.

Nessa linguagem há uma sobreposição de elementos políticos e jurídicos sendo, por isso, um campo de estudo pertinente para diferentes áreas como o Direito, a Ciência Política e mesmo a Linguística e a Semiótica. Nossa proposta aqui é recorrer a esses diferentes aportes, sendo as duas últimas interligadas no que se denomina análise semiolinguística do discurso. Esta concilia a percepção semiótica de que o fenômeno discursivo só se constitui na intertextualidade de cada situação de fala particular com o esforço linguístico de utilizar instrumentos de conceituação que captam elementos estruturais capazes de servir como parâmetros gerais (Charaudeau, 2016Charaudeau, Patrick. (2016), Linguagem e Discurso: Modos de Organização. São Paulo, Contexto.:21).

Nesse esforço, busca-se compreender o ato de simbolização que ocorre quando um signo se instala dentro de uma rede de relações com outros signos, sem a pretensão de aferir objetivamente a intenção do autor. A compreensão jamais é objetiva, pois o signo não é uma unidade autônoma de sentido, posto que preenchido por um saber que varia “conforme a expectativa de cada ato de linguagem, sendo um produto dos filtros construídos e colocados pelo Enunciador e pelo Interpretante” (idem:33). Em suma, a análise da produção legislativa de Bolsonaro não pode ser feita sem que se levem em conta as interpretações sobre a eleição de 2018 e mesmo sobre sua trajetória na Presidência da República, pois ambas funcionaram como os filtros na configuração do saber deste sujeito interpretante.

Da Diferença à Equivalência: A “Razão Populista” como Ferramenta Heurística na Análise do Processo de Ampliação da Base de Apoio de Jair Bolsonaro

A trajetória política de Jair Bolsonaro não é recente. O atual presidente do Brasil ingressou na vida política em 1988, quando entrou para a reserva do Exército ao ser alçado ao cargo de vereador do município do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Após sua breve passagem pela Câmara de Vereadores, se candidatou ao cargo de Deputado Federal, no qual permaneceu ao longo de 27 anos, entre 1991 e 2018. Sua atuação política, contudo, nunca esteve diretamente ligada a um partido. Seu nome compôs as fileiras de diversas agremiações, dentre elas: o PDC, Partido Democrata Cristão (1989-1995), o PPR, Partido Progressista Reformador (1995–1999), o PPB, Partido Progressista Brasileiro (1999–2003), o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro (2003–2005), o Partido da Frente Liberal (2005–2005), novamente o PP, Partido Progressista (2005–2016), o PSC, Partido Social Cristão (2016-2018) , o PSL, Partido Social Liberal (2018–2019), até, por fim, integrar o Partido Liberal, em 2021 (Rodrigues, Silva, 2021:90). Extrapolando a tipologia apresentada por Power e Rodrígues Silveira (2018) para caracterizar o PTB e o PR, é possível afirmar que os partidos pelos quais Jair Bolsonaro passou durante sua trajetória legislativa teriam em comum um posicionamento ideológico centro-direitista, diluído por uma orientação oportunista pouco programática e clientelista, sendo considerados legendas de aluguel que já formaram alianças com partidos à direita e à esquerda para permanecerem próximas ao centro de poder (Power, Rodrigues Silveira, 2018:257).

Se no âmbito partidário o ex-capitão possui um comportamento inconstante, no que tange à aprovação do eleitorado sua performance foi relativamente estável. Em sua primeira eleição para Deputado Federal (1990), Bolsonaro obteve 67.041 votos; na segunda (1994) obteve 111.927; na terceira (1998), 102.893; na quarta (2002), 88.94; na quinta (2006), 99.700; e na sexta (2010), 120.000. O ponto fora da curva de seu desempenho eleitoral é a eleição de 2014, quando atinge a marca de Deputado Federal mais votado do Rio de Janeiro e passa a figurar entre os cinco deputados federais mais votados do país, com 464.572 votos. Quatro anos depois, nas eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro obteve 49.277.010 de votos no primeiro turno e 57.797.847 no segundo turno (Silva, Santos, Guedes, 2022:128).

Mesmo considerando a ascensão meteórica entre 2010 e 2014, é interessante assinalar que nosso protagonista foi alçado à Presidência da República sem nunca ter vencido eleições majoritárias anteriormente. Como será demonstrado através dos resultados da pesquisa apresentados na próxima seção, excluindo esse último período, sua trajetória legislativa se deu como um representante de demandas diferenciais, ou seja, de um sujeito social cuja identidade é bem delimitada e constante. Este se restringia, inicialmente, a membros das Forças Armadas, sobretudo praças, e seus familiares. Esse núcleo duro já o acompanhava antes de seu ingresso na Câmara dos Deputados. Sua bem-sucedida campanha para vereador, em 1988, no Rio de Janeiro, foi alavancada pela distribuição de santinhos nos quartéis que ressaltavam sua atuação em defesa dos interesses salariais da categoria. A prática é proibida pela lei militar e Bolsonaro já possuía um histórico de insubordinação relacionado a interesses pecuniários, o que indica o desprestígio do mesmo entre os oficiais de alta patente.

Em 1986, Bolsonaro foi preso por ter publicado, na revista Veja, um artigo reivindicando aumentos salariais para sua categoria. No episódio, o capitão recebeu inúmeras manifestações de solidariedade das esposas dos oficiais, que realizaram um ato público em favor de sua libertação. Um ano depois, Bolsonaro revelou à mesma revista que havia planejado explodir bombas em quartéis militares para chamar atenção para os baixos salários5.

Foi a partir desta hipótese que iniciamos a investigação do processo de expansão de sua base de apoio, almejando observar também uma mutação em sua performance como representante, haja vista um entendimento dialético do conceito, segundo o qual as identidades de representantes e representados se constituem mutuamente ao longo do processo de representação (Laclau, 1996Laclau, Ernesto. (1996), Emancipación y Diferencia. Buenos Aires, Ariel.; Marchart, 2009Marchart, Oliver. (2009), El Pensamiento Político Posfundacional: La Diferencia Política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, FCE.). Para que possamos observar essa mutação é preciso, pois, perceber a constelação de fatores que lhe garantiu o potencial para expandir sua base, de modo a constituir-se como o representante de uma maioria, um sujeito político formado por diferentes sujeitos sociais, porém com elementos valorativos e interesses compartilhados ao ponto de configurar uma identidade política comum, a partir da qual esse sujeito ganha coesão e capacidade de agir politicamente.

Sendo assim, conciliando a base teórica com a pesquisa empírica aqui proposta, nosso objetivo será analisar este movimento, que corresponde ao processo de formação de uma cadeia de equivalência articulando esses diferentes grupos e demandas. É nessa dinâmica que a pauta original (militar) passa a dividir espaço com outras demandas a serem combinadas na cadeia de equivalência formada por seus discursos. A partir dessa hipótese buscar-se-á encontrar os pontos nodais por meio dos quais esta cadeia foi formada. O que será feito através da análise sistemática dos 162 Projetos de Lei (PLs) apresentados por Jair Bolsonaro durante seus 27 anos como Deputado Federal – além de discursos e votações em Plenário realizados no período.

Metodologia e Resultados Encontrados

Na pesquisa apresentada, além da leitura manual das fontes (PLs), recorreremos a ferramentas metodológicas que implicam dois sistemas de classificação. O primeiro diz respeito à divisão temática oferecida pelo site da própria Câmara dos Deputados, que organiza toda produção legislativa desde 2003, a partir de 31 categorias disponibilizadas pelo setor de Dados Abertos da Câmara dos Deputados6.

O segundo sistema de classificação, a ser aplicado aos projetos, são as 56 categorias utilizadas pelo Comparative Manifesto Project (CMP). Além dos domínios e códigos, o manual oferecido pelo CMP aos seus codificadores apresenta uma descrição resumida de cada um deles, com o propósito de orientar sua aplicação. A ideia é criar uma métrica comum para padronizar a categorização dos conteúdos discursivos, reduzindo a subjetividade na interpretação e garantindo, com isso, maior comparabilidade entre as análises. Esta metodologia já foi aplicada para analisar o programa eleitoral de Jair Bolsonaro (Jorge et al., 2020b7), no entanto, como ela foi originalmente desenvolvida para esse tipo de texto político (programas eleitorais), foi necessário adaptá-la para tornar possível sua aplicação ao objeto deste artigo: os Projetos de Lei. Na metodologia original, as quase-sentenças são a menor unidade de análise do processo de codificação e consistem na menor divisão da expressão verbal de uma ideia ou sentido. Segundo a recomendação do manual, sentenças ou frases longas podem conter mais de um argumento, por este motivo precisam ser divididas em quase-sentenças (Bara et al., 2006:xvi).

A proposta é que cada quase-sentença, a partir de cada documento analisado, possa ser classificada através de um mesmo sistema de categorias políticas relacionadas de acordo com um conjunto de regras e instruções próprias. Cada decisão de codificação é gravada em uma cópia original e, assim, pode ser revisada e mesmo corrigida caso se faça necessário (Jorge et al., 2018). A sistematização/organização/distribuição das sentenças em categorias é o que distingue um documento do outro. Movimentos observáveis na comparação das distribuições marcam mudanças políticas ao longo do tempo e destacam diferenças em um documento quando comparado a outros.

A metodologia do CMP também fornece uma operacionalização independente que possibilita inferências acerca do conteúdo ideológico dos documentos analisados. Nesse caso, o posicionamento dos partidos políticos na escala esquerda-direita é obtido por meio do cálculo de um índice, conhecido como RILE, construído a partir das categorias utilizadas no processo de codificação (Bara et al., 2013:65; Jorge et al., 2020a). Por questões de espaço, neste artigo, não trabalharemos com a classificação ideológica, nem dialogaremos com a literatura que aborda suas limitações (Tarouco, Madeira, 2013; Tarouco et al., 2015), uma vez que nosso propósito é apenas observar a composição temática das propostas de Bolsonaro ao longo dos seus sete mandatos como deputado federal, indicando sua distribuição temporal.

Acreditamos que o manual entregue aos codificadores garante a flexibilidade de usos que o CMP-MARPOR pode oferecer para pesquisas sobre textos políticos, daí a nossa decisão de utilizá-las para analisar os Projetos de Lei. Porém, em virtude da impossibilidade de lidar manualmente com um corpus de 162 projetos, cada qual com inúmeras páginas, decidimos nos referir a cada projeto como unidade de análise. Desta forma, cada PL foi lido em sua totalidade e, ao final, foi escolhido apenas um código da lista do CMP para classificá-lo8. Esta opção foi feita a despeito do fato de que, diferentemente do que ocorre com uma quase-sentença, um projeto apresenta várias ideias. Não obstante, uma vez que nosso propósito é identificar as demandas representadas na atuação parlamentar de Bolsonaro, optamos por associar cada projeto a uma demanda/categoria, de forma a haver paralelo com a categorização da Câmara dos Deputados, que classifica cada PL em sua totalidade, ainda que, por vezes associe mais de um tema para cada. Nosso esforço analítico, ao utilizar a metodologia do CMP, foi identificar qual era a ideia central do projeto e a ele associar apenas uma das 56 categorias do manual.

Análise dos resultados: A produção legislativa do deputado Jair Bolsonaro.

Em consonância com a metodologia aplicada neste trabalho, os dados foram segmentados e organizados em tabelas diferenciadas entre si pela abordagem utilizada para sistematizar o conteúdo discursivo dos Projetos de Lei aqui analisados. Na próxima seção, serão apresentados os dados resultantes da classificação realizada a partir das categorias disponibilizadas pela Câmara dos Deputados. Em seguida, apresentaremos os resultados da sistematização operacionalizada por meio das categorias do Comparative Manifesto Project.

O produto final desse processo foi um conjunto de dados que compreende a análise quantitativa e qualitativa dos projetos de lei. O objetivo é apresentar um panorama global e temporal acerca da composição temática dos projetos de Bolsonaro e, por meio disso, lançar luz sobre o processo de configuração da cadeia de equivalência entre os diferentes sujeitos coletivos que foram se aglutinando ao redor dele, ampliando sua base eleitoral e viabilizando sua eleição para a Presidência da República.

Análise dos Resultados Segundo a Classificação Temática da Câmara dos Deputados

Nesta etapa da pesquisa, os 162 projetos de lei foram organizados de acordo com as 32 áreas temáticas disponibilizadas pela Câmara dos Deputados e cada tema foi descrito quantitativamente em termos absolutos e em relação à produção total. As proposições legislativas analisadas contemplaram 24 das 32 categorias. Como demonstrado pela grande quantidade de categorias temáticas com poucas proposições, o material analisado possui como característica marcante a dispersão temática. Com exceção de algumas categorias, os PLs apresentam um padrão de ocorrência que se constitui a partir de uma distribuição ilustrada na tabela abaixo.

Tabela 01
Distribuição Temática dos Projetos de Lei de Bolsonaro Segundo a Categorização da Câmara dos Deputados

A primeira observação importante acerca da tabela é que a classificação da Câmara não nos permite inferir o sentido (positivo ou negativo) de cada ocorrência, o que será possível a partir das categorias do CMP, o que reforça a opção em utilizá-las nesta etapa. A segunda é que foi possível observar as concentrações temáticas das proposições legislativas de Bolsonaro, uma vez que, com exceção de três categorias, a serem analisadas detalhadamente, todas as demais não alcançam mais de 5%.

A primeira exceção a ser analisada é Administração Pública (16,8%), categoria que, quando observada isoladamente, oferece pouco esclarecimento, pois sequer indica se a proposta contempla aumento ou corte de gasto. Não obstante, quando contemplada em conjunto com as demais áreas de concentração, percebe-se que essas propostas são dirigidas sobretudo a questões de segurança pública, inserindo-se entre as duas outras categorias de maior frequência: Direito Penal e Processual Penal (15,6%) e Defesa e Segurança (15,6%). Tais áreas se destacam quando comparadas com a recorrência de outros temas como, por exemplo, Economia (1,7%) e Educação (2,2%). Ao observarmos os PLs classificados pela Câmara como referentes à Administração Pública, percebe-se que essas propostas são dirigidas sobretudo a questões relacionadas com direitos atribuídos ao segmento dos servidores públicos civis e militares. Quando considerados como uma única categoria ampla, os servidores civis e militares são o objeto de 86,6% dos projetos de lei, sendo que, quando considerados de maneira isolada, os militares se destacam dos demais objetos dos PLs, sendo o alvo preferencial de 66,6% dos projetos de lei da categoria.

A análise do conteúdo das proposições legislativas enquadradas sob a categoria “Direito Penal e Processual Penal” revelou alguns padrões temáticos. Com base nos padrões percebidos, foram definidas quatro subcategorias, que segmentam os PLs de acordo com o objetivo de sua criação. A primeira, legalismo positivo, versa sobre a ampliação do período de reclusão de alguns tipos penais e sobre penas alternativas mais firmes para estes. Essa subcategoria compreende 53,5% da produção relativa ao Direito Penal e se constitui como posicionamento prioritário de sua atuação nesse setor. É importante destacar, no entanto, que essa categoria não contempla todos os projetos de lei que buscam intensificar penas, pois, uma parte dos PLs com esse objetivo foi enquadrada na categoria de defesa dos interesses de militares. Essa, por sua vez, compreende quatro dos vinte e oito projetos de lei direcionados ao Direito Penal, cerca de 14% do total. Uma outra temática relevante percebida nesse segmento foi a de legítima defesa. Essa categoria compreende os projetos de lei que buscam a suavização ou exclusão total de penalidades para infrações cometidas em legítima defesa e abrange cinco projetos, 17,8% do total.

Essa indicação começa a delinear o mais importante resultado da pesquisa, a ser consolidado quando cotejamos os dados sistematizados com base na categorização do CMP, com a análise qualitativa dos PLs. Através desta análise, foi possível observar a atuação de Bolsonaro como representante de demandas diferenciais, oriundas de um grupo social específico: militares, agentes de segurança pública e seus familiares.

A esse grupo, coeso em função de demandas específicas relativas à sua carreira, se agregam outros, construídos, primeiramente, através de vínculos identitários forjados a partir de uma ideia de Segurança Pública e de ordem baseada no punitivismo (aumento de penas) e no uso da violência legítima (facilitação do acesso às armas de fogo e ao seu uso em legítima defesa) (Rodrigues, Silva, 2021:91). Sendo assim, retomando a terminologia laclauniana, é possível afirmar que esses elementos surgem como os primeiros pontos nodais na produção da cadeia equivalencial estruturada pelos discursos de Jair Bolsonaro. A ideia de segurança funciona, portanto, como significante vazio na operação do movimento de ampliação da base eleitoral do deputado, na medida em que, segundo Parzianello (2020Parzianello, Geder Luis. (2020), “O Governo Bolsonaro e o Populismo Contemporâneo: um Antagonismo em Tela e as Contradições de Suas Proximidades”. Aurora. Revista de Arte, Mídia e Política, v. 12, n. 36, pp. 49-64.:60), teria sido “o apelo afetivo a 55,1% do eleitorado brasileiro”. Sua amplitude semântica permitiu que o significante representasse, para alguns, a proposta de armar mais as polícias e combater o crime. Para outros, como será argumentado abaixo, a ideia de segurança estaria relacionada ao combate à corrupção, à conservação de valores morais tradicionais e ao combate à esquerda enquanto portadora dessas ameaças (idem).

Essa conclusão dialoga com as impressões de Alonso (2019)Alonso, Angela. (2019), “A Comunidade Moral Bolsonarista”, in: Sérgio Abranches et al., Democracia em Risco? 22 Ensaios sobre o Brasil Hoje. Companhia das Letras, pp. 41-56., Solano (2018)Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27. e Power e Rodrígues-Silveira (2018) de que a agenda original de representação dos interesses salariais e previdenciários dos militares foi sendo ampliada pela defesa de políticas de segurança pública de orientação punitivista e crítica à ideia de direitos humanos, baseada no aumento do porte de armas, na justificativa aberta de assassinatos extralegais e na hostilidade quanto a minorias raciais e sexuais (Rodrigues, Silva, 2021:91).

Essa inflexão é acentuada pela crítica ao governo do Partido dos Trabalhadores. Como alerta Maitino (2020)Maitino, Martin Egon. (2020), “Populismo e Bolsonarismo”. Cadernos Cemarx, Campinas, SP, v. 13, n.00, p.: e020002-e020002., o reconhecimento de diferenças, na leitura bolsonarista, é retratado como “uma estratégia do PT para disseminar a luta de classe: não é só branco contra negro. É homossexual contra hétero, é pai contra filho na lei da palmada, é pobre contra rico” (Bolsonaro 2015, apudMaitino 2020Maitino, Martin Egon. (2020), “Populismo e Bolsonarismo”. Cadernos Cemarx, Campinas, SP, v. 13, n.00, p.: e020002-e020002.:13). Tal crítica corrobora um entendimento de povo como sujeito homogêneo que caracteriza o populismo, conforme destacado pela abordagem ideacional acima retratada, mas também como totalidade orgânica e harmônica, como era característico da tradição anticomunista (Teixeira, 2013Teixeira, Mauro Eustáquio Costa. (2013), “A democracia fardada: imaginário político e negação do dissenso durante a transição brasileira (1979-1988)”. AEDOS, n. 5, ed. 13, p. 58-79.). Nas palavras de Parzianello (2020Parzianello, Geder Luis. (2020), “O Governo Bolsonaro e o Populismo Contemporâneo: um Antagonismo em Tela e as Contradições de Suas Proximidades”. Aurora. Revista de Arte, Mídia e Política, v. 12, n. 36, pp. 49-64.:63), Bolsonaro alude a um povo “sem fraturas, sem faltas ou fissuras, homogêneo de interesses e vontades. Um Brasil uniforme, como toda ideologia militarista sempre foi”. A partir dessa cosmovisão, como alerta Alonso (2019Alonso, Angela. (2019), “A Comunidade Moral Bolsonarista”, in: Sérgio Abranches et al., Democracia em Risco? 22 Ensaios sobre o Brasil Hoje. Companhia das Letras, pp. 41-56.:43), “o capitão encontrou a trilha aberta e fez dela rodovia ao entrar em sintonia fina com o brasileiro médio. Apostou em robustecer a coesão de uma comunidade moral acuada, vocalizando seus pilares: o nacionalismo beligerante, o moralismo hierarquizador, o antielitismo”.

Quando observamos qualitativamente os PLs dedicados à Economia, é possível apresentar um outro resultado importante da pesquisa, também corroborado pela segmentação através do CMP. A defesa dos padrões de renda e consumo, identificados com as camadas médias da população, surge como um segundo ponto nodal capaz de ampliar o conjunto de demandas e, por conseguinte, grupos capazes de se identificar com a performance de Bolsonaro. Esse dado já havia aparecido na análise da categoria Administração Pública, quando observamos a recorrência de PLs dirigidos aos servidores públicos, porém fica ainda mais sobressalente ao agregarmos à análise os projetos da categoria Economia, relativa à sistematização da Câmara dos Deputados, a ser apresentada na próxima seção.

Em trabalhos dedicados a discutir o conceito, Scalon e Salata (2012)Scalon, Celi; Salata, André. (2012), “Uma Nova Classe Média no Brasil da Última Década?: o Debate a Partir da Perspectiva Sociológica”. Sociedade e Estado, v. 27, n. 2, pp. 387-407. indicam que, no Brasil, a classe média seria composta por um padrão de renda de classe AB, cujos rendimentos familiares são superiores a R$3.474 e envolvem “um padrão de vida estável, ter feito universidade, ter acesso a lazer e diversão etc” (Salata, 2015Salata, André Ricardo. (2015), “Quem é Classe Média no Brasil? Um Estudo sobre Identidades de Classe”. Dados, v. 58, n. 1, pp. 111-149.:131). Desse modo, os autores diferenciam o universo da classe média, do perfil do brasileiro mediano, na medida em que o estrato AB abarca apenas os 15% mais ricos da população. Essa conclusão é reforçada por O`Douherty (1998) em um texto sobre os padrões de consumo da classe média. O texto sugere o sentimento disseminado de que este padrão se encontraria ameaçado pela deterioração econômica do país. Tal percepção é existencialmente determinante, ameaçando a própria identidade deste grupo social, uma vez que a este padrão de consumo é atribuída uma superioridade moral, que o distingue dos demais (O`Dougherty, 1998:442). O autor também ressalta o valor atribuído aos investimentos em cultura e educação, bem como ao acesso a bens e serviços qualificados, como símbolos identitários por meio dos quais o grupo se diferencia das camadas populares9.

Voltando às fontes, dos três PLs referentes à temática econômica, dois (PL 4520/1994 e PL 4047/1993) dizem respeito ao Sistema Financeiro de Habitação, por meio do qual a Caixa Econômica Federal disponibiliza financiamento de imóveis a juros menores do que os oferecidos por bancos privados, embora inacessíveis às classes populares. O terceiro PL referido à Economia é o de número 895/1991, que propõe a revogação de dispositivos da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991. Esta última revoga dispositivos legais estabelecidos no marco do processo de desindexação da economia, que tinha como objetivo reduzir as pressões inflacionárias, suspendendo medidas de reajuste automático de tarifas, aluguéis e salários a partir das taxas da inflação que, de certo modo, favoreciam às camadas AB da população, aqui entendidas como classes médias. Esta política foi concebida no âmbito do processo de abertura e liberalização da economia, levada a cabo na década de 1990, culminando na adoção do Plano Real10. Desse modo, a proposta de Bolsonaro vai ao encontro desse entendimento ortodoxo, visando revogar dispositivos que poderiam prejudicar reajustes.

O caráter heterodoxo da orientação econômica de Bolsonaro, como representante das demandas dos servidores públicos e pensionistas, é outro dado importante desta pesquisa. Essa conclusão é reforçada quando observamos que os demais coautores da proposta são, em sua maioria, membros de partidos de esquerda e centro-esquerda, sendo três do Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse tocante, há uma outra informação que podemos auferir da observação quantitativa aqui proposta: das 162 Proposições Legislativas assinadas por Bolsonaro, apenas 20 foram articuladas com outros deputados. Dentre estas, duas são o resultado de um amplo processo de articulação. Ambas são interessantes para a compreensão da trajetória legislativa aqui analisada. A primeira é o PL 8220/2014, que dispõe sobre o “Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”, mencionado em outros quatro PLs de Bolsonaro.

Em Uma nova classe média no Brasil?: O debate a partir da perspectiva sociológica (2012:395), Scalon e Salata abordam a dificuldade de classificar segmentos ascendentes das classes trabalhadoras (trabalhadores manuais) como oriundos da classe média. O mesmo problema não é encontrado entre os indivíduos que possuem profissões como médicos, engenheiros e advogados, inequivocamente reconhecidos como membros deste segmento. Sendo assim, a recorrência nas menções à OAB serve de indício para corroborar a conclusão de que a simbologia da classe média11 foi utilizada como ponto nodal de seus discursos, articulando demandas de diferentes grupos que se identificam com ela e ampliando sua base de apoio para além dos segmentos originários (militares/familiares) e secundários (aqueles que foram atraídos pelo primeiro ponto nodal aqui apresentado: a ideia de segurança) (Rodrigues, Silva, 2021:92).

O PL 4554/2004, assinado por Bolsonaro em articulação com diferentes parlamentares, regulamenta o Art. 8º da Constituição Federal acerca da organização sindical. Essa proposta foi assinada por 199 deputados, sendo 24 deles do PT, 7 do PDT e 8 do PC do B. Esse PL ilustra um período da trajetória legislativa de Bolsonaro, no qual sua performance encontrava convergência temática com partidos que faziam oposição às pautas neoliberais à altura defendidas pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Dentre os 162 projetos aqui analisados não há nenhuma menção positiva à disciplina fiscal12. Desse modo, nossas fontes empíricas corroboram novamente as conclusões de Solano (2018)Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27. acerca da adesão dos mercados a Bolsonaro, que teria se dado “menos em virtude de seu discurso, haja vista o caráter recente de sua conversão aos princípios neoliberais, e mais em virtude da polarização com o PT” (p. 24).

A antítese entre o discurso neoliberal – personificado na figura de Paulo Guedes13 e encampado na campanha à Presidência da República – e a vida política pregressa de Bolsonaro se torna ainda mais evidente quando analisamos suas votações no Congresso Nacional entre 1999 e 2010 – período que compreende o segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e os dois mandatos do Presidente Lula (PT). Como pode ser observado no gráfico abaixo extraído do portal da Folha de São Paulo, seu posicionamento político convergiu mais frequentemente com os deputados do PT do que com os do PSDB, sendo os primeiros opositores ao projeto de liberalização da economia levado a cabo pelos tucanos14.

Gráfico 01
Posicionamento de Bolsonaro em Relação ao PT nas Votações de Propostas Legislativas de 1991 a 2017

As críticas ao posicionamento neoliberal/ortodoxo do governo petista se mantêm até o ano 2006. Por este motivo, acreditamos que a ilustração acima, na qual são comparados os posicionamentos de Bolsonaro em relação às propostas de PT e PSDB, parece subdimensionar a heterodoxia das posições econômicas do deputado que pode ser ainda mais estatista. Isto porque, entre 2003 e 2006, as censuras realizadas ao governo petista foram feitas em contraposição a uma suposta conversão aos interesses do mercado e subsequente traição de um entendimento econômico desenvolvimentista/heterodoxo. A partir de 2004, essa crítica começou a ser conjugada ao tema da corrupção, acrescentando, então, mais um ponto nodal da cadeia de equivalência que permitiu ao deputado ampliar consideravelmente sua base de apoio de modo a pavimentar seu caminho rumo ao Executivo.

Sobretudo após os escândalos do Mensalão15, o parlamentar inicia um processo progressivo de radicalização nas suas investidas contra o PT, no qual combina a associação dos membros do partido a um passado de luta armada com os elogios à ditadura militar por ter conseguido debelar o que é formulado nos discursos de Bolsonaro como “ameaça comunista”. A crítica ao PT e à corrupção mistura-se, portanto, com o elogio ao autoritarismo militar delineando um discurso capaz de atrair diferentes segmentos sociais na conformação de um sujeito político com um projeto hegemônico, cujos laços de identidade são forjados pelo antagonismo para com a esquerda16.

Voltando à análise dos Projetos de Lei para apresentar mais um argumento acerca do caráter recente da adesão de Bolsonaro ao neoliberalismo, cabe ressaltar que apenas duas, das 162 proposições por ele apresentadas, foram aprovadas pela Câmara. O PL 4639/2016, apresentado em coautoria com mais 17 deputados, autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, sem que haja comprovação científica inequívoca acerca de seus efeitos no tratamento da doença – sendo indicativa da postura que o já presidente adotaria durante a epidemia de COVID-19 com relação à Cloroquina. O segundo (PL 2514/1996)17, assinado apenas por Bolsonaro, visa prorrogar os benefícios fiscais outorgados pela Política Nacional de Informática, criada em 1984 para estimular o “desenvolvimento da tecnologia nacional e ao fortalecimento econômico-financeiro e comercial da empresa nacional, bem como estímulo à redução de custos dos produtos e serviços, assegurando-lhes maior competitividade internacional” – sendo, portanto, uma medida inequivocamente protecionista, que corrobora os princípios neoliberais, como o da livre competição.

Ainda no tocante à economia, é interessante observar os PLs referentes às categorias Previdência e Assistência Social e Finanças Públicas e Orçamento. No tocante ao primeiro, há cinco projetos apresentados, dois são específicos para militares, um (PL 3572/2000) propõe que produtos a serem destruídos, por serem cópias falsas, tenham função social, indo para populações carentes. Os outros dois PLs visam aumentar os reajustes concedidos pelos Planos de Benefícios da Previdência Social. Com exceção do PL 3572, todos indicam uma expansão dos gastos estatais, porém, como será argumentado abaixo, não podem ser entendidos como propostas voltadas à melhoria de vida das classes populares.

Ao contrário, a análise destes PLs evidencia que a atuação parlamentar de Bolsonaro se orienta para a representação dos grupos situados em estratos mais altos da pirâmide econômica, além de reforçar o argumento acerca de seu perfil economicamente heterodoxo. Dos sete projetos sobre Finanças Públicas e Orçamento, quatro propõem isenção no Imposto de Renda para pessoas portadores de doenças graves. Dois propõem isenção fiscal para a compra de automóveis e peças de automóveis (catalisadores). O sétimo projeto (PL 2993/1997), que propõe isenção fiscal para os gastos com “empregadas domésticas”, tem em sua justificativa uma síntese da argumentação aqui apresentada acerca do perfil antipopular, fortemente elitista e, particularmente, machista de Bolsonaro, sendo todos esses elementos pontos nodais importantes na configuração de vínculos de pertencimento com seus apoiadores. Em suas palavras:

Ocorre que a nossa é uma das sociedades do mundo em que o emprego doméstico é mais intensamente utilizado e poucos se dão conta da importância crucial dessa forma de inclusão social que difunde padrões civilizatórios (...) Aqui, a doce convivência entre “casa grande” e “senzala” nos poupou muitas revoluções, muito sangue, restringindo a violência inevitavelmente embutida nas relações humanas a formas humanizadas, mais aceitáveis e menos dolorosas. Conhecemos muitas “madames” de classe média pouco mais que “remediada” que mergulham corajosamente no mercado de trabalho para auferir rendimentos não superiores ao custo da empregada ou da babá, com tal gesto ao mesmo tempo salvando sua autoestima e, principalmente, multiplicando empregos, partilhando saberes e atitudes, disseminando civilização, cultivando o congraçamento, evitando a guerra de classes, abrandando a miséria (...) Ora, temos de admitir que a tradição brasileira do emprego doméstico constitui um formidável colchão social, é a força e a generosidade de nossas classes médias e alta abraçando nosso povo e fecundando nele seus valores, com isso atenuando os problemas que incumbiriam às políticas sociais de governo. (Fonte: Câmara dos Deputados18, grifos nossos)

Sendo assim, embora o conceito não tenha sido usado para caracterizar Jair Bolsonaro, mas para compreender sua ascensão, ressalto que, caso o populismo seja usado nessa acepção, ele não pode indicar o que se chamou de populismo social (Parzianello, 2020Parzianello, Geder Luis. (2020), “O Governo Bolsonaro e o Populismo Contemporâneo: um Antagonismo em Tela e as Contradições de Suas Proximidades”. Aurora. Revista de Arte, Mídia e Política, v. 12, n. 36, pp. 49-64.:63), que aludia a performances discursivas e governativas voltadas às camadas inferiores da pirâmide econômica. O caráter elitista da trajetória legislativa de Bolsonaro é demonstrado pela escassez de alusões às classes populares em seus Projetos de Lei e pela ausência de menções aos termos: pobre, pobreza, fome, miséria etc; exceto por duas exceções abaixo comentadas.

A primeira é o PL 3572/2000. Mencionado anteriormente, o projeto apresenta uma abordagem caritativa precária para o problema social: “Dar aos pobres aquilo que de alguma maneira não nos serve”. A segunda (PL 4322/1993) é particularmente significativa para a compreensão das mutações no discurso de Bolsonaro, posto que contempla a ampliação do acesso a procedimentos cirúrgicos de esterilização das mulheres (laqueaduras). Na justificativa do PL, além da defesa da liberdade do “cidadão de bem” para dispor de seu corpo, aparece a associação entre pobreza e criminalidade, sendo o controle de natalidade apontado como solução para ambos. O tema da esterilização e, sobretudo, do controle de natalidade como medida de segurança pública é recorrente na trajetória legislativa de Bolsonaro, como vem demonstrando a sistematização de seus discursos em Plenário19.

Essa associação está presente também no PL 4050/1993, no qual Bolsonaro defende a concessão ao poder público, em particular à Polícia, do poder de recolher crianças em situação de rua, aludindo, em sua justificativa, ao “Episódio da Candelária”20. Este é o único PL em que Bolsonaro se refere à fome e à miséria, utilizando-as como argumento para ampliar o poder público sobre populações vulneráveis de modo a evitar que elas recorram ao crime. Não há, contudo, qualquer encaminhamento concreto, o que fica claro na justificativa do projeto: “Nossa proposta é uma determinação legal de obrigar alguém, algum ente citado na Carta Magna a tomar atitude, e até excepcionando o espírito de Lei, no caso, o Estatuto, executem ações que façam cumprir o estrito senso contido no texto constitucional”21.

Em suma, através da análise quantitativa e qualitativa dos Projetos de Lei apresentados por Jair Bolsonaro, foi possível observar elementos do maniqueísmo moralista que aparecem, por exemplo, em suas falas contra a corrupção. Como sinalizado na primeira seção, esse maniqueísmo é típico do populismo, segundo sua abordagem ideacional (Hawkins, Kaltwasser, 2018), mas também é definido como uma característica da chamada Nova Direita (Drolet, 2014Drolet, Jean-François (2014), American Neoconservatism: The Politics and Culture of a Reactionary Idealism. Oxford, Oxford University Press.; Hawley, 2017Hawley, George (2017), Making Sense of the Alt-Right. New York, Columbia University Press.; Urban, 2014 apudSolano, 2018Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27. ). Em ambos os casos, a dicotomia bem x mal funcionaria como uma estrutura que articula vários componentes de seu discurso através da ideia de meritocracia. Dentre estes componentes podemos listar: a defesa da classe média (daqueles que são bem-sucedidos em prover o próprio sustento), o punitivismo, a hostilidade com as minorias e o neoliberalismo. A ideia é que o cidadão de bem, entendido como self-made man em potencial (Pinheiro-Machado, Scalco, 2018; Alonso, 2019Alonso, Angela. (2019), “A Comunidade Moral Bolsonarista”, in: Sérgio Abranches et al., Democracia em Risco? 22 Ensaios sobre o Brasil Hoje. Companhia das Letras, pp. 41-56.; Rodrigues, Silva, 2021), caso tenha mérito, não precisa do auxílio do Estado, ao contrário, ele seria por este prejudicado na medida em que é obrigado a sustentar, via tributos, uma série de “vagabundos” (beneficiários de políticas assistenciais), “corruptos” e “demais privilegiados” (minorias que de algum modo se beneficiam, ou poderiam se beneficiar das políticas de ação afirmativa). A respeito do tema sugiro o trabalho de Kalil (2018)Kalil, Isabela Oliveira. (2018), Quem São e no Que Acreditam os Eleitores de Jair Bolsonaro. São Paulo, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo., a partir do qual acredito ser possível sustentar a hipótese de que a ideia de cidadão de bem funciona como um significante vazio na medida em que é o elo que proporciona as condições para a criação de uma cadeia de equivalências entre diversas variáveis de natureza moral.

Análise dos Resultados Segundo a Metodologia do Comparative Manifesto Project

A organização dos resultados encontrados a partir da metodologia do Comparative Manifesto Project (CMP) foi organizada na tabela abaixo, que abrange as quantidades absolutas e percentuais de cada categoria atribuída às proposições legislativas.

Tabela 2
Distribuição Temática dos Projetos de Lei de Bolsonaro Segundo a Categorização do Comparative Manifesto Project

Corroborando os dados encontrados na distribuição temática da Câmara dos Deputados, a metodologia do CMP demonstra intensa prevalência das categorias 605.1 - Law and Order: Positive (27.8%) e 104 - Military: Positive (22%). Essas categorias são atribuídas a fragmentos textuais que apresentam, no primeiro caso, uma agenda positiva em relação à execução, manutenção ou intensificação do regime legal e das penalidades atribuídas a infrações; aumento de recursos para forças policiais; valorização da defesa e da segurança doméstica.

A categoria 104, por sua vez, se refere à defesa do aumento de gastos relacionados ao setor militar, modernização dos aparatos bélicos, manutenção e ampliação do poderio de tropas e, por fim, direito à propriedade de armas de fogo para defesa pessoal. Nesta medida, corroborando os dados da seção anterior, podemos afirmar que esse é o núcleo original e estruturante dos discursos de Bolsonaro. Em consonância a essa informação, é interessante observar a categoria 305.4 – Pre-Democratic Elites Positives. Segundo o manual, o código deve ser usado apenas em casos nos quais houve uma transição de regimes autoritários para formas de governo democráticas, sendo indicativo de uma postura colaboracionista para com as elites políticas do período autoritário. Utilizando a expressão “let sleeping dogs lie” (Lacewell et al., 2014:19), os codificadores são instruídos a utilizar a categoria em face de discursos que indiquem a intenção de deixar para trás os feitos ocorridos no passado.

O papel desempenhado pela nostalgia da ditadura na composição da cadeia de equivalência de Jair Bolsonaro é fulcral, na medida em que ele opera uma reinterpretação deste regime político como mecanismo de autoridade capaz de impedir a desmoralização social (Solano, 2018Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27. ). Este, por sua vez, recorrendo novamente à terminologia laclauniana, é um significante vazio que pode abranger diferentes significados capazes de conectar distintos segmentos sociais: corrupção, criminalidade, desvirtuação da família tradicional, entre outros. A alta adesão a este último componente dos discursos de Bolsonaro revela a importância progressiva de uma agenda associada a valores identificados como religiosos, tradicionais e conservadores. O tema é importante e foi explorado em um outro trabalho (Silva, 2020) no qual discuto com a literatura especializada (Burity 2020Burity, Joanildo. (2020), “Onda Conservadora e Surgimento da Nova Direita Cristã Brasileira? A Conjuntura Pós-Impeachment no Brasil”. Ciencias Sociales Y Religión, 22., 2018Burity, Joanildo. (2018), “A Onda Conservadora na Política Brasileira Traz o Fundamentalismo ao Poder?” in: Toniol, Rodrigo; Almeida, Ronaldo. Conservadorismo, Fascismo e Fundamentalismo: análises conjunturais. Campinas, Editora Unicamp.; Burity, Machado, 2006; Gago, 2018Gago, Verónica. (2018), A razão neoliberal: Economias Barrocas e Pragmática Popular. São Paulo, Editora ElefantE. ).

Nas palavras de Laclau, um significante vazio é o que estabelece o laço entre uma variedade de mobilizações concretas e parciais, relacionadas entre si não porque seus objetivos concretos estejam intrinsecamente ligados, mas porque são encaradas como equivalentes em sua confrontação com o atual bloco de poder. Nesta medida “o que estabelece sua unidade não é, por conseguinte, algo positivo que elas partilham, mas negativo: sua oposição a um inimigo comum” (Laclau, 2011:73), ou, no caso, o entendimento de que a ordem/pensamento dominante os exclui, como ocorre com alguns grupos religiosos em relação a um ambiente social identificado como excessivamente progressista.

Nossa conclusão, por conseguinte, é de que a percepção de desmoralização, de ataque aos valores tradicionais (cristãos), de ausência de ordem e de falta de segurança, entendidas como negatividade, isto é, como uma ameaça ao cristão ou ao cidadão de bem (Kalil, 2018Kalil, Isabela Oliveira. (2018), Quem São e no Que Acreditam os Eleitores de Jair Bolsonaro. São Paulo, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.; Solano, 2018Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27. ), funcionaram ao longo da trajetória legislativa de Bolsonaro como significantes vazios, por meio do qual foi operada a articulação entre os diferentes grupos que compõem a cadeia de equivalência bolsonarista.

Considerações Finais

Demandas são fenômenos sociais de sentido relacional determinado dentro de um espectro comunitário no qual coexistem. Quando satisfeitas, elas encontram lugar dentro do sistema institucional e seus portadores se mantêm como um grupo de interesse/ator coletivo cujas identidades são reconhecidas e representadas (Biglieri, 2008Biglieri, Paula. (2008), “El concepto de populismo: un marco teórico”, in: Paula Biglieri; Gloria Perelló (Eds.), El Nombre del Pueblo. El Populismo Kirchnerista. Buenos Aires, UNSAM edita, pp. 15-53.:17). No horizonte valorativo e institucional da democracia liberal, consagrado pelas revoluções burguesas, o Parlamento emerge como espaço de representação da pluralidade de identidades que compõem a comunidade, onde elas disputam reconhecimento e recursos para o atendimento de suas demandas. Os deputados, concebidos de forma simplificada dentro dessa lógica, são os responsáveis por representar essas demandas “diferenciais”, para retomar a terminologia laclauniana utilizada como ferramenta heurística nas argumentações aqui apresentadas acerca da trajetória parlamentar de Jair Bolsonaro. Diferentemente do Parlamento, a lógica que orienta e legitima o Poder Executivo é a da representação da nação como um todo, ou seja, daquilo que subjaz de comum entre os diferentes atores sociais. Por este motivo, enquanto o Poder Legislativo se estrutura e legitima a partir dos princípios da proporcionalidade e do pluralismo, o Executivo o faz a partir de uma lógica majoritária. Isso não significa, contudo, que o Parlamento não possa ser utilizado como estratégia para a disputa de cargos majoritários, sendo este um percurso comum na trajetória de diferentes lideranças políticas, cujas performances em Plenário são utilizadas para ampliar sua base eleitoral.

Referimo-nos aqui, portanto, a dois tipos de articulação discursiva de demandas. A primeira de tipo diferencial/institucionalista e a segunda de tipo equivalencial/populista. No primeiro caso, que diz respeito a demandas de grupos sociais específicos, os discursos são orientados para um sujeito político que coincide com os limites da comunidade e de seu sistema institucional e, portanto, não se orientam a partir de uma disputa hegemônica para alterá-los. Ao contrário, nas conformações de tipo populista, o caráter disruptivo/hegemônico está sempre presente. Discursos populistas se caracterizam por articularem diferentes segmentos sociais que se percebem oprimidos/excluídos/não atendidos pelo sistema de poder, e que reivindicam assumir o lugar da totalidade, conformando um novo sujeito/sistema político (Laclau, 2005Laclau, Ernesto. (2005), On Populist Reason. Londres, Verso.:134).

Nosso objetivo ao utilizar o conceito de populismo, por conseguinte, não foi problematizar a teoria laclauniana, ou refletir sobre os riscos que este tipo de fenômeno, enquanto prática discursiva e práxis governativa, pode oferecer à democracia liberal. Ao contrário, a razão populista foi utilizada apenas como ferramenta heurística para descrever os processos de articulação que permitiram uma mutação na performance de Jair Bolsonaro – originalmente, como representante de demandas institucionalistas/diferenciais no Poder Legislativo e, posteriormente, como representante de demandas equivalenciais/populistas, em uma construção hegemônica que lhe permitiu conquistar a Presidência da República.

Através da análise da trajetória parlamentar de Jair Bolsonaro, foi possível demonstrar sua consistência na representação dessas demandas diferenciais dentro de uma lógica institucional, mantendo os termos de Laclau para adjetivar a performance de um deputado que atuou como porta-voz de uma categoria determinada: militares, agentes de segurança pública, seus familiares e demais indivíduos com eles identificados. Essa lógica diferencial, todavia, foi se combinando com movimentos equivalenciais que compreendem a articulação de grupos, cujas demandas não atendidas se articularam em uma cadeia de equivalência formada a partir de outros pontos nodais, para além das reivindicações corporativas dos militares. Dentre eles, cabe elencar a crítica à esquerda e o saudosismo com relação à ditadura, bem como as ideias de segurança, ordem e família, como elementos que compõem o léxico identitário da classe média.

Nesse processo, Bolsonaro alterou seu perfil como representante, mantendo a congruência temática e ideológica com os militares e agentes de segurança pública, porém agregando novos segmentos através de suas demandas equivalenciais. Essas demandas não atendidas pelo sistema institucional vão conformando um sujeito político com pretensões hegemônicas, que passa a reivindicar o poder para remover os obstáculos que impedem seu reconhecimento. Esses obstáculos/ameaças são configurados discursivamente como pontos nodais de articulação entre os diferentes grupos que se reúnem nesse sujeito político. A análise de seus Projetos de Lei, discursos e votações, todavia, nos permitiu observar quais são esses elementos e quando eles surgem.

Deste modo, foi possível demonstrar que, a partir de 2006, este lugar foi ocupado pela crítica às elites políticas tradicionais, sobretudo aquela que ocupava o poder no momento em que tais discursos se configuraram. Referimo-nos aqui ao Partido dos Trabalhadores, líderes e partidos da base aliada, bem como aos grupos sociais que de alguma maneira foram favorecidos pelas políticas públicas adotadas ao longo de seu governo: classes populares, contempladas pelos programas de transferência de renda; trabalhadores formais, favorecidos pela elevação consistente do salário-mínimo, e minorias beneficiadas por políticas de ação afirmativa ao longo das administrações petistas. Através das performances de Bolsonaro – e de outras lideranças políticas, econômicas e sociais interessadas na interrupção do projeto petista –, é estabelecido um discurso de inimizade no qual esses grupos são responsabilizados pelo não atendimento das demandas daqueles que percebem excluídos: trabalhadores informais, empresários, profissionais liberais e outras categorias que se identificam com a classe média, embora não sejam reconhecidos como seus membros pelo restante da sociedade. Sobre o papel da “nova classe média”22 nessa conformação, ressaltamos a importância da pesquisa de Pinheiro-Machado e Scalco (2018)Pinheiro-Machado, Rosana; Scalco, Lucia Mury. (2018), “Da Esperança ao Ódio: Juventude, Política e Pobreza do Lulismo ao Bolsonarismo”. Cadernos IHU ideias, v. 16, n. 278, pp. 3-15. acerca das dinâmicas de ressignificação identitária pelas quais passaram os membros das classes populares que obtiveram um maior acesso ao consumo e à escolaridade ao longo das administrações petistas, porém tornaram-se críticos contumazes da esquerda e das políticas públicas que os beneficiaram. Por fim, somam-se elites nacionais e internacionais interessadas na disciplina fiscal e na remuneração dos seus investimentos financeiros, temerosos com a possibilidade de que a continuidade de governos centro-esquerdistas pudesse ameaçá-los23.

Estes conteúdos conformaram um discurso e um sujeito político cuja identidade se configura em um horizonte valorativo masculino e conservador, congruente com os demais governos caracterizados na segunda década do século XXI como “Nova Direita ou Populistas de Direita” (Silva, 2021). Não obstante é a identificação com a classe média e a ausência de menções às classes populares, suas demandas e símbolos, que pode ser considerada o principal resultado encontrado na pesquisa, na medida em que nos permite lançar luz sobre a sua atuação na Presidência da República24, mas também sobre a identidade e expectativa de seus eleitores.

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  • Silva, Mayra Goulart; Guedes, Luan; Frias, Paula. (2020), “Entre Pandemos e Pandora: O Populismo de Direita em Tempos Virais”, in: Augusto, Cristiane Brandão; dos Santos, Rogério Dultra. Pandemias e Pandemônio no Brasil. 1 ed. São Paulo, Tirant lo blanch, v.1, pp. 120-138.
  • Silva, Mayra Goulart; Guedes, Luan. (2021), “Populismo, Presidencialismo de Coalizão e os desafios da conjuntura política brasileira: teoria política e institucionalismo na análise do fenômeno Jair Bolsonaro”, in: Mendonça, D; Linhares, B. Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe - implicações teóricas e analíticas. 1 ed. São Paulo, Intermeios, v.1. p 120.
  • Silva, Mayra Goulart; Frias, Paula; Guedes, Luan. (2022), “Do Leme a Santa Cruz: a Territorialização Eleitoral de Jair Bolsonaro no Município do Rio de Janeiro”. Opinião Pública (UNICAMP), v. 28, pp. 92-125.
  • Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27.
  • Tarouco, Gabriela da Silva; Madeira, Rafael Machado. (2013), “Partidos, Programas e o Debate sobre Esquerda e Direita no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, v. 21, n. 45, pp. 149-165.
  • Tarouco, Gabriela da Silva; Vieira, Soraia Marcelino; Madeira, Rafael Machado. (2015), “Mensuração de Preferências Políticas: Análise de Manifestos Partidários”. Política Hoje. UFPE. Impresso.
  • Teixeira, Mauro Eustáquio Costa. (2013), “A democracia fardada: imaginário político e negação do dissenso durante a transição brasileira (1979-1988)”. AEDOS, n. 5, ed. 13, p. 58-79.
  • Veiga, Luciana Fernandes; Souza, Nelson Rosário de; Cervi, Emerson Urizzi. (2007), “As Estratégias de Retórica na Disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2004: PT, Mandatário, Versus PSDB, Desafiante”. Opinião Pública, v. 13, n. 1, pp. 51-73.
  • Weyland, Kurt. (2001), “Clarifying a Contested Concept: Populism in the Study of Latin American Politics”. Comparative Politics v. 34, n. 1, pp. 1-22.

Notas

  • 1
    . De acordo com Daniel Mendonça (2020Mendonça, Daniel. (2020), “Uma (Breve) Introdução ao Pensamento Pós-Estruturalista”. Paralelo 31, v. 2, n. 15, p. 150.:151), o termo “pós-estruturalismo” foi apresentado pela academia estadunidense para se referir a diferentes abordagens que, em comum, compartilham a recusa de uma leitura de mundo essencialista associada ao estruturalismo francês.
  • 2
    . A teoria e a metodologia empregadas na sistematização dos Projetos de Lei serão apresentadas na primeira e na segunda partes do texto.
  • 3
    . A distinção analítica entre os elementos que constituem o fenômeno estudado cumpre apenas uma função heurística e não corrobora o entendimento de que há uma separação entre práticas discursivas e não discursivas.
  • 4
    . Sobre o papel da mídia nos eventos que precipitaram a ascensão de Jair Bolsonaro, ver: Lana, Lígia. (2019), Crítica de mídia, sucesso de escândalo e narrativa política no Brasil hoje. RuMoRes, v. 13, n. 26:78-97. Parzianello, Geder. (2017), A retórica dos imorais: ensaio sobre mídia e política na argumentação sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Retórica e comunicação multidimensional. Cioccari, Deysi; Persichetti, Simonetta. (2019). Jair Bolsonaro: mídia, imagem e espetáculo na política brasileira. Anais de Resumos Expandidos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, v. 1, n. 2. Ituassu, Arthur et al. (2019), De Donald Trump a Jair Bolsonaro: democracia e comunicação política digital nas eleições de 2016, nos Estados Unidos, e 2018, no Brasil. In: 8º Congresso COMPOLÍTICA, Brasília–DF. Santana, Paulo Henrique Basilio. (2019), Midiatização da política em tempos de redes sociais digitais: a suposta campanha precoce de Jair Bolsonaro. Anais de Artigos do Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, v. 1, n. 3.
  • 5
    . Estes e outros fatos da biografia de Bolsonaro são detalhados em Retrato Narrado, uma série de reportagens conduzida pela jornalista Carol Pires e produzida pela Revista Novelo em parceria com a Piauí. Ver: https://piaui.folha.uol.com.br/radio-piaui/retrato-narrado/. Acesso em 10/06/2021.
  • 6
    . Setor responsável por organizar e classificar a produção legislativa dos deputados. É importante assinalar que essas categorias diferem das encontradas na ferramenta de busca do Portal da Câmara dos Deputados.
  • 7
    . No texto, a metodologia é apresentada em detalhes e discutida assim como em Jorge et al. (2018).
  • 8
    . A lista completa com as categorias pode ser acessada em: https://manifesto-project.wzb.eu/information/documents?name=handbook_v4
  • 9
    . O argumento acerca do perfil identitário de Bolsonaro e seus seguidores como sendo de classe média foi por mim desenvolvido em Silva, Santos e Guedes (2022), no qual abordo a territorialização do voto em Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. Sob uma perspectiva mais abrangente, o papel da chamada “nova classe média brasileira” na adesão ao bolsonarismo aparece em “Os humilhados serão exaltados: ressentimento e adesão evangélica ao Bolsonarismo” (Gracino Júnior, Silva, Santos, 2021).
  • 10
    . Sobre o período, ver: Serrano, Franklin. “Tequila ou tortilha? Notas sobre a economia brasileira nos noventa.” Revista Archetypon. set/dez (1998).
  • 11
    . A discussão sobre os limites da categoria de classe média e, sobretudo, sobre o processo de ascensão financeira e subsequentemente social e simbólica de alguns segmentos da classe trabalhadora é profícua e tem sido seguida de perto por mim. Espero explorá-la com melhor atenção nos próximos trabalhos, nos quais ambiciono um diálogo entre a configuração do sujeito político bolsonarista, a partir da metodologia aqui delineada, e os achados de pesquisa apresentados por Rosana Pinheiro Machado em: Pinheiro-Machado, R.; Scalco, L. M. (2020) e Pinheiro-Machado, R.; Scalco, L. M. (2022).
  • 12
    . Essa observação corrobora a conclusão de Ester Solano (2018Solano, Esther. (2018), “Crise da Democracia e Extremismos de Direita”. Análise Friedrich Ebert Stiftung, v. 42, n. 1, pp. 1-27. :24). Nas palavras da autora: “a adesão dos mercados a Bolsonaro se deu menos em virtude de seu discurso, haja vista o caráter recente de sua conversão aos princípios neoliberais, e mais em virtude da polarização com o PT”.
  • 13
    . O ministro da economia Paulo Guedes possui uma trajetória profissional e acadêmica com inequívoca orientação ortodoxa. Sua formação conta com mestrado e doutorado realizados na Universidade de Chicago, um dos mais relevantes centros de produção da teoria neoliberal.
  • 14
    . Sobre a relação entre os dois partidos, ver Veiga; Souza; Cervi (2007).
  • 15
    . O “Mensalão” foi um escândalo de compra de votos envolvendo repasses de empresas privadas em troca de apoio às medidas do Partido dos Trabalhadores (PT) no Congresso Nacional.
  • 16
    . Sobre a importância do antipetismo para a vitória de Jair Bolsonaro em 2018, Amaral (2020)Amaral, Oswaldo E. do. (2020), “The Victory of Jair Bolsonaro According to the Brazilian Electoral Study of 2018”. Brazilian Political Science Review, v. 14, n. 1. apresenta uma análise da pesquisa conduzida pelo Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), em parceria com oCESOP, Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade de Campinas.
  • 17
    . Fonte: Câmara dos Deputados. Disponível em https://bit.ly/3gmIykE
  • 18
    . Disponível em https://bit.ly/3aKpRG1
  • 19
    . Outra pesquisa está em andamento e seus resultados serão comentados em outros trabalhos.
  • 20
    . O “Episódio da Candelária” refere-se ao assassinato de oito jovens em situação de rua, que ocorreu em frente à igreja de mesmo nome no ano de 1993.
  • 21
    . Fonte: Câmara dos Deputados. Disponível em: https://bit.ly/2Q92QmH
  • 22
    . O adjetivo “nova” bem como as aspas denotam a dificuldade em incluir os segmentos ascendentes das classes trabalhadoras na classe média enquanto categoria de entendimento.
  • 23
    . Sobre a atuação das chamadas “comunidades epistêmicas ligadas à ideia de austeridade fiscal”, ao longo dos eventos que precipitaram a ascensão de Jair Bolsonaro e de seu governo, ver Pinho (2021). No texto, o autor disserta sobre o apoio desses atores que incluem o empresariado nacional e internacional, economistas ortodoxos, classes médias e altas, além de parlamentares do campo liberal conservadores e os conglomerados de mídia tradicional. Em comum, estes segmentos compartilham a ideia de que a Constituição de 1988 estabelece um marco jurídico incompatível com o orçamento brasileiro, o que configura um horizonte de indisciplina fiscal, atuando em prol de emendas e legislação infraconstitucional que reduzam o escopo de direitos e benefícios que impliquem transferência de renda aos cidadãos.
  • 24
    . No artigo, hipótese de que Bolsonaro dialoga preferencialmente com eleitores que se identificam como classe média foi demonstrada através da análise da sua votação no Rio de Janeiro ao longo de seus sete mandatos consecutivos como Deputado Federal.
  • *
    Este texto é o produto de uma pesquisa coletiva realizada pelos discentes do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), por mim coordenada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Agradeço a todos os envolvidos, em particular: Giulia Gouveia, pela revisão do texto, Luan Guedes e Paula Frias, por terem me ajudado na organização, na análise dos dados e na coordenação desse processo de aprendizado recíproco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2021
  • Revisado
    22 Jan 2022
  • Aceito
    7 Abr 2022
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