Resumo
O artigo analisa mecanismos e práticas da negociação coletiva e da extensão de seus resultados no Brasil, e procura sanar lacuna na literatura especializada sobre o tema, que não esteve, até aqui, atenta a ele. Prática corriqueira até a reforma decretada pelo regime militar em 1967, a extensão dos acordos coletivos a terceiros, ausentes das negociações, permanece vigente ainda hoje, embora com escopo bastante limitado, nem por isso desimportante. Além da contribuição específica ao debate, o artigo traz também olhar alternativo à literatura convencional sobre negociação coletiva no Brasil, segundo a qual esse mecanismo de solução do conflito de classe teria sido suspenso durante a ditadura de 1964, retornando à cena das relações de trabalho com a emergência do “novo sindicalismo” no fim da década de 1970. E mostra como a Justiça do trabalho “abdicou”, lentamente, de seus poderes na mediação do conflito de interesse entre capital e trabalho, apesar dos muitos instrumentos disponíveis de proteção de direitos difusos e subjetivos, inclusive os direitos humanos.
justiça do trabalho; negociação coletiva; extensão; constituição de 1988; era Vargas
Abstract
The article analyzes the mechanisms and practices of collective bargaining and the extent of its results in Brazil. It seeks to close a gap in the specialized literature, which has not been taken it into account thus far. Common practice until the 1967 reform decreed by the military regime, extending collective agreements to third parties, absent from the bargaining, remains in force today, although with a minimal scope, not insignificant. Besides contributing specifically to the debate, this article also offers an alternative look at Brazil’s conventional literature on collective bargaining – according to which this mechanism to solve class conflict would have been suspended during the 1964 dictatorship, returning to the labor relations scene upon the emergence of the “new unionism” of the late 1970s. Furthermore, it shows how the Labor Court slowly “abdicated” its powers to mediate the conflict of interest between capital and labor, despite the many instruments available to protect diffuse and subjective rights, including human rights.
labor justice; collective bargaining; extension; 1988 constitution; Vargas era
Résumé
L’article analyse les mécanismes et les pratiques de la négociation collective et de l’étendue de ses résultats au Brésil, et cherche à combler une lacune dans la littérature spécialisée sur le sujet, qui jusqu’à présent ne s’y est pas intéressée. Pratique courante jusqu’à la réforme décrétée par le régime militaire en 1967, l’extension des conventions collectives aux tiers, absents des négociations, reste en vigueur encore aujourd’hui, bien qu’avec une portée très limitée, non sans importance. En plus de la contribution spécifique au débat, l’article apporte également un regard alternatif sur la littérature conventionnelle sur la négociation collective au Brésil, selon laquelle ce mécanisme de résolution du conflit de classe aurait été suspendu pendant la dictature de 1964, revenant à la scène des relations de travail avec l’émergence du « nouveau syndicalisme » à la fin des années 1970. Et il montre comment la Justice du travail a lentement « abdiqué » ses pouvoirs de médiation du conflit d’intérêts entre le capital et le travail, malgré les nombreux instruments disponibles pour le protection des droits diffuses et subjectives, y compris les droits de l’homme.
justice du travail; négociation collective; extension; constitution de 1988; les années Vargas
Resumen
El artículo analiza los mecanismos y prácticas de la negociación colectiva y la extensión de sus resultados en Brasil, además de subsanar vacíos en la literatura especializada sobre el tema, que no ha dado hasta ahora atención suficiente a esta cuestión. Práctica común hasta la reforma decretada por el régimen militar en 1967, la extensión de los acuerdos colectivos a terceros, ausentes de las negociaciones, permanece vigente incluso hasta hoy, a pesar de tener un alcance bastante limitado, lo cual no le quita importancia. Además de la contribución específica a este debate, el artículo aporta una lectura alternativa a la literatura convencional sobre negociación colectiva en Brasil, según la cual ese mecanismo de solución del conflicto de clase habría sido suspendido durante la dictadura de 1964, regresando al escenario de las relaciones de trabajo con la emergencia del “nuevo sindicalismo” al final de la década de 1970. También se muestra cómo la Justicia del trabajo “abdicó”, lentamente, sus poderes en la mediación del conflicto de interés entre capital y trabajo, a pesar de los diversos instrumentos disponibles de protección de derechos difusos y subjetivos, inclusive los derechos humanos.
justicia del trabajo; negociación colectiva; extensión; constitución de 1988; era Vargas
Introdução1 1 . Agradeço os comentários de dois pareceristas anônimos de Dados. A pesquisa teve apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, por meio do programa “Cientista do Nosso Estado”.
A reforma trabalhista decretada pelo governo do marechal Humberto Castelo Branco em 1967 é mais conhecida e estudada em razão do fim da estabilidade no emprego, e sua substituição pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)2 2 . O tema chamou a atenção de Luiz Werneck Vianna (1999), Wanderley G. dos Santos (1979), Francisco de Oliveira (1972), Macedo e Chahad (1985) e muitos outros. . Quase nenhuma atenção foi dada, contemporaneamente ou depois, a outra mudança crucial introduzida pelo Decreto-Lei nº 127/1967: a distinção entre Acordo Coletivo de Trabalho, previsto no desenho original da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) na forma de “Contrato Coletivo”; e Convenção Coletiva de Trabalho, novidade do Decreto-Lei. Até ali, os resultados das negociações coletivas entre patrões e empregados valiam apenas para os trabalhadores e empregadores filiados a suas respectivas instituições representativas. Com a nova redação, tanto os Acordos Coletivos (celebrados entre uma ou mais empresas e o sindicato representativo de seus trabalhadores) quanto as Convenções (celebradas entre os sindicatos — incluindo federações e confederações — de uma e outra parte) passaram a ter validade erga omnes na(s) empresa(s), no caso dos Acordos, ou na base territorial dos sindicatos, no caso das Convenções. Isso representou uma mudança completa e profunda no papel desempenhado até ali pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho na regulação das relações trabalhistas entre nós.
De fato, até então um Contrato Coletivo, enquanto válido apenas para as partes contratantes, podia ter suas cláusulas estendidas a membros da mesma categoria profissional e/ou atividade econômica, desde que na mesma jurisdição dos contratantes, a critério seja do ministro do Trabalho, seja do juiz que tivesse lavrado sentença normativa após a instalação de um dissídio coletivo, ou homologado o acordo judicial por ele mediado. Ou seja, a autoridade pública desempenhava papel central na regulação do mercado de trabalho, não apenas na validação da lei — fato largamente conhecido — como também na efetivação dos resultados da negociação coletiva, que era outro espaço de produção de normas trabalhistas com valor de lei. A literatura sobre o tema no Brasil ignorou inteiramente tanto o papel que a extensão de acordos coletivos desempenhou na regulação das relações de trabalho antes de 1967, quanto as consequências de sua extinção (parcial, como pretendo mostrar aqui) pela reforma daquele ano.
O objetivo deste estudo é suprir essa lacuna existente na literatura sobre as relações de trabalho no Brasil, por meio da elucidação do papel da Justiça do Trabalho (JT) antes e depois da Reforma de 1967, no que respeita ao seu poder de estender o conteúdo do que era negociado entre patrões e empregados a outros trabalhadores e empresas não participantes das negociações coletivas. E ao contrário do que se possa imaginar, a extensão de acordos coletivos permanece prevista pela CLT, ocorrendo sob condições bastante restritas, porém.
Para atingir esse objetivo, na primeira seção empreendo breve reconstrução do problema tal como apareceu pela primeira vez na literatura especializada ainda nos anos 1930, e ganhou centralidade em muitos países nas décadas seguintes, em particular em razão do patrocínio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nas quatro seções seguintes analiso os institutos originais da negociação coletiva no Brasil, tal como consolidados em 1943 na CLT, mostrando a importância da extensão no desenho das normas e das práticas dos agentes relevantes das relações de trabalho. Dentre outras coisas, mostro que, contrariamente ao que quer a literatura especializada, a negociação coletiva não ganhou importância no Brasil apenas com o surgimento do “novo sindicalismo”, no final da década de 1970. E a extensão dos resultados negociados a terceiros era instituto corriqueiro da ação judicial até a reforma de 1967.
Nas duas últimas seções antes da conclusão trato da reforma introduzida pela Constituição de 1988 e da prática negocial a que ela deu passagem. Chamo a atenção para as muitas continuidades do sistema, mas ressalto o lento processo de abdicação, pela Justiça do Trabalho, de muitas de suas prerrogativas como guardiã do direito do trabalho, e o processo, também lento, de autolimitação de seu poder normativo e também das possibilidades de extensão de resultados de ações individuais e coletivas, previstas na CLT, mas em desuso no judiciário trabalhista. Na conclusão alinhavo os argumentos.
Por que estender resultados de negociação coletiva?
A extensão de resultados de negociações coletivas a grupos outros que não os diretamente implicados nos processos negociais mobiliza pesquisadores de todo o mundo, há décadas, por várias razões correlatas. O arrazoado mais corrente foi formulado ainda nos anos 1930, quando um conjunto crescente de países (inclusive o Brasil) passou a promover a negociação coletiva como mecanismo de instituição de normas trabalhistas. Na apresentação de um artigo de L. Hamburger (1939) pelo editor da International Labour Review, revista da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lemos que, com a extensão dos resultados das negociações,
[o]s trabalhadores organizados têm […] a garantia de que o nível de vida fixado por acordo coletivo não será prejudicado por trabalhadores não organizados que aceitem salários mais baixos, e os empregadores estão igualmente protegidos contra práticas de concorrência desleal no que diz respeito às condições de trabalho (Hamburger, 1969:153).
Ou seja, estender resultados negociados por algumas empresas e trabalhadores a outras empresas e trabalhadores do mesmo ramo ou indústria (na mesma localidade ou mesmo em todo o país) foi visto como tendo potencial equalizador das condições de trabalho — portanto, de redução de desigualdades em múltiplas dimensões das relações de trabalho, incluindo a renda dos trabalhadores — e tendo, também, possível impacto na equalização das condições de concorrência entre empresas.
A narrativa de L. Hamburger sobre a progressão das normas sobre negociação coletiva e extensão impressiona. Iniciando pela Nova Zelândia ainda em fins do Séc. XIX, atingindo a Austrália no início do Séc. XX e então a Grã-Bretanha, nos anos 1930 invadiu praticamente toda a Europa, e com mecanismos muito semelhantes, embora não idênticos. Vivia-se, no entreguerras e após a crise de 1929, clima de derrocada do liberalismo tout court e de ascensão de teorias econômicas voltadas para a “organização” ou “regulação” do capitalismo, de que o keynesianismo foi a expressão mais saliente, mas nem de longe única3 3 . O marxista polonês Michal Kalecki antecipou muitas das ideias do livro clássico de Keynes (1936), e Joan Robinson, embora discípula deste último, foi além com sua teoria da competição imperfeita no capitalismo, demandando intervenção do Estado. O corporativismo italiano e o nazismo foram formas concorrentes, totalitárias de intervenção estatal na economia. As expressões “capitalismo organizado” e “capitalismo regulado” não existiam no entreguerras, claro. Ganharam materialidade depois da II Guerra Mundial com a generalização dos estados de bem-estar. Contudo, a primeira formulação da ideia de “capitalismo organizado” é de Rudolf Hilferding, em seu clássico de 1910 sobre capitalismo financeiro. Para ele o capital financeiro seria o agente da “organização” (ou controle da concorrência predatória) do capitalismo. A teoria caiu por terra com a crise financeira de 1929, que colocou as finanças sob controle dos estados nacionais. O termo “organizado” passou crescentemente a significar “organizado pelo Estado”, e parece ter recebido a primeira formulação sistemática em J. Kocka (1974), portanto quando já estava em crise. O termo “regulado” vem da Escola Francesa da Regulação, cujo estudo fundador é Aglietta (1976), mas antes dele Shonfield (1969) já se debruçara sobre os “30 gloriosos” popularizados pelos regulacionistas. . “Equalizar as condições de concorrência” nada mais era do que, justamente, “organizar” a competição intercapitalista (sem jamais limitá-la), para com isso evitar suas consequências vistas muitas vezes como catastróficas, tanto para empregadores (competição predatória) quanto para seus empregados (desemprego e pressão sobre os salários). E Hamburger faz questão de enunciar o caráter democrático da negociação coletiva (criar normas por acordo entre as partes), em claro subtexto contra as experiências autoritárias em ascensão na Europa de então, como Portugal, Espanha, Itália e Alemanha. O tema estava tão em relevo que a mesma revista da Organização Internacional do Trabalho (OIT) prometeu que publicaria, em 1940 e em seguida ao artigo de Hamburger, uma série de estudos sobre os institutos da negociação e da extensão no mundo4 4 . O projeto parece ter sido prejudicado pela eclosão da II Guerra Mundial. .
A OIT retornaria ao tema no pós-guerra, editando, em sua tradicional International Labour Conference (ILC), em 1949, a Convenção 98 sobre Direito de Organização e Negociação Coletiva, com ênfase na negociação voluntária entre capital e trabalho, sendo, contudo, reticente quanto à extensão dos resultados desses acordos a não contratantes. Mas o tema voltou a figurar na agenda da ILC de 1950, novamente tendo em vista a preocupação com o tratamento desigual a trabalhadores de um mesmo ramo econômico. Nos anais da Conferência pode-se ler que
[a] ausência de qualquer procedimento de extensão poderia [resultar], e muitas vezes resultou na coexistência na mesma região e no mesmo setor, de duas categorias de assalariados, uns cobertos por acordo e outros não, e de duas categorias de empregadores, uns assumindo voluntariamente certas obrigações e outros escapando delas e, assim, praticando, talvez não intencionalmente, uma espécie de “dumping social” (OIT, 1951Oit. (1951). Record of proceedings, International Labour Conference, 33rd Session, Geneva, 1950 (Geneva, International Labour Office), Seventeenth Sitting, Report of the Committee on Industrial Relations, pp. 276–289; Appendix VII (2) Report of the Committee on Industrial Relations, pp. 487–500. Disponível em www.ilo.org/public/libdoc/ilo/P/09616 (Acesso em julho de 2021).
www.ilo.org/public/libdoc/ilo/P/09616... :277).
Estavam de volta os problemas da iniquidade entre os trabalhadores e da competição intercapitalista desleal. Diante dos intensos debates na ILC sobre a possibilidade de a extensão compulsória (validada por uma autoridade pública ou mesmo por representação centralizada de capital ou trabalho) violar o princípio da liberdade de organização e negociação (e seu caráter voluntário), a Conferência decidiu emitir apenas uma Recomendação (de nº 91), em lugar de uma Convenção, e em termos suficientemente vagos para permitir que cada país membro decidisse sobre os mecanismos de extensão mais adequados ao seu sistema de relações de trabalho. Isso resultou, com o passar dos anos e em paralelo à consolidação dos estados de bem-estar, na multiplicação de mecanismos, formas legais e práticas de negociação coletiva e extensão dos acordos, adotados pela maioria dos países avançados e também por muitos dos mais pobres (inclusive o Brasil), mecanismos que passaram a sofrer pressões por flexibilização e mesmo extinção, na esteira da crise do “capitalismo organizado”5 5 . Uma comparação entre França, Portugal e Espanha está em García Calavia e Rigby (2020). Entre Alemanha e Holanda, em Paster, Nijhuis e Kiecker (2020). Estudo importante sobre o fim do pacto social-democrata a partir dos anos 1970 pode ser encontrado em Streeck (2014). .
Hayter e Visser (2018Hayter, Susan; VISSER, Jelle. (2018). Collective agreements: Extending labour protection. Genebra, ILO.:6 e ss.) agruparam os diversos mecanismos existentes em quatro tipos básicos, por eles denominados “regimes de extensão”.
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Automático: os acordos são declarados válidos erga omnes na jurisdição dos negociadores, independente de os afetados serem ou não filiados às instituições representativas (casos de Brasil, Argentina, França e outros);
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Semi-automático: Em muitos casos a autoridade pública pode tomar a iniciativa de extender os acordos, em nome de uma utilidade pública (reduzir desigualdade), proteger minorias (imigrantes) etc. (Brasil antes de 1967, França em determinadas circunstâncias);
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Restritivo: A extensão é limitada a determinadas categorias, ou o país estabelece níveis tão altos de representatividade dos acordos (por exemplo, que o acordo firmado cubra 70% ou mais das categorias para poder ser extendido ao restante) que tornam virtualmente impossível a extensão (caso da maioria dos países do leste europeu pós-comunista);
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De apoio (supportive): A autoridade pública e as partes negociadoras têm sua ação regulada pela lei, e a extensão só pode ser concedida quando solicitada pelas partes (a maioria dos países da Europa ocidental).
Ainda assim, é extensa a lista de países que não adotam (ou que deixaram de adotar, como o Reino Unido sob Thatcher) algum regime de extensão, sendo os acordos coletivos (quando os há) válidos apenas para seus signatários. Na América Latina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Panamá e outros estão nessa condição; quase todos os países africanos; entre os países mais ricos encontram-se Reino Unido, Estados Unidos, Suécia e Dinamarca (os dois últimos com altíssimas taxas de filiação de trabalhadores e empregadores, o que garante cobertura quase universal da negociação coletiva), além de Coréia, Singapura e Austrália, dentre outros.
Mais recentemente, a possibilidade de estender resultados de acordos voltou a interessar a OIT e outros organismos internacionais6 6 . Por exemplo, Hayter e Visser (2018). Para o interesse da OCDE sobre o tema, ver https://www.oecd.org/els/emp/EMO2017-CH4-Web-Annex.pdf. , em razão da erosão do assalariamento em curso em todo o mundo e do alcance cada vez mais restrito das negociações coletivas7 7 . Talvez o estudo mais abrangente sobre a crise do assalariamento, e precursor do debate que se seguiu, seja Castel (1998). Ver ainda os diversos trabalhos em Druck e Franco (2007). Um clássico contemporâneo é Standing (2011). Para o impacto em trabalhadores migrantes nos Estados Unidos, realidade emergente também nos países europeus, ver Milkman (2020). Dentre as muitas dimensões do processo de erosão do assalariamento regulado destaco: o crescimento da informalidade (Cacciamali, 2000; Véras et al. 2011); surgimento do capitalismo de plataforma (Srnicek, 2017) e a “pejotização” do emprego; a redução das proteções e direitos vinculados à condição de assalariado formal (Druck, 2016; Antunes, 2020), dentre outros. Extenso apanhado desse processo no Brasil pós-reforma trabalhista de 2017 pode ser encontrado em Krein et al. (2021a e 2021b). E o papel do Supremo Tribunal Federal na erosão do assalariamento no Brasil foi minuciosamente analisado em Dutra e Machado (2021). . Parte substancial da literatura sobre o tema vem chamando a atenção para o impacto desses processos na redução da proteção social antes associada ao trabalho assalariado, no crescimento das desigualdades sociais, no aumento da vulnerabilidade de parcelas crescentes das populações que vivem do seu trabalho, incluindo desemprego prolongado, perda de renda e status social e mesmo do sentido social do trabalho. A extensão da negociação coletiva a terceiros, então, poderia ter papel relevante na redução das disparidades entre trabalhadores protegidos e desprotegidos, com isso mitigando, ao menos em parte, os efeitos socialmente deletérios da erosão do assalariamento.
No Brasil, como a reforma trabalhista de 1967 instituiu a Convenção Coletiva de Trabalho, cujos resultados são válidos erga omnes na base territorial dos sindicatos convenentes, o tema da extensão dos acordos desapareceu da literatura sobre relações de trabalho. E isso apesar de permanecer intacta a Seção III do Cap. IV da CLT, que regula a possibilidade de extensão de acordos e convenções coletivas resultantes de dissídios coletivos arbitrados pela Justiça do Trabalho, sejam eles (acordos e convenções) fruto de sentenças normativas ou conciliações judiciais.
A Justiça do Trabalho: breve excurso histórico
A Constituição brasileira de 1934 autorizou a criação de uma justiça especial para julgar conflitos entre trabalho e capital. O jurista F. J. Oliveira Vianna foi nomeado pelo presidente Getúlio Vargas para chefiar a equipe que elaboraria o projeto de uma Justiça do Trabalho, que foi enviado à Câmara dos Deputados em 1º de dezembro de 1935. O projeto de lei tinha como pontos principais: (i) sua caracterização como justiça especial, separada do judiciário regular; (ii) assentos para representantes do capital e do trabalho como parte dos procedimentos judiciais (os “representantes classistas”), juntamente com juízes profissionais; (iii) e teria um poder normativo, ou seja, suas decisões sobre salários e condições de trabalho seriam obrigatórias para todos os trabalhadores e empregadores representados nos tribunais. Logo, os juízes agiriam como legisladores na resolução dos conflitos de interesse.
A nova Justiça foi organizada em três instâncias: as Juntas de Conciliação e Julgamento, primeira instância responsável pela resolução de conflitos trabalhistas individuais; os Conselhos Regionais do Trabalho, devotados aos conflitos coletivos (dissídios e contratos coletivos), além de serem cortes de apelação das sentenças proferidas em primeira instância; e o Conselho Nacional do Trabalho, espécie de tribunal superior do trabalho, que também era um tribunal de apelação para conflitos laborais, mas tinha outras prerrogativas próprias, tais como assessorar o governo em questões de política social e servir como tribunal de recurso para reclamações da previdência social8 8 . Excelente reconstrução do processo de consolidação da Justiça do Trabalho é Silva (2008). .
O projeto foi intensamente debatido e sofreu forte oposição no Congresso Nacional, particularmente do jurista liberal Waldemar Ferreira, que contestou os argumentos de Oliveira Vianna a partir de uma perspectiva individualista e liberal (ver Oliveira Vianna, 1983[1938]; Souza, 2007Souza, Samuel F. (2007), “Coagidos ou subornados”: Trabalhadores, sindicatos, Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Tese de Doutorado em História: UNICAMP.; Silva, 2008Silva, Sayonara Grillo C. L. (2008), Relações coletivas de trabalho. Configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo, LTr.; Silva, 2013Silva, Fernando T. (2013), “Entre o acordo e o acórdão: a justiça do trabalho paulista na antevéspera do golpe de 64”, in Ângela de C. Gomes e Fernando T. da Silva (eds), A Justiça do Trabalho e sua história. São Paulo, Editora Unicamp.). Ferreira era contra a representação classista e o poder normativo, considerado corporativista e fascista. Após demorado processo decisório, o projeto foi aprovado em junho de 1937 pela Comissão Constitucional do Congresso com emendas que mudaram sua própria substância (Martins Filho, 2002:200). Em novembro de 1937, Getúlio Vargas perpetrou o golpe de Estado que deu início ao Estado Novo ditatorial e corporativista, e um dos argumentos para o golpe foi, justamente, a alegada “resistência do Poder Legislativo em aprovar o projeto da Justiça do Trabalho” (Sussekind, 1991Sussekind, Arnaldo L. (1991), “O cinquentenário da justiça do trabalho”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 60, pp. 15-23.:16).
Oliveira Vianna, um dos mais importantes ideólogos do novo regime autoritário, foi novamente nomeado por Vargas para rever o projeto original, que resultou no Decreto Presidencial 1.237/1939, reformado em dezembro de 1940 pelo Decreto 2.851. Getúlio Vargas instalou a Justiça do Trabalho em 1941, mantendo as principais características originais propostas por Oliveira Vianna já em 1936. Neste ano de 2021, pois, a JT completou 80 anos.
Desde o início, os argumentos a favor do poder normativo da Justiça do Trabalho (ou do poder de criar novas regras e normas de trabalho) previram a necessidade de extensão obrigatória dos resultados da negociação coletiva a todos os membros da mesma categoria profissional, incluindo aqueles que não tivessem participado no dissídio ou não eram filiados aos sindicatos participantes (Oliveira Vianna, 1983[1938]:42). A necessidade foi justificada nos termos seguintes:
Na hipótese, por exemplo, de aumento de salário, a empresa sobre quem recaísse a decisão ficaria em situação de inferioridade na concorrência com os estabelecimentos congêneres. E a condição privilegiada dos seus empregados seria estímulo permanente para a sublevação dos demais trabalhadores. E assim a justiça que fora criada para dirimir conflitos econômicos, tornar-se-ia fonte de novos e maiores dissídios entre os próprios representantes do capital e entre estes e os trabalhadores (Souza, 2007Souza, Samuel F. (2007), “Coagidos ou subornados”: Trabalhadores, sindicatos, Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Tese de Doutorado em História: UNICAMP.:67, citando O Observador econômico e financeiro. N. 28, maio de 1938:47).
Isto é, a extensão dos resultados dos dissídios coletivos a todos os trabalhadores na base territorial dos sindicatos envolvidos na negociação evitaria conflitos de mercado entre empresas e conflito no mercado de trabalho entre trabalhadores. Não há dúvida de que a principal lógica que norteou a instituição da Justiça do Trabalho (e do direito do trabalho) foi a paz nas relações de trabalho, e a extensão seria um dos mecanismos que assegurariam isso9 9 . O arrazoado, pois, se distancia dos argumentos de L. Hamburger citados antes, e que são da mesma época. Hamburger estava preocupado com a competição intercapitalista desleal e com a iniquidade entre os trabalhadores. .
Os decretos de Vargas criando a Justiça do Trabalho tornaram-se os Títulos VIII a X da CLT, que ordenam aquela Justiça e seus procedimentos. Isto significa que o código do trabalho regulamentou as condições de trabalho, as instituições representativas de trabalho e capital, e também o sistema judicial criado para mediar e dar uma solução final (a “sentença normativa”) aos seus dissídios individuais e coletivos. Estas são as bases do sistema legislado brasileiro: a recém-criada Justiça do Trabalho foi, desde o início, parte integrante da validade dos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores10 10 . Sobre o conceito de “modelo legislado”, ver Noronha (2000). . E a extensão de Contratos Coletivos foi inscrita na lei, com isso instanciando no Brasil verdadeiro espírito de época em favor da medida.
Negociação coletiva x dissídios: duas formas de resolução de conflitos
Os Contratos Coletivos (CC) foram regulados pelo Título VI da CLT de 1943. O processo de negociação era regulamentado muito vagamente: não era obrigatório, não havia prescrição de negociação em boa fé, e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) tinha controle total sobre os resultados da negociação. O CC resultante devia ser homologado pelo MTIC (art. 615), e registrado e arquivado pelo Departamento Nacional do Trabalho (no caso de negociações nacionais) ou nos Conselhos Regionais do Trabalho (no caso de negociações locais). Os contratos resultantes eram obrigatórios apenas para os filiados dos sindicatos de trabalhadores e empregadores (art. 612), mas podiam ser estendidos a todas as categorias representadas pelos sindicatos (de trabalhadores e empregadores) na sua jurisdição (ou base territorial), a critério do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, dependendo do “interesse público” da extensão (art. 616. Ver Peixoto, 1945Peixoto, Jarbas. (1945), Código do trabalho. Interpretação e prática da Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, Editora Nacional do Direito Ltda, 2 Vols., Vol. 1:576). A lei também determinava a duração do contrato (máximo de dois anos) e regulava sua eventual suspensão ou cancelamento.
A segunda possibilidade de resolução de conflitos era o Dissídio Coletivo (DC), ou o recurso aos tribunais do trabalho por uma das partes quando não se chegasse a um Contrato Coletivo. Observe-se que o recurso aos tribunais como consequência de um conflito insolúvel durante a negociação coletiva não está previsto no Título VI da CLT (que regula os contratos coletivos e evoca a Justiça do Trabalho apenas em caso de sua suspensão ou validação), mas sim nos seus Títulos VIII a X, que ordenam o processo judicial da Justiça do Trabalho.
Assim, o Título VIII, “Sobre a Justiça do Trabalho” (daqui por diante JT), define que essa justiça especial resolverá o conflito entre empregadores e empregados, além de determinar as instâncias, instituições, prerrogativas, jurisdições e poderes da JT. O Capítulo IV regulamenta os Conselhos Regionais do Trabalho, e o seu art. 678 afirma que é de sua competência “conciliar e julgar, originariamente [quer dizer, em primeira instância], os dissídios coletivos que ocorrerem dentro das respectivas jurisdições”; “estender suas decisões”, conforme previsto nos artigos discutidos mais adiante; “conciliar e julgar, originariamente, os dissídios sobre contratos coletivos de trabalho”. Isso ampliou substancialmente o poder de intervenção da JT, pois ela resolveria qualquer dissenso relativo à negociação coletiva e não apenas a suspensão e validação dos acordos e convenções, conforme previsto no Título VI do CLT.
O Título X ordenou o próprio processo judicial, seus muitos ritos e procedimentos, e era ainda mais intervencionista. O Capítulo IV do Título X, “Dos Dissídios Coletivos”, começa por afirmar que a instância judicial dissídio será instalada ou por representação escrita ao presidente do tribunal; ou por iniciativa do próprio presidente; ou pela Procuradoria da Justiça do Trabalho, “sempre que ocorrer suspensão do trabalho” (art. 856, em Peixoto, 1945Peixoto, Jarbas. (1945), Código do trabalho. Interpretação e prática da Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, Editora Nacional do Direito Ltda, 2 Vols., Vol 2:146). Ou seja, a lei dava espaço ao ativismo judicial nos conflitos de classe, especialmente em caso de greves ou lockouts, entendidos como riscos para a ordem pública (art. 865). No entanto, os arts. 860 a 863 deixam claro que o primeiro (e preferido) resultado da instância era a conciliação de conflitos, a ser perseguida logo na primeira sessão, e a imediata homologação da decisão11 11 . Romita (1998:632 e seguintes) mostra que a conciliação de interesses conflituosos era a principal razão de ser da CLT e da Justiça do Trabalho. . Se isso não acontecesse, o juiz proferiria uma “sentença normativa” obrigatória que vinculava ambas as partes.
Os artigos seguintes do CLT de 1943 regulamentaram (e ainda regulamentam) a extensão das decisões judiciais (homologadas, no caso de acordos judiciais, ou sentenciadas pelo juiz). Os arts. 868 e 869 eram (e são, pois permanecem) muito claros:
“Art. 868. Em caso de dissídio coletivo que tenha por motivo novas condições de trabalho e no qual figure como parte apenas uma fração de empregados de uma empresa, poderá o Tribunal competente, na própria decisão, estender tais condições de trabalho, se julgar justo e conveniente, aos demais empregados da empresa que forem da mesma profissão dos dissidentes.”
……..
“Art. 869. A decisão sobre novas condições de trabalho poderá também ser estendida a todos os empregados da mesma categoria profissional compreendida na jurisdição do Tribunal:
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por solicitação de 1 (um) ou mais empregadores, ou de qualquer sindicato destes;
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por solicitação de 1 (um) ou mais sindicatos de empregados;
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ex officio, pelo Tribunal que houver proferido a decisão;
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por solicitação da Procuradoria da Justiça do Trabalho.” (Peixoto, 1945Peixoto, Jarbas. (1945), Código do trabalho. Interpretação e prática da Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, Editora Nacional do Direito Ltda, 2 Vols., Vol 2:150-151, grifo meu).
Assim, os contratos coletivos poderiam ser estendidos a outros que não as partes negociadoras, a critério do Ministro do Trabalho, autoridade administrativa responsável pela homologação dos contratos. E os resultados dos dissídios poderiam (e ainda podem) ser estendidos a outros sempre que o Tribunal do Trabalho considerasse justo e conveniente. A autoridade administrativa, naturalmente, decidia sobre o significado de “interesse público”, e os tribunais do trabalho, sobre “normas de justiça”. Seja como for, a extensão só era possível aos trabalhadores e empregadores na jurisdição das partes na negociação, ou ainda na jurisdição dos tribunais.
A CLT foi reformada por decreto em 1946, tornando a Justiça do Trabalho instituição do Poder Judiciário, conforme ditado pela nova Constituição de 1946. O Título X, Capítulo IV da CLT, não foi tocado desde sua instituição em 1941, e as regras de extensão dos dissídios coletivos permanecem as mesmas até hoje.
O que mudou profundamente foi o Título VI, fruto de reforma da CLT encetada pela ditadura militar em 1967. O Decreto nº 299 reformou, entre muitos outros, os arts. 611 a 625, que ordenavam os contratos coletivos, introduzindo a distinção entre dois tipos de acordos: a convenção coletiva celebrada entre dois ou mais sindicatos de empregadores e trabalhadores, e válida erga omnes para todos os membros da base territorial dos convenentes; e o acordo coletivo entre um sindicato de trabalhadores e uma ou mais empresas na jurisdição territorial do primeiro. A reforma também derrogou o poder do Ministério do Trabalho de estender os resultados dos acordos à sua discrição12 12 . Para uma ótima análise da reforma de 1967, ver Silva (2008: 200-203). . A extensão tornou-se prerrogativa exclusiva da JT. Mais importante ainda, a negociação coletiva passou a ser obrigatória: nenhuma parte teria o direito de recusá-la, ou ela seria substituída por um representante de ordem superior (federação ou confederação); ou então a Justiça do Trabalho poderia ser acionada para arbitrar um dissídio coletivo. Estas regras seguem vigentes.
As partes em negociação
Nesse quadro, a autoridade pública, nomeadamente o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho, foram, historicamente, agentes centrais na negociação coletiva. No entanto, o complexo edifício jurídico da CLT foi construído sobre uma premissa inescapável: pacificar o dissenso entre trabalho e capital, ou a luta de classes. Assim, elemento central de todo o sistema era a definição de quem tinha o direito de negociar ou de recorrer aos tribunais do trabalho em nome dos coletivos em conflito, e quem eram os coletivos titulares dos direitos trabalhistas legais ou convencionais assim negociados ou arbitrados pelo Estado. Para compreender os mecanismos de extensão ainda existentes, consolidados em 1943, é preciso compreender o intrincado quadro jurídico pelo qual as categorias econômicas e profissionais eram (e são) legalmente definidas, e têm o direito oficial de constituir um sindicato com prerrogativas de representação em determinada jurisdição, ou “base territorial”. Aqui é crucial descer ao pormenor, pois a maior parte dos mecanismos originais ainda se mantém.
A estrutura sindical brasileira foi definida em 1939, sob o Estado Novo de Vargas, nos mesmos fundamentos corporativos que nortearam a instituição da Justiça do Trabalho e todo o código do trabalho consolidado na CLT em 194313 13 . A Constituição autoritária de 1937, outorgada por Vargas, foi parcialmente inspirada na fascista Carta del Lavoro italiana (Moraes Filho, 1952). O corporativismo foi uma espécie de espírito de época na década de 1930 na Europa, como mostra Schmitter (1974). O autor conceitua o modelo brasileiro de “corporativismo estatal”, em oposição ao “corporativismo societal” europeu (característico de Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda e outros). . O Decreto-Lei nº 1.402 de 1939, que passaria para a história como “Lei Sindical”, instituiu o Ministério do Trabalho em controlador e garantidor de todo o sistema. As associações profissionais só poderiam ser reconhecidas como sindicatos oficiais se: comprovadamente representassem pelo menos 1/3 da categoria profissional; os diretores fossem brasileiros natos; em seus estatutos declarassem ser órgãos “de colaboração com os poderes públicos e as demais associações no sentido da solidariedade das profissões e da sua subordinação aos interesses nacionais” (art. 8º, §1º, c). Eles deveriam se registrar e solicitar o reconhecimento pelo Ministério do Trabalho, que tinha a prerrogativa de “conceder e delimitar a base territorial do Sindicato” e de emitir a “Carta de reconhecimento” (que ficou conhecida como “Carta Sindical”), que conferia ao sindicato o direito de ser representante único de determinada categoria profissional ou atividade econômica em determinada jurisdição, cujo tamanho não poderia ser menor do que o município. Era a “unicidade sindical”.
Para assegurar a unicidade, o Ministério do Trabalho manteve uma “Comissão de Enquadramento Sindical”, responsável pela elaboração de um Quadro de Atividades e Profissões14 14 . Ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm#anexo (acessado em julho de 2021). e com a prerrogativa de resolver todas as controvérsias relativas à organização sindical. Isso é central para os objetivos deste estudo, pois os sindicatos só podiam representar e negociar em nome daqueles que o Ministro do Trabalho decidisse estarem na sua jurisdição e pertencerem à mesma profissão (no caso dos sindicatos de trabalhadores) ou atividade (patronal), o que era decidido pela Comissão de Enquadramento Sindical15 15 . Ver o estudo detalhado de Boito Jr. (1991) sobre a estrutura sindical corporativa. .
O Quadro de Atividades e Profissões era (e ainda é) simétrico. Do lado esquerdo encontramos as Confederações de atividades econômicas e do lado direito as Confederações das profissões correspondentes às atividades. Começando, por exemplo, pela Confederação Nacional da Indústria, seu primeiro grupo era (e ainda é) a Indústria Alimentícia, sendo a primeira atividade a fabricação de produtos de trigo, a segunda, a de milho e soja, e a terceira de produtos de mandioca. As profissões correspondentes que compunham as três atividades eram “trabalhadores das indústrias do trigo, do milho, da soja e da mandioca”. Isto significa que poderia haver sindicatos patronais de cada indústria, mas um único sindicato em determinada jurisdição deveria representar os trabalhadores dos três setores, salvo decisão em contrário da Comissão de Enquadramento. Ou seja, se um grupo de trabalhadores do trigo decidisse criar um sindicato próprio na base territorial de um sindicato oficial existente, representando os trabalhadores das três atividades, o pleito seria submetido ao Ministério do Trabalho e a Comissão decidiria sobre sua validade. A Comissão, então, era ator muito poderoso nas relações de trabalho e, embora nomeada pelo Ministro do Trabalho, podia decidir com alguma discrição.
A lei também previa a possibilidade de criação de sindicatos de trabalhadores em atividades similares ou relacionadas, sempre que a profissão declarada não estivesse listada no Quadro ou não fosse reconhecida pelo Ministério do Trabalho. No jargão dos trabalhadores, estes eram chamados “sindicatos dos etc.”, ou de todos os trabalhadores não representados por sindicatos profissionais. Todos esses instrumentos seguem vigentes, embora regidos por quadro legal distinto, como veremos.
A definição clara da base territorial e da categoria profissional era crucial para que o sindicato tivesse acesso ao imposto sindical, que era cobrado de todos os trabalhadores e empregadores da jurisdição dos sindicatos, independentemente da filiação a este, e era equivalente ao salário de um dia de trabalho por ano, no caso dos trabalhadores. O imposto, juntamente com o estatuto de unicidade, deu aos sindicatos uma renda estável e fechou suas jurisdições à concorrência de possíveis outros sindicatos. As disputas políticas ocorreram, historicamente e com poucas exceções, pelo controle dos sindicatos oficiais, e podiam ser muito competitivas (Nogueira, 1997Nogueira, Arnaldo M. (1997). A modernização conservadora do sindicalismo brasileiro. São Paulo, EDUC.; Cardoso, 1999Cardoso, Adalberto M. (1999). A trama da modernidade. Pragmatismo sindical e democratização no Brasil. Rio de Janeiro, IUPERJ/Revan.; Santana, 2001Santana, Marco A. (2001), Homens Partidos. Comunistas e Sindicatos no Brasil. São Paulo, Boitempo.; Negro, 2008).
A negociação na prática
O poder normativo da JT, isto é, o poder de arbitrar uma sentença judicial obrigatória para as partes em conflito, definindo, por exemplo, percentual de reajuste salarial, jornada de trabalho, pagamento de horas extras e tudo o mais que estivesse em pauta de negociação, foi elemento fundamental nas relações de trabalho brasileiras até muito recentemente16 16 . Mesmo durante a ditadura militar o poder normativo da JT foi decisivo na definição de reajustes salariais. Ver Corrêa (2013). . E seu escopo foi construído aos poucos, por tentativa e erro, na prática judicial diária. A Constituição de 1946 previa que a lei deveria ordenar esse poder, mas o Congresso nunca promulgou regulamentação sobre o assunto. Os tribunais passaram a emitir sentenças normativas independentemente disso, que eram recorrentemente contestadas por trabalhadores, empregadores e seus representantes, e boa parte das sentenças era objeto de recursos às instâncias judiciais superiores, chegando amiúde ao TST (Tribunal Superior do Trabalho). Silva (2008)Silva, Sayonara Grillo C. L. (2008), Relações coletivas de trabalho. Configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo, LTr. mostra que somente em meados da década de 1950, 10 anos após sua criação e após longas disputas judiciais e políticas, o TST consolidou a jurisprudência ordenando o poder normativo da JT. Durante esse período, o TST também consolidou a prática de estender os Contratos Coletivos firmados entre sindicatos e empresas ou grupos de empresas, a toda a base territorial dos contendores. Um exemplo ajudará a compreender as práticas pré-1967, que mudaram significativamente após a reforma daquele ano.
O caso foi uma negociação entre o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Gráfica da Cidade de São Paulo e o Sindicato dos Proprietários de Jornais e Revistas do Estado de São Paulo, ocorrida em 196417 17 . http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Memoria/Autos_Judiciais/00000678.pdf (acessado em junho de 2021). Esse processo judicial e outros 1.6 mil, cobrindo o período 1950-1968 podem ser encontrados em https://www2.ifch.unicamp.br/cecult/dissidios/busca. Os documentos foram microfilmados e arquivados como resultado de uma parceria entre o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT-2) e o CECULT (Centro de Pesquisa em História Social da Cultura) da Universidade de Campinas. O projeto previa incluir o TRT-3 (Minas Gerais) e o TRT-4 (Rio Grande do Sul), mas ficou restrito ao de São Paulo. . As partes chegaram a um acordo privado (sem mediação da Delegacia Regional do Trabalho - DRT). O acordo foi enviado à JT para homologação, conforme previsto pela CLT. Após a homologação judicial (que tinha poder normativo), sete sindicatos de trabalhadores de cidades menores do estado de São Paulo (Sorocaba, Santos, São Vicente e outros) e a Federação Nacional dos Trabalhadores Gráficos peticionaram por sua extensão a suas respectivas bases territoriais, e aos trabalhadores gráficos não organizados em sindicatos de todo o estado de São Paulo. O sindicato patronal contestou a demanda por razões substantivas: alegou que a inflação não era tão severa nas pequenas cidades, as empresas eram menores, as relações de trabalho eram “familiares” e assim por diante. Mas a JT acatou a demanda dos trabalhadores e estendeu os resultados do acordo conforme solicitado. A decisão não foi unânime (houve três votos contra), mas baseou-se em sentenças precedentes e equivalentes (o que significa que a extensão era uma prática comum). A discrição da JT também é clara na revisão do acórdão por parte do Ministério Público do Trabalho, que afirma: “A extensão justifica-se, pela facilidade e conveniência de uma solução uniforme e de acordo com precedente deste E. Tribunal”18 18 . Idem, página 57. Para o caso dos trabalhadores gráficos do Rio de Janeiro, ver Thiago (2011). .
Apesar da discricionariedade do Procurador (conveniência e uniformidade podem ser economicamente prejudiciais às partes não representadas no processo de negociação), a extensão foi possível porque o sindicato dos trabalhadores da cidade de São Paulo negociou com o sindicato dos empregadores do estado de São Paulo. Este último tinha como jurisdição todo o estado, o que legitimava a demanda dos demais trabalhadores da mesma base territorial do sindicato patronal, mas trabalhando em municípios diferentes. Note-se que a Federação Nacional dos Trabalhadores Gráficos não exigiu a extensão para todo o país, mas apenas para os trabalhadores desorganizados do estado. Isso porque seu contendor era um sindicato patronal do estado de São Paulo19 19 . Demandas por extensão de acordos coletivos, embora comuns, aparentemente não eram tão numerosas. A base de dados de dissídios arquivados no CECULT-Unicamp tem 1,6 mil registros de petições, sendo que apenas 13 delas exigiam a extensão das decisões. Essa é uma consequência, presumivelmente, da prática da JT de decidir em nome de todos os trabalhadores representados na jurisdição dos contendores, e não apenas em nome dos filiados aos sindicatos. .
Registre-se que esse caso vai de encontro à percepção da maioria dos estudiosos das negociações coletivas no Brasil, para quem elas só se tornaram importantes com a eclosão do “novo sindicalismo”, no final dos anos 1970 (ver Oliveira, 2002Oliveira, Marco A. (2002), Política trabalhista e relações de trabalho no brasil. Da era Vargas ao governo FHC. Tese de Doutorado em Economia - UNICAMP.; Krein, 2007Krein, José D. (2007). Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. PhD Tese de Doutorado em Economia Aplicada, UNICAMP.; Horn, 2009Horn, Carlos H. (2009), Negociação Coletiva no Brasil: Um estudo sobre a regulamentação conjunta da relação de trabalho na manufatura. Saarbrücken, VDM Verlag. e Camargos, 2009Camargos, Regina C. (2009). Negociação Coletiva: trajetória e desafios. Belo Horizonte, RTM.). Na base de dados do CECULT mencionada em nota, de onde se extraiu o caso discutido antes, nada menos do que 42% dos quase 1,6 mil instrumentos coletivos arquivados, cobrindo o período de 1950 a 1968, são homologações de acordos firmados fora dos tribunais. E mais: 61% deles foram acordados depois do golpe militar de 1964, quando a sabedoria convencional aponta que a negociação coletiva teria deixado de existir no período, sendo substituída por dissídios coletivos e pelas políticas salariais da ditadura (Oliveira, 2002Oliveira, Marco A. (2002), Política trabalhista e relações de trabalho no brasil. Da era Vargas ao governo FHC. Tese de Doutorado em Economia - UNICAMP.). Por fim, não há evidências de que estejamos diante de uma exceção no caso dos trabalhadores gráficos de São Paulo, e acordos não mediados nem mesmo pela Delegacia Regional de Trabalho (DRT) parecem ter sido bem mais comuns do que se imagina20 20 . Nessa direção, ver os estudos historiográficos de Silva (2013) e Corrêa (2013), com base nos dados do arquivo do CECULT-Unicamp. Silva aponta que, entre as 217 homologações feitas pelo TRT-2 de acordos firmados fora do tribunal entre janeiro de 1963 e abril de 1964, 79% foram acordos privados, sem a mediação da DRT. Não há razão para imaginar que teria sido diferente em outros tribunais regionais do país. .
A JT “abdicaria” de seus poderes normativos e de extensão nos anos seguintes (explico as aspas mais adiante). Como já se disse, na reforma de 1967 foi introduzida na CLT uma distinção entre Acordos Coletivos e Convenções Coletivas, o que reduziu o poder de extensão da JT, pois a validade de uma Convenção em uma base territorial (e de um Acordo numa empresa) passou a ser automática. Mas a reforma de 1967 não tocou nas disposições sobre extensão (Arts. 868 e 869, acima). Voltarei a esse ponto a seguir.
A reforma constitucional de 1988
Até aqui a CLT foi tratada no passado. No entanto, a maioria das definições consolidadas em 1943 e alteradas em 1967 se manteve intacta até a reforma trabalhista de 2017. A Constituição de 1988 ampliou o âmbito dos direitos constitucionais do trabalho e, ao menos em parte, libertou os sindicatos do controle do Estado. O Ministério do Trabalho perdeu suas prerrogativas de controle e repressão e tornou-se mera autoridade administrativa, com papel de mediador não compulsório na negociação coletiva através das DRTs.
A Constituição de 1988 manteve o instituto crucial do imposto sindical, e também o princípio da unicidade. Esses eram os principais pilares do legado da estrutura sindical de Vargas: um sindicato ainda representava todos os trabalhadores de uma base territorial e cobrava um imposto obrigatório independentemente da filiação dos trabalhadores ou empregadores. No entanto, como o Ministro do Trabalho já não controlava o processo de criação de sindicatos (a Comissão de Enquadramento e a Carta Sindical foram presumivelmente extintas juntamente com os mecanismos repressivos), a estrutura sindical fragmentou-se fortemente (Oliveira, 2002Oliveira, Marco A. (2002), Política trabalhista e relações de trabalho no brasil. Da era Vargas ao governo FHC. Tese de Doutorado em Economia - UNICAMP.). Em 1988 e 1989 foram criados mais de mil sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais, o maior índice da história (Cardoso, 2003Cardoso, Adalberto M. (2003), A década neoliberal e a crise dos sindicatos no Brasil. São Paulo, Boitempo.). O processo prosseguiu na década de 1990, resultando em milhares de disputas judiciais resultantes da tentativa de criação de novos sindicatos na base territorial de sindicatos previamente existentes, querendo representar partes de suas bases e demandando o direito de cobrar o imposto sindical. Em face disso, em 2002 o Tribunal Superior do Trabalho determinou que cabia ao Ministério do Trabalho “zelar pelo princípio da unicidade” constitucionalmente consagrado (Cardoso e Gindin, 2009Cardoso, Adalberto M.; GINDIN, Julián J. (2009), Industrial relations and collective bargaining: Argentina, Brasil e México comparados. Departamento de Relações Industriais e de Emprego / Escritório Internacional do Trabalho. Genebra: Escritório Internacional do Trabalho.), retirando da JT esse poder.
A nova constituição, tal como as que a precederam, não derrogou a CLT. Mais do que isso, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 1992, que os arts. 511 a 577 da CLT, que ordenavam a estrutura sindical, eram inteiramente compatíveis com as novas normas que definiam a liberdade de associação. Como as disputas de jurisdição eram decididas pela JT (pelo menos até a decisão do TST que transferiu a responsabilidade para o Ministério do Trabalho), a lei que norteou as decisões da JT foi a CLT. E o código definia (e ainda define), em seu art. 577, que os sindicatos serão classificados de acordo com o Quadro de Atividades e Profissões21 21 . A decisão do Supremo pode ser encontrada na Revista LTr, SP, janeiro de 1992, p. 13-14. . A antiga Comissão de Enquadramento não existia mais, mas a tabela continuou a orientar o processo de criação e registro dos sindicatos pelo Ministério, que passou a ser supervisionado por um grupo de trabalho no qual as centrais sindicais passaram a estar representadas. Ou seja, o movimento sindical e o Ministério do Trabalho passaram a analisar em conjunto os novos pedidos dos sindicatos e conceder os registros sindicais. Mas ao contrário da tradição anterior, em que o Ministério do Trabalho controlava e continha a fragmentação da representação dos trabalhadores, a nova configuração não mais limitou o ritmo de criação de novas instituições.
Outra mudança institucional trouxe consequências inesperadas para a estrutura sindical. Até 1988, a CLT não previa a possibilidade de centrais sindicais, apenas federações e confederações. A Constituição de 1988 reconheceu seu direito à existência, mas não previu sua participação na negociação coletiva. Em 2008, o Congresso promulgou uma lei concedendo às centrais participação de 10% do imposto sindical, dependendo de alguns critérios de elegibilidade (basicamente dispersão geográfica e representação de pelo menos 7% do número total de trabalhadores filiados aos sindicatos membros das centrais no país). Quando da promulgação da lei, entre 11 centrais registradas, cinco satisfaziam os critérios, e o imposto sindical passou a ser dividido de acordo com o número de trabalhadores que elas comprovadamente representavam22 22 . Segundo a última informação oficial disponível, em 2015 a Central Única dos Trabalhadores (CUT) recebeu cerca de 29% do imposto devido às centrais, a Força Sindical 23%, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) cerca de 22%, a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) 11%, e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), em torno de 7%. Dados compilados no antigo site do MTE. .
A competição entre as centrais por maior parcela do imposto sindical acabou estimulando uma maior fragmentação das bases territoriais existentes23 23 . Entrevista com Pascoal Carneiro, então Secretário Geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), realizada em 23/06/2016. . A fragmentação da estrutura sindical significa a redução das bases territoriais, ou seja, do número de trabalhadores que um sindicato afirma representar. Isto aconteceu em um cenário em que, particularmente após 1988, a JT limitou seu poder normativo, consolidando jurisprudência segundo a qual os contratos e convenções coletivas vinculam apenas a base territorial dos contendores, agora em processo de encolhimento.
A Constituição de 1988 também ampliou de forma importante as prerrogativas da representação sindical. Antes de 1988, as normas da CLT sobre direitos individuais do trabalho só permitiam ações judiciais individuais. Mesmo que uma empresa burlasse os direitos de todos os seus trabalhadores (seja sobre salários ou condições de trabalho), cada trabalhador deveria exigir individualmente o seu direito nos tribunais do trabalho. Mas o art. 8, inciso III da Constituição afirma que os sindicatos podem ser “substitutos” nos tribunais, agindo em defesa dos direitos e interesses individuais ou coletivos das categorias que representam.
O TST fixou jurisprudência em 1993 (nº 310) afirmando que o art. 8, inciso III dependia da promulgação de lei ordinária que o regulamentasse. Ou seja, o tribunal interpretou que a Constituição não havia concedido aos sindicatos o direito imediato de substituir trabalhadores em disputas judiciais coletivas. A peça foi cancelada em 2003, após uma década de intensos debates jurídicos e políticos, e o cancelamento foi fortemente celebrado pelo movimento sindical e por associações de magistrados24 24 . Ver http://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/6123/Decisao-historica-TST-revoga-Enunciado-310-e- garante-ampliacao-do-papel-dos-sindicatos-em-juizo (acedido em julho de 2021). .
Até 2006, as decisões da JT aceitavam ações judiciais coletivas apenas para trabalhadores nominalmente substituídos por seus sindicatos, e seus nomes deviam figurar na petição original. Após um acórdão do STF de 2006, o TST passou a aceitar que os sindicatos representem todos os trabalhadores de uma categoria em sua base territorial (com base na legislação sobre direitos difusos e coletivos também presente na Constituição), e as decisões podem ser estendidas a todos eles, quando solicitado pelo sindicato ou mesmo por trabalhadores individuais. Deve ficar claro que isso nada tem a ver com negociação coletiva, mas com petições coletivas relativas aos direitos individuais de trabalho, uma nova prerrogativa legal dos sindicatos assegurada pela Constituição e seus intérpretes.
A negociação na prática depois de 1988
Até a reforma trabalhista de 2017, um processo típico de negociação seguia (e, em grande medida, ainda segue) os seguintes ritos: uma vez por ano, ou no máximo a cada dois anos, as partes (sindicatos de trabalhadores e empregadores de determinada base territorial, cuja dimensão mínima é o município) deviam renegociar suas convenções coletivas. Havia (e há) casos de negociações ocorrendo a cada dois anos, mas a grande maioria negocia anualmente. O art. 616 da CLT permanece em plena vigência, de modo que as partes, capital e trabalho, quando provocadas, não podem se recusar à negociação coletiva.
As partes se reúnem em privado (a maioria das negociações é privada, e as partes podem recorrer à arbitragem privada) ou na Delegacia Regional do Trabalho (DRT), ligada ao Ministério do Trabalho e Previdência. A DRT lidera uma “mesa redonda” com representantes dos trabalhadores e empregadores mediada por um delegado do ministério. O delegado é apenas um mediador sem poder de arbitragem, mas se não se chegar a um acordo, pode ser exigida arbitragem.
A negociação ocorre numa data-base definida, originalmente, pelo Ministério do Trabalho, mas que depois de 1988 passou também a ser definida em negociação coletiva. Normalmente, a negociação envolve: (i) um sindicato da profissão ou profissões de uma determinada atividade econômica; e (ii) o sindicato dos empregadores dessa mesma atividade.
Os temas de negociação estão em sua maioria relacionados a salários e benefícios adicionais, comumente conhecidos como “cláusulas sociais”. Até a reforma trabalhista de 2017. a lei determinava que a parte flexível da jornada de trabalho (horas extras e bancos de horas) também devia ser negociada coletivamente. Depois de 2017, negociações individuais se tornaram igualmente possíveis. Normas sobre organização do trabalho e, em menor medida, condições de trabalho, são negociadas apenas por sindicatos mais fortes (Horn, 2009Horn, Carlos H. (2009), Negociação Coletiva no Brasil: Um estudo sobre a regulamentação conjunta da relação de trabalho na manufatura. Saarbrücken, VDM Verlag.; Krein et al. 2021b), que têm representação consolidada nos locais de trabalho e conseguem negociar contratos coletivos por empresa. A maioria dos outros só negocia pequenas extensões das disposições da própria CLT sobre saúde e segurança, proteção das mulheres, horas extras etc. (Noronha, 2000Noronha, Eduardo G. (2000), Entre a Lei e a Arbitrariedade: mercados e relações de trabalho no Brasil. São Paulo, LTr.).
Pode haver negociação coletiva por empresa, resultando em Acordos Coletivos de Trabalho. A parte flexível da jornada de trabalho é, em geral, negociada nesse nível. A maioria dos sindicatos negocia uma Convenção que estabelece normas básicas de trabalho (tendo a CLT como quadro normativo geral) e negocia melhores condições (salários e cláusulas sociais, mas também condições e organização do trabalho, se houver algum tipo de representante sindical por local de trabalho) em empresas maiores.
Caso não se chegue a um acordo, ambas as partes devem concordar em recorrer à Justiça do Trabalho para o julgamento de um dissídio coletivo25 25 . Esta é uma alteração imposta pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, segundo a qual o recurso à Justiça do Trabalho deve ser acordado em comum pelas partes. Antes de 2004, uma das partes podia recorrer individualmente durante o processo de negociação. . No tribunal, advogados podem representar as partes26 26 . A Justiça do Trabalho foi originalmente concebida sob os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade e celeridade, e esperava-se que as partes se representassem a si próprias. Mas os empregadores, especialmente as multinacionais e as grandes empresas, começaram a utilizar advogados (como previsto no art. 791, § 2), o que desequilibrou as negociações. Os sindicatos de trabalhadores, com o tempo, consolidaram departamentos jurídicos, profissionalizando o acesso à justiça. Ver Cardoso e Lage (2007). , mas não raro os próprios presidentes dos sindicatos participam das negociações, quase sempre assistidos por seus advogados. Espera-se que o juiz utilize suas capacidades para produzir a conciliação, mas muitas vezes será emitida uma sentença normativa, que tem força de lei. De 2010 a 2020 a JT recebeu 10,2 mil pedidos de dissídio, e em 80% dos casos emitiu uma sentença normativa (Fonte: TST). Ou seja: são, em média, perto de 1.000 dissídios por ano. Embora isso pareça residual, dado que ocorrem entre 40 mil e 50 mil eventos de negociação coletiva a cada ano no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho27 27 . Dados do Sistema Mediador, em http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/ (acessado em julho de 2021). , o número de Convenções Coletivas, contudo, é muito menor − em torno de 6.000 por ano. Logo, perto de 1/6 delas (17%) vão a dissídio, o que não é negligenciável.
Até a reforma trabalhista de 2017, se um acordo fosse alcançado em particular na JT, outros sindicatos podiam optar por aderir voluntariamente a parte ou à totalidade das suas cláusulas, embora isso não fosse muito comum, e a razão é simples: se um sindicato patronal (ou uma empresa) se propunha a aderir a uma convenção de terceiros, é porque julgava as cláusulas mais favoráveis aos empregadores do que as que teria de negociar com o seu respectivo sindicato de trabalhadores. O mesmo acontecia se um sindicato de trabalhadores propunha a adesão a uma convenção negociada por um sindicato mais forte.
A possibilidade de adesão a resultados de negociação de terceiros pode levar a duros conflitos entre trabalho e capital. Em 2012, a montadora Hyundai começou a treinar trabalhadores para sua nova fábrica a ser inaugurada em Piracicaba, cidade de porte médio do interior do estado de São Paulo. O Sindicato dos Metalúrgicos de Piracicaba solicitou ao Ministério Público do Trabalho que obrigasse a empresa a aderir às normas trabalhistas estabelecidas pelo Sindicato Nacional dos Fabricantes de Caminhões, Tratores e Veículos (Sinfavea), mas a empresa manifestou sua preferência pela Convenção Coletiva acordada entre os sindicatos patronais e de trabalhadores metalúrgicos da cidade de Piracicaba, com normas menos favoráveis aos trabalhadores28 28 . Disponível em http://mpt-prt15.jusbrasil.com.br/noticias/3025866/hyundai-se-compromete-a-negociar- reivindicacoes-do-sindicato-dos-metalurgicos-de-piracicaba-sp (acessado em julho de 2021). . A empresa foi bem sucedida. O mesmo aconteceu em Jacareí, também no sertão paulista. Uma nova fábrica da montadora Chery foi instalada e a empresa recusou-se a aderir a qualquer convenção coletiva de trabalhadores metalúrgicos existente na região, todas estabelecendo salários e normas trabalhistas mais altos do que a Chery estava disposta a conceder. Após um mês de greve, o sindicato dos trabalhadores conseguiu aumentar os pisos salariais em 55%, mas num acordo coletivo restrito à empresa. O piso salarial na fábrica da GM na vizinha São José dos Campos era 90% mais alto e os trabalhadores demandavam adesão a ele, mas não tiveram sucesso.
Segundo a CLT, uma sentença normativa resultante de dissídio coletivo pode ser estendida a outros que não as partes em negociação, se o juiz o considerar adequado ou de interesse público, cuja definição fica a critério do juiz. Essa medida sobreviveu à reforma de 1967, que tornou as Convenções válidas erga omnes nas bases territoriais dos sindicatos. Mas, como já observado, a JT tem limitado cada vez mais seu poder normativo, e a extensão das sentenças normativas a terceiros foi praticamente abolida, com algumas exceções, a maioria relacionadas a ações judiciais individuais.
Por exemplo, o TST recebe anualmente centenas de recursos provenientes de suas instâncias inferiores, envolvendo trabalhadores individuais que exigem a extensão de decisões judiciais29 29 . A afirmação se baseia na avaliação de dezenas de acórdãos dos tribunais superiores, incluindo TRTs e TST, disponíveis em http://www.jusbrasil.com.br/ (acessado em junho de 2021). . Uma decisão, em sua fase de execução, é “matéria julgada” (res judicata), e como tal só pode ser alterada em situações muito limitadas (por exemplo, ir contra um novo preceito constitucional; ou ficar desatualizada em função de uma mudança tecnológica − como os testes de DNA − que traz novas evidências que mudam o entendimento da matéria). Em muitas sentenças judiciais, o TST se apega à “matéria julgada” para negar a extensão, na maioria das vezes porque o sindicato peticiona em nome de seus associados e a decisão é claramente limitada a eles, de modo que estender a matéria julgada a outros da mesma categoria profissional ou de outra base territorial (por exemplo, outro município) violaria as leis sobre matéria julgada30 30 . Um entre milhares de exemplos pode ser encontrado em http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/download?key=VFNUL0lUL0FJUJTfMTEzNjU0MDI0MjAwNjUwOV8xMzI0MTgxOTEyNDEyLnJ0Zg%3D%3D. Um sindicato de trabalhadores bancários de Curitiba substituiu seus associados e foi bem sucedido numa ação exigindo pagamento de um adicional salarial. Um trabalhador bancário entrou com outra ação pedindo isonomia, argumentando que o art. 8, inciso III da Constituição, dava aos sindicatos o direito de representar “toda a categoria”. Ele teve seu recurso negado porque a matéria julgada favorecia apenas os associados do sindicato vencedor da ação, e ele não provou estar associado ao sindicato, embora fizesse parte de sua base territorial. .
Na verdade, as extensões da matéria julgada podem ser negadas ou aceitas com base no mesmo art. 8, inciso III da Constituição, combinado com o inciso II que consagra o princípio da unicidade. O art. 8, na verdade, ampliou muito o leque de ações sindicais possíveis, abrindo, ao menos em tese, novas portas para ações de extensão. Condições de trabalho insalubres, perigosas e arriscadas são claros exemplos das novas prerrogativas possíveis dos sindicatos. Um sindicato pode eventualmente representar todos os trabalhadores de uma determinada empresa (digamos, uma fábrica petroquímica) exigindo adicionais de periculosidade e, se for bem sucedido, pode eventualmente demandar a extensão da sentença judicial a outros trabalhadores que enfrentam as mesmas condições em outras empresas de sua base territorial. Da mesma forma, se o sindicato não pedir extensão, um trabalhador de uma empresa equivalente na mesma base territorial pode pedir individualmente a extensão dos benefícios somente a ele, e ser bem sucedido nos tribunais. E os tribunais podem negar a extensão pelos mesmos motivos, se a ação for de um trabalhador de outra jurisdição, que é definida pela base territorial e pela categoria profissional.
É muito comum, por exemplo, o recurso de um membro de uma “categoria diferenciada” solicitando extensão de uma decisão judicial em benefício, digamos, de trabalhadores bancários de determinado ramo em que o peticionário trabalha (por exemplo, a definição da jornada de trabalho ou de adicionais noturnos). Os argumentos dos impetrantes da ação judicial geralmente se referem à isonomia das condições de trabalho, e a extensão é invariavelmente negada porque uma “categoria diferenciada” é normalmente representada ou por um sindicato profissional (caso de engenheiros, mas também secretárias e assistentes sociais) ou por um “sindicato dos etc.”, e não por sindicatos de trabalhadores bancários, o que significa que eles não estão na mesma jurisdição (definida pela base territorial e pela profissão), embora trabalhando lado a lado (às vezes na mesma sala) com os beneficiários da decisão judicial31 31 . Para o caso típico dos engenheiros, ver https://www.fne.org.br/index.php/legislacao/categoria-diferenciada (acessado em julho de 2021). .
Caso semelhante é a negociação entre sindicatos patronais e um sindicato profissional, como o dos trabalhadores em bibliotecas. Muitas empresas têm um ou mais desses trabalhadores, que cuidam dos seus catálogos, sua memória ou suas pequenas bibliotecas especializadas. Isto pode chegar a centenas de empresas em atividades econômicas muito diferentes representadas por diferentes sindicatos de empregadores em determinada jurisdição sindical de trabalhadores, se o sindicato de bibliotecários representa um estado ou um grupo de municípios. Nesse caso, o TST consolidou jurisprudência a favor da extensão dos resultados dos dissídios coletivos a toda a categoria de trabalhadores na jurisdição do seu sindicato, incluindo os sindicatos patronais que não participaram da negociação32 32 . Ver Diário Oficial de 20 de agosto de 2009, páginas 139-146, começando em http://www.jusbrasil.com.br/diarios/12742301/pg-139-tribunal-superior-do-trabalho-tst-de-20-08-2009 (acessado em julho de 2021). . Isso vale para profissões como secretários, carpinteiros da marinha, motoristas, profissionais de marketing e muitas outras que são classificadas como “categorias diferenciadas” pelo Quadro de Atividades e Profissões.
Algo distinto ocorre quando parte dos trabalhadores de uma empresa é representada por um sindicato e parte por outro, embora ambas desempenhem as mesmas tarefas e estejam submetidas às mesmas condições de trabalho. É o caso da ação de uma telefonista, exigindo a extensão dos benefícios conquistados pelo sindicato dos trabalhadores de telemarketing na cidade de São Paulo. Nesta cidade, operadores/as de telefonia são representados/as pelo SINTETEL, enquanto operadores/as de telemarketing estão na jurisdição do SINTRATEL, que negociou o contrato objeto da demanda de extensão. O tribunal negou com base no argumento da jurisdição33 33 . Ver processo em http://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15431678/1144200700702001-sp/inteiro-teor-15431679, (acessado em junho de 2021). .
Além dos argumentos formais, a JT justifica a extensão com base em um argumento principal: a isonomia dos salários dos trabalhadores que desempenham a mesma tarefa, embora trabalhando para empregadores diferentes. Este é o caso de bibliotecários e outras “categorias diferenciadas”. Ela também nega a extensão de cláusulas econômicas (salários, participação nos lucros, benefícios subsidiários) a toda a base territorial de um sindicato, de acordos coletivos negociados judicialmente com uma ou mais grandes empresas, com base em um princípio de equidade: as pequenas empresas não têm a mesma capacidade econômica das grandes. Em qualquer caso, a extensão é concedida ou negada se, e apenas se, tiver havido uma sentença judicial,ou se houver a homologação de um acordo judicial.
A jurisprudência de 2003 do TST sobre ações coletivas introduziu importante ambiguidade nas disputas judiciais. O Código de Processo do Trabalho não previa ações coletivas sobre direitos individuais do trabalho. Assim, os tribunais precisaram lançar mão dos procedimentos judiciais existentes, relacionados com a proteção de direitos coletivos difusos e subjetivos (como os ritos processuais sobre Ações Civis Públicas). E esses procedimentos geralmente definem que as sentenças obrigam todos os sujeitos representados, independentemente do sua própria adesão às mesmas. Por exemplo, uma hipotética decisão de Ação Civil Pública sobre a utilidade pública da água, uma vez proferida a sentença, será universal na jurisdição do tribunal que decide. Se a decisão emanar do Ministério Público Federal, ela obrigará todo o país. Entretanto, a JT decide sobre ações de extensão decorrentes de ações judiciais coletivas, restringindo sua legitimidade à jurisdição dos contendores, e não a todos os trabalhadores afetados pelas mesmas circunstâncias materiais, o que é típico das decisões relativas a direitos coletivos subjetivos. Este é um claro limite autoimposto ao poder de extensão da JT.
Em suma, a extensão judicial é restrita aos resultados dos dissídios coletivos e aos acordos judiciais homologados pela JT, ambos totalizando cerca de 1.000 por ano em todo o país. E apenas uma fração deles é objeto de ações de extensão. Além disso, a JT restringiu fortemente seus poderes de extensão, interpretando a Constituição de forma muito rigorosa: acordos coletivos obrigam apenas as partes negociadoras, e se outras partes quiserem aderir coletivamente, elas devem fazê-lo de livre vontade. A extensão a indivíduos é, na maioria das vezes, restrita às jurisdições das partes. As principais exceções são as “categorias diferenciadas”, que de outra forma teriam de negociar com centenas de sindicatos patronais, por isso muitos deles escolhem uma solução judicial para exigir a extensão dos acordos coletivos judiciais a todas as categorias na jurisdição do tribunal.
Conclusão
No Brasil, os atores e instituições reguladoras da negociação coletiva são os mesmos há décadas, mas as autoridades administrativas perderam a maior parte do seu poder de intervenção. O poder normativo da JT tornou-se residual34 34 . Horn (2009) mostra que nos anos 1990 a JT editou novas Súmulas Normativas que restringiram o seu próprio poder normativo em questões substantivas de negociação (como salários e horário de trabalho), e aumentou o número de Súmulas restritivas, tornando mais difícil para as partes recorrer aos Tribunais do Trabalho, favorecendo assim a negociação coletiva autônoma. Mais recentemente, o STF passou a atuar decisivamente na restrição ainda maior do escopo da JT, retirando de sua alçada o julgamento de temas historicamente pensados como trabalhistas ou simplesmente cancelando súmulas consolidadas. Ver Dutra e Machado (2021). . O Ministério do Trabalho, que deixou de existir em 2019, tinha se tornado, mais propriamente, um parceiro que coordenava as relações capital x trabalho em órgãos tripartites sob sua responsabilidade. Também podia ser mobilizado para mediar um evento de negociação em suas “mesas redondas”, mas a grande maioria da negociação passou a envolver apenas trabalho e capital. A base territorial de um sindicato continuou sendo definida pela Carta Sindical emitida pelo Ministério do Trabalho e seu sucedâneo no Ministério da Economia, e um sindicato de trabalhadores representará todos os trabalhadores de uma determinada profissão ou grupo de profissões na atividade econômica correspondente, ambas (profissões e atividades) definidas pelo Quadro de Atividades e Profissões. A profissão ou grupo de profissões e a base territorial do sindicato de trabalhadores continuam definindo a jurisdição do sindicato, que só pode negociar para os trabalhadores dessa jurisdição, e os resultados da negociação são válidos erga omnes apenas para as profissões ou grupo de profissões representadas.
O Quadro de Atividades e Profissões define o sindicato ou sindicatos patronais com os quais o sindicato de trabalhadores deve obrigatoriamente negociar. Dessa negociação resulta uma convenção coletiva. Mas um sindicato de trabalhadores também pode negociar um acordo coletivo com uma ou mais empresas da mesma jurisdição, na tentativa de melhorar as condições da convenção. Nos anos 1990, a JT consolidou jurisprudência segundo a qual a extensão das cláusulas negociadas não é possível fora das jurisdições das partes negociadoras. Isso significa que a extensão, antes aspecto importante do poder normativo da JT, tornou-se exceção. A JT decidiu não usar suas novas prerrogativas em ações coletivas e não decide com base em direitos coletivos difusos e substantivos ao processar recursos de sindicatos como substitutos de grupos de trabalhadores. Por último, mas não menos importante, os sindicatos de trabalhadores e empregadores podiam sempre, e em comum acordo, aderir a uma convenção coletiva existente negociada por outros sindicatos, em vez de negociar uma nova convenção. Se isso já era incomum antes da reforma trabalhista de 2017, com ela desapareceu do horizonte de capital e trabalho.
No Brasil, portanto, a extensão de cláusulas negociais sempre foi uma questão de decisão judicial. A principal característica do sistema sempre foi o papel central desempenhado pela lei e pela Justiça do Trabalho na definição e eficácia dos direitos e deveres individuais e coletivos35 35 . Tome-se, por exemplo, o caso das petições individuais. Todos os anos, as primeiras instâncias da Justiça do Trabalho recebem entre 2 e 3 milhões de ações de trabalhadores que demandam a restituição de direitos legais individuais negados (tais como direitos rescisórios, férias pagas, compensação por horas extras de trabalho, salários não pagos etc.). Isso representou, historicamente, de 10% a 14% do total de demissões que ocorrem anualmente no mercado formal de trabalho. E imensa maioria do que é demandado na JT é composta de verbas rescisórias, em particular aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS e multa por não assinar a Carteira de Trabalho. Ver http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes (acessado em julho de 2021), e também Cardoso e Lage (2007). . Deve-se notar que a existência de um sindicato nacional de trabalhadores não significa que ele possa exigir extensão para todo o país de decisões judiciais envolvendo uma única empresa, ou sindicatos patronais locais (municipais ou estaduais). Se uma ou ambas as partes exigirem extensão durante o processo de negociação judicial (ou dissídio), os trabalhadores afetados e/ou empregadores não representados na negociação devem ser consultados e concordar com a extensão. A matéria julgada (res judicata) pode ser estendida sob condições muito estritas, quase sempre limitadas às jurisdições das partes na negociação. Esta restrição é recente. Nos anos 1950 e 1960, a extensão da matéria julgada às partes não representadas era mais comum, pois o ativismo judicial fazia parte da cultura consolidada da JT, talvez devido à sua prática de testar os limites da Constituição de 1946, que estabeleceu o poder normativo da JT. Esse poder foi amplamente empregado durante o regime militar, na maioria das vezes contra os interesses dos trabalhadores (Corrêa, 2011Corrêa, Larissa R. (2011), A tessitura dos direitos. Patrões e empregados na Justiça do Trabalho, 1953 a 1964. São Paulo, FAPESP/LTr.; Montenegro, 2013Montenegro, Antonio T. (2013), “Trabalhadores rurais e justiça do trabalho em tempos de regime civil-militar”, em Ângela de C. Gomes e Fernando T. da Silva (eds.), A justiça do trabalho e sua história. Campinas, Editora Unicamp.), e após a reforma de 1967, o ativismo judicial foi limitado pelas novas regras sobre acordos e convenções coletivas. Um contrato coletivo (entre um sindicato de trabalhadores e uma empresa ou grupo de empresas) foi tratado como um acordo privado que obrigava apenas as partes representadas. Isso começaria a mudar nos anos 1990 e mais claramente nos anos 2000, quando a JT começou a aceitar a substituição processual, com sindicatos representando interesses individuais de grupos de trabalhadores.
A limitação das práticas de extensão às jurisdições dos sindicatos (profissões ou atividades econômicas em determinadas bases territoriais) não seria um problema se os representantes dos empregadores e dos trabalhadores estivessem organizados em bases territoriais mais amplas. Mas em 2016, últimos dados disponíveis, entre os cerca de 9 mil sindicatos de trabalhadores urbanos existentes, apenas 45 tinham bases territoriais nacionais, e perto de 2000 tinham como jurisdição estados. Setenta e três por cento eram sindicatos municipais ou, no máximo, intermunicipais.
O sistema de relações de trabalho brasileiro não é democrático, nem livre. Os sindicatos ainda dependem da autoridade administrativa, hoje abrigada no Ministério da Economia, pois sua existência depende de reconhecimento oficial em razão do princípio da unicidade, ainda administrada pelo ministério, embora em órgãos tripartites. Como consequência, a concorrência dentro do movimento sindical é dura e não favorece estratégias de coligação. Muito pelo contrário, até a reforma trabalhista de 2017, que extinguiu o imposto sindical, o sistema estimulava a fragmentação tanto na sua base (sindicatos locais) como no seu topo (centrais sindicais).
Os dissídios coletivos são proporção pequena, mas não negligenciável das negociações coletivas celebradas anualmente no Brasil, e estão no horizonte de cada evento de negociação como uma possibilidade, afetando assim as preferências e o comportamento dos agentes. Ou seja, mesmo que a JT não seja efetivamente mobilizada, ela faz parte dos eventos de negociação como último recurso disponível para a resolução de conflitos. A Constituição Federal de 1988 concedeu aos sindicatos o direito de representar os trabalhadores em petições relativas aos direitos individuais, bem como o direito de substituí-los em petições coletivas. A jurisprudência da JT reconheceu isso em 2003, e desde então utiliza os procedimentos do Processo Civil sobre direitos coletivos difusos e subjetivos (instituídos em 1985, mas consolidados após a Constituição de 1988), como os das Ações Civis Públicas. Isso poderia ter ampliado significativamente o poder de extensão da JT, pois, em princípio, as sentenças poderiam ser estendidas a todos os trabalhadores na jurisdição do tribunal, uma prerrogativa das Ações Civis Públicas36 36 . Uma Ação Pública Civil pode ser proposta pelo Ministério Público (incluindo a do Trabalho) nos três níveis de federação, autarquias, associações civis e outros. As decisões são efetivas nas jurisdições dos tribunais. . Entretanto, a JT consolidou jurisprudência “conservadora”, segundo a qual a extensão é possível, mas restrita às jurisdições dos sindicatos, e não é automática, ou seja, está condicionada a petições de trabalhadores ou empregadores não representados.
Uma abordagem menos conservadora aos direitos constitucionais dos sindicatos poderia levar a JT a tratar as ações coletivas dos sindicatos como Ações Civis Públicas sobre direitos individuais homogêneos, de modo que as decisões pudessem beneficiar todos os trabalhadores que enfrentam as mesmas condições de trabalho sob a jurisdição dos tribunais. Isto ampliaria significativamente o poder de intervenção do JT nas relações de trabalho, mas poderia reduzir as desigualdades na organização do trabalho, saúde e segurança e outros direitos difusos, inclusive os direitos humanos.
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Notas
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1
. Agradeço os comentários de dois pareceristas anônimos de Dados. A pesquisa teve apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, por meio do programa “Cientista do Nosso Estado”.
-
2
. O tema chamou a atenção de Luiz Werneck Vianna (1999)Werneck Vianna, Luiz. (1999), Liberalismo e Sindicato no Brasil. Belo Horizonte, UFMG., Wanderley G. dos Santos (1979)Santos, Wanderley G. dos. (1979). Cidadania e justiça. Rio de Janeiro, Campus., Francisco de Oliveira (1972)Oliveira, Francisco de. (1972), Economia brasileira: crítica da razão dualista. São Paulo/Petrópolis, Cebrap/Vozes., Macedo e Chahad (1985)Macedo, Eduardo; Chahad, José Paulo Z. (1985), O FGTS e a rotatividade. São Paulo, Loyola. e muitos outros.
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3
. O marxista polonês Michal Kalecki antecipou muitas das ideias do livro clássico de Keynes (1936), e Joan Robinson, embora discípula deste último, foi além com sua teoria da competição imperfeita no capitalismo, demandando intervenção do Estado. O corporativismo italiano e o nazismo foram formas concorrentes, totalitárias de intervenção estatal na economia. As expressões “capitalismo organizado” e “capitalismo regulado” não existiam no entreguerras, claro. Ganharam materialidade depois da II Guerra Mundial com a generalização dos estados de bem-estar. Contudo, a primeira formulação da ideia de “capitalismo organizado” é de Rudolf Hilferding, em seu clássico de 1910 sobre capitalismo financeiro. Para ele o capital financeiro seria o agente da “organização” (ou controle da concorrência predatória) do capitalismo. A teoria caiu por terra com a crise financeira de 1929, que colocou as finanças sob controle dos estados nacionais. O termo “organizado” passou crescentemente a significar “organizado pelo Estado”, e parece ter recebido a primeira formulação sistemática em J. Kocka (1974)Kocka, Jürgen (1974) “Organisierter Kapitalismus oder Statmonopolistischer Kapitalismus? Begriffiche Vorbemerkungern”, in H. Winckler, org. (1974) Organisierter Kapitalismus, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht: 4-20., portanto quando já estava em crise. O termo “regulado” vem da Escola Francesa da Regulação, cujo estudo fundador é Aglietta (1976)Aglietta, Michel. (1976). Regulation et crise du capitalisme. Paris, Calmann-Lévi., mas antes dele Shonfield (1969)Shonfield, Andrew. (1969). Modern Capitalism. Oxford, Oxford University Press. já se debruçara sobre os “30 gloriosos” popularizados pelos regulacionistas.
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4
. O projeto parece ter sido prejudicado pela eclosão da II Guerra Mundial.
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5
. Uma comparação entre França, Portugal e Espanha está em García Calavia e Rigby (2020)García Calavia, Miguel A.; RIGBY, Michael. (2020). “The extension of collective agreements in France, Portugal and Spain”. European Review of Labour and Research, v. 26, n. 4. https://doi.org/10.1177/1024258920970131.
https://doi.org/10.1177/1024258920970131... . Entre Alemanha e Holanda, em Paster, Nijhuis e Kiecker (2020). Estudo importante sobre o fim do pacto social-democrata a partir dos anos 1970 pode ser encontrado em Streeck (2014)Streeck, Wolfgang. (2014). Buying time. The delayed crisis of democratic capitalism. London, Verso.. -
6
. Por exemplo, Hayter e Visser (2018)Hayter, Susan; VISSER, Jelle. (2018). Collective agreements: Extending labour protection. Genebra, ILO.. Para o interesse da OCDE sobre o tema, ver https://www.oecd.org/els/emp/EMO2017-CH4-Web-Annex.pdf.
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7
. Talvez o estudo mais abrangente sobre a crise do assalariamento, e precursor do debate que se seguiu, seja Castel (1998)Castel, Robert. (1998), As Metamorfoses da Questão Social: Uma Crônica do Salário. Petrópolis, Vozes.. Ver ainda os diversos trabalhos em Druck e Franco (2007)Druck, Graça; FRANCO, Tânia. (orgs.) (2007). A perda da razão social do trabalho: precarização e terceirização. São Paulo, Boitempo.. Um clássico contemporâneo é Standing (2011)Standing, Guy. (2011), The precariat: The new dangerous class. London, Bloomsbury.. Para o impacto em trabalhadores migrantes nos Estados Unidos, realidade emergente também nos países europeus, ver Milkman (2020)Milkman, Ruth. (2020). Immigrant labor and the new precariat. Cambridge, Polity.. Dentre as muitas dimensões do processo de erosão do assalariamento regulado destaco: o crescimento da informalidade (Cacciamali, 2000Cacciamali, Maria C. (2000). “Globalização e processo de informalidade”. Revista Economia e Sociedade, n. 14, pp. 153-174.; Véras et al. 2011); surgimento do capitalismo de plataforma (Srnicek, 2017Srnicek, Nick. (2017). Platform capitalism. Cambridge, Polity.) e a “pejotização” do emprego; a redução das proteções e direitos vinculados à condição de assalariado formal (Druck, 2016Druck, Graça. (2016). “Unrestrained outsourcing in Brazil: more precarization and health risks for workers”. Cadernos de Saúde Pública, v. 32, pp. 1-9.; Antunes, 2020Antunes, Ricardo. (2020). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo, Boitempo.), dentre outros. Extenso apanhado desse processo no Brasil pós-reforma trabalhista de 2017 pode ser encontrado em Krein et al. (2021a e 2021b). E o papel do Supremo Tribunal Federal na erosão do assalariamento no Brasil foi minuciosamente analisado em Dutra e Machado (2021)Dutra, Renata; MACHADO, Sidnei. (2021). O Supremo e a reforma trabalhista. A construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, Editora Fi..
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8
. Excelente reconstrução do processo de consolidação da Justiça do Trabalho é Silva (2008)Silva, Sayonara Grillo C. L. (2008), Relações coletivas de trabalho. Configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo, LTr..
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9
. O arrazoado, pois, se distancia dos argumentos de L. Hamburger citados antes, e que são da mesma época. Hamburger estava preocupado com a competição intercapitalista desleal e com a iniquidade entre os trabalhadores.
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10
. Sobre o conceito de “modelo legislado”, ver Noronha (2000)Noronha, Eduardo G. (2000), Entre a Lei e a Arbitrariedade: mercados e relações de trabalho no Brasil. São Paulo, LTr..
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11
. Romita (1998:632 e seguintes) mostra que a conciliação de interesses conflituosos era a principal razão de ser da CLT e da Justiça do Trabalho.
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12
. Para uma ótima análise da reforma de 1967, ver Silva (2008Silva, Sayonara Grillo C. L. (2008), Relações coletivas de trabalho. Configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo, LTr.: 200-203).
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13
. A Constituição autoritária de 1937, outorgada por Vargas, foi parcialmente inspirada na fascista Carta del Lavoro italiana (Moraes Filho, 1952). O corporativismo foi uma espécie de espírito de época na década de 1930 na Europa, como mostra Schmitter (1974). O autor conceitua o modelo brasileiro de “corporativismo estatal”, em oposição ao “corporativismo societal” europeu (característico de Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda e outros).
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14
. Ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm#anexo (acessado em julho de 2021).
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15
. Ver o estudo detalhado de Boito Jr. (1991) sobre a estrutura sindical corporativa.
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16
. Mesmo durante a ditadura militar o poder normativo da JT foi decisivo na definição de reajustes salariais. Ver Corrêa (2013)Corrêa, Larissa R. (2013). “A ‘rebelião dos índices’: política salarial e justiça do trabalho na ditadura civil-militar (1964-1968)”, in , Ângela de C. Gomes e Fernando T. da Silva. (orgs.), A justiça do trabalho e sua história. São Paulo, Editora Unicamp, pp. 263-300..
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17
. http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Memoria/Autos_Judiciais/00000678.pdf (acessado em junho de 2021). Esse processo judicial e outros 1.6 mil, cobrindo o período 1950-1968 podem ser encontrados em https://www2.ifch.unicamp.br/cecult/dissidios/busca. Os documentos foram microfilmados e arquivados como resultado de uma parceria entre o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT-2) e o CECULT (Centro de Pesquisa em História Social da Cultura) da Universidade de Campinas. O projeto previa incluir o TRT-3 (Minas Gerais) e o TRT-4 (Rio Grande do Sul), mas ficou restrito ao de São Paulo.
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18
. Idem, página 57. Para o caso dos trabalhadores gráficos do Rio de Janeiro, ver Thiago (2011)Thiago, Cristiane M. (2011). Ofício militante: trabalhadores gráficos da cidade do Rio de Janeiro (1960-1980). Tese de Doutorado em História, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280237.
http://www.repositorio.unicamp.br/handle... . -
19
. Demandas por extensão de acordos coletivos, embora comuns, aparentemente não eram tão numerosas. A base de dados de dissídios arquivados no CECULT-Unicamp tem 1,6 mil registros de petições, sendo que apenas 13 delas exigiam a extensão das decisões. Essa é uma consequência, presumivelmente, da prática da JT de decidir em nome de todos os trabalhadores representados na jurisdição dos contendores, e não apenas em nome dos filiados aos sindicatos.
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20
. Nessa direção, ver os estudos historiográficos de Silva (2013)Silva, Fernando T. (2013), “Entre o acordo e o acórdão: a justiça do trabalho paulista na antevéspera do golpe de 64”, in Ângela de C. Gomes e Fernando T. da Silva (eds), A Justiça do Trabalho e sua história. São Paulo, Editora Unicamp. e Corrêa (2013)Corrêa, Larissa R. (2013). “A ‘rebelião dos índices’: política salarial e justiça do trabalho na ditadura civil-militar (1964-1968)”, in , Ângela de C. Gomes e Fernando T. da Silva. (orgs.), A justiça do trabalho e sua história. São Paulo, Editora Unicamp, pp. 263-300., com base nos dados do arquivo do CECULT-Unicamp. Silva aponta que, entre as 217 homologações feitas pelo TRT-2 de acordos firmados fora do tribunal entre janeiro de 1963 e abril de 1964, 79% foram acordos privados, sem a mediação da DRT. Não há razão para imaginar que teria sido diferente em outros tribunais regionais do país.
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21
. A decisão do Supremo pode ser encontrada na Revista LTr, SP, janeiro de 1992, p. 13-14.
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22
. Segundo a última informação oficial disponível, em 2015 a Central Única dos Trabalhadores (CUT) recebeu cerca de 29% do imposto devido às centrais, a Força Sindical 23%, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) cerca de 22%, a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) 11%, e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), em torno de 7%. Dados compilados no antigo site do MTE.
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23
. Entrevista com Pascoal Carneiro, então Secretário Geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), realizada em 23/06/2016.
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24
. Ver http://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/6123/Decisao-historica-TST-revoga-Enunciado-310-e- garante-ampliacao-do-papel-dos-sindicatos-em-juizo (acedido em julho de 2021).
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25
. Esta é uma alteração imposta pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, segundo a qual o recurso à Justiça do Trabalho deve ser acordado em comum pelas partes. Antes de 2004, uma das partes podia recorrer individualmente durante o processo de negociação.
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26
. A Justiça do Trabalho foi originalmente concebida sob os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade e celeridade, e esperava-se que as partes se representassem a si próprias. Mas os empregadores, especialmente as multinacionais e as grandes empresas, começaram a utilizar advogados (como previsto no art. 791, § 2), o que desequilibrou as negociações. Os sindicatos de trabalhadores, com o tempo, consolidaram departamentos jurídicos, profissionalizando o acesso à justiça. Ver Cardoso e Lage (2007)Cardoso, Adalberto M.; LAGE, Telma L. (2007), As normas e os fatos. Desenho legal e desempenho real das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro, FGV..
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27
. Dados do Sistema Mediador, em http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/ (acessado em julho de 2021).
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28
. Disponível em http://mpt-prt15.jusbrasil.com.br/noticias/3025866/hyundai-se-compromete-a-negociar- reivindicacoes-do-sindicato-dos-metalurgicos-de-piracicaba-sp (acessado em julho de 2021).
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29
. A afirmação se baseia na avaliação de dezenas de acórdãos dos tribunais superiores, incluindo TRTs e TST, disponíveis em http://www.jusbrasil.com.br/ (acessado em junho de 2021).
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30
. Um entre milhares de exemplos pode ser encontrado em http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/download?key=VFNUL0lUL0FJUJTfMTEzNjU0MDI0MjAwNjUwOV8xMzI0MTgxOTEyNDEyLnJ0Zg%3D%3D. Um sindicato de trabalhadores bancários de Curitiba substituiu seus associados e foi bem sucedido numa ação exigindo pagamento de um adicional salarial. Um trabalhador bancário entrou com outra ação pedindo isonomia, argumentando que o art. 8, inciso III da Constituição, dava aos sindicatos o direito de representar “toda a categoria”. Ele teve seu recurso negado porque a matéria julgada favorecia apenas os associados do sindicato vencedor da ação, e ele não provou estar associado ao sindicato, embora fizesse parte de sua base territorial.
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31
. Para o caso típico dos engenheiros, ver https://www.fne.org.br/index.php/legislacao/categoria-diferenciada (acessado em julho de 2021).
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32
. Ver Diário Oficial de 20 de agosto de 2009, páginas 139-146, começando em http://www.jusbrasil.com.br/diarios/12742301/pg-139-tribunal-superior-do-trabalho-tst-de-20-08-2009 (acessado em julho de 2021).
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33
. Ver processo em http://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15431678/1144200700702001-sp/inteiro-teor-15431679, (acessado em junho de 2021).
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34
. Horn (2009)Horn, Carlos H. (2009), Negociação Coletiva no Brasil: Um estudo sobre a regulamentação conjunta da relação de trabalho na manufatura. Saarbrücken, VDM Verlag. mostra que nos anos 1990 a JT editou novas Súmulas Normativas que restringiram o seu próprio poder normativo em questões substantivas de negociação (como salários e horário de trabalho), e aumentou o número de Súmulas restritivas, tornando mais difícil para as partes recorrer aos Tribunais do Trabalho, favorecendo assim a negociação coletiva autônoma. Mais recentemente, o STF passou a atuar decisivamente na restrição ainda maior do escopo da JT, retirando de sua alçada o julgamento de temas historicamente pensados como trabalhistas ou simplesmente cancelando súmulas consolidadas. Ver Dutra e Machado (2021)Dutra, Renata; MACHADO, Sidnei. (2021). O Supremo e a reforma trabalhista. A construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, Editora Fi..
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35
. Tome-se, por exemplo, o caso das petições individuais. Todos os anos, as primeiras instâncias da Justiça do Trabalho recebem entre 2 e 3 milhões de ações de trabalhadores que demandam a restituição de direitos legais individuais negados (tais como direitos rescisórios, férias pagas, compensação por horas extras de trabalho, salários não pagos etc.). Isso representou, historicamente, de 10% a 14% do total de demissões que ocorrem anualmente no mercado formal de trabalho. E imensa maioria do que é demandado na JT é composta de verbas rescisórias, em particular aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS e multa por não assinar a Carteira de Trabalho. Ver http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes (acessado em julho de 2021), e também Cardoso e Lage (2007)Cardoso, Adalberto M.; LAGE, Telma L. (2007), As normas e os fatos. Desenho legal e desempenho real das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro, FGV..
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36
. Uma Ação Pública Civil pode ser proposta pelo Ministério Público (incluindo a do Trabalho) nos três níveis de federação, autarquias, associações civis e outros. As decisões são efetivas nas jurisdições dos tribunais.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
21 Jul 2021 -
Aceito
21 Out 2022