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Fake News e o Repertório Contemporâneo de Ação Política* * Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no VIII Congresso da COMPOLÍTICA, realizado na Universidade de Brasília (UnB), de 15 a 17 de maio de 2019. Somos gratos aos participantes do evento pelas contribuições e comentários. Também somos gratos a Mariana Abreu, pelo apoio em uma fase inicial de levantamento da literatura, e aos pareceristas anônimos de DADOS. Agradecemos, por fim, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (88887.370393/2019-00), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processos 168943/2017-4, 423218/2018-2 e 305813/2017-0) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) (CSA - PPM-00284-17) pelo apoio ao projeto a que se vincula este artigo.

Fake News and the Contemporary Repertoire of Political Action

Fake News et le Répertoire Contemporain de l’Action Politique

Fake News y el Repertorio Contemporáneo de la Acción Política

RESUMO

Este artigo busca compreender o fenômeno contemporâneo das fake news. Para tanto, parte de uma revisão de literatura acerca da noção, abordando: (1) suas definições; (2) os fatores que explicariam sua onipresença na discussão política contemporânea e as consequências desse processo; (3) os casos mais recorrentemente explorados pela literatura e seu desenvolvimento histórico; (4) os “antídotos” ou soluções propostas para lidar com o fenômeno. Na sequência, o artigo faz uma leitura da noção de fake news pelas lentes do conceito de repertório do confronto político e argumenta como alguns dos antídotos frequentemente imaginados não parecem adequados para lidar com o contexto atual de crise epistêmica.

fake news; repertório de confronto político; abundância comunicativa; pós-verdade; comunicação política

ABSTRACT

This article aims to comprehend the contemporary phenomenon of fake news. To do so, it begins with a literature review, addressing: (1) definitions of the concept; (2) the factors that would explain its ubiquity in contemporary political debate and the consequences of this process; (3) the cases most frequently explored by the literature and the concept’s historical development; (4) the “antidotes” or solutions proposed to address it. The article then assesses the concept of fake news through the repertoire of contention perspective and argues that some of the frequently prescribed antidotes do not seem adequate to tackle the current epistemic crisis scenario.

fake news; repertoire of contention; communicative abundance; post-truth; political communication

RÉSUMÉ

Cet article cherche à comprendre le phénomène contemporain des fake news. Il part donc d’une revue de la littérature sur cette notion, abordant : (1) ses définitions ; (2) les facteurs qui expliqueraient son omniprésence dans le débat politique contemporain et les conséquences de ce processus ; (3) les cas les plus fréquemment explorés dans la littérature et leur évolution historique; (4) les « antidotes » ou les solutions proposées pour faire face au phénomène. L’article lit ensuite la notion de fausses nouvelles à travers le prisme du concept de répertoire de confrontation politique et explique comment certains des antidotes souvent imaginés ne semblent pas adéquats pour faire face au contexte actuel de crise épistémique.

fake news; répertoire de confrontation politique; abondance communicative; post-vérité; communication politique

RESUMEN

Este artículo trata de entender el fenómeno contemporáneo de las fake news. Para ello, se parte de una revisión bibliográfica sobre la noción, abordando: (1) sus definiciones; (2) los factores que explicarían su omnipresencia en la discusión política contemporánea y las consecuencias de este proceso; (3) los casos más recurrentemente explorados por la literatura y su desarrollo histórico; (4) los “antídotos” o soluciones propuestas para enfrentar el fenómeno. En la secuencia, el artículo hace una lectura de la noción de fake news a través de las lentes del concepto de repertorio de confrontación política y argumenta cómo algunos de los antídotos a menudo imaginados no parecen adecuados para hacer frente al actual contexto de crisis epistémica.

fake news; repertorio de confrontación política; abundancia comunicativa; posverdad; comunicación política

INTRODUÇÃO

São constantes as menções às fake news na atualidade. Com a pandemia da Covid-19, essa situação ganhou novos contornos e implicações catastróficas. Acusações de notícias falsas envolvem temas muito diversos, criando um cenário de constante incerteza, em que até aquilo que é chamado de falso pode, na verdade, ser uma tentativa de ludibriar audiências por meio de fake fake news.

Certo é que o estatuto da verdade no mundo contemporâneo parece profunda e indelevelmente alterado. Diversos estudos têm se debruçado sobre o fenômeno no intuito por compreendê-lo, explorando definições e alternativas para mitigar seus efeitos. Há, contudo, muita cacofonia e diferentes tendências na agenda acadêmica sobre o tema. O presente artigo propõe-se a mapear linhas-chave da literatura atual sobre o tema e a avançar um argumento segundo o qual fake news devem ser pensadas como parte do repertório contemporâneo de confronto político. Tal compreensão, embora aparentemente simples, tem implicações significativas, sobretudo se se pensam antídotos para constranger a circulação de fake news e mitigar suas consequências.

O artigo está organizado em duas partes, além desta introdução e das considerações finais. A primeira delas fará uma organização da literatura sobre o tema. A segunda parte avançará o argumento de que as fake news podem ser pensadas como parte do repertório de confronto político contemporâneo, discutindo as implicações e dilemas desta perspectiva. Oferece-se, assim, um argumento que permanece subexplorado na literatura existente, suprindo uma lacuna que tem implicações na própria forma como essa agenda de pesquisa se configura e se desenvolve.

FAKE NEWS: UMA AGENDA EM EXPLOSÃO

O impacto da circulação das chamadas fake news sobre processos políticos muito relevantes da atualidade tem chamado a atenção de acadêmicos de diversos campos do conhecimento. Há uma enxurrada de pesquisas sobre a temática em diversas áreas. Essa agenda se fortalece a partir de 2016, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a escolha, pelo Dicionário Oxford, do termo “post-truth” como a palavra do ano (Berghel, 2017BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85.). O Dicionário australiano Macquarie elegeu “fake news” como a palavra do ano em 2016 (Shu et al., 2017SHU, Kai et al. (2017), “Fake News Detection on Social Media: A Data Mining Perspective”. SIGKDD Exploration, v. 19, n. 1, pp. 22-36.:22), afirmando haver uma tendência de as pessoas acreditarem no que lhes conviesse (Macquarie Dictionary Blog, 2017MACQUARIE DICTIONARY BLOG. (2017), The Committee’s Choice for Word of the Year 2016 goes to... [online]. Disponível em https://www.macquariedictionary.com.au/blog/article/431/. Acesso em 20/2/2019.
https://www.macquariedictionary.com.au/b...
).

Rápidas buscas pelos principais periódicos acadêmicos da área das humanidades permitem a identificação de centenas de artigos publicados sobre a temática entre 2017 e 2021. Essa literatura se debruça, em grande medida, sobre quatro focos: (1) definição do termo; (2) fatores explicativos e consequências do fenômeno; (3) história e casos específicos; (4) antídotos. Na sequência, exploraremos cada um desses eixos.

O Que São Fake News?

Se há um consenso na literatura sobre fake news é a inexistência de uma definição única do termo. De acordo com Joshua Habgood-Coote (2018)HABGOOD-COOTE, Joshua. (2018), “Stop Talking about Fake News!”. Inquiry, v. 62, n. 9-10, pp. 1033-1065., o termo não tem qualquer sentido público estável, nem oferece ganhos significativos. Carlson (2018)CARLSON, Matt. (2018), “Fake News as an Informational Moral Panic: The Symbolic Deviancy of Social Media during the 2016 US Presidential Election”. Information, Communication & Society, v. 23, n. 3, pp. 374-388. também ressalta a falta de clareza do significante e condena a narrativa de pânico moral gerado pelo debate sobre fake news, vinculando-a a uma tentativa da comunidade jornalística de assegurar o monopólio sobre a produção de notícias.

Parte da literatura procura sanar a polissemia ao buscar uma definição precisa. Humprecht (2018HUMPRECHT, Edda. (2018), “Where ‘Fake News’ Flourishes: A Comparison across Four Western Democracies”. Information, Communication & Society, v. 22, n. 13, pp. 1973-1988.:3), por exemplo, define fake news como “publicações online de declarações intencionalmente ou conhecidamente falsas sobre fatos, que são produzidas para servir a propósitos estratégicos e que são disseminadas para gerar influência social ou lucro”. Lazer et al. (2018LAZER, David M. J. et al. (2018), “The Science of Fake News”. Science, v. 359, n. 6380, pp. 1094-1096.:1094), por seu turno, afirmam tratar-se de “notícias fabricadas que imitam textos jornalísticos em sua forma, mas não em seu processo organizacional e na intenção”, para propagar mentiras. Assim, fake news teriam mais a ver com disinformation do que com misinformation, por buscar enganar e ludibriar audiências (Bakir, McStay, 2017BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22.; Cooke, 2017COOKE, Nicole A. (2017), “Posttruth, Truthiness, and Alternative Facts: Information Behavior and Critical Information Consumption for a New Age”. The Liberty Quarterly: Information, Community, Policy, v. 87, n. 3, pp. 211-221.; Haiden, Althuis, 2018HAIDEN, Leonie; ALTHUIS, Jente. (2018), “The Definitional Challenges of Fake News”. Anais do International Conference on Social Computing, Behavior-Cultural Modeling, and Prediction and Behavior Representation in Modeling and Simulation, Washington, Estados Unidos [online]. Disponível em http://sbp-brims.org/2018/proceedings/papers/challenge_papers/SBP-BRiMS_2018_paper_116.pdf. Acesso em 22/8/2018.
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; Lazer et al., 2018LAZER, David M. J. et al. (2018), “The Science of Fake News”. Science, v. 359, n. 6380, pp. 1094-1096.). Em algumas definições restritas, erros de reportagem, rumores, boatos e teorias da conspiração não seriam exemplos de fake news (Allcott, Gentzkow, 2017ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236.; Shu et al., 2017SHU, Kai et al. (2017), “Fake News Detection on Social Media: A Data Mining Perspective”. SIGKDD Exploration, v. 19, n. 1, pp. 22-36.).

Há, entretanto, quem busque não uma definição precisa, mas a apresentação da polissemia em torno do termo. Tandoc Jr., Lim e Ling (2018)TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153. propõem-se a organizar as múltiplas acepções de fake news na literatura acadêmica e delineiam uma tipologia composta por seis definições: sátira noticiosa, paródia de notícia, fabricação, manipulação, anúncio publicitário e propaganda. Tais definições orbitam em torno de dois grandes eixos estruturadores: a dimensão da facticidade (que diz do lastro factual das produções) e a dimensão intencional (que diz do intuito do produtor do conteúdo de ludibriar ou não suas audiências).

Segundo eles, inicialmente, o termo aparecia como referência a programas satíricos, que comentavam notícias de forma lúdica e exagerada (Tandoc Jr., Lim, Ling, 2018TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153.). São frequentes na literatura as referências aos programas norte-americanos de Stewart e Colbert, que produziam sátiras políticas ao apresentar notícias de forma bem-humorada (Borden, Tew, 2007BORDEN, Sandra L.; TEW, Chad. (2007), “The Role of Journalist and the Performance of Journalism: Ethical Lessons from ‘Fake’ News (Seriously)”. Journal of Mass Media Ethics, v. 22, n. 4, pp. 300-314.; Amarasingam, 2011AMARASINGAM, Amarnath (ed.). (2011), The Stewart/Colbert Effect: The Real Impacts of Fake News. Jefferson, Macfarland and Company.; Compton, 2011COMPTON, Josh. (2011). “Introduction Surveying Scholarship on The Daily Show and The Colbert Report”, in A. Amarasingam (ed.), The Stewart/Colbert Effect: The Real Impacts of Fake News. Jefferson, Macfarland and Company, pp. 9-23.; McBeth, Clemons, 2011MCBETH, Mark K.; CLEMONS, Randy S. (2011), “Is Fake News the Real News? The Significance of Stewart and Colbert for Democratic Discourse, Politics, and Policy”, in A. Amarasingam (ed.), The Stewart/Colbert Effect: The Real Impacts of Fake News. Jefferson, Macfarland and Company, pp. 79-98.; Day, Thompson, 2012DAY, Amber; THOMPSON, Ethan. (2012), “Live from New York, It’s the Fake News! Saturday Night Live and the (Non)Politics of Parody”. Popular Communication, v. 10, pp. 170-182.; Brewer, Young; Morreale, 2013BREWER, Paul R.; YOUNG, Dannagal Goldthwaite; MORREALE, Michelle. (2013), “The Impact of Real News about ‘Fake News’: Intertextual Process and Political Satire”. International Journal of Public Opinion Research, v. 15, n. 3, pp. 323-343.; Balmas, 2014BALMAS, Meital. (2014), “When Fake News Becomes Real: Combined Exposure to Multiple News Sources and Political Attitudes of Inefficacy, Alienation, and Cynicism”. Communication Research, v. 4, n. 3, pp. 430-454.; Cooke, 2017COOKE, Nicole A. (2017), “Posttruth, Truthiness, and Alternative Facts: Information Behavior and Critical Information Consumption for a New Age”. The Liberty Quarterly: Information, Community, Policy, v. 87, n. 3, pp. 211-221.). Fake news, aqui, não são vistas como um problema e há quem compreenda que possam ser pensadas como meios inovadores para a informação crítica (McChesney, 2011MCCHESNEY, Robert W. (2011), “Foreword”, in A. Amarasingam (ed.), The Stewart/Colbert Effect: The Real Impacts of Fake News. Jefferson, Macfarland and Company, pp.1-2.; Rubin, Chen, Conroy, 2018RUBIN, Victoria; CHEN, Yimin; CONROY, Niall J. (2018), “Technology can Help when Critical Thinking Fails”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 88-92.).

A segunda acepção descrita por Tandoc Jr. e colaboradores (2018)TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153. se liga à primeira, embora não se restrinja ao comentário satírico de notícias e envolva a construção de notícias sem base factual em formato que mimetiza os da mídia convencional. No Brasil, o Sensacionalista seria um exemplo interessante dessas paródias noticiosas, que satirizam não apenas personagens públicas mas o próprio jornalismo tradicional (Borden, Tew, 2007BORDEN, Sandra L.; TEW, Chad. (2007), “The Role of Journalist and the Performance of Journalism: Ethical Lessons from ‘Fake’ News (Seriously)”. Journal of Mass Media Ethics, v. 22, n. 4, pp. 300-314.; Roxo, Melo, 2018ROXO, Marco Antonio; MELO, Seane. (2018), “Hiperjornalismo: Uma Visada sobre Fake News a partir da Autoridade Jornalística”. Revista Famecos, v. 25, n. 3, pp. 1-19.). Para Chagas e Freire (2018CHAGAS, Viktor; FREIRE, Fernanda. (2018), “Quando o Jornalismo Político é uma Piada: Análise de Conteúdo Político do Sensacionalista e sua Repercussão em Mídias Sociais”. Rumores, v. 12, n. 24, pp. 271-292.:19), o compartilhamento de notícias fictícias oriundas de sites como o Sensacionalista seria responsável “por fomentar, através do humor, a discussão pública sobre pautas relacionadas à política”.

Se o humor seria a marca inicial do uso do termo fake news, sua definição logo teria começado a mudar, ainda de acordo com Tandoc Jr, Lim, Ling (2018)TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153., para cobrir a fabricação de notícias sem base factual a fim de obter ganhos políticos ou econômicos. Um dos exemplos que já se tornou clássico desse tipo de fake news é o caso dos adolescentes da Macedônia, durante as eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos (Berghel, 2017BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85.; Allcott, Gentzkow, 2017ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236.; Bakir, McStay, 2017BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22.; Bennett, Livingston, 2018BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.; Benkler, Faris; Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.; Delmazo, Valente, 2018DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas C. L. (2018), “Fake News nas Redes Sociais Online: Propagação e Reações à Desinformação em Busca de Cliques”. Media e Jornalismo, v. 18, n. 32, pp. 155-169.; Pangrazio, 2018PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22.).

A esta definição se vincula a quarta, que diz respeito à manipulação de imagens para criar falsa narrativa. Um dos exemplos de imagem manipulada e apresentada fora de contexto é uma foto da Guerra da Chechênia, que trazia um soldado russo em pé ao lado de uma vala cheia de corpos. Na imagem reportada pela TV estatal (Channel One/Perviy Kanal), em 2015, há a supressão da imagem do soldado e a afirmação de se tratar de um ataque do exército ucraniano (Khaldarova, Pantti, 2016KHALDAROVA, Irina; PANTTI, Mervi. (2016), “Fake News: The Narrative Battle over the Ukrainian Conflict”. Journalism Practice, v. 10, n. 7, pp. 891-901.; Haiden, Althuis, 2018HAIDEN, Leonie; ALTHUIS, Jente. (2018), “The Definitional Challenges of Fake News”. Anais do International Conference on Social Computing, Behavior-Cultural Modeling, and Prediction and Behavior Representation in Modeling and Simulation, Washington, Estados Unidos [online]. Disponível em http://sbp-brims.org/2018/proceedings/papers/challenge_papers/SBP-BRiMS_2018_paper_116.pdf. Acesso em 22/8/2018.
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).

A quinta categoria da tipologia de Tandoc Jr. e colaboradores (2018)TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153. diz de materiais publicitários que imitam o formato jornalístico. É comum que empresas publiquem anúncios em forma de reportagem, buscando conferir credibilidade a seus discursos. Vale simular o cenário de um programa de entrevistas ou reproduzir as marcas de diagramação de um veículo para que ao leitor se apresente o anúncio com as marcas de um outro contrato comunicativo.

Por fim, a sexta acepção da tipologia refere-se à propaganda política, que busca influenciar a percepção pública por meio de conteúdo supostamente informacional. É justamente aqui que grande parte do debate tem se concentrado, sobretudo para a compreensão do cenário comunicacional contemporâneo (Benkler, Faris, Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.; Gomes, Dourado, 2019GOMES, Wilson da Silva; DOURADO, Tatiana. (2019), “Fake News, um Fenômeno de Comunicação Política entre Jornalismo, Política e Democracia”. Estudos de Jornalismo e Mídia, v. 16, n. 2, pp. 33-45.; Bennett, Livingston, 2021BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press.). Brummette et al. (2018)BRUMMETTE, John. et al. (2018), “Read All about It: The Politicization of ‘Fake News’ on Twitter”. Journalism & Mass Communication Quarterly, v 95, n. 2, pp. 497-517. e Klein e Wueller (2017)KLEIN, David O.; WUELLER, Joshua R. (2017), “Fake News: A Legal Perspective”. Internet Law, v. 20, n. 10, pp. 5-13. chamam a atenção para a dimensão nociva da difusão de mentiras online. A partir do viés de confirmação e lidando com a tendência de construção de bolhas, tais propagandas enganosas circulam com velocidade, muitas vezes emulando formatos jornalísticos. Propagam-se, assim, informações que se encaixam em estruturas fechadas de autoconfirmação (Haiden, 2018HAIDEN, Leonie. (2018), “Tell me Lies, Tell me Sweet Little Lies”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; London, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 7-13.).

Além dessas seis definições, é possível adicionar, pelo menos, mais uma, que diz da utilização do termo para negar a veracidade de outros discursos, sobretudo, elaborados por organizações jornalísticas convencionais. Chamar as notícias de veículos tradicionais de fake news tornou-se prática constante por parte de lideranças políticas e ativistas, atacando a credibilidade de veículos de comunicação tradicionais e de políticos rivais (Waisbord, 2018WAISBORD, Silvio. (2018), “Truth Is What Happens to News”. Journalism Studies, v. 19, n. 13, pp. 1866-1878.; Lukamto, Gibbons, Carson, 2018LUKAMTO, William; GIBBONS, Andrew; CARSON, Andrea. (2018), “Weaponizing Fake News: How Australian Politicians Use ‘Fake News’ in Different Political Communication for”. Anais do 25th World Congress Political Science [online], Brisbane, Australia. Disponível em https://wc2018.ipsa.org/events/congress/wc2018/paper/fake-news-gone-viral-study-adoption-fake-news-terminologies-australian. Acesso em 22/8/2018.
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; Gorbach, 2018GORBACH, Julien. (2018), “Not your Grandpa’s Hoax: A Comparative History of Fake News”. American Journalism, v. 35, n. 2, pp. 236-249.). Nota-se, assim, a weaponization do termo, que é convertido em instrumento de ataque e defesa (Bennett, Livingston, 2021BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press.; Lukamto, Gibbons, Carson, 2018LUKAMTO, William; GIBBONS, Andrew; CARSON, Andrea. (2018), “Weaponizing Fake News: How Australian Politicians Use ‘Fake News’ in Different Political Communication for”. Anais do 25th World Congress Political Science [online], Brisbane, Australia. Disponível em https://wc2018.ipsa.org/events/congress/wc2018/paper/fake-news-gone-viral-study-adoption-fake-news-terminologies-australian. Acesso em 22/8/2018.
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). Para Bennett e Livingston (2018)BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139., quando pessoas públicas adotam tal estratégia, minam-se as bases de facticidade e começa-se a alimentar discursos públicos orientados por raiva, ódio, preconceito e mentiras.

Para os propósitos do presente artigo, o fenômeno da weaponization das fake news é particularmente relevante por permitir vislumbrar o cenário conflitivo em que são produzidas, consumidas e mobilizadas em batalhas simbólicas. Elas dizem mais da natureza de muitos conflitos políticos contemporâneos do que de padrões cognitivos e informacionais.

Por Que Há Tantas Fake News E Quais As Consequências Disso?

A literatura sobre fake news também é prolífica na tentativa de identificação dos fatores que teriam levado a uma profusão de notícias falsas na atualidade, bem como no mapeamento de suas consequências. Entre as explicações causais para a profusão de fake news, destacam-se, inicialmente, aquelas que identificam os elementos motivacionais para a produção e o compartilhamento das mesmas. Muitos estudos chamam a atenção para a sobreposição de interesses econômicos e ideológicos na explicação do porquê de indivíduos e organizações dedicarem-se à produção de notícias falsas. Há indivíduos sem qualquer finalidade política que desejam obter cliques e, assim, verba publicitária, por meio de dispositivos como o Google AdSense (Allcott, Gentzkow, 2017ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236.; Bakir, McStay, 2017BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22.; Berghel, 2017BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85.; Powers, 2018POWERS, Elia. (2018), “The Fight against Fake News Will Be Ongoing”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 79-87.; Bennett, Livingston, 2018BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.; Althuis, Strand, 2018ALTHUIS, Jente; STRAND, Siri. (2018), “Countering Fake News”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; Londres, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 68-77.; Benkler, Faris, Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.; Pangrazio, 2018PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22.; Delmazo, Valente, 2018DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas C. L. (2018), “Fake News nas Redes Sociais Online: Propagação e Reações à Desinformação em Busca de Cliques”. Media e Jornalismo, v. 18, n. 32, pp. 155-169.). É inegável, por outro lado, o crescimento da produção e circulação de conteúdo falso com o fim de produzir consequências políticas, beneficiando certos atores (Bennett, Livingston, 2021BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press.).

No que concerne a motivações individuais, Bakir e McStay (2017)BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22. ressaltam que o sentimento de pertencimento, de companheirismo (“fellow-fedding”) torna-se um grande impulsionador a incentivar compartilhamentos, anuências e apoio ao que quer que seja. Em outras palavras, há um comportamento emocional de grupo que leva à sistemática circulação de conteúdos falsos, ponto muito importante para o argumento que desenvolvemos na segunda parte do artigo. Outros dois fatores psicológicos também chamam a atenção entre estudiosos do fenômeno: o realismo naïve (os consumidores tendem a acreditar que suas percepções da realidade são as corretas, enquanto os outros são considerados desinformados); e o viés de confirmação (os consumidores buscam apenas informações que confirmam seu ponto de vista) (Shu et al., 2017SHU, Kai et al. (2017), “Fake News Detection on Social Media: A Data Mining Perspective”. SIGKDD Exploration, v. 19, n. 1, pp. 22-36.; Wainberg, 2018WAINBERG, Jacques Alkalai. (2018), “Mensagens Fakes, as Emoções Coletivas e as Teorias Conspiratórias”. Galaxia, n. 39, pp. 150-164.). Para Gorbach (2018GORBACH, Julien. (2018), “Not your Grandpa’s Hoax: A Comparative History of Fake News”. American Journalism, v. 35, n. 2, pp. 236-249.:243), essa sempre foi a principal razão para a circulação de mentiras: “Muitos dizem às pessoas o que elas querem ouvir”.

Fatores sociodemográficos também importam. Parte da literatura chama a atenção para aspectos que tornariam alguns sujeitos mais suscetíveis ao contexto de desinformação. Buscando variáveis que ajudassem a entender o fenômeno, Allcott e Gentzkow (2017)ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236. identificaram três correlações importantes entre os norte-americanos com maior probabilidade de crer em fake news: os que gastam menos tempo consumindo mídia; os com menos educação formal; e os mais jovens. Conroy, Rubin e Chen (2015)CONROY, Nadia K.; RUBIN, Victoria L.; CHEN, Yimin. (2015), “Automatic Deception Detection: Methods for Finding Fake News”. Asis&T, v. 52, n. 1, pp. 6-10. e Pangrazio (2018)PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22. também argumentam que o baixo nível de leitura e interpretação de textos nutre o cenário de forte circulação de fake news.

Se motivações psicológicas e fatores sociodemográficos importam, eles não contam toda a história. Há uma série de transformações sociais que afetaram centralmente o cenário de produção comunicacional. A literatura é unânime em reconhecer o papel da digitalização da produção e do consumo de notícias como um fator preponderante a explicar o fenômeno. Como assinalam Gomes e Dourado (2019GOMES, Wilson da Silva; DOURADO, Tatiana. (2019), “Fake News, um Fenômeno de Comunicação Política entre Jornalismo, Política e Democracia”. Estudos de Jornalismo e Mídia, v. 16, n. 2, pp. 33-45.:36), “raramente alguém põe em dúvida hoje o fato de fake news serem criaturas essencialmente digitais”. A digitalização teria mudado a forma e a circulação de notícias, além de abrir a possibilidade para que amadores alcançassem audiências massivas (Coiro-Moraes, Farias, 2017COIRO-MORAES, Ana Luiza; FARIAS, Victor Varcelly Medeiros. (2017), “O Exercício da Cidadania: Da Ágora Grega ao Site de Rede Social Digital”. Extraprensa, v. 11, pp. 74-91.; Chadwick, Vaccari, O’Loughlin, 2018CHADWICK, Andrew.; VACCARI, Cristian; O’LOUGHLIN, Ben. (2018), “Do Tabloids Poison the Well of Social Media? Explaining Democratically Dysfunctional News Sharing”. New Media & Society, v. 20, n. 11, pp. 4255-4274.; Costa, 2018COSTA, Caio Túlio. (2018), “Verdades e Mentiras no Ecossistema Digital”. Revista USP, n. 116, pp. 7-18.; Rothberg, Berti, 2019ROTHBERG, Danilo; BERTI, Pedro Luis Bueno. (2019), “Cultura Cívica e Esfera Pública: Estudo Comparado de Conversação Política nos Portais VotenaWeb e ISideWith”. Revista Compolítica, v. 9, n. 2, pp. 5-36.).

Prazeres e Ratier (2020)PRAZERES, Michelle; RATIER, Rodrigo. (2020), “O Fake é Fast? Velocidade, Desinformação, Qualidade do Jornalismo e Media Literacy”. Estudos de Jornalismo e Mídia, v. 17, n. 1, pp. 86-95. assinalam uma mudança do ecossistema midiático que se liga ao volume e à velocidade da produção de conteúdos comunicacionais: à medida que audiências não mais conseguem processar a quantidade de informação disponível, criam-se condições para a redução da qualidade do que é produzido. Na mesma linha, Genesini (2018)GENESINI, Silvio. (2018), “A Pós-Verdade é uma Notícia Falsa”. Revista USP, n. 116, pp. 45-58. salienta o papel da velocidade na disseminação da desinformação. O cenário midiático digitalizado teria permitido a circulação rápida e em larga escala de conteúdos falsos, dificultando a verificação dos mesmos (Waisbord, 2018WAISBORD, Silvio. (2018), “Truth Is What Happens to News”. Journalism Studies, v. 19, n. 13, pp. 1866-1878.) e eximindo usuários de responsabilidades (Bakir, McStay, 2017BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22.). Como bem lembra Cooke (2017COOKE, Nicole A. (2017), “Posttruth, Truthiness, and Alternative Facts: Information Behavior and Critical Information Consumption for a New Age”. The Liberty Quarterly: Information, Community, Policy, v. 87, n. 3, pp. 211-221.:214), a expressão “TL;DR” (“too long, didn’t read”; “longo demais, não li”), comumente inserida antes de links compartilhados, permite que se publique em sua rede algo que sequer sabe-se de fato do que se trata.

A estruturação de comunidades homofílicas, facilitada pelos usos que se faz hoje das tecnologias digitais, criaria condições adequadas para que as mentiras se espalhassem sem o devido escrutínio (Brummette et al., 2018BRUMMETTE, John. et al. (2018), “Read All about It: The Politicization of ‘Fake News’ on Twitter”. Journalism & Mass Communication Quarterly, v 95, n. 2, pp. 497-517.; Gorbach, 2018GORBACH, Julien. (2018), “Not your Grandpa’s Hoax: A Comparative History of Fake News”. American Journalism, v. 35, n. 2, pp. 236-249.; Althuis, Strand, 2018ALTHUIS, Jente; STRAND, Siri. (2018), “Countering Fake News”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; Londres, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 68-77.; Pangrazio, 2018PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22.). A gratificação instantânea associada ao compartilhamento online de textos, a vinculação a algo maior do que o próprio usuário e as reações dos amigos virtuais, sobretudo em meio às bolhas, encorajam a propagação de fake news (Cooke, 2017COOKE, Nicole A. (2017), “Posttruth, Truthiness, and Alternative Facts: Information Behavior and Critical Information Consumption for a New Age”. The Liberty Quarterly: Information, Community, Policy, v. 87, n. 3, pp. 211-221.; Pangrazio, 2018PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22.). Ainda que as plataformas de mídias sociais se alimentem grandemente da atenção gerada por divergências de opiniões presentes nas redes, os processos de personalização do consumo informativo podem levar à radicalização de grupos online e à polarização a ela vinculada, vistas como indutoras da propagação de desinformação (Allcott, Gentzkow, 2017ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236.; Berghel, 2017BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85.; Benkler, Faris, Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.; Bennett, Livingston, 2021BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press.).

A dinâmica de operação das plataformas digitais e a reprodução social de vieses objetificados em algoritmos mostram que esses processos não são meramente escolhas comportamentais individuais, mas se ligam a fenômenos mais amplos de reconfiguração da forma como lidamos com informações. Seja por meio de curtidas, compartilhamentos ou buscas, os robôs de plataformas digitais teriam papel relevante na proliferação de fake news (Lazer et al., 2018LAZER, David M. J. et al. (2018), “The Science of Fake News”. Science, v. 359, n. 6380, pp. 1094-1096.). Em 2017, quando o Twitter contava com 330 milhões de usuários, calculava-se que, entre as contas, havia de 9% a 15% que eram bots, ou seja, 29 milhões (Varol et al., 2017VAROL, Onur et al. (2017), “Online Human-Bot Interactions: Detection, Estimation, and Characterization”. Anais do 11th International AAAI Conference on Web and Social Media [online]. Disponível em: https://aaai.org/ocs/index.php/ICWSM/ICWSM17/paper/view/15587/14817. Acesso em 1/7/2020.
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). Além disso, estima-se que mais de 60 milhões de perfis falsos tenham infestado o Facebook com conteúdo político durante as eleições de 2016 dos Estados Unidos. A forte presença de robôs contribui para impulsionar um ciclo autoalimentado de informações não verificadas.

Para além da revolução tecnológica da digitalização, outros fatores contextuais são tidos como relevantes. Bennett e Livingston (2021)BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press. e Haiden e Althuis (2018)HAIDEN, Leonie; ALTHUIS, Jente. (2018), “The Definitional Challenges of Fake News”. Anais do International Conference on Social Computing, Behavior-Cultural Modeling, and Prediction and Behavior Representation in Modeling and Simulation, Washington, Estados Unidos [online]. Disponível em http://sbp-brims.org/2018/proceedings/papers/challenge_papers/SBP-BRiMS_2018_paper_116.pdf. Acesso em 22/8/2018.
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defendem que a erosão das instituições e a percepção de crise estimularam a circulação de fake news. Em estudo comparativo sobre os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha e a Áustria, Humprecht (2018)HUMPRECHT, Edda. (2018), “Where ‘Fake News’ Flourishes: A Comparison across Four Western Democracies”. Information, Communication & Society, v. 22, n. 13, pp. 1973-1988. demonstra que os níveis de confiança nas instituições são uma variável muito importante na explicação do fenômeno. O estudo evidencia como a prática de desacreditar da mídia é constante em todos os contextos de forte circulação de fake news. Segundo Allcott e Gentzkow (2017)ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236., a redução da credibilidade nos veículos tradicionais pode ser tanto uma causa quanto uma consequência de as fake news ganharem mais força.

Nota-se, assim, o entrecruzamento de variáveis motivacionais, demográficas e contextuais na construção de um ambiente propício ao florescimento de notícias falsas. É esse cruzamento de fatores que parece viabilizar a ubiquidade do fenômeno. Para o argumento apresentado neste artigo, interessa perceber como a confluência desses fatores contribui para o questionamento do estatuto da verdade, mais do que para a circulação de inverdades, como abordaremos na segunda parte do artigo.

São As Fake News Uma Criação Do Século XXI?

A literatura sobre fake news tende a ressaltar a novidade contemporânea do cenário de forte circulação de inverdades. Isso não significa que se julgue que a desinformação seja algo novo. Há uma forte preocupação em historicizar as fake news até para que se identifique a especificidade da atualidade.

De acordo com o levantamento feito pelo historiador Robert Darnton (2017)DARNTON, Robert. (2017), “A Verdadeira História das Notícias Falsas”. El País Brasil [online],. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/28/cultura/1493389536_863123.html. Acesso em 16/10/2018, s.p.
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, as fake news podem ser encontradas em quase todas as épocas da Europa ocidental. Um exemplo disso dataria ainda do século VI, quando o historiador bizantino Procópio escreveu o livro História Secreta, repleto de histórias de veracidade duvidosa, com o objetivo de arruinar a reputação do imperador Justiniano. A difamação de personagens públicas com notícias falsas seria uma constante histórica, inspirando os pasquins. Os canards parisienses, que circularam entre os séculos XVII e XIX, também ficaram famosos pelos boatos e falsas notícias que recheavam suas páginas. Nos Estados Unidos, Gorbach (2018)GORBACH, Julien. (2018), “Not your Grandpa’s Hoax: A Comparative History of Fake News”. American Journalism, v. 35, n. 2, pp. 236-249. lembra a forte tradição no século XIX de divulgação de textos fictícios farsescos por jornais. Tais farsas antecederam a tabloidização do jornalismo com as fofocas sobre celebridades (Allcott, Gentzkow, 2017ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236.; Pennycook, Rand, 2019PENNYCOOK, Gordon; RAND, David G. (2019), “Lazy, not Biased: Susceptibility to Partisan Fake News is Better Explained by Lack of Reasoning than by Motivated Reasoning”. Cognition, v. 188, pp. 39-50.).

Apesar desse longo histórico de publicação de embustes e de notícias falsas, Gorbach (2018)GORBACH, Julien. (2018), “Not your Grandpa’s Hoax: A Comparative History of Fake News”. American Journalism, v. 35, n. 2, pp. 236-249. reconhece as especificidades da cena atual, incluindo a recorrência das tentativas deliberadas de ludibriar, a crise da democracia e os riscos em termos de catástrofes globais. Ao atentar para o potencial catastrófico das fake news mais recentes, Waisbord (2018)WAISBORD, Silvio. (2018), “Truth Is What Happens to News”. Journalism Studies, v. 19, n. 13, pp. 1866-1878. lembra que temas tão sensíveis como a AIDS, as vacinas, a fluoridificação da água, as mudanças climáticas e os genocídios em várias partes do globo já abasteceram fluxos de inverdades. É no século XXI, contudo, que a circulação de fake news (sobretudo as políticas) atinge novos patamares.

A eleição de Barack Obama chamou a atenção de estudiosos pela força e capilaridade da campanha de inverdades contra o primeiro presidente negro dos Estados Unidos (Allcott, Gentzkow, 2017ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. (2017), “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236.; Bennett, Livingston, 2018BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.; Kiely, Robertson, 2018KIELY, Eugene; ROBERTSON, Lori. (2018), “Everyone should Learn how to Spot Fake News”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 64-72.; Williams, 2018WILLIAMS, Lauren C. (2018), “We Must Look beyond the Message We Want to Hear”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 93-100.). Basta lembrar toda a querela em torno de sua nacionalidade. Pesquisadores são unânimes, contudo, em apontar o ano de 2016 como um divisor de águas, dado o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e as eleições dos EUA (Brummette et al., 2018BRUMMETTE, John. et al. (2018), “Read All about It: The Politicization of ‘Fake News’ on Twitter”. Journalism & Mass Communication Quarterly, v 95, n. 2, pp. 497-517.; Chadwick, Vaccari, O’Loughlin, 2018CHADWICK, Andrew.; VACCARI, Cristian; O’LOUGHLIN, Ben. (2018), “Do Tabloids Poison the Well of Social Media? Explaining Democratically Dysfunctional News Sharing”. New Media & Society, v. 20, n. 11, pp. 4255-4274.; Delmazo, Valente, 2018DELMAZO, Caroline; VALENTE, Jonas C. L. (2018), “Fake News nas Redes Sociais Online: Propagação e Reações à Desinformação em Busca de Cliques”. Media e Jornalismo, v. 18, n. 32, pp. 155-169.; Humprecht, 2018HUMPRECHT, Edda. (2018), “Where ‘Fake News’ Flourishes: A Comparison across Four Western Democracies”. Information, Communication & Society, v. 22, n. 13, pp. 1973-1988.). A eleição de Trump tornou-se ainda mais famosa não apenas pelo volume, criatividade e consequência da circulação de fake news, mas também pelo fato de os próprios protagonistas das campanhas denunciarem a todo momento os supostos enredos de inverdades em que se situavam. O caso mais relatado na literatura é a do Pizzagate (Habgood-Coote, 2018HABGOOD-COOTE, Joshua. (2018), “Stop Talking about Fake News!”. Inquiry, v. 62, n. 9-10, pp. 1033-1065.; Kiely, Robertson, 2018KIELY, Eugene; ROBERTSON, Lori. (2018), “Everyone should Learn how to Spot Fake News”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 64-72.; Tandoc Jr., Lim, Ling, 2018TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153.): uma teoria da conspiração segundo a qual uma pizzaria de Washington serviria de fachada para abuso contra crianças por parte de uma quadrilha ligada a Hillary Clinton. A crença nessa história culminou com um homem armado que entrou no restaurante, em 4 de dezembro de 2016, a fim de averiguar o caso por si mesmo. O caso está na base de muitas das narrativas atuais em torno do QAnon, a teoria conspiratória que cresceu durante o mandado de Trump e impulsionou muitos dos que invadiram o Capitólio, em janeiro de 2021.

Fato é que o tema das fake news adquiriu centralidade e atravessa eventos-chave da política contemporânea. Das campanhas eleitorais em grandes democracias, como o Brasil (2018), a Nigéria (2019) e a Índia (2019), até as relações diplomáticas entre Estados Nacionais1 1 . Tandoc Jr., Lim e Ling (2018) afirmam, por exemplo, que o ministro da Defesa do Paquistão publicou, em 23 de dezembro de 2016, uma ameaça no Twitter depois de ver um falso relato de que Israel teria ameaçado o país com armas nucleares. , passando pela formação da opinião pública em torno de políticas públicas2 2 . Devereux e Power (2019) ilustram essa questão com um exemplo da Irlanda, onde uma campanha contra uma política social foi construída a partir de notícias falsas e dados manipulados, que foram amplamente reverberados pelos media. , pelas ondas de violência coletiva e linchamentos públicos3 3 . Reportagem do New York Times sobre a questão está disponível em: <https://www.nytimes.com/interactive/2018/07/18/technology/whatsapp-india-killings.html?action=click&module=RelatedCoverage&pgtype=Article®ion=Footer>. Acesso em 8/3/2019. ou pela pandemia de Covid-194 4 . Bavel et al. (2020) analisam o perigo da desinformação no crescimento da pandemia. , as fake news estão no cerne da política hodierna. O Brasil é, sem dúvida, um palco privilegiado da circulação de mentiras, como deixaram muito claras não apenas as eleições de 2018, mas também a experiência pandêmica. A força do WhatsApp na organização de redes orgânicas que operam na fronteira entre o público e o privado é um dos fatores a contribuir para a sistemática difusão de fake news (Santos et al., 2019SANTOS, João Guilherme Bastos dos et al. (2019), “WhatsApp, Política Mobile e Desinformação: A Hidra nas Eleições Presidenciais de 2018”. Comunicação e Sociedade, v. 41, n. 2, pp. 304-337.).

No âmbito deste artigo, interessa observar um aspecto específico dessa novidade do fenômeno. A ubiquidade da desinformação torna particularmente infrutífero pensar os casos isolados sem levar em conta o contexto mais amplo em que a própria ideia de verdade parece perder força normativa. Há uma saturação de mentiras em tantos espaços a todo momento, que pode parecer especialmente sem sentido diferenciar verdades e mentiras. A novidade não é a existência da mentira, mas uma configuração de um contexto em que se torna socialmente aceito apontar que verdades e mentiras não são tão claramente demarcáveis e se fundem frequentemente.

Como Lidar com as Fake News?

Os desafios gerados pelas fake news à democracia e à própria sobrevivência da humanidade são evidentes (Shu et al., 2017SHU, Kai et al. (2017), “Fake News Detection on Social Media: A Data Mining Perspective”. SIGKDD Exploration, v. 19, n. 1, pp. 22-36.). Em 2013, o Fórum Econômico Mundial identificou “a desinformação digital massiva” (massive digital misinformation) como uma das principais ameaças à sociedade. E o termo infodemia fez-se mundialmente conhecido na pandemia de Covid-19. Alguns percebem as fake news como uma ameaça à segurança nacional, o que resulta em uma tendência a tentar encontrar um ator malicioso, com o objetivo de erradicar o problema (Haiden, Althuis, 2018HAIDEN, Leonie; ALTHUIS, Jente. (2018), “The Definitional Challenges of Fake News”. Anais do International Conference on Social Computing, Behavior-Cultural Modeling, and Prediction and Behavior Representation in Modeling and Simulation, Washington, Estados Unidos [online]. Disponível em http://sbp-brims.org/2018/proceedings/papers/challenge_papers/SBP-BRiMS_2018_paper_116.pdf. Acesso em 22/8/2018.
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).

A crise epistêmica é, no entanto, profunda e ultrapassa atos isolados (Benkler, Faris, Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.). Nessa mesma linha, Marres (2018)MARRES, Noortje. (2018), “Why We Can’t Have our Facts Back”. Engaging Science, Technology, and Society, v. 4, pp. 423-443. assinala que não há possibilidade de um mero retorno demarcatório entre verdade e mentira, dada a própria natureza da esfera pública contemporânea. Diante da constatação de que o problema tem consequências de ampla magnitude, a literatura se ocupa em pensar formas de confrontá-lo ou de mitigar seus efeitos. O conjunto de antídotos contra as fake news pode ser organizado em quatro grupos: os técnicos, os jornalísticos, os comportamentais e os legais/políticos.

O primeiro grupo de antídotos envolve um conjunto de soluções técnicas que poderiam constranger a circulação de notícias falsas. Cabe mencionar as atualizações do WhatsApp no sentido de restringir a velocidade e o volume de compartilhamentos pela plataforma, o que foi feito, sobretudo, em face do temor do que os fluxos da rede poderiam fazer nas eleições de 2019 na Índia5 5 . Disponível em: <https://edition.cnn.com/2019/01/21/tech/whatsapp-forwarding-limits-india/index.html>. Acesso em 8/3/2019. . Há de se ponderar, todavia, os limites destas iniciativas das próprias plataformas, como evidenciam as denúncias de uma ex-funcionária do Facebook sobre a preferência da empresa em manter seus lucros a construir um ambiente comunicativo mais seguro e inóspito à desinformação6 6 . Disponível em: <14/10/2021. . Também convém manter sempre em vista os limites dos solucionismos tecnológicos, abordados por Morozov (2014)MOROZOV, Evgeny. (2014), To Save Everything, Click Here. New York, Public Affairs.. O problema da desinformação é fundamentalmente social e político e soluções técnicas são úteis, mas não atacam a raiz do problema.

As tentativas de emprego de machine learning para identificar e evitar a circulação de notícias falsas também ganharam expressão nos últimos anos (Conroy, Rubin, Chen, 2015CONROY, Nadia K.; RUBIN, Victoria L.; CHEN, Yimin. (2015), “Automatic Deception Detection: Methods for Finding Fake News”. Asis&T, v. 52, n. 1, pp. 6-10.; Shu et al., 2017SHU, Kai et al. (2017), “Fake News Detection on Social Media: A Data Mining Perspective”. SIGKDD Exploration, v. 19, n. 1, pp. 22-36.; Reis et al., 2019REIS, Julio C. S. et al. (2019), “Supervised Learning for Fake News Detection”. IEEE Intelligent Systems, v. 34, n. 2, pp. 76-81.). De diferentes maneiras, elas buscam modelar padrões linguísticos e interacionais de difusão de desinformação, estruturando ferramentas que buscam detectar fake news.

A sugestão tecnológica de Berghel (2017)BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85., por sua vez, demanda a avaliação de jornalistas e acadêmicos para atestar a veracidade do conteúdo processado automaticamente. Ela permite, assim, que façamos a transição para o segundo grupo a ser aqui explorado. Há ampla literatura a prescrever mais jornalismo como forma de limitar a circulação de inverdades. Por mais jornalismo entende-se um conjunto amplo e variado de práticas. A primeira e mais evidente refere-se a iniciativas de fact-checking, que têm se difundido em vários contextos (Dourado, 2019DOURADO, Tatiana M. (2019), “Fact-checking como Possibilidade de Media Accountability sobre o Discurso Político? Uma Análise de Conteúdo das Iniciativas aos Fatos, Lupa e Truco”. Revista Compolítica, v. 9, n. 2, pp. 93-111.; Bakir, McStay, 2017BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22.; Humprecht, 2018HUMPRECHT, Edda. (2018), “Where ‘Fake News’ Flourishes: A Comparison across Four Western Democracies”. Information, Communication & Society, v. 22, n. 13, pp. 1973-1988.; Bennett, Livingston, 2018BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.; Guess, Nyhan, Reifler, 2018GUESS, Andrew M.; NYHAN, Brendan; REIFLER, Jason. (2018), “Selective Exposure to Misinformation: Evidence from the Consumption of Fake News during the 2016 U.S. Presidential Campaign”. European Research Council, pp. 1-49.; Santos, 2020SANTOS, Nina. (2020). “Fontes de Informação nas Redes pró e contra o Discurso de Bolsonaro sobre o Coronavírus”. E-Compós, v. 24, pp. 1-19.). Em alguns casos, tal verificação ocorre por meio de práticas colaborativas, em ações de crowdsourcing (Khaldarova, Pantti, 2016KHALDAROVA, Irina; PANTTI, Mervi. (2016), “Fake News: The Narrative Battle over the Ukrainian Conflict”. Journalism Practice, v. 10, n. 7, pp. 891-901.; Klein, Wueller, 2017KLEIN, David O.; WUELLER, Joshua R. (2017), “Fake News: A Legal Perspective”. Internet Law, v. 20, n. 10, pp. 5-13.). Apesar da relevância de tais iniciativas, Berghel (2017)BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85. frisa que pessoas podem simplesmente ignorar tais serviços. Marres (2018)MARRES, Noortje. (2018), “Why We Can’t Have our Facts Back”. Engaging Science, Technology, and Society, v. 4, pp. 423-443. também questiona o esforço da estratégia de demarcação entre fato ou fake, apontando que a própria ideia de fato tem se transformado, assim como a autoridade epistêmica de quem os define.

Ainda no campo dos antídotos jornalísticos, há quem sugira a centralidade de novos formatos noticiosos como modo de aprimoramento do conteúdo crítico em circulação na esfera pública. É o que propõem vários pesquisadores que se debruçam sobre o fenômeno das sátiras jornalísticas, que relatariam fatos de forma acessível e engajada (McChesney, 2011MCCHESNEY, Robert W. (2011), “Foreword”, in A. Amarasingam (ed.), The Stewart/Colbert Effect: The Real Impacts of Fake News. Jefferson, Macfarland and Company, pp.1-2.; McBeth, Clemons, 2011MCBETH, Mark K.; CLEMONS, Randy S. (2011), “Is Fake News the Real News? The Significance of Stewart and Colbert for Democratic Discourse, Politics, and Policy”, in A. Amarasingam (ed.), The Stewart/Colbert Effect: The Real Impacts of Fake News. Jefferson, Macfarland and Company, pp. 79-98.). Lembra-se, todavia, que as sátiras também necessitam de uma cultura jornalística forte e que tenha mecanismos de verificação inclusive de seus conteúdos (Williams, Delli Carpini, 2011WILLIAMS, Bruce A.; DELLI CARPINI, Michael X. (2011), After Broadcast News: Media Regimes, Democracy, and the New Information Environment. New York, Cambridge University Press.). Justamente por isso, a prescrição mais ampla desses pesquisadores passa pelo fortalecimento da cultura jornalística, pela credibilidade da mídia e pelas rotinas necessárias à certificação de conteúdo.

O contexto contemporâneo evidencia, todavia, que os jornalistas não serão capazes de determinar sozinhos o que é verdade (Waisbord, 2018WAISBORD, Silvio. (2018), “Truth Is What Happens to News”. Journalism Studies, v. 19, n. 13, pp. 1866-1878.). É preciso considerar que “fake news são co-construídas pela audiência, dado que sua falsidade depende muito de a audiência perceber o falso como real” (Tandoc Jr., Lim, Ling, 2018TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153.:148). Isso nos leva ao terceiro grupo de soluções propostas para o enfrentamento das fake news: seria necessário induzir certos comportamentos dos cidadãos para obstruir a marcha das inverdades. Como afirma Berghel (2017)BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85., não basta olhar para a oferta de fake news, fazendo-se fundamental entender a demanda.

Há vasta literatura a defender o aprimoramento educacional dos cidadãos desde cedo nos currículos de crianças, de modo a fomentar a análise crítica de informações recebidas (Balmas, 2014BALMAS, Meital. (2014), “When Fake News Becomes Real: Combined Exposure to Multiple News Sources and Political Attitudes of Inefficacy, Alienation, and Cynicism”. Communication Research, v. 4, n. 3, pp. 430-454.; Allcott, Gentzkow, 2017; Berghel, 2017BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85.; Althuis, Strand, 2018ALTHUIS, Jente; STRAND, Siri. (2018), “Countering Fake News”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; Londres, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 68-77.; Lazer et al., 2018LAZER, David M. J. et al. (2018), “The Science of Fake News”. Science, v. 359, n. 6380, pp. 1094-1096.; Rubin, Chen, Conroy, 2018RUBIN, Victoria; CHEN, Yimin; CONROY, Niall J. (2018), “Technology can Help when Critical Thinking Fails”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 88-92.; Pangrazio, 2018PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22.). Williams (2018)WILLIAMS, Lauren C. (2018), “We Must Look beyond the Message We Want to Hear”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 93-100. acredita que, mesmo que não seja possível evitar que as pessoas consumam fake news, é possível prepará-las para que tenham ciência dos riscos a que estão sujeitas. Waisbord (2018)WAISBORD, Silvio. (2018), “Truth Is What Happens to News”. Journalism Studies, v. 19, n. 13, pp. 1866-1878. ressalta a força dos argumentos, na literatura da área, em favor da urgência de educação dos cidadãos e lembra da ampla produção de guias didáticos pelas próprias mídias sociais para ajudar na detecção de fake news.

Para alguns pesquisadores, a observância de cuidados simples poderia evitar que usuários fossem enganados por fake news. Entre eles, estão: (1) ler além das manchetes; (2) conferir autoria, datas e links apresentados; (3) consultar especialistas sobre os temas abordados; (4) considerar que algumas notícias podem não passar de piadas; (5) tentar se desvencilhar de ideias preconcebidas; (6) verificar a fonte, o link do site, a origem da informação; (7) usar mecanismos de busca de sites de fact-checking; (8) verificar todas as referências; (9) ter atenção às falácias retóricas; (10) examinar quaisquer publicidades ou links vinculados (Kiely, Robertson, 2018KIELY, Eugene; ROBERTSON, Lori. (2018), “Everyone should Learn how to Spot Fake News”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 64-72.; Berghel, 2017BERGHEL, Hal. (2017), “Lies, Damn Lies, and Fake News”. Computer, v. 50, pp. 80-85.).

Por mais que sugestões dessa natureza possam ser relevantes, seus limites também parecem claros (Benkler, Faris, Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.; Lazer et al., 2018LAZER, David M. J. et al. (2018), “The Science of Fake News”. Science, v. 359, n. 6380, pp. 1094-1096.; Nascimento, 2018NASCIMENTO, Milton Meira do. (2018), “Fake News, Política e Opinião Pública”. Paulus: Revista de Comunicação da FAPCOM, v. 2, n. 4, pp. 17-40.; Pennycook, Rand, 2019PENNYCOOK, Gordon; RAND, David G. (2019), “Lazy, not Biased: Susceptibility to Partisan Fake News is Better Explained by Lack of Reasoning than by Motivated Reasoning”. Cognition, v. 188, pp. 39-50.). Como abordaremos a seguir, o contexto de forte circulação de fake news não parece derivar de uma mera ingenuidade de atores ou da não compreensão de que notícias podem ser falsas. Ao contrário, esse conhecimento torna-se tão difundido que tudo é passível de ser tachado como falso, o que facilita a circulação de inverdades.

O quarto grupo de soluções propostas contra as fake news são os antídotos legais/políticos, que envolvem mecanismos de controle que passam pelo empenho do Estado no combate às fake news. O recente debate em torno do Projeto de Lei 2.630/2020 (“que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”) evidencia a complexidade da construção de soluções legais capazes de constranger a produção e a circulação de notícias falsas sem que se restrinja simultaneamente a liberdade de expressão7 7 . Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944>. Acesso em 26/6/2020. . Vitorino e Renault (2019)VITORINO, Maíra Moraes; RENAULT, David. (2019), De Crime Eleitoral à Segurança Nacional: No Poder Legislativo Brasileiro. Anais do 28º Encontro Anual da Compós [online], pp. 1-19. Disponível em http://www.compos.org.br/biblioteca/trabalhos_arquivo_W2QX9KBOH0MBLD6ZXNC3_28_7289_11_02_2019_14_31_35.pdf. Acesso em 1/7/2020].
http://www.compos.org.br/biblioteca/trab...
analisam 21 projetos de lei acerca da temática que tramitaram no Congresso brasileiro desde 2017, apontando a fragilidade na própria definição daquilo que se pretende regular.

Klein e Wueller (2017)KLEIN, David O.; WUELLER, Joshua R. (2017), “Fake News: A Legal Perspective”. Internet Law, v. 20, n. 10, pp. 5-13. fazem uma leitura legal do fenômeno das fake news, argumentando haver muitos dispositivos jurídicos nos Estados Unidos para evitar sua existência. Os autores discutem vários casos em que os argumentos de difamação ou de geração intencional de sofrimento emocional foram usados em cortes para processar responsáveis pela publicação de notícias falsas. De acordo com eles, as leis seriam importantes para constranger as próprias empresas, o que ficaria evidente, por exemplo, no fato de a Google ter removido, ainda em 2016, cerca de 200 páginas suspeitas do AdSense. Carlson (2018)CARLSON, Matt. (2018), “Fake News as an Informational Moral Panic: The Symbolic Deviancy of Social Media during the 2016 US Presidential Election”. Information, Communication & Society, v. 23, n. 3, pp. 374-388. frisa que este é um mecanismo muito poderoso para combater fake news: se companhias como Facebook e Google parassem de remunerar sites de fake news, o problema poderia ser estrangulado em suas raízes. Os esforços do perfil de Twitter Sleeping Giants em denunciar às empresas os sites que propagam fake news a que suas marcas são vinculadas em anúncios indicam a potência da dimensão econômica no combate à desinformação. A desmonetização de diversos canais do Youtube no Brasil e no mundo também é evidência nessa direção.

A isso se vincula a importância de um debate sobre governança da rede, que pense em procedimentos capazes de constranger as empresas a combater a circulação de fake news. Althuis e Strand (2018)ALTHUIS, Jente; STRAND, Siri. (2018), “Countering Fake News”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; Londres, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 68-77. defendem a necessidade de apoio a instituições e entidades responsáveis por coordenar esforços de diferentes países. Segundo os autores, coordenação política e lei seriam os instrumentos centrais contra as fake news. Um exemplo que merece ser observado é uma legislação alemã de 2017, que consiste no estabelecimento de uma multa de até 50 milhões de euros a empresas digitais, que não filtrem ou se recusem a remover fake news, incitações de ódio e outros conteúdos ilegais. A medida foi, contudo, criticada pelas plataformas digitais, por entenderem que limitava a liberdade de expressão (Bakir, McStay, 2017BAKIR, Vian; MCSTAY, Andrew. (2017), “Fake News and the Economy of Emotions”. Digital Journalism, v. 6, n. 2, pp. 1-22.; Althuis, Strand, 2018ALTHUIS, Jente; STRAND, Siri. (2018), “Countering Fake News”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; Londres, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 68-77.).

No caso brasileiro, durante as eleições presidenciais de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expressou a dificuldade de lidar com a questão, quando a ministra Rosa Weber, que então presidia o Tribunal, declarou que a velocidade de propagação das fake news apresenta-se como um “fenômeno novo”, contra o qual ainda se desconhece um “milagre” (Venaglia, 2018VENAGLIA, Guilherme. (2018), “Rosa Weber: Fake News São um Problema Mundial Contra o qual Não Há ‘Milagre’”. Veja [online]. Disponível em https://veja.abril.com.br/politica/rosa-weber-fake-news-sao-problema-mundial-contra-o-qual-nao-ha-milagre/. Acesso em 25/3/2019.
https://veja.abril.com.br/politica/rosa-...
). Passadas as eleições, no dia 14 de março de 2019, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, abriu inquérito para apurar fake news e ameaças contra ministros da corte e seus familiares. A investigação, que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes, tem gerado polêmicas (Turollo Jr., 2019TUROLLO JR., Reynaldo. (2019), “Toffoli Abre Inquérito para Apurar Fake News e Ameaças contra Ministros do STF”. Folha de S. Paulo [online]. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/toffoli-abre-inquerito-para-apurar-fake-news-e-ameacas-contra-ministros-do-stf.shtml. Acesso em 25/3/2019.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019...
). Seus desdobramentos intensificaram a polêmica, à medida que as investigações geram constrangimentos a aliados do governo Bolsonaro.

Os antídotos aqui analisados revelam mais que diferentes nuances do problema. Eles indicam ângulos por meio dos quais o fenômeno é compreendido e contraposto. Nosso argumento é o de que algumas das soluções propostas não lidam adequadamente com as raízes do problema, justamente por circunscreverem o fenômeno mais amplo a seus casos singulares, sem entendê-lo como parte da dinâmica contenciosa da atualidade. Com isso, passamos ao argumento central deste artigo.

FAKE NEWS COMO PARTE DO REPERTÓRIO DE CONFRONTO CONTEMPORÂNEO

A agenda de estudos sobre fake news, em suas várias frentes, aponta a forte relação entre mentiras e a política contemporânea. Interessa-nos chamar a atenção para a necessidade de pensar a mobilização das fake news como parte das performances entendidas como disponíveis por atores diversos em face de adversários políticos. Isso se fortalece, sobretudo, em um cenário de radicalização (Benkler, Faris, Roberts, 2018BENKLER, Yochai; FARIS, Robert; ROBERTS, Hal. (2018), Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics. Oxford, Oxford University Press.), quando adversários frequentemente se entendem como inimigos. Ao propor que se pense a mobilização de fake news como parte do repertório atual de confronto, não é nosso intuito legitimar tal prática. Entendemos que a crise epistêmica é real e tem consequências catastróficas para a sobrevivência da democracia (Bennett, Livingston, 2021BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2018), “The Disinformation Order: Disruptive Communication and the Decline of Democratic Institutions”. European Journal of Communication, v. 33, n. 2, pp. 122-139.). Como estudiosos de confrontos políticos, interessa-nos identificar práticas largamente empregadas, independentemente do julgamento moral que façamos sobre elas.

Ao resgatar o conceito de repertório, remetemos à linhagem de estudos de Charles Tilly, que investiga a construção sócio-histórica de conjuntos de possibilidades de ação que se apresentam como possíveis para atores contenciosos (Tilly, 1978TILLY, Charles. (1978), From Mobilization to Revolution. New York, McGraw-Hill.; Alonso, Mische, 2017ALONSO, Angela; MISCHE, Ann. (2017), “Changing Repertoires and Partisan Ambivalence in the New Brazilian Protests”. Bulletin of Latin American Research, v. 36, n. 2, pp. 144-159.; Mendonça, Bustamante, 2020MENDONÇA, Ricardo Fabrino; BUSTAMANTE, Márcio. (2020), “Back to the Future: Changing Repertoire in Contemporary Protests”. Bulletin of Latin American Research, v. 39, n. 5, pp. 1-15.). O conceito diz respeito ao leque de táticas de ação disponíveis para atores que participam de confrontos em momentos históricos específicos (Alonso, 2012ALONSO, Angela. (2012), “Repertório, segundo Charles Tilly: História de um Conceito”. Sociologia & Antropologia, v. 2, n. 3, pp. 21-41.; Tarrow, 2013TARROW, Sidney. (2013), The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. New York, Cambridge University Press.). Tais conjuntos de ação são históricos e profundamente vinculados às configurações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas da sociedade. É isso o que Tilly evidenciou em detalhados estudos sobre a transformação das estratégias usadas por atores contenciosos. Em From Mobilization to Revolution, Tilly (1978)TILLY, Charles. (1978), From Mobilization to Revolution. New York, McGraw-Hill. mapeia uma mudança que opera a partir do século XIX, quando se estrutura um repertório de movimentos sociais propriamente dito, com ações mais modulares, cosmopolitas e voltadas ao Estado, no lugar das revoltas mais localizadas, paroquiais e diretas que marcam os protestos do século XVIII. Repertórios atualizam-se por meio das práticas de sujeitos, que, processualmente, testam, cristalizam e deslocam táticas de ação, de modo a que estas se apresentem como imagináveis e utilizáveis em certos contextos.

Muito se discute, na atualidade, se o repertório de confronto político estaria em transformação diante de fenômenos como o cenário de abundância comunicativa (Keane, 2020KEANE, John. (2020), The New Despotism. Cambridge, Harvard University Press.), a hibridização de dispositivos comunicacionais (Chadwick, 2013CHADWICK, Andrew. (2013), The Hybrid Media System: Politics and Power. New York, Oxford University Press.), o questionamento de estruturas hierárquicas de organização política (Bennett, Segerberg, 2013BENNETT, Lance; SERGERBERG, Alexandra. (2013), The Logic of Connective Action. New York, Cambridge University Press.; Bimber, Flanagin, Stohl, 2012BIMBER, Bruce; FLANAGIN, Andrew; STOHL, Cynthia. (2012), Collective Action in Organizations. New York, Cambridge University Press.; Mendonça, 2017MENDONÇA, Ricardo Fabrino. (2017), “Singularidade e Identidade nas Manifestações de 2013”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 66, pp. 130-159.) e a forte polarização política (Sunstein, 2017SUNSTEIN, Cass. (2017), #Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media. Princeton, Princeton University Press.). É nesse contexto que propomos pensar o emprego de fake news como parte do repertório contemporâneo de confronto.

Ao propor que se pense nas fake news como parte do repertório contencioso hodierno, sugerimos que muitos atores contemporâneos em conflito entendem ser uma tática viável (e, muitas vezes, necessária) produzir e circular mentiras. O uso da desinformação como estratégia de confronto depende da criação de um ambiente favorável para disseminação de fake news. A estratégia só se faz possível quando pessoas de uma determinada visão política são capazes de compartilhar coisas completamente inverossímeis. É necessário que seja aceitável o repasse de informações duvidosas, cuja utilidade está não em sua força epistêmica substantiva, mas na sua utilidade em promover defesas e ataques.

Nesse sentido, as fontes de informação consumidas pelas pessoas tornam-se um elemento essencial da equação. Em um ambiente com amplas possibilidades de escolhas informativas (Van Aelst et al., 2017VAN AELST, Peter et al. (2017), “Political Communication in a High-choice Media Environment: A Challenge for Democracy?”. Annals of the International Communication Association, v. 41, n. 1, pp. 3-27.), manejar os caminhos por onde as pessoas formam suas visões de mundo – ou seja, que tipos de fatos, discursos e argumentos se tornam ou não visíveis a elas – é essencial. É a partir da formação de uma visão de mundo comum que fake news passam a poder ser parte de um repertório de confronto no qual elas são aceitas não por serem necessariamente verdades, mas por fazerem sentido dentro de uma lógica mais ampla ou pelas consequências pragmáticas que podem gerar. Não é por acaso, assim, que estratégias de controle de fluxos de informação política têm sido privilegiadas por diversos atores políticos.

Essa estratégia parece se construir em dois sentidos complementares. De um lado, aposta-se na concentração e na autorreferência. Ou seja, direciona-se o fluxo comunicativo (por meio da disseminação de links, por exemplo) para poucas fontes informativas que, geralmente, orbitam em torno do ator político – seu canal no Youtube ou no Telegram, no Twitter do seu partido ou de um apoiador próximo. Por outro lado, a diversificação e a multiplicidade de fontes servem como caixa de ressonância e de confirmação de discursos. Neste sentido, atores políticos criam suas próprias galáxias informativas alinhadas a seus preceitos (Santos, 2020SANTOS, Nina. (2020). “Fontes de Informação nas Redes pró e contra o Discurso de Bolsonaro sobre o Coronavírus”. E-Compós, v. 24, pp. 1-19.). A combinação dessas duas estratégias – apropriadas de formas bastante diversas por diferentes atores políticos – permite a criação de uma visão de mundo em que o uso de fake news como tática política faz sentido. Disso depende a tese da weaponization que discutimos na primeira parte do artigo.

Há, todavia uma camada adicional que permanece pouco explorada na literatura. Não é apenas que as pessoas não saibam reconhecer o que é falso, ou que vejam o inverossímil confirmado por outras fontes. O que se altera é o próprio terreno que permite distinguir verdade e mentira (Marres, 2018MARRES, Noortje. (2018), “Why We Can’t Have our Facts Back”. Engaging Science, Technology, and Society, v. 4, pp. 423-443.). Com isso, parece não fazer muito sentido esperar que os cidadãos se indaguem se compartilham inverdades. Ou que se importem tanto em compartilhar algo que não seja “totalmente verdadeiro”. As causas morais que defendem são vistas como tão urgentes, que a mentira pode ser compreendida como uma possibilidade válida de ação política. A moralidade deontológica do “não mentirás” vê-se relativizada pela postura consequencialista, em um cenário que relativizou estruturalmente a própria definição da verdade. Se quase nada é tão verdade assim, e se quase tudo tem um quê de falso, o compartilhamento (intencional ou ingênuo) de uma inverdade não pode ser pior do que as consequências da vitória dos adversários (ou inimigos) políticos.

Isso fica claro, por exemplo, na discussão feita por Ricardo Alexandre (2020)ALEXANDRE, Ricardo. (2020), E a Verdade os Libertará: Reflexões sobre Religião, Política e Bolsonarismo. Cajamar, EMC., em livro recente sobre a Igreja Evangélica no Brasil. Entre as motivações para o livro, Alexandre narra sua própria experiência, como evangélico praticante, em tentar alertar alguns “bons cristãos” sobre a inverdade de algo que estavam compartilhando. Diante disso, o autor teria ficado surpreso com a recusa de alguns “bons cristãos” em ouvi-lo. Em vez disso, tê-lo-iam acusado de comunista e brigado com ele. Alexandre interpreta essa situação como evidência de que há alguma força ou valor mais importante do que a verdade para essas pessoas naquele momento (2018) e sobre aquele assunto (política)8 8 . Além da leitura do livro, vale conferir entrevista recente do autor. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/9332485/>. Acesso em 10/3/2021. . Seria essa “força”, então, que transformaria as pessoas em “mentirosos ocasionais”, porque há coisas mais importantes que a verdade em jogo.

É preciso deixar claro, assim, que nosso argumento não é o de que as pessoas são enganadas em virtude do viés de seleção que as faz acreditar em notícias falsas, embora não neguemos que isso seja recorrente. Nosso argumento está mais próximo ao da weaponization of fake news, ainda que não se volte tanto às reações a acusações de fake news, como essa agenda tende a focar. Na linha do que expõe Alexandre (2021)ALEXANDRE, Ricardo. (2021), “Autor de livro sobre evangélicos explica deturpação de trecho da Bíblia mais usado por Bolsonaro”. Conversa com Bial [online]. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/9332485/. [Acesso em 10/3/2021].
https://globoplay.globo.com/v/9332485/...
, o ponto sobre o qual desejamos jogar luz é o de que muitas pessoas, em certos contextos, não parecem se importar se algo é falso ou verdadeiro e isso acontece por diferentes razões. Há, em primeiro lugar, um (grande) conjunto de indivíduos dispostos a produzir, ecoar, compartilhar e promover, deliberadamente, conteúdos inverídicos para fortalecer suas agendas políticas. Tal postura não se restringe a lideranças de movimentos e partidos políticos, mas se entranha no tecido social à medida que o posicionamento político parece necessário, evidente, ubíquo e definidor de identidades (Talisse, 2019TALISSE, Robert B. (2019), Overdoing Democracy: We Must Put Politics in its Place. Oxford, Oxford University Press.). Há muitos vizinhos, primas e tios compartilhando inverdades não apesar de sua falsidade, mas justamente em virtude dela e porque podem produzir os efeitos desejados.

Há, em segundo lugar, um grande contingente de pessoas distribuindo, reagindo e circulando conteúdos falsos de forma inadvertida não porque sejam enganadas, mas simplesmente porque não se importam em compartilhar fake news. Como assinala Starbird (2019)STARBIRD, Kate. (2019). “Disinformation’s Spread: Bots, Trolls and all of Us”. Nature, v. 571, n. 449, s.p., públicos têm papel ativo orgânico na disseminação das campanhas de desinformação, contribuindo para a desestabilização da própria ideia de verdade e de um terreno comum. E é aqui que reside o maior malefício do contexto de pós-verdade, termo que o Dicionário Oxford define como “relativo a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes na moldagem da opinião pública do que apelos à emoção ou à crença pessoal” (Haiden, 2018HAIDEN, Leonie. (2018), “Tell me Lies, Tell me Sweet Little Lies”, in J. Althuis; L. Haiden (eds.), Fake News: A Roadmap. Riga, NATO Strategic Communications Centre of Excellence; London, The King’s Centre for Strategic Communications, pp. 7-13.:10). Não se trata, portanto, apenas da mentira que nega a verdade; mas de um contexto que faz ruir o valor da verdade, de modo a que muitas pessoas não se importem em compartilhar mentiras, ou melhor, não se importam tanto com, e não veem sentido, na distinção entre verdade e mentira.

Segundo Keyes (2018KEYES, Ralph. (2018), A Era da Pós-Verdade: Desonestidade e Enganação na Vida Contemporânea. Petrópolis, Vozes.:20), é como se pudéssemos “dissimular sem culpa”. Ser chamado de mentiroso ainda pode ser incômodo e ofensivo. No entanto, o apelo às emoções ou às crenças pessoais faz com que “fatos alternativos” ganhem estatuto de verdade. Eles são vistos como igualmente válidos para a sustentação de um proferimento, independentemente da resistência do mundo e das provas contrafactuais. Tanto faz se se prove que aquilo em que se acredita não é verídico, porque as crenças e as intenções evidenciariam o valor de ser um “mentiroso ocasional” para evitar um mal maior.

Como assinalam Brummette e colaboradores (2018:512), “a sociedade corre o risco de ofuscar a importância e a compreensão do fenômeno das ‘fake news’ e possivelmente está até mesmo condenada a aceitar sua crescente prevalência e uso”. O mais grave da crise epistêmica é que muitas pessoas a aceitam. É nesse sentido que Gomes e Dourado (2019GOMES, Wilson da Silva; DOURADO, Tatiana. (2019), “Fake News, um Fenômeno de Comunicação Política entre Jornalismo, Política e Democracia”. Estudos de Jornalismo e Mídia, v. 16, n. 2, pp. 33-45.:43) advogam que as fake news devem ser pensadas como sintomas de um ataque mais geral “à credibilidade das instituições ‘credenciadas’ para determinar o que é verdadeiro e o que aconteceu de fato e termina com a admissão de uma ‘epistemologia tribal’, segundo a qual verdade e falsidade são relativas aos interesses da nossa tribo”. O relativismo comunitarista corrói o valor da verdade e impulsiona a circulação de inverdades e crenças, como se tudo não passasse de opiniões distintas. A força por integrar-se a algo maior (à “tribo”) alimenta o compartilhamento de conteúdos sem qualquer preocupação com a veracidade dos mesmos (Pangrazio, 2018PANGRAZIO, Luci. (2018), “What’s New about ‘Fake News’? Critical Digital Literacies in an Era of Fake News, Post-Truth and Clickbait”. Páginas de Educación, v. 11, n. 1, pp. 6-22.). E como as instituições responsáveis a mediar os conflitos estão em crise, a própria segurança sobre a veracidade do que se defende é pouco evidente (Bennett, Livingston, 2021BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press.). Não há como retornar a uma ideia de que os fatos ou algumas autoridades institucionais sirvam de baliza final para bater o martelo sobre o que é visto como verdade ou mentira (Marres, 2018MARRES, Noortje. (2018), “Why We Can’t Have our Facts Back”. Engaging Science, Technology, and Society, v. 4, pp. 423-443.).

Isso ajuda a entender os resultados de uma pesquisa reportada por Chadwick, Vaccari e O’Loughlin (2018:4266), a qual revela que 67,7% dos respondentes admitiam ter compartilhado “notícias problemáticas” nos últimos 30 dias. Quase 10% admitiam ter circulado conteúdos falsos fabricados e 17,1% reconheciam ter postado notícias reconhecidamente exageradas. Cabe ressaltar que esses números estão possivelmente abaixo da realidade, dado o constrangimento de confessar a um entrevistador que se mente. O fato de as pessoas terem consciência de que compartilham algo que é inverídico e/ou exagerado diz desse contexto em que o impulso ao compartilhamento não deriva da necessidade de dar a conhecer uma suposta verdade, mas da vontade de se conectar ao outro e de fazer ecoar determinadas crenças, em um mundo crescentemente incerto.

O argumento é simples, mas tem implicações para que se pensem antídotos ao contexto de forte circulação de fake news. Entendemos, por exemplo, que ações voltadas ao controle de fake news que apostam fortemente na educação de cidadãos e investem em cartilhas e manuais para ensiná-los como evitar a compartilhar notícias falsas talvez negligenciem que muitas pessoas desejam (ou não se importam em) compartilhar algo que é falso, por acreditarem ser necessário fazê-lo. A crença de que as pessoas estão “presas” em uma rede de inverdades, que será rompida por uma verdade libertadora, negligencia o fato de que muitas se valem destas para fins políticos, os quais são entendidos como urgentes, inquestionáveis e moralmente defensáveis. Quantas não mentiriam deliberadamente para evitar um “mal maior” (significante vazio que pode ser preenchido com substâncias políticas variadas)? Vidas poderiam ser salvas por uma inverdade ocasional? A destruição de valores fundamentais poderia ser evitada por um pequeno exagero? Vale a pena reconhecer que algo é mentira se este algo pode prejudicar alguém que é um inimigo e sobre cuja maldade tenho plena e profunda convicção?

Bennett e Livingston (2021)BENNETT, W. Lance; LIVINGSTON, Steven. (2021), The Disinformation Age. New York, Cambridge University Press. demonstram essa questão ao historicizar o crescimento, na segunda metade do século XX, da necessidade de uso da desinformação como modo de convencer a opinião pública daquilo que seria impossível de fazê-lo com qualquer apego aos fatos. Como explorado na primeira parte do texto, os autores sugerem que a desinformação não é um problema fundamentalmente cognitivo ou comunicacional, mas um fenômeno essencialmente político. O contexto de generalizada aceitação de inverdades (ou, a era da pós-verdade) teria nascido e se nutrido da necessidade política de certos atores em construir a possibilidade de hiatos cada vez maiores entre discursos, opiniões, narrativas causais e a concretude do mundo.

Da confusão semeada politicamente deriva a incerteza, bem como a percepção de que as convicções da “tribo” oferecem alicerces mais sólidos do que a lúbrica irrealidade dos fatos. É possível pensar que mentiras ocasionais nem sejam tão mentira assim, porque a própria ideia de mentira depende de uma verdade absoluta. E o que há de absoluto seria, imagina-se, a maldade do “inimigo”, mas não a luta contra ele.

O debate atual sobre teorias da conspiração traz elementos que corroboram esse argumento e indicam sua validade hipotética. As teorias conspiratórias são explicações para eventos passados, presentes e até mesmo futuros, cujas causas são atribuídas à ação de um pequeno grupo de indivíduos que atuam secretamente em benefício próprio e contra o interesse público (Uscinski, 2020USCINSKI, Joseph E. (2020), Conspiracy Theories: A Primer. New York, Rowman & Littlefield.). Mais especificamente, trata-se da crença de que determinados eventos e ocorrências se explicam pela atuação de grupos que atuam nas sombras com o intuito de (1) atentar contra instituições fundamentais, (2) aplicar grandes fraudes e (3) inibir direitos e liberdades individuais.

Nesse sentido, teorias conspiratórias são essencialmente políticas à medida que lidam diretamente com uma questão de poder. Elas funcionam como alicerces e instrumentos cognitivos e intersubjetivos para a justificação da defesa e da adesão a narrativas sobre fatos improváveis, inverossímeis e inverídicos.

Tomemos como exemplos dois casos particulares que têm ensejado preocupações a instituições e governos no âmbito dos problemas relacionados às fake news atualmente: o comportamento antivacina e a própria controvérsia sobre a existência de uma pandemia da Covid-19. Uma parte expressiva das notícias falsas ou falsas notícias sobre supostos perigos de imunizantes contra a Covid-19 é baseada em pressupostos de que as reais intenções por parte de governos e corporações com os programas de vacinação são omitidas das pessoas. As suspeitas variam da crença de que as vacinas trazem chips embutidos que permitiriam o monitoramento de indivíduos para controle social à crença de que vacinas visariam à redução da população mundial. No que diz respeito à pandemia da Covid-19 em si, os próprios conteúdos falsos que dão conta de que não existe, propriamente, uma pandemia, mas uma grande fraude em escala mundial, assentam-se em justificativas que colocam países, governos e corporações numa grande trama conspiratória voltada para fins diversos: seja a versão de que a China suspostamente criou um vírus em laboratório para destruir economias concorrentes ao redor do mundo, seja nas narrativas sobre a pandemia ser parte de um projeto de dominação ideológica por meio da produção do medo e do pânico, seja nas narrativas que sustentam que governos criaram o novo coronavírus para encurtar a vida de idosos e desafogar os sistemas previdenciários ao redor do mundo.

Em ambos os casos, deve-se considerar a importância das teorias conspiratórias como uma ferramenta cognitiva que retira a posição política instrumental da condição do cinismo justificado para elevá-la ao status de crenças que se justificam e encontram um verniz de plausibilidade, mediante o compartilhamento entre grupos diversos. Apesar desse verniz, elas não deixam de ser duvidosas, inverossímeis e contraditórias.

Elas são compartilhadas não independentemente dessas inconsistências, mas porque tais inconsistências não fazem diferença em face do contexto mais amplo em que se inserem. “Yo no creo en brujas, pero que las hay las hay”, diz o velho ditado anedótico. As teorias da conspiração alimentam a possibilidade de gerar desconfiança em relação a adversários políticos e ideológicos, mesmo que os enredos das tramas sejam objetivamente implausíveis. As teorias conspiratórias permitem a sustentação da crença em uma constante premissa que é articulada dentro de uma narrativa que serve de instrumento para uma disputa política em que tudo aquilo que é dito e feito pelo inimigo não pode ser verdadeiro. A crença é a de que a verdade está sempre escondida. Os conspiracionismos fazem sentido diante da inerente maldade e perversidade moral dos “inimigos”. Assim como qualquer tese conspiratória envolvendo aliados e pessoas próximas são invalidadas por quem costuma sacá-las para rivalizar com os adversários.

As teorias conspiratórias permitem, assim, que se desenvolvam justificativas não com base no que se sabe e se conhece, mas por meio dos diversos caminhos especulatórios de ilações e fantasias que são criadas com base naquilo que supostamente se desconhece. É justamente por meio da ausência de conhecimento e de informações sobre um determinado episódio, evento ou fenômeno, que elas se disseminam por redes com maior capilaridade e velocidade do que informações apuradas tecnicamente (Mahl, Zeng, Schäfer, 2021MAHL, Daniela, ZENG, Jing, SCHÄFER, Mike S. (2021), “From ‘Nasa Lies’ to ‘Reptilian Eyes’: Mapping Communication about 10 Conspiracy Theories, Their Communities, and Main Propagators on Twitter”. Social Media + Society, v. 7, n. 2, pp. 1-12.). Em primeiro lugar, a conclusão. Posteriormente, produzem-se as “evidências”, devidamente contorcidas para se encaixar na tese que lhes antecede.

Justamente por isso, apontar as incongruências das teorias conspiratórias (e das fake news, em geral) não costuma ser uma estratégia muito frutífera. O ângulo que oferecemos para entender este fenômeno ajuda a compreender a ineficácia da negação de fake news, como demonstra recente experimento, desenvolvido pela parceria entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade da Carolina do Norte e a Universidade Emory (Linhares, 2018LINHARES, Carolina. (2018), “Desmentir não Abala Crença em Fake News, Aponta Estudo”. Folha de S. Paulo [online]. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/correcao-nao-abala-crenca-em-fake-news-aponta-estudo.shtml. Acesso em 25/3/2019.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018...
). Não é muito eficiente desmentir uma informação inverídica, porque muitas pessoas não estão fundamentalmente preocupadas com a veracidade, mas apenas em atingir seus adversários. O valor da “informação” não é mensurado, muitas vezes, pelo seu grau de verdade, mas pela sua capacidade de “produzir estragos”. São as consequências do uso da mesma que importam, independentemente de sua substância.

Negações e cartilhas funcionariam se as fake news fossem entendidas em um regime cujo estatuto da verdade permanecesse intocado, o que não parece ser o caso. Na guerra entre fake news e fake fake news, informações inverídicas são compartilhadas mesmo que aparentemente inverossímeis, desde que consigam produzir consequências politicamente úteis. Lidar com esse cenário parece mais complicado, como assinala Starbird (2019)STARBIRD, Kate. (2019). “Disinformation’s Spread: Bots, Trolls and all of Us”. Nature, v. 571, n. 449, s.p., porque nem a vontade, nem o esclarecimento dos cidadãos parece aliado confiável, quando a verdade deixa de ser vista como passível de existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo se voltou para a compreensão do fenômeno das fake news, que é absolutamente central para o entendimento da política contemporânea. A crise epistêmica é um dos principais desafios vivenciados pela humanidade (e não apenas pelas democracias), como evidencia a pandemia de Covid-19. No entanto, o fenômeno ainda parece confuso, turvando os remédios propostos para evitar as nefastas consequências da desinformação.

A primeira parte do artigo buscou mapear a literatura existente, identificando definições de fake news, causas, consequências e histórico do fenômeno, bem como antídotos aventados para enfrentar a desinformação na atualidade. Na segunda seção desenvolvemos a interpretação de que as fake news deveriam ser pensadas como parte do repertório contemporâneo de confronto. Em outras palavras, em certos contextos, muitas pessoas compartilham inverdades não apesar de sua falsidade, mas independentemente dela, porque a verdade perdeu força como valor tão central e absoluto. Mentir ocasionalmente pode ser entendido como um mal menor do que tolerar o adversário político, quando ele é visto como a representação do mal supremo. Como já defendia Dahl (1997)DAHL, Robert. (1997), Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo, EDUSP., quando os custos de tolerar um “inimigo” aumentam, a tentação de reprimi-lo tende a crescer, o que pode levar à erosão da possibilidade da democracia.

A discussão ora apresentada é importante para reenquadrar hipóteses sobre o funcionamento do cenário de desinformação. Concluímos ser fundamental encarar não apenas o uso estratégico da desinformação ou sua capacidade em ludibriar pessoas. Uma compreensão adequada da desinformação requer o estudo do contexto mais amplo de crise epistêmica que possibilita uma mudança de eixo do próprio valor da verdade. Entender esse cenário é vital para dotar de sentido os usos da desinformação e sua inclusão no repertório de confronto político. Nesse sentido, a crise da democracia é não apenas consequência da difusão de fake news, mas também uma de suas causas, na medida em que alimenta condições do confronto político que toleram e nutrem a incerteza e a inverdade na luta contra os “inimigos”. Contradizer fake news específicas e educar cidadãos para lidar com mídias digitais podem ser ações paliativas inevitáveis, mas permanecem como ações paliativas que não enfrentam o cerne das questões geradoras do cenário de desinformação em que nos encontramos. Um adequado enfrentamento da situação requer tanto o fortalecimento democrático, com a consequente remodalização dos confrontos políticos, quanto a revitalização pública de terrenos comuns capazes de enfrentar a crise epistêmica.

Agradecimentos

*Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no VIII Congresso da COMPOLÍTICA, realizado na Universidade de Brasília (UnB), de 15 a 17 de maio de 2019. Somos gratos aos participantes do evento pelas contribuições e comentários. Também somos gratos a Mariana Abreu, pelo apoio em uma fase inicial de levantamento da literatura, e aos pareceristas anônimos de DADOS. Agradecemos, por fim, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (88887.370393/2019-00), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processos 168943/2017-4, 423218/2018-2 e 305813/2017-0) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) (CSA - PPM-00284-17) pelo apoio ao projeto a que se vincula este artigo.

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  • WILLIAMS, Lauren C. (2018), “We Must Look beyond the Message We Want to Hear”, in K. Roberts (ed.), Internet Journalism and Fake News. New York, Greenhaven, pp. 93-100.

NOTAS

  • 1
    . Tandoc Jr., Lim e Ling (2018)TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. (2018), “Defining ‘Fake News’”. Digital Journalism, vol. 6, no 2, pp. 137-153. afirmam, por exemplo, que o ministro da Defesa do Paquistão publicou, em 23 de dezembro de 2016, uma ameaça no Twitter depois de ver um falso relato de que Israel teria ameaçado o país com armas nucleares.
  • 2
    . Devereux e Power (2019)DEVEREUX, Eoin; POWER, Martin J. (2019), “Fake News? A Critical Analysis of the ‘Welfare Cheats, Cheat Us All’ Campaign in Ireland”. Critical Discourse Studies, v. 16, n. 3, pp. 347-362. ilustram essa questão com um exemplo da Irlanda, onde uma campanha contra uma política social foi construída a partir de notícias falsas e dados manipulados, que foram amplamente reverberados pelos media.
  • 3
  • 4
    . Bavel et al. (2020)BAVEL, Jay J. Van et al. (2020), “Using Social and Behavioural Science to Support COVID-19 Pandemic Response”. Nat Hum Behav, v. 4, pp. 460-471. analisam o perigo da desinformação no crescimento da pandemia.
  • 5
  • 6
    . Disponível em: <14/10/2021.
  • 7
  • 8
    . Além da leitura do livro, vale conferir entrevista recente do autor. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/9332485/>. Acesso em 10/3/2021.
  • *
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no VIII Congresso da COMPOLÍTICA, realizado na Universidade de Brasília (UnB), de 15 a 17 de maio de 2019. Somos gratos aos participantes do evento pelas contribuições e comentários. Também somos gratos a Mariana Abreu, pelo apoio em uma fase inicial de levantamento da literatura, e aos pareceristas anônimos de DADOS. Agradecemos, por fim, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (88887.370393/2019-00), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processos 168943/2017-4, 423218/2018-2 e 305813/2017-0) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) (CSA - PPM-00284-17) pelo apoio ao projeto a que se vincula este artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    4 Jul 2020
  • Revisado
    30 Out 2021
  • Aceito
    16 Jan 2022
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