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A lingüística indígena no Brasil

Linguistics of indigenous languages in Brazil

Resumo

This article presents a panorama of the area of the linguistics of the indigenous languages in Brazil within the discipline of Brazilian linguiistics as a whole. Special attention is given to those aspects related to its specific development. It is argued that in contrast to what is commonly supposed, the arrival of the Summer Institute of Linguistics (1959) not only was not the beginning of this area of study in the country, but it even contributed to the delay in its establishment. It was only after the return of Brazilian scholars educated abroad who were interested in the study of the national indigenous languages that a specialized branch of linguistics directed to the study of these languages began to take form. The present situation of the area and perspectives for future development are both explored.

Indigenous Languages; Branch of Linguistics; History; Perspectives; Institutions


Línguas Indígenas; Área da Lingüística; Histórico; Perspectivas; Instituições

Indigenous Languages; Branch of Linguistics; History; Perspectives; Institutions

A Lingüística Indígena no Brasil

(Linguistics of Indigenous Languages in Brazil)

Lucy SEKI

(UNICAMP; CNPq)

ABSTRACT: This article presents a panorama of the area of the linguistics of the indigenous languages in Brazil within the discipline of Brazilian linguiistics as a whole. Special attention is given to those aspects related to its specific development. It is argued that in contrast to what is commonly supposed, the arrival of the Summer Institute of Linguistics (1959) not only was not the beginning of this area of study in the country, but it even contributed to the delay in its establishment. It was only after the return of Brazilian scholars educated abroad who were interested in the study of the national indigenous languages that a specialized branch of linguistics directed to the study of these languages began to take form. The present situation of the area and perspectives for future development are both explored.

KEY WORDS: Indigenous Languages; Branch of Linguistics; History; Perspectives; Institutions.

PALAVRAS-CHAVE: Línguas Indígenas; Área da Lingüística; Histórico; Perspectivas; Instituições.

0. Introdução1 1 Na elaboração deste artigo muito nos beneficiamos de discussões com os colegas Aryon Rodrigues, Ataliba de Castilho, Rodolfo Ilari, Filomena Sandalo, e Wilmar D'Angelis, e também com alunos da área de Linguística Antropológica: Aldir Santos de Paula, Andrés Salanova, aos quais deixamos aqui registrados nossos agradecimentos. Aos professores Rodolfo Ilari e Ataliba de Castilho nosso agradecimento pela leitura do manuscrito e pelos valiosos comentários e sugestões. Somos gratos a Angel Corbera, Wilmar D'Angelis e Aldir Santos de Paula por facilitarem o acesso a certas obras, e ao último também pelo auxílio prestado na digitação dos anexos. Eventuais problemas são de responsabilidade exclusiva da autora. Agradecemos as seguintes pessoas que enviaram informações solicitadas sobre projetos, atividades e publicações próprios e / ou de colegas: S. Braggio, M. Borges, M. do Socorro Vale (UFG), M. Maia, B. Franchetto, M. Facó (MN), Ruth Monserrat (UFRJ), W. F. Netto (USP), D. Moore, N. Gabas, M. C. D. Barros, S. Meira (MPEG), I. M. Teles (UNIR), W. D'Angelis, A. C. Mori, F. Sandalo, M. C. Cavalcanti, F. B. Pacheco, L. Dourado, C. Fargetti, G. Vieira, G. Antunes (Unicamp), A. S. de Paula UFAL/Unicamp), M. Ferreira (UFPA/Unicamp), A. Salanova (MN/Unicamp), F. Queixalós (ORSTOM); Elizabeth Ekdahl (SIL); R. Guirardello, S. Gildea, A. Aikhenvald. Os colegas A. D. Rodrigues, A. S. A. Câmara e Aldir S. de Paula enviaram também informações sobre a UnB, UFPA, e UFPE / UFAL, respectivamente.

Até bem recentemente a expressão "lingüística indígena" não seria apropriada em nosso contexto, não só em decorrência da situação incipiente da Lingüística no País, mas também porque nossas línguas indígenas praticamente não tinham lugar nesta ciência. O fato de hoje a expressão soar natural indica uma mudança promissora de perspectiva: pressupõe a delineação, dentro da Lingüística Brasileira, de um campo de estudos voltado para as nossas línguas e constitui um indicativo de que elas começaram a ocupar o espaço que lhes era devido nessa ciência.

O processo da lenta constituição da Lingüística Indígena no Brasil reflete-se, de certa forma, em avaliações que com alguma periodicidade os estudiosos envolvidos com a problemática das línguas indígenas brasileiras e seu estudo têm feito da área, focalizando ora suas necessidades e seus problemas, ora também suas conquistas e perspectivas (Oiticica, 1930; Rodrigues, 1963, 1985, 1997; Câmara, 1963; Franchetto e Leite, 1983; Carson, 1984; Seki, 1991; Moore e Storto, 1991). Ao apresentarmos, neste trabalho, um panorama da área, é nosso objetivo abordar mais especificamente o período a partir da década de sessenta, com incursões em períodos anteriores, tentando focalizar a Lingüística Indígena dentro de um contexto mais amplo da Lingüística no Brasil. Tendo em vista construir um quadro de fundo, iniciaremos com alguns dados sobre a situação atual das línguas indígenas brasileiras, passando por um brevíssimo resumo histórico sobre o estudo dessas línguas em fases anteriores2 2 A versão original do trabalho contém, em forma de anexos, os resultados de um levantamento preliminar sobre a produção relativa às línguas indígenas brasileiras a partir de 1960, realizado tendo em vista contribuir para a elaboração de uma bibliografia mais ampla de trabalhos da área e para um futuro mapeamento da produção sobre línguas indígenas e mesmo para divulgar trabalhos de autores brasileiros, em geral pouco conhecidos. Por razões de espaço tais anexos não puderam ser incluídos no presente volume. .

1. Línguas Indígenas brasileiras e sua situação atual.

Embora não haja dados totalmente precisos, os estudiosos em geral concordam com a estimativa de que atualmente são ainda faladas no Brasil cerca de 180 línguas indígenas. Estima-se também que desde a chegada dos portugueses houve a perda de 1.000 línguas, o que representa 85% das línguas existentes no território brasileiro no século XVI. As línguas remanescentes são todas minoritárias, calculando-se em aproximadamente 155.000 o número total de falantes. É muito variável o número de falantes por língua, havendo apenas uma, o Ticuna, com cerca de 20.000.Três línguas - o Makuxi, o Terena e o Kaingang, contam com 10.000 falantes; vinte línguas têm entre 1.000 e 10.000 falantes, e as outras 156 têm menos de mil, sendo que dentre elas, 40 são faladas por menos de cem pessoas, havendo casos de línguas com menos de 20 falantes (Rodrigues, 1993).

Essas estimativas devem ser ainda consideradas com certa cautela, pois as línguas indígenas encontram-se sob as mais diferentes pressões, sofrendo o impacto do crescente contato com a população envolvente e a língua majoritária. Contudo, não há em geral levantamentos que permitam estabelecer com maior margem de exatidão os reflexos do impacto do Português nos distintos grupos em termos de deslocamento da língua indígena, tanto no que se refere a graus de bilingüismo / monolingüismo, quanto no que se refere à interferência do Português nessas línguas, nem sempre claramente perceptível nas fases iniciais, mas que vai aos poucos contribuindo para a perda da língua minoritária (Seki, 1995).

As línguas indígenas acham-se hoje concentradas nas regiões amazônica e centro oeste, nos Estados do Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Acre, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins e, em menor proporção em outros estados do Brasil. Algumas delas são faladas em regiões limítrofes entre o Brasil e outros países vizinhos.

O número ainda existente de línguas indígenas brasileiras representa uma grande diversidade lingüística: as 180 línguas se distribuem por cinco grandes grupos - Tronco Tupi, Tronco Macro-Jê, Família Karib, Família Aruak, Família Pano; havendo ainda nove outras famílias menores e dez Isolados lingüísticos.

O Tronco Tupi, estabelecido bem claramente, inclui 6 famílias genéticas: Tupi-Guarani (com 33 línguas e dialetos), Mondé (com 7 línguas), Tupari (com 3 línguas), Juruna, Munduruku e Ramarana (cada uma com 2 línguas) e 3 línguas: Aweti, Mawé e Puruborá. A família Tupi-Guarani caracteriza-se por grande dispersão geográfica: suas línguas são faladas nas diferentes regiões do Brasil e também em outros países da América do Sul (Bolívia, Peru, Venezuela, Guiana.Francesa, Colômbia, Paraguai e Argentina). As demais famílias do tronco Tupi estão todas localizadas em território brasileiro, ao sul do rio Amazonas.

No tronco Macro-Jê, definido com base em evidências menos claras, são incluídas 6 famílias genéticas (Jê, Bororo, Botocudo, Karajá, Maxacali, Pataxó) e 4 línguas (Guató, Ofayé, Erikbaktsá e Fulniô). As línguas filiadas a esse tronco, exclusivamente brasileiro, são faladas principalmente nas regiões de campos e cerrados, desde o sul do Maranhão e Pará, passando pelos estados do centro oeste até Estados do sul do País.

A família Karib é representada, no Brasil, por 20 línguas, distribuídas ao norte e ao sul do rio Amazonas. Outras línguas da família Karib são faladas nas Guianas, na Venezuela e Colômbia.

Dezessete línguas representam a família Aruak (Arawak) no Brasil, estando situadas no noroeste e oeste do País e também na região do Alto Xingu e ao sul da mesma. Há outras línguas da família Aruak faladas fora de território brasileiro.

A família Pano inclui 13 línguas faladas no Brasil, situadas nos estados do Acre, Rondônia e Amazonas, ainda pouco estudadas, e outras no Peru e Bolívia.

Outras famílias linguísticas são: Tucano, com 11 línguas e vários dialetos; Arawá, com 7 línguas; Makú, com 6 línguas; Katukina e Yanomámi, cada uma com 4 línguas; Txapakura e Nambikwara, com 3 línguas cada; Múra, com 2 línguas e Guaikuru, com 1 língua no Brasil (Kadiwéu).

Dez outras línguas indígenas são classificadas como isoladas, isto é, constituem tipos linguísticos únicos: Tikuna, Irantxe/ Münkü, Trumai, Máku, Aikana, Arikapu, Jabuti, Kanoê e Koaiá ou Kwaza.

2. Estudo das línguas indígenas brasileiras: breve histórico.

2.1. Período anterior à década de 60 / século XX.

É muito pouco o que se fez em relação ao estudo de línguas indígenas brasileiras até os anos 50 do século XX. Nos três primeiros séculos após o descobrimento, os materiais lingüísticos foram produzidos sobretudo por missionários portugueses entre os quais se destacam as figuras do Pe. José de Anchieta, que em 1595 publicou uma gramática Tupi, e a do Pe. Luis Figueira, também autor de uma gramática sobre a mesma língua. Entre os franceses, destaca-se Jean de Léry, que deixou observações sobre aspectos do Tupi. Características principais dos materiais linguísticos dessa época, já apontadas por Câmara Jr. são (1) o fato de se referirem somente à língua Tupi, também chamada de Brasílica, nos séculos XVI e XVII e de Tupinambá, no século XVIII e períodos posteriores (a única exceção é a língua Cariri, sobre a qual há documentos produzidos no final do século XVII); (2) a língua era focalizada não pelo interesse nela em si, enquanto objeto de estudo, mas com finalidade prática de estabelecer um meio de comunicação com os nativos e de promover sua catequese; (3) a língua era abordada com base no aparato conceptual então disponível - o das gramáticas clássicas, particularmente a latina (veja-se Câmara Jr., 1965 e Rodrigues, 1998 para detalhes e bibliografia; e também Ayrosa, 1954).

No século XIX e início do século XX há que distinguir dois tipos principais de estudiosos: o primeiro é o daqueles que desenvolveram seus trabalhos fora do contexto indígena, configurando o que Mattoso Câmara denominou "Filologia Tupi", ou seja, que se dedicaram fundamentalmente à análise de materiais escritos legados pelos missionários e outros do período anterior, e focalizando também a influência do Tupi no Português. Incluem-se aqui figuras como Batista Caetano, Rodolfo Garcia, Plínio Ayrosa, Paula Martins, Lemos Barbosa, Edelweiss, entre outros (vide Ayrosa, 1954, para bibliografia). O segundo grupo é constituído por estudiosos que estiveram em contato direto com os falantes nativos. Segundo Câmara Jr. (1965) incluem-se aqui tres grupos de pesquisadores: estrangeiros (geógrafos, naturalistas, etnólogos), como von den Steinen, Wied-Neuwied, Martius, Castelnau. Koch-Grünberg, Manizer, entre outros; missionários, como Fidelis de Alveano, Colbachini, Val Floriana, A. Giaconi, A. Kruse, entre outros; e pesquisadores brasileiros, como Couto de Magalhães, Visconde de Taunay, Capistrano de Abreu, Nimuendaju, entre outros. De modo geral nos trabalhos desse período não tomavam como objetivo central a abordagem da língua em si, mas estavam subordinados aos interesses de catequese, no caso dos missionários, ou aos interesses específicos de cada pesquisador, nos demais casos; os estudos consistem, via de regra, de listas lexicais, sendo raras as tentativas de descrição de outros aspectos da língua; as transcrições eram, com raras exceções, precárias, impressionísticas. Ao mesmo tempo, nesse período houve interesse por outras línguas, que não o Tupi, e os materiais produzidos permitiram analises comparativas que serviram de base para o trabalho de classificação inicial de nossas línguas e, em muitos casos, constituem a única informação sobre línguas hoje extintas. E alguns trabalhos, como o de Anchieta, sobre o Tupi, o de Steinen, sobre o Bakairi, o de Capistrano, sobre o Kaxinawá, são reconhecidos como sendo mais elucidativos do que muitos produzidos por lingüistas contemporâneos.

2.2. Os estudos de línguas indígenas na segunda metade do século XX.

2.2.1. A área de Lingüística Indígena

Considerações sobre o estudo das línguas indígenas brasileiras nesse período entrecruzam-se necessariamente com a história da implementação da Lingüística no Brasil e com a instalação, no País, do Summer Institute of Linguistics.

O interesse por uma abordagem científica no estudo das línguas indígenas brasileiras já se prenuncia nos anos trinta, (embora trabalhos com características dos períodos anteriores continuassem a ser produzidos após esta data), época em que a Lingüística passava por uma fase de grande desenvolvimento no Exterior, mas ainda inexistia no Brasil.

O principal foco daqueles que se preocupavam então com as línguas indígenas era o apelo em favor do estudo científico das mesmas. Assim, em 1930 José Oiticica (1933), ao mesmo tempo em que criticava a orientação até então vigente nos estudos de línguas indígenas, falava sobre a necessidade de se proceder metodicamente à documentação dessas línguas e de se organizar um centro coordenador de pesquisas lingüísticas na América do Sul. Três décadas depois, em relatório apresentado na 5ª Reunião Brasileira de Antropologia (B. Horizonte, junho/61), A. Rodrigues (1961) observava que a "indigência de bons materiais" sobre as línguas indígenas brasileiras era ainda praticamente a mesma. O Relatório foi feito cerca de quatro anos após o estabelecimento do Summer Institute of Linguistics no Brasil, num momento em que aqui se encontravam mais de 70 membros da Instituição, trabalhando com aproximadamente 20 línguas indígenas, o que era considerado como uma "mudança radical" no campo de estudo dessas línguas. Por outro lado, o ensino da Lingüística mal começava a ser implementado no Brasil. Assim, ao mesmo tempo em que via a situação dos estudos das línguas indígenas brasileiras como "altamente favorável e promissora", Rodrigues apontava dois sérios problemas: por um lado, a mudança ocorria devido à "importação de lingüistas estrangeiros", continuando o Brasil "praticamente sem lingüistas e sem lingüística". Por outro lado, a formação de pesquisadores brasileiros era dificultada pela estrutura então dominante do ensino superior. Opinião semelhante foi externada pelo co-relator, Mattoso Câmara, em seu comentário ao Relatório: "O auxílio que nos está prestando o Summer Institute ... não nos libera da obrigação de procurar constituir uma equipe de lingüistas nossos, tecnicamente capazes de cooperar com os do Institute e afinal ocupar a posição na lingüística indígena brasileira". Com relação à Universidade, Mattoso Câmara também observa que a estrutura do ensino universitário não favorecia a formação integral de pesquisadores lingüistas (Câmara, 1961).

De fato, na época o quadro institucional das universidades só previa o ensino de línguas clássicas e línguas literárias modernas, dentro de uma orientação profissionalizante. Atuavam como lingüistas umas poucas pessoas, com formação básica em Filologia ou em outras áreas, mas que, por interesse pessoal na nova disciplina dedicavam-se ao estudo da mesma. Esses pioneiros teriam um papel relevante na implantação da Lingüística no País, o que se daria nas décadas de 60 e 70.

Chama a atenção o fato de que, desde o início, em vários eventos relacionados à implantação da Lingüística nomes como Rosário F. Mansur Guérios, Aryon Rodrigues, Mattoso Câmara, interessados no estudo de línguas indígenas, tenham tido um papel relevante. Contudo, o campo da Lingüística Indígena foi um dos que mais tardaram em se constituir na Lingüística brasileira.

O processo de delimitar um domínio próprio de investigação da Lingüística foi marcado no Brasil pela oposição à Filologia e à Gramática tradicional, o que favoreceu o interesse pelo estudo do Português, a partir das novas orientações relacionadas à Lingüística, em oposição aos estudos anteriores dessa língua. No que respeita às línguas indígenas (vivas) em sua prática totalidade não havia, com raras exceções, estudos prévios que as tornassem visíveis e aos quais se pudesse aplicar as novas abordagens. Um outro fator a ser considerado é que era ainda amplamente difundida a idéia errônea, reforçada pelo estabelecimento oficial, de que o Brasil era um país monolíngüe, o que também favoreceu o estudo do Português do Brasil em prejuízo das línguas indígenas, como de resto as outras línguas minoritárias faladas no País, que em geral eram ignoradas, inclusive nos meios universitários. Sobre línguas indígenas, a idéia prevalecente (e ainda hoje bastante comum) é a de que no Brasil havia o Tupi, ou Tupi-Guarani, uma língua extinta da qual se falava usando os tempos do passado.

Em 1959, em resultado de gestões iniciadas em 1956, foi ratificado um convênio entre o Museu Nacional e o Summer Institute of Linguistics (SIL), tendo em vista o estabelecimento de um plano de estudos das línguas indígenas brasileiras. De acordo com Barros (1993:323), a "presença do SIL no país e a assinatura do acordo com o Museu Nacional foram considerados o início da Lingüística Indígena no país". Isto parece discutível, pois implica, de um lado, reconhecer que a área ficou constituída desde então e, de outro lado, reduzir a área à produção de materiais sobre as línguas indígenas por um corpo de estudiosos desvinculados da Lingüística Brasileira, deixando à parte outros fatores envolvidos na constituição de uma área, como a formação de um corpo de especialistas próprios. Ao contrário, a implementação da área de Lingüística Indígena Brasileira foi de certa forma atropelada pela vinda do Summer Institute of Linguistics para o Brasil.

O ingresso do SIL no País deu-se através de convênio com o Museu Nacional, ou seja, por via acadêmica, depois de fracassadas as tentativas de estabelecer acordo governamental, e recebeu inicialmente apoio no meio antropológico, dada a expectativa de que os lingüistas do Summer tomariam a si as tarefas de descrever as línguas indígenas (então consideradas pelo indigenismo vigente como não tendo perspectivas futuras ), "salvando-as" para a posteridade, e de contribuir para a formação de lingüistas brasileiros para a pesquisa dessas línguas (Museu Nacional, Publicação Avulsa 49). No que respeita ao primeiro ponto, houve uma contribuição por parte do SIL (a esta questão voltaremos adiante), porém o mesmo não se pode dizer com relação à formação de lingüistas brasileiros para o estudo de línguas indígenas: estes receberam formação ou em instituições brasileiras, sob a orientação de brasileiros, ou em universidades estrangeiras. Somente no início lingüistas do SIL prestaram alguma colaboração conduzindo cursos nas instituições acadêmicas a que o Instituto esteve ligado - o Museu Nacional e a UnB. Porém, tão logo conseguiu seu intento de estabelecer convênio com a FUNAI, em 1968, o que lhe permitiria maior amplitude e liberdade de ações voltadas para seu real objetivo de proselitismo religioso, o SIL foi abandonando seus compromissos com as instituições acadêmicas (Cardoso, 1981:66). Um breve retorno se deu no período de 1978 a 1982, época em que a FUNAI revogou a autorização para ingresso de missionários em comunidades indígenas. O SIL valeu-se então de um convênio com a Unicamp2 , o que permitiu que alguns de seus membros, matriculados como alunos na instituição, dessem continuidade à pesquisa de campo com algumas línguas. De fato, as expectativas iniciais se inverteram nesse momento: na área de Línguas Indígenas não há pesquisadores brasileiros orientados por lingüistas do SIL3 3 Uma única dissertação de mestrado sobre língua indígena (Rikbaktsá), produzida em 1967 (após portanto o fechamento da universidade) por Odilo P Lunkes, foi orientada por membro do SIL — Dra. U. Wiesemann. Outras duas dissertações produzidas na UnB e orientadas por linguistas do SIL, referem-se a uma língua africana, Ronga, e ao Português. , porém 6 membros do SIL receberam titulação (cinco graus de mestre e dois de doutor) em instituição brasileira, a Unicamp, orientados por brasileiros4 4 Cheryl J. Jensen, Helen Weir, Daniel Everett, e os brasileiros Tine van der Meer e Isaac Costa receberam título de mestre. D. Everett e Arthur Jensen obtiveram o título de doutor. .

Do mesmo modo, somente durante os primeiros anos lingüistas do SIL tiveram participação em outros tipos de atividades na vida acadêmica brasileira, apresentando comunicações em encontros científicos, conferências e seminários sobre o andamento de suas pesquisas (Leite, 1981:61). Posteriormente a tendência geral foi de afastamento em relação aos lingüistas brasileiros, e os trabalhos destes, salvo poucas exceções, não são citados em publicações do SIL, a não ser em situações em que a menção possa se reverter em benefício da instituição. Este é o caso da inclusão, em relatórios, de trabalhos produzidos por brasileiros e publicados em edições que envolvem nomes de lingüistas do SIL, ainda que não seja este o patrocinador. A título de exemplo, a relação de publicações técnicas do SIL referentes a línguas brasileiras inclui os trabalhos de B. Franchetto (1990), sobre o Kuikuro, e de A. Rodrigues (1990), sobre o Tupinambá (línguas que não foram objeto de estudo por parte do SIL) que foram publicados em volume editado por Doris Payne, docente da Universidade do Oregon e membro do SIL. Deve-se ainda acrescentar que as publicações do SIL circularam mal na academia brasileira. À parte fornecer cópias de materiais às instituições acadêmicas às quais esteve ligado (Museu Nacional, UnB, Unicamp), em cumprimento de cláusulas dos respectivos convênios e durante a vigência dos mesmos, o contato privilegiadamente mantido pelo SIL foi sempre de caráter pessoal.

Lingüistas estrangeiros por vezes manifestam estranheza quanto ao fato de que, no Brasil, diferentemente do que ocorre em muitos países, não exista colaboração mútua entre membros do SIL e lingüistas locais. Obviamente, há lingüistas que se interessam antes de tudo pelos dados, independentemente da fonte dos mesmos e do custo que sua obtenção representa para as comunidades falantes. Contudo, em geral não é este o ponto de vista dos lingüistas brasileiros, que conscientes de sua responsabilidade social não ficam indiferentes a questões de ordem ética e política.

A vinda e permanência do SIL teve outras influências negativas na formação da Lingüística Indígena no Brasil. O acordo com aquela instituição criou a falsa idéia de que nossas línguas já estavam sendo estudadas por lingüistas competentes, o que desestimulou o ingresso na área de estudantes iniciantes e mesmo de outros pesquisadores estrangeiros. Alie-se a isto o fato de que o modo de trabalho linguístico do SIL, com sua concepção de permanência prolongada em campo (sem dúvida imprescindível para o aprendizado prático da língua e para as tarefas de catequese e tradução da bíblia), com a produção de resultados em geral fragmentários, em desproporção ao tempo de permanência em área e às facilidades de infra-estrutura disponíveis à Instituição (Leite, 1981), passou a ser visto como o "padrão" de trabalho com línguas indígenas, contribuindo para uma falsa representação de que o estudo de uma língua indígena constitui um tarefa de natureza "missionária", ao qual o pesquisador deve dedicar toda a sua vida, sendo pouco gratificante do ponto de vista acadêmico.

Somente a partir da década de setenta, e mais particularmente de oitenta, paralelamente ao avanço gradativo no processo de institucionalização da Lingüística no Brasil, houve também um avanço considerável na formação de lingüistas brasileiros que passaram a se dedicar ao estudo de nossas línguas e à formação de novos quadros para a área, o que se evidencia pelo número de teses e dissertações defendidas e pelo significativo aumento de publicações.

Foi se delineando dentre os lingüistas brasileiros um grupo de especialistas que trabalham com línguas indígenas e que se reconhecem e são reconhecidos como constituindo um grupo específico, mas que não alcançou, ainda, uma integração satisfatória, tanto internamente, quanto externamente.

A questão, frequentemente colocada (Franchetto & Leite, 1983), do "isolamento" experienciado pelos estudiosos de línguas indígenas, dá-se, a nosso ver (Seki, 1991) em distintas direções: dentro da própria área, dentro da Lingüística Brasileira, em relação a disciplinas afins e em relação à Lingüística em geral.

Começando pelo último ponto, que não é um problema exclusivo da Lingüística Indígena, mas um traço geral de nossa Lingüística, e mesmo de outras áreas, algumas causas têm sido apontadas, entre elas a barreira da língua, já que o Português não tem penetração no exterior; a crônica falta de apoio institucional, que dificulta uma maior participação em eventos internacionais mesmo na America Latina, onde a questão da língua seria contornável; os veículos usados para publicação, a maioria deles de âmbito local, desconhecidos e de difícil acesso.

No que se refere a áreas afins, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, no Brasil a Lingüística Indígena não se insere no campo da Antropologia, embora nas fases iniciais da implantação da Lingüística os estudos de línguas indígenas estivessem ligados a museus, como o Paranaense e o Nacional e, dentro destes, vinculados aos setores de Antropologia. De fato, a primeira instituição especificamente linguística no Brasil foi o Setor Linguístico, criado no final dos anos cinquenta na Divisão de Antropologia do Museu Nacional. Lingüistas pioneiros interessados na investigação de nossas línguas receberam apoio de antropólogos e, por outro lado, foi fundamental a intermediação destes para a instalação do SIL no País e, mesmo, para legitimar a concepção de pesquisa de campo desenvolvida por membros da instituição (Barros, 1993). Entretanto, à medida em que se deu sua institucionalização nas universidades, a Lingüística passou a integrar a área de Letras5 5 Insere-se na área de Letras, e não na de Linguística. Os linguistas que trabalham com línguas indígenas têm dificuldade no preenchimento do código de área em formulários das agências de fomento. Sendo linguistas, são obrigados a assinalar a área de Letras, onde consta a sub-área Línguas Indígenas. e foi se desvinculando da Antropologia. A especialização crescente da Lingüística, a predominante adoção de abordagens estritamente formais no estudo das línguas indígenas levaram ao afastamento de questões culturais e à perda da interdisciplinaridade. Atualmente o estudo de línguas indígenas ainda se desenvolve em Museus, como o Goeldi (Belém), o Nacional (Rio de Janeiro) e o Antropológico de Goiás, porém não há nesses espaços cursos de graduação e pós-graduação. Estes são oferecidos pelas universidades às quais os museus (exceto o Goeldi) acham-se formalmente vinculados. Também a Associação Brasileira de Antropologia manteve espaço, em suas reuniões, para sessões sobre línguas indígenas, porém a regra geral é a de que dessas sessões somente participam lingüistas, não havendo a desejável integração com os antropólogos (Junqueira et alii, 1984).

No que respeita às suas relações com a Lingüística no Brasil, a área de Lingüística Indígena ainda não conseguiu a ela integrar-se de modo satisfatório, seja em termos de seu objeto de estudos, seja em termos do corpo de especialistas, seja em termos institucionais. De modo geral, a Lingüística Brasileira ainda não incorporou a compreensão quanto ao papel relevante que tem o conhecimento das línguas não indoeuropéias na formação de nossos lingüistas e na constituição da ciência.

Nos resultados do mapeamento, feito por França et alii, da produção lingüística publicada nos Anais de Seminários do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo (GEL) no decorrer de 25 anos (1978-1992), dentre 550 trabalhos elaborados com base em dados de línguas naturais, 83,1% se referem ao Português, e apenas 4,2% a línguas indígenas. A conclusão das autoras é de que "até o início dos anos 90, pelo menos, o trabalho de coleta e descrição de material lingüístico indígena não teve, de modo geral, lugar de destaque nas reflexões do lingüista brasileiro" (França et alii, 1995:54). Cumpre observar que a maioria dos participantes do GEL são vinculados a instituições de São Paulo, Estado onde existem três grandes universidades estaduais: USP, UNESP e UNICAMP, e que os trabalhos sobre línguas indígenas publicados nos Anais do GEL são de pesquisadores ligados a esta última (Altman,1995:15).

Um fato bastante revelador relativo à interrelação com especialistas de outras sub-áreas da Lingüística, já abordado em Seki (1991), pode ser detectado no exame dos programas de encontros científicos realizados no Brasil: os trabalhos sobre línguas indígenas, independentemente da área de conhecimento específico focalizado - fonologia, sintaxe, etc., são sempre incluídos em sessão separada, e acabam sendo apresentados somente para estudiosos dessas línguas e discutidos apenas internamente. Tal fato reflete uma situação geral de marginalidade da área de Lingüística Indígena na Lingüística Brasileira. Os resultados obtidos na investigação das línguas indígenas são em geral ignorados pelos especialistas de outras sub-áreas da Lingüística, e é praticamente nula a contribuição destes para a investigação dessas línguas.

Tal situação conflita com as próprias características e necessidades da área de línguas indígenas. Esta, similarmente à de língua portuguesa e diferentemente de outras sub-áreas da Lingüística, identifica-se por seu objeto empírico - a(s) língua(s) indígena(s), e não por "níveis" de conhecimento, como é o caso da Fonologia, Sintaxe, etc. (Seki, 1991). Considerando-se que na realidade contemporânea, ao mesmo tempo em que ocorre a busca por uma teoria lingüística universal, tem lugar a tendência crescente para a especialização, fica evidente a importância da contribuição de distintos especialistas na investigação da(s) língua(s).

Passando ao isolamento dos pesquisadores dentro da própria área de Lingüística Indígena, a questão tem suas raízes na forma em que se deu a implantação da área, forma esta que reflete a maneira em que ocorreu a implantação da Lingüística no Brasil. Como aponta Altman (1994), o processo de implantação desta foi desencadeado por uma resolução do Conselho Federal de Educação, em 1962, que incluía a Lingüística como disciplina obrigatória nos Cursos de Letras, num momento em que não havia no País pessoas preparadas para realizar a tarefa, e isto levou as diferentes instituições de ensino a adotarem as mais variadas estratégias (envio de estudantes para formação no exterior, contratação de especialistas estrangeiros, realização de cursos intensivos, etc.) tendo em vista conseguir os recursos humanos necessários para atender as novas exigências. Conforme Altman, "isto explica em parte....a multiplicidade de orientações teóricas e metodológicas e, de certa maneira, nossa tão propalada receptividade. Desde o começo, a Lingüística Brasileira se fez em ilhas." (op. cit., p. 397). Processo semelhante ocorreu na Lingüística Indígena. Os lingüistas profissionais que se ocupam do estudo de nossas línguas encontram-se dispersos, integrados às instituições em que atuam e tendem a se vincularem àquelas em que se formaram, resultando disso uma variedade de concepções de pesquisa, objetivos e abordagens teóricas adotados. No caso da Lingüística Indígena, a situação tem ainda como fator complicador o grande número de línguas indígenas, sua diversidade, sua dispersão geográfica, o número proporcionalmente muito reduzido de pesquisadores e também a ausência de estudos prévios das mesmas. A isto se relaciona em parte o predomínio de pesquisas isoladas e a natureza ainda predominantemente fragmentária dos resultados obtidos.

Também no que se refere aos modelos teóricos há um paralelo entre a área de Línguas Indígenas e a história da implementação da Lingüística no Brasil. Esta última foi marcada pela adoção do estruturalismo americano6 6 Em São Paulo, o modelo de estruturalismo que corresponde ao momento da implantação da Lingüística é o francês. (corrente então dominante), com as concepções a ele relacionadas (critérios formais de análise e descrição, postura sincrônica), como embasamento teórico e metodológico, e pela atribuição de caráter científico aos estudos realizados dentro desta abordagem, passando as demais abordagens a serem consideradas como acientíficas. Estes aspectos vigoraram nos estudos de línguas indígenas brasileiras, que até os anos setenta eram realizados predominantemente por membros do SIL, e ficaram associados ao trabalho desenvolvido pelos lingüistas da instituição.

Nos anos setenta houve a penetração do gerativismo, o novo detentor do estatuto de cientificidade, em oposição a outras orientações teóricas, às quais foi negado o caráter de "teorias de vanguarda", concomitantemente com a rejeição dos resultados anteriormente obtidos. Isto coincidiu com o momento em que pesquisadores brasileiros passaram a atuar de maneira mais acentuada no estudo de nossas línguas indígenas, e a tendência geral de rejeição do estruturalismo (e outras abordagens indistintamente assim consideradas) foi, na área de Línguas Indígenas, reforçada pela associação do modelo ao trabalho dos membros do SIL.

De fato, nas críticas às abordagens não gerativistas estas não são individualizadas. Descrição de línguas aparece como sendo necessariamente estruturalista. O funcionalismo (pressuposto como corrente homogênea), e a abordagem tipológica são, via de regra, identificados com o estruturalismo, e este é reduzido à tagmêmica, que por sua vez é freqüentemente confundida com princípios básicos de análise de dados que já são incorporados à Lingüística em geral e que, explícita ou implicitamente, são usados por todos os que trabalham com línguas previamente não estudadas. Vale observar que o modelo tagmêmico como tal não teve penetração no Brasil e, ao que seja de nosso conhecimento, não foi aplicado por nenhum brasileiro no estudo de gramáticas de línguas indígenas.

Embora as diferenças apareçam em geral sob a forma de oposição entre enfoque estruturalista Vs. gerativista, ou funcionalista Vs. gerativista, na realidade elas se referem não tanto aos modelos em si, mas antes às perspectivas teóricas fundamentais que, conforme Nichols & Woodbury (1985:1-2), se distinguem na Lingüística Moderna e que não se reduzem à classificação usual de modelos teóricos: uma (com suas origens na Lingüística Descritiva) indutiva, comparativa, orientada para os fenômenos lingüísticos (phenomenon-oriented), e a outra orientada para o modelo (model-oriented), voltada antes de tudo para o desenvolvimento de um modelo explanatório integrado, centrando os interesses nos construtos internos à teoria. Essas perspectivas de fato não são antagônicas, mas complementares, o que via de regra não é bem compreendido.

Entretanto, a partir dos anos 80 e, principalmente, nos anos 90 o funcionalismo (orientado para os fenômenos lingüísticos) e a abordagem tipológica passaram a ganhar espaço no trabalho com línguas indígenas, inicialmente na Unicamp, e posteriormente, também no Museu Goeldi7 7 Na Unicamp com o trabalho de L. Seki. No Museu Goeldi o funcionalismo passou a ganhar espaço através de pesquisadores visitantes que adotam a linha funcionalista, vindos através de convênios, e também pelo envio de estudantes para cursos de pós-graduação em centros funcionalistas. , e houve um incremento de descrições baseadas nessas linhas. De fato, houve um certo refluxo do entusiamo pelo gerativismo mesmo na lingüística do Português, depois dos êxitos do projeto "Gramática do Português Falado". No caso das línguas indígenas, a mudança em parte foi propiciada pelo crescente envolvimento dos lingüistas com as comunidades indígenas e sua problemática, em particular as necessidades educacionais, o que levanta a necessidade de tratar questões que escapam às preocupações gerativistas, notadamente questões de natureza pragmática.

Por outro lado, os diferentes pontos de vista quanto aos modelos teóricos (incluindo-se aqui distintas correntes funcionalistas) a serem utilizados no trabalho com as línguas indígenas, constitui ainda um fator que dificulta em parte a coesão interna dos pesquisadores da área, questão que só recentemente começa a ser superada.

2.2.2. Quadro atual no estudo das línguas indígenas

Rodrigues (1985), ao apresentar um levantamento sobre a situação da pesquisa de línguas indígenas brasileiras, abrangendo o período de 1963 a 1983, indica como sendo próximo de 100 o número de línguas indígenas brasileiras que nos trinta anos anteriores tinham sido objeto de algum tipo de estudo, por parte de pesquisadores brasileiros ou estrangeiros não missionários e, em sua maioria, por parte de membros do SIL. Os trabalhos arrolados no mencionado levantamento perfazem um total de 173 títulos, um resultado que, embora significativo ficava aquém do esperado, considerando-se o período abrangido, as excelentes condições de trabalho disponíveis à maioria dos pesquisadores envolvidos, os lingüistas do SIL, e o tempo dispendido por eles em trabalho de campo. Também no aspecto qualitativo os resultados deixavam a desejar. O total de trabalhos incluía 18 descrições gramaticais e 9 dicionários, sendo os demais de natureza fragmentária, referentes a descrições fonológicas ou detalhes da fonologia, e aspectos isolados da gramática de diferentes línguas

Resultados similares aparecem em levantamento feito em 1991 por Moore & Storto: os autores concluem que era de 80 a 100 o número de línguas indígenas até então contempladas com algum estudo, e que apenas entre 10 a 20% delas haviam sido objeto de descrições gramaticais de boa qualidade (Moore & Storto, 1991).

A partir dos anos 80 houve a participação crescente de brasileiros no estudo de nossas línguas. Em 1991 eram 59 as línguas sendo estudadas por brasileiros, o que constituiu um aumento de 36% em relação a 1985 (Rodrigues, 1991). Este aumento foi em muito favorecido pelo Programa de Pesquisa Científica das Línguas Indígenas Brasileiras /PPCLIB (Rodrigues et alii, 1997), patrocinado pelo CNPq e pela FINEP, e que a partir de 1987 passou não só a apoiar atividades relacionadas a projetos já em andamento, como também a estimular a elaboração de novos projetos, bem como a propiciar o ingresso de novos pesquisadores na área, através de Cursos Intensivos de Lingüística Indígena. O Programa foi desativado com o advento do governo Collor, quando, em decorrência da prioridade à tecnologia, veio o fim da classe de Projetos Especiais8 8 Rodrigues, comunicação pessoal .

Em 1998 sobe para cerca de 80 o número de línguas que foram objeto de algum tipo de investigação por parte de não missionários, a julgar pelas dissertações e teses, bem como outras publicações. Por parte do SIL, as informações são de que 30 línguas (incluindo-se aí duas, cujos projetos constam em relatório anterior (SIL, 1991) como encerrados: Hixkariana e Sateré) estão sendo atualmente investigadas por membros da instituição, arrolando-se outras 8 cujos projetos são considerados concluídos. Contudo, esses números devem ser considerados com cuidado, já que, de um lado muitas línguas estudadas por brasileiros o são também por missionários, e, por outro lado, há muitas línguas com apenas um pequeno estudo. De qualquer forma, a conclusão a que se chega é de que há ainda um grande número de línguas que não foram contempladas nem mesmo com um pequeno estudo.

No que respeita à qualidade, a produção é muito variável. Nas palavras de A. Rodrigues, "o trabalho lingüístico dos missionários, mesmo quando apresenta boa ou mesmo alta qualidade técnica, é necessariamente limitado pelos objetivos missionários" (Rodrigues et alii, 1997). Segundo Yonne Leite, o problema incide principalmente sobre "a falta de uma visão de conjunto da língua estudada: os trabalhos abordam aleatoriamente aspectos cuja relevância não fica patente de imediato. Assim, tem-se ora uma descrição sobre o verbo em Terêna, ora notas sobre os substantivos em Kayabi, uma fonêmica Xerente e uma descrição de aspectos do Xavânte. Inexiste o material que os estudiosos de línguas em geral e antropólogos tanto almejam: uma gramática com terminologia descritiva accessível e dicionários" (Leite, 1981:63).

Também variável é a produção de pesquisadores brasileiros. Dentre os trabalhos divulgados, há poucas descrições mais abrangentes, que possibilitem uma visão de conjunto da língua pesquisada. Predominam trabalhos de natureza fragmentária, que em geral focalizam aspectos da estrutura fonológica e gramatical, sendo muito raros aqueles que tratam de aspectos semânticos, pragmáticos ou discursivos. Isto é compreensível, considerando-se que nas instituições em que se desenvolve a investigação de línguas indígenas (universidades e museus) o número de pesquisadores profissionais é limitado, e que, particularmente nas universidades, a pesquisa em grande parte é feita por estudantes bolsistas, com duração limitada. Como alunos de Pós-graduação, os pesquisadores têm pouco tempo disponível para as atividades de pesquisa, particularmente para o trabalho de campo, sendo este em geral realizado nos períodos de férias acadêmicas. É também nesses períodos que os docentes / pesquisadores realizam seu trabalho de campo. No que respeita aos pesquisadores-alunos, as pesquisas raramente têm perspectivas de continuidade (questão já apontada por Rodrigues et alii, 1997), visto que o campo de trabalho - os Departamentos de Letras - em sua absoluta maioria privilegia os estudos do Português. A situação institucional das universidades brasileiras anterior à década de 60, com os interesses centrados em línguas clássicas e línguas e literaturas modernas em grande parte não foi superada. Em muitas instituições a Lingüística ainda é pouco ensinada e continua subsidiária dos cursos de Letras e em outras as pesquisas se concentram no Português.

2.2.3. Os espaços institucionais e os pesquisadores

Há atualmente no Brasil 66 programas de pós-graduação em Letras e Lingüística filiados à Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística (ANPOLL), contudo mal chega a 12 o número das instituições em que se desenvolvem pesquisas de Línguas Indígenas e / ou que têm em seu quadro algum pesquisador dessas línguas.

Falar dessas instituições, seus quadros e delimitar o trabalho nelas realizado não é tarefa simples. O desempenho de cada uma delas em geral varia, apresentando períodos de maior ou menor produtividade e mesmo de descontinuidade, em decorrência de fatores vários, entre eles a contratação e o desligamento de especialistas. Por outro lado, há uma certa imbricação de fatos resultante da mudança de local de trabalho de lingüistas profissionais e também do fato de que pesquisadores em formação, filiados a uma instituição ou participantes de projetos ali desenvolvidos, realizam seus estudos em outra instituição, ou recebem orientação de especialistas externos.

Dentre as instituições brasileiras, aquelas que têm mantido uma tradição mais constante no estudo de Línguas Indígenas, mesmo em períodos menos favoráveis, são o Setor Lingüístico do Museu Nacional e o Departamento de Lingüística da Unicamp. Em meados dos anos 80, centros de pesquisa de línguas indígenas foram se formando em outras instituições, como o Museu Goeldi, a UnB, entre outros. Segue um breve apanhado sobre as instituições e pesquisadores.

(1) UNICAMP/ Departamento de Lingüística

O Departamento de Lingüística da Unicamp foi criado em 1970, funcionando inicialmente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Em 1978 passou a integrar o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), juntamente com o Departamento de Teoria Literária e o Centro de Lingüística Aplicada.

Desde o início o Departamento de Lingüística esteve voltado para atividades de pesquisa e formação de lingüistas e procurou favorecer a coexistência de distintas correntes teóricas. Oferece um curso de Bacharelado em Lingüística, que inclui duas disciplinas obrigatórias de Línguas Indígenas, e um Programa de Pós-graduação em Lingüística, com cursos de Mestrado e Doutorado que inclui entre suas áreas de concentração a Lingüística Antropológica, onde se insere o estudo das línguas indígenas.

Também integrado ao IEL está o Departamento de Lingüística Aplicada, criado a partir do Centro de Lingüística Aplicada no início dos anos 80. O Programa de Doutorado deste Departamento inclui, desde seu início, em 1993, uma área de concentração em Educação Bilingüe, com vários projetos envolvendo comunidades indígenas.

O quadro de docentes / pesquisadores diretamente vinculados à área de Lingüística Antropológica variou significativamente desde a criação do Departamento. Dele participaram os professores Aryon Rodrigues (1973 -87), Maurizio Gnerre, Daniel Everett (set. de 1980 - 83; 1986 - 87), Márcio Silva (1981-89) e Lucy Seki (dez. 1977 até o presente).

Houve um período de seis anos (1988 - 1994) em que o Departamento de Lingüística teve apenas um doutor para responder por todas as atividades específicas da área de Línguas Indígenas, o que ilustra bem o que foi dito anteriormente sobre as dificuldades institucionais da área. Não obstante, houve neste período a implementação de um projeto integrado de pesquisas sobre línguas faladas no Parque Xingu, coordenado por L. Seki, a promoção da vinda de professores visitantes (A. E. Kibrik , R. M. W. Dixon, A. I. Aikhenvald, H. Muñoz e S. Gildea) e a organização de eventos anuais nos quais se tentou reunir pesquisadores de diferentes abordagens teóricas e / ou áreas.

A partir de 1994 dois outros docentes / pesquisadores - Angel C. Mori e Wilmar D'Angelis (doutores pela Unicamp em 1994 e 1998, respectivamente) passaram a integrar a área, melhorando assim as perspectivas de trabalho. Atualmente Maria Filomena Sandalo (doutora pela Universidade de Pittsburg) encontra-se no Departamento como hóspede acadêmico (FAPESP), atuando junto às áreas de Lingüística Antropológica (Línguas Indígenas), Sintaxe, Fonologia e Morfologia.

Uma característica do Departamento de Lingüística da Unicamp, que tem sido muito frutífera para a área de Línguas Indígenas, é a existência de cooperação por parte de docentes especialistas de outras sub-áreas da Lingüística na orientação de mestres e doutores, e a possibilidade enriquecedora de interlocução com os mesmos.

As atividades desenvolvidas no Departamento relativas às línguas indígenas se distribuem em três tipos básicos, conforme o objetivo para o qual estão dirigidas, porém intimamente relacionados: formação de pesquisadores, pesquisa de línguas indígenas e educação escolar indígena.

No que se refere ao primeiro ponto, a Unicamp é a instituição brasileira que mais formou pesquisadores para a área de Línguas Indígenas: de 1977 até o presente contam-se 33 mestrados e 15 doutorados, incluindo-se entre eles ex-estagiários do Museu Nacional e do Museu Goeldi, bem como docentes filiados a outras universidades e alguns provenientes de outros países da América Latina. Esses trabalhos se referem a 33 línguas indígenas brasileiras e 3 línguas indígenas sul-americanas. Atualmente há 8 dissertações e 10 teses em andamento envolvendo outras 13 línguas.

Quanto à pesquisa, vários trabalhos estão relacionados ao Projeto integrado "História e Conhecimento Lingüístico dos Povos Indígenas do Parque Xingu", idealizado e coordenado por L. Seki, e que tem como objetivo a investigação abrangente e sistemática de um grupo representativo de línguas indígenas faladas no território do Parque, pertencentes às famílias Tupi-Guarani (Kamaiurá, Kayabi), Jê (Panará, Suyá, Tapayuna), Karib (Ikpeng), Aruak (Mehinaku, Waurá, Yawalapiti), Juruna (Juruna) e ainda as línguas Aweti (do Tronco Tupi) e Trumai (Isolada). Atualmente a equipe que atua no projeto inclui quatro pesquisadores docentes e vários alunos de pós-graduação, responsáveis por sub-projetos referentes a línguas específicas. Os pesquisadores e respectivos sub-projetos são: a) Lucy Seki: língua Kamaiurá - análise e descrição (gramática concluída); b) Angel C. Mori: línguas Aruak (cf. adiante); c) Dr. Ludoviko C. dos Santos (Universidade Estadual de Londrina): línguas Suyá e Tapayuna; d) Luciana G. Dourado (mestre pela UnB, onde atua como docente; doutoranda na Unicamp): Língua Panará; e) Cristina M. Fargetti (mestre pela Unicamp e doutoranda na Instituição): língua Juruna; f) Frantomé B. Pacheco e Cilene Campetela (ambos mestres pela Unicamp e doutorandos na Instituição): língua Ikpeng; g) Patrícia O. Borges (mestranda / Unicamp): língua Kayabi; h) Cristina Borella (mestranda / Unicamp): língua Aweti.

No âmbito do projeto integrado incluem-se ainda a língua Yawalapiti, objeto de estudo de Mitzila I. O. Mujica (mestre pela Unicamp), e a língua Trumai, pesquisada por Raquel Guirardello, que após concluir o mestrado na Unicamp, com dissertação sobre a gramática da língua, esteve no Museu Goeldi como bolsista de Desenvolvimento Regional (set./92-jul/94) e posteriormente cursou o doutorado no exterior. Também estiveram envolvidos no projeto vários bolsistas de Iniciação Científica.

Além das mencionadas, outras línguas estudadas no DL / Unicamp por docentes e / ou posgraduandos são: Tupari (Tronco Tupi), Krenak (Fam. Botocudo), Aguaruna (Jívaro), Yawanawá, Shanenawá, Kaxarari, Matis (Pano), Apanjekrá, Parkatejê, Kayapó, Kaingang (Jê), Maxakali (Macro-Jê), Makushi (Karib), Ashaninka (Aruak), Kadiweu (Guaikuru).

No que se refere à participação em programas educacionais, pesquisadores docentes e alunos têm atuado como assessores e instrutores no Programa de Formação de Professores Indígenas do Parque Xingu, coordenado pelo Instituto Socio-Ambiental (ISA), envolvendo distintas línguas faladas no Parque, e também no Projeto de Formação de Professores Indígenas de Rondônia, bem como em outros projetos. Além disso, foi iniciado um curso de extensão / Unicamp "Lingüística para Indígenas", com um primeiro módulo realizado em fevereiro de 1998, do qual participaram 27 professores indígenas provenientes de distintas regiões, falantes de 16 línguas. Do Curso de Extensão realizado na Unicamp participaram também docentes de outras sub-áreas da Lingüística da instituição.

(2) Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

O Setor Lingüístico do Museu Nacional / UFRJ, criado em fins dos anos 50, constituiu o primeiro espaço para estudos lingüísticos no Brasil e desenvolve tradicionalmente o estudo de línguas indígenas. Em decorrência do acordo firmado entre o Museu e o SIL, esta entidade concentrou suas atividades no Setor Lingüístico do Museu no período de 1957 a 1961, transferindo-se depois para a recém criada Universidade de Brasília.

De 1968 a 1971 o Museu manteve um Programa de Pós-Graduação em Lingüística com a oferta de Curso de Mestrado e de Institutos Brasileiros de Lingüística, sendo estimulada a ida de estudantes para doutorado no exterior, em sua maioria nos Estados Unidos. Este Curso, que contava com apoio da Fundação Ford, tinha uma quadro docente reduzido, com apenas dois doutores e dois mestres, complementado com professores estrangeiros visitantes (Rodrigues, 1972). Em 1971 a Pós-Graduação em Lingüística foi transferida para a Faculdade de Letras e dois anos depois Aryon Rodrigues e parte da equipe que ali atuava se transferiram para a Unicamp. As pesquisas de línguas indígenas continuaram no Setor Lingüístico, tendo à frente Yonne Leite e Charlotte Emmerich, responsáveis também pela orientação de estagiários como Tânia Clemente, Marília Facó Soares, Márcia Damaso Vieira (posteriormente doutoradas pela Unicamp), Bruna Franchetto (doutorada pela UFRJ) e Marcus Maia (doutorado pela Southern California), todos ativos até o presente. Na UFRJ, encontra-se também Ruth Monserrat, ex-estagiária do Setor Lingüístico.

Atualmente o Setor Lingüístico do Museu Nacional é coordenado por Marília Facó Soares e inclui em seu quadro outros quatro doutores: Yonne Leite, Marcus Maia, Bruna Franchetto e Márcia Damaso Vieira. O grupo é responsável pela orientação de estagiários e tem oferecido regularmente Cursos de Especialização em Línguas Indígenas Brasileiras, participando ainda ativamente em Projetos de Educação Indígena.

O Setor Linguístico do Museu Nacional participa do projeto "Rede Franco-Brasileira de Estudos das Línguas Indígenas do Brasil" (CAPES/COFECUB) e tem formado um "Grupo de Estudos Pano", articulado a programa de pesquisa bilateral entre a UFRJ e a Universidade de Paris VII - Centre d'Études de Langues Indigènes d'Amérique (CELIA). No Museu / UFRJ são estudadas as línguas Tikuna (Tikuna), Karajá (Jê) e seus dialetos (Karajá, Java'e, Xambioá), Tapirapé (Tupi-Guarani), Kuikuro (Karib), Mükü (Isolada), Munduruku (Tronco Tupi);

(3) Museu Paraense Emílio Goeldi

O Museu Goeldi, um instituto de pesquisa do CNPq, inclui em seu Departamento de Ciências Humanas a Divisão de Lingüística, que a partir de meados dos anos 80 vem desenvolvendo mais intensivamente atividades de pesquisas relacionadas a línguas indígenas e, a partir dos 90, atividades ligadas a projetos educacionais. A Divisão de Lingüística é atualmente coordenada por Denny A. Moore (doutor pela City University of New York) e conta com dois pesquisadores funcionários: Cândida Mendes Barros (doutora pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas / Unicamp) e Nilson Gabas Junior (doutor pela Universidade da Califórnia em Santa Bárbara) e vários estagiários. Conta ainda com a colaboração de pesquisadores afiliados, os doutores Spike Gildea (Universidade Rice), Francisco Queixalós, Odile Lescure (convênio CNPq-ORSTOM), e os doutorandos Hein van der Voort (Universidade de Amsterdam) e Sebastião Drude (Universidade Livre de Berlim).

O Museu tem como prioridades o desenvolvimento da Instituição e o treinamento de estudantes e estagiários através de pesquisa de campo e encaminhamento para estudos em instituições brasileiras e, principalmente, do exterior. Passaram pela Divisão de Lingüística do Museu Goeldi e atualmente cursaram ou cursam pós-graduação realizando pesquisa de línguas indígenas, além dos citados acima, os pesquisadores (1) doutorandos: a) Luciana Storto (MIT) - língua Karitiana (fam. Arikém); b) Vilacy Galúcio Univ. de Chicago) - língua Mekéns (fam. Tupari); c) Raquel Guirardelo (Univ. Rice) -língua Trumai (Isolada); d) Sidney Facundes (SUNY-Buffalo) -língua Apurinã (fam. Aruak); e) Eduardo Ribeiro Univ. de Chicago)- língua Karajá (Macro-Jê); f) Petronila Tavares (Univ. Rice) - Wayana (fam. Karib); g) ): Sérgio Meira (Univ. de Rice) - língua Tiriyó (fam. Karib); (2) mestranda: Ana Carla Bruno (Univ. do Arizona) - língua Waimiri-Atroari (fam. Karib). Também relacionada ao Goeldi é a graduanda (UFPA) Gessiane Lobato Picanço - língua Munduruku (fam. Munduruku).

(4) Universidade de Brasília (UnB)

No mesmo ano da fundação da UnB, em 1962, foi firmado um acordo pelo então reitor Darcy Ribeiro com o diretor do SIL no Brasil (Dale Kitzman), para que, sem ônus para a UnB, membros daquela instituição ministrassem disciplinas introdutórias à linguística no curso de graduação em Letras (Curso-Tronco de Letras Brasileiras). Lecionaram nesse ano o casal inglês John e Audrey Taylor e a norte-americana Lorraine I. Bridgeman, sob a supervisão da Dra. Sarah C. Gudshinsky, de mesma nacionalidade.

Em 1963, Aryon Rodrigues, da Universidade do Paraná, foi contratado pela UnB e passou a chefiar o Departamento de Lingüística, criado no ano anterior no âmbito do Instituto Central de Letras, e provocou uma reformulação no projeto de cursos de pós-graduação, obtendo a instituição de um mestrado em Linguística (ao lado de outros em Teoria Literária, Filologia Portuguesa, etc). Por proposta de Rodrigues foi acrescentado no acordo com o SIL que este manteria na Universidade, em cada semestre, um lingüista com doutorado, que pudesse cooperar no ensino pós-graduado. Em decorrência, atuaram na pós-graduação, além de Sarah Gudshinsky, Irvine Davis (1963) e Ivan Lowe (1964). Ainda em 1963 foi criado na UnB o CECLI, Centro de Estudos das Culturas e Línguas Indígenas, com a participação do Departamento de Antropologia (do Instituto Central de Ciências Humanas) e do Departamento de Lingüística, tendo sido Rodrigues incumbido de coordenar o mesmo. Rodrigues assumiu também a coordenação geral dos programas de pós-graduação da UnB. No CECLI foi organizado um arquivo, em que foram sendo recolhidos e classificados dados de línguas indígenas do Brasil, não só provenientes do SIL, mas também de outros pesquisadores.

No primeiro semestre de 1965, Gilda M. Corrêa de Azevedo concluiu sua dissertação de mestrado sobre a língua Kirirí, sob a orientação de Rodrigues, tendo sido esta a primeira dissertação de mestrado sobre uma língua indígena feita no Brasil. O segundo semestre de 1965 foi extremamente conturbado na UnB pela ação do novo interventor do regime militar, o qual demitiu injustificadamente 25 professores e teve como reação, no dia seguinte, os pedidos de demissão de mais de 200 professores. Consumadas as demissões, ficaram no Departamento de Lingüística apenas os membros do SIL e um instrutor / aluno de pós-graduação, tendo todos os demais deixado a universidade.

Nos vinte anos (1966-1985) em que a UnB foi administrada por interventores politicamente orientados pelo regime militar, o estudo das línguas indígenas deixou de existir. Membros do SIL ainda deram aulas no início desse período, mas depois se afastaram Uma dissertação de mestrado foi ainda produzida em 1967 por um aluno de pós-graduação, Odilo P. Lunkes, sobre a língua Rikbaktsá (Estudo fonológico da língua Rikbaktsá) sob a orientação de Ursula Wiesemann, do SIL.

Findo esse período, a sociolinguista Stella Maris Bortoni promoveu a divisão em três departamentos do grande departamento de Letras a que fora reduzido o Instituto Central de Letras durante o período discricionário, sendo um deles o de Lingüística, Letras Clássicas e Vernácula, tendo reaberto assim maior espaço institucional para o desenvolvimento da Lingüística. Bortoni representou a UnB, em 1987, no grupo de trabalho que projetou o Programa de Pesquisa Científica das Línguas Indígenas Brasileiras (PPCLIB) - CNPq / FINEP. Neste mesmo ano ela organizou um curso intensivo de linguística indígena, com a participação de especialistas de várias instituições (MN, UFG, UFPE, Unicamp) e iniciou um projeto de levantamento dos recursos bibliográficos sobre línguas indígenas com bolsistas de iniciação científica.

Em 1988 Aryon Rodrigues, aposentado da Unicamp, reintegrou-se à UnB e passou a estimular entre os alunos do curso de mestrado em Lingüística o estudo das línguas indígenas, tendo iniciado no Departamento uma linha de pesquisa sobre essas línguas. No mesmo ano se reintegrou também à UnB Daniele M. Grannier Rodrigues, mestre em Lingüística pela Unicamp, que, ao lado de outras atividades, retomou suas pesquisas sobre o Guaraní antigo.

No período de 1990 a 1998 foram objeto de dissertações de mestrado as seguintes línguas, a maioria das quais ameaçadas de desaparecimento: Mehinaku (Aruak), Máku (Isolada; um único conhecedor vivo); Kanoê (Isolado, 4 falantes conhecidos em 1990); Yuhúp (Makú), Arara (Karib); Tupari (Tupari); Surui / Aikewára (Tupi-Guaraní); Tembé (Tupi-Guaraní); Ka'apór (Tupi-Guaraní); Tapirapé (Tupi-Guaraní); Mundurukú (Mundurukú); Yatê; Xokleng (Jê), Kayapó (Jê) e Panará (Jê).

(5) Universidade Federal de Goiás / Museu Antropológico

Na década de 80 iniciou-se na Universidade a organização de um centro de estudos de línguas indígenas, que atualmente conta com um grupo de seis pesquisadores: professoras Lydia Poleck (mestre), Raquel Teixeira (doutora pela U.C./Berkeley), Marita P. Cavalcante (doutora pela Unicamp), Silvia Braggio (doutora pela Universidade do Novo México), Maria Sueli de Aguiar (doutora pela Unicamp) e Mônica V. Borges (mestre pela UFG)). Os membros do grupo desenvolvem uma linha de pesquisa etnolingüística, conjunta do Mestrado em Lingüística e Museu Antropológico, a qual inclui trabalhos de pesquisa lingüística e trabalhos voltados para a educação escolar indígena. Algumas línguas estudadas na UFG são Karajá, Krahó Avá-Canoeiro e Xerente.

(6) Universidade Federal do Pará (UFPA).

A partir de 1987 passou a ter o curso de mestrado em Letras, onde atuaram, na etapa inicial, os professores Leopoldina Araújo (doutora pela UFRJ) e Carl Harrison (pela Universidade de Indiana). Na década de 90 vêm sendo desenvolvidas várias atividades voltadas para a constituição de um centro de ensino e estudo de línguas indígenas. Em 1993 houve a inclusão de disciplinas linguísticas básicas para a descrição de línguas indígenas, e neste mesmo ano foi defendida uma dissertação ( Maria Risoleta Silva Julião - Língua dos índios do rio Cairari), orientada por Leopoldina Araujo. Em 1997 houve a implantação de um projeto integrado "Línguas Indígenas Brasileiras: descrição e reconstrução histórica" (FINEP / CNPq) e de um Seminário Permanente de Línguas Indígenas, ambos coordenados por Ana Suely Cabral.

Presentemente o quadro de pesquisadores inclui os doutores Carmen Lúcia Reis Rodrigues (doutorado na Universidade de Paris VII), Ana Suely A. C. Cabral (doutora pela Univ. de Pittsburg), bem como os mestres Alzerinda de Oliveira Braga (doutoranda, UFPA/Toulouse), Maria Risoleta Silva Julião (doutoranda, UFPA, Toulouse) e Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira Borges (doutoranda /Unicamp). Há ainda 4 mestrandos na UFPA e bolsistas de iniciação científica. Na UFPA são estudadas as línguas Jo'e, Asurini do Tocantins, Anambé, Parakanã (Tupi-Guarani), Makurap, Xipaya (fam. Juruna), Kuruaya/ Munduruku.

(7) Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Em 1996 foi organizado um Programa de Pós-Graduação em Lingüística Indígena na UNIR, Campus de Guajará-Mirim, contemplando mestrado e doutorado, que foi aprovado por órgãos superiores da universidade, mas não foi consolidado como curso regular. Contudo, conta com um quadro permanente de quatro doutores: Jean-Pierre Angenot, Iara Maria Teles, Celso Ferrarezi Junior e Henri Ramirez, tendo ainda recebido professores visitantes de longa e curta duração. O grupo vem atuando na formação de pesquisadores e no desenvolvimento de pesquisas. Em 1996 foi organizado o projeto integrado "Documentação, Descrição e Comparação de 5 famílias (Chapakúra, Arawá, Murá, Arawák, Makú) e de 7 Línguas Amazônicas (Puruborá, Urueuwauwau, Itonama, Kayuvava, Tukano, Kanitxana, Movima)". Foi organizada a série CEPLA Working Papers in Amerindian Languages, com corpo editorial, tendo como editora Iara M. Teles, e que já publicou 18 trabalhos.

(8) Universidade de São Paulo (USP)

A USP, criada em 1934, já no ano seguinte incluía no curso de Geografia e História a Cadeira de Etnografia Brasileira e Língua Tupi-Guarani. No início dos anos 70 a universidade passou a oferecer um programa de pós-graduação em Lingüística, com possibilidade de concentração em Línguas Indígenas (Altman, 1998:143), porém na instituição deu-se continuidade à línha de trabalhos de natureza histórica e toponímica, sem que tenha havido o desenvolvimento de outras abordagens linguísticas e do trabalho com línguas indígenas vivas. Exceto tentativas de Jurn Phillipson, somente a partir dos anos noventa registram-se atividades voltadas para o estudo dessas línguas. Foram realizadas pesquisas de iniciação científica com as línguas Tenharim e Wayampi, e de mestrado, sobre a língua Apanjekrá, sob a orientação de Waldemar Ferreira Netto, e atualmente há 4 dissertações de mestrado em andamento, envolvendo as línguas Gavião Pykobje, Guarani, Wayampi e Karajá, orientadas pelo mesmo professor. Este desenvolve ainda um projeto de análise fonológica do Uru Eu Wau Wau. O foco principal de todos esses trabalhos é o vínculo entre a pesquisa linguística e os programas de educação indígena. Ferreira Netto tem participado em três Programas desse tipo: a) Programa de Educação Indígena Timbira (USP/CTI), sob responsabilidade de Maria Elisa Ladeira; b) Programa de Educação Indígena Wayãmpi (USP/CTI), sob responsabilidade de Dominique Gallois e c) Programa de Educação Indígena Guarani-ES (USP / Secretaria de Educação do Espírito Santo).

(9) Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

O programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da UFPE foi fundado, com o curso de Mestrado, em março de 1976, tendo procurado, desde o início, incentivar o processo de capacitação dos docentes das universidades nordestinas. Em 1980, como marco da instalação de uma nova linha de pesquisa, a de línguas indígenas brasileiras, foi instalado o Núcleo de Estudos Indigenistas (NEI), vinculado ao Programa de Pós-Graduação. O Núcleo desenvolve trabalhos de pesquisa, ensino e extensão. Possui um significativo acervo bibliográfico, materiais de áudio e vídeo, artesanato dos mais variados grupos indígenas brasileiros e publica o Boletim Axéwuvyru, que divulga artigos e notícias relacionados à temática indígena.

Além da preparação de pesquisadores para o estudo de línguas indígenas, a linha de pesquisa sobre línguas indígenas desenvolvida na Pós-Graduação da UFPE tem como objetivo a formação de professores indígenas e não indígenas através de vários convênios firmados entre o NEI e a Secretaria Estadual de Educação para a implementação de projetos voltados para a educação escolar indígena.

Na implantação e consolidação da linha de pesquisa de línguas indígenas na UFPE teve um papel relevante Adair Pimentel Palácio (doutora pela Unicamp) que desenvolveu pesquisa sobre a língua Guató e tem sido responsável, até o momento, pela orientação de várias dissertações de mestrado e / ou doutorado, envolvendo as línguas Parakanã, Awá-Guajá, Poyanáwa, Shawãdawa, Taurepang, Umutina e Yathê, e também pela orientação inicial e encaminhamento de estudantes para outras instituições. Este é o caso dos doutorandos Sérgio Meira (Museu Goeldi e Rice); Carla Cunha e Aldir Santos de Paula (Unicamp); Stella Teles e Odileis Cruz (Univ. Livre de Amsterdam); Januacele Costa e Rosely Lacerda (UFPE).

(10) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

No Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC, a partir de 1989, houve uma série de iniciativas por parte dos doutores Jean-Pierre Angenot e Alexandra Y. Aikhenvald, tendo em vista instituir um centro de pesquisas sobre línguas indígenas. Essas iniciativas incluíram a criação de uma opção "Línguas Indígenas" no Departamento e a formulação de um projeto integrado de pesquisa "Informática Aplicada às Línguas Indígenas. Classificação e reconstrução da Família Arawák", com temas de investigação nas linhas descritiva, fonético-acústica, histórico-comparativa e tipológica, sociolinguística e etnolinguística.

Os trabalhos se desenvolveram até 1994, ano em que os responsáveis pelo projeto se transferiram para outras instituições. Do empreendimento resultaram 6 dissertações de mestrado orientadas pelos dois pesquisadores e algumas outras teses e dissertações defendidas posteriormente, entre elas uma dissertação (Marci Fileti Martins -Incorporação Nominal em Guarani Mbyá) e uma tese (Ludoviko C. Dos Santos - Descrição de Aspectos Morfossintáticos da Língua Suyá (Kïnsêdjê) - Família Jê), ambas orientadas por L. Seki, da Unicamp.

(11) Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Recentemente tem se desenvolvido nesta universidade iniciativas voltadas para para a formação de um centro de pesquisas de línguas indígenas. Em 1995 foi fundado o Núcleo de Estudos Indigenistas (NEI-UFAL), vinculado ao Programa de Pós-Graduação. Seus objetivos são promover ações que possibilitem a compreensão da cultura indígena, promover o intercâmbio entre as comunidades indígenas, as universidades e as escolas de primeiro e segundo graus e promover pesquisas de línguas indígenas. A grande incentivadora dessa nova perspectiva, Adair Palácio, tem contribuído significativamente para a formação de novos pesquisadores. Há professores em fase de doutoramento que poderão, num futuro próximo, constituir um grupo de pesquisa quantitativamente mais relevante. Alguns professores já prestam assessoria a projetos educacionais.

(12) Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Nesta Universidade há um Programa de Mestrado em Letras com áreas de concentração em Língua Portuguesa e Literatura, que não contempla no momento um espaço institucional para o estudo das línguas indígenas. Aí se encontra Ludoviko C. dos Santos, doutorado em 1997 pela Unicamp, na área de Lingüística Antropológica e que coordena um projeto de extensão "Jagné Mré Hyn Han (Construir Juntos)", voltado para atividades de educação em áreas indígenas do Norte do Paraná, e, juntamente com Ismael Pontes, coordena um projeto de pesquisa "Abordagem do nível morfossintático da Língua Kaingang sob o ponto de vista do funcionalismo givoniano".

Lingüistas Estrangeiros não missionários.

Continuam sendo relativamente poucos os estrangeiros não missionários e não vinculados a instituições brasileiras a realizar pesquisas sobre línguas indígenas do Brasil. Entre as razões aventadas como possível explicação para o fato está a crença bastante difundida de que o SIL estaria encarregado de trabalhar com todas as línguas brasileiras (Rodrigues, 1985).

Entre os estrangeiros que realizaram estudos sobre línguas indígenas do Brasil estão Ernesto Migliaza (Yanomámi, Máku), na década de sessenta; os antropólogos A. Monod-Becquelin (língua Trumai) e David Price (Nambikwára), na década de setenta; Greg Urban (Xokleng), Laura Graham (Xavante); Gerald Taylor (Baniwa), Gail Gomes (Yanomámi), nas décadas seguintes. Recentemente os doutores Leo Wetzels, da Universidade Livre de Amsterdam, R. M. W. Dixon, da Universidade Nacional da Austrália, e Alexandra Y. Aikhenvald, que atua na mesma universidade desde 1994, têm desenvolvido pesquisas e publicado vários trabalhos sobre línguas indígenas brasileiras. Os dois últimos têm produzido obras gerais, de natureza tipológica, em que são amplamente utilizados dados de nossas línguas.

A área de Lingüística Indígena no Brasil não dispõe de um órgão nacional que pudesse tomar a si a tarefa de reunir, catalogar e divulgar as pesquisas feitas, bem como de constituir um banco de dados. De fato, praticamente nada se sabe sobre os corpora que medeiam entre as línguas faladas e os trabalhos produzidos, bem como o que existe no País em termos de dados não tratados.

A área de Lingüística Indígena não tem, ainda, uma associação específica nem veículo de publicação próprios. Mais regularmente os pesquisadores da área divulgam no Brasil os resultados de suas pesquisas em sessões a elas dedicadas nas reuniões de associações de âmbito nacional, como a ABRALIN (Associação Brasileira de Lingüística), SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ABA (Associação Brasileira de Antropologia), ANPOLL (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Lingüística), ou de âmbito regional, como o GEL (Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo) e, mais recentemente o CELSUL (Centro de Estudos Linguísticos do Sul) e o CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários do Paraná). Dentro da ANPOLL há o Grupo de Trabalho (GT) "Línguas Indígenas", o que mais se aproxima de uma associação nacional.

No que se refere a espaços internacionais, menos utilizados devido a dificuldade de apoio institucional, a produção de brasileiros é apresentada na ALFAL (Associação de Lingüística e Filologia da América Latina), que a partir de 1990, por iniciativa de Ataliba Castilho, abriu espaço para as línguas indígenas. Mais raramente ocorre a participação em reuniões da SSILA (Society for the Study of the Indigenous Languages of the Americas), nos Estados Unidos, e outros tipos de eventos neste e outros países.

Um importante espaço tem sido, a partir dos anos 90, as "Jornadas de Lingüística Aborigen", promovido pelo Instituto de Lingüística da Universidade de Buenos Aires, e as "Jornadas de Etnolinguística de la Cuenca del Plata", promovido pela Universidade Nacional de Rosário, Argentina. Uma nova perspectiva abriu-se com o I Congreso de Lenguas Sudamericanas, recentemente realizado na Universidad Ricardo Palma, no Peru.

Os principais veículos utilizados para a publicação de trabalhos no Brasil são os Boletins da ABRALIN, os Anais de Seminários do GEL (Estudos Linguísticos), do CELLIP, do CELSUL e de reuniões da SBPC e ANPOLL; os Cadernos de Estudos Linguísticos, do IEL / Unicamp, aberto à publicação de trabalhos produzidos por pesquisadores de outras instituições; os Boletins do Museu Goeldi e do Museu Nacional, a Revista de Antropologia (USP). Muitos trabalhos são ainda publicados em uma variada gama de edições locais.

Nos últimos dois anos passaram a ser utilizados recursos eletrônicos. Em 1996, por proposta do congresso "As Línguas Amazônicas na Ciência e nas Sociedades", realizado no Museu Goeldi, foi instituído o Boletim Informativo LINDA (Línguas Indígenas da Amazônia). E em junho de 1998, por proposta do GT "Línguas Indígenas", durante o XIII Congresso Nacional da ANPOLL, realizado na Unicamp, foi criada a lista de discussão LING-AMERINDIA, "que se propõe a ser um forum aberto para a discussão de problemas específicos da fonologia, sintaxe, lexicografia e morfologia das línguas indígenas da América do Sul, e um meio para a divulgação de publicações e outras informações relevantes à comunidade de pesquisadores dedicados ao tema" (Ling-Amerindia / Introdução9 ).

3. Avaliação / Perspectivas

A área de Lingüística Indígena tardou a se constituir no Brasil. Além da imagem projetada pela atuação do SIL e de alguns fatores já apontados no presente trabalho, há outras causas para o atraso, entre elas a ausência de apoio oficial; o preconceito, durante muitas décadas, de que o estudo das línguas indígenas seria irrelevante para fins pedagógicos; o sedentarismo e às vezes oficialismo de nossos linguistas; a excessiva disposição de nossos linguistas para discutir os problemas metodológicos e para incorporar modas exportadas pelo "primeiro mundo"; a falta de reconhecimento da importância que têm (ou podem ter) as línguas não indoeuropéias na formação do linguista e na construção da(s) teoria(s).

No que pesem as dificuldades, a Lingüística Indígena experimentou um grande desenvolvimento no Brasil nos últimos 20 anos. Houve um aumento quantitativo e qualitativo na produção acadêmica relacionada às línguas indígenas e na formação de pesquisadores para o trabalho de investigação dessas línguas, e cresceu consideravelmente o número de línguas estudadas em maior ou menor grau.

Constituiu-se dentro da Lingüística Brasileira um grupo de pesquisadores que se identificam e são reconhecidos como um grupo específico, voltado para um objeto próprio de investigação, mas que está em processo de alcançar uma plena integração interna, e também externa, em relação à comunidade acadêmica em geral. O grupo é relativamente pouco numeroso em comparação aos de outras sub-áreas, o que está aquém das necessidades colocadas por seu objeto de estudo - as línguas indígenas brasileiras, numerosas e diversificadas. Entretanto, nisto o Brasil não constitui exceção: também em outros países os lingüistas que se dedicam ao estudo de línguas indígenas em geral constituem uma minoria.

Nos anos 90 surgiram tendências que apontam para mudanças importantes. Se antes, via de regra, cada língua era objeto de pesquisa de um único lingüista, hoje há muitas línguas que são estudadas por vários pesquisadores. Observa-se também a tendência para projetos coletivos, por vezes envolvendo pesquisadores de distintas instituições. Ao lado de projetos de investigação de línguas individuais, têm surgido outros que se propõem a investigar um mesmo fenômeno em diferentes línguas, que abordam fenômenos de diferentes línguas sob um determinado prisma teórico, que procuram focalizar grupos de línguas geneticamente aparentadas, ou ainda línguas de uma mesma área geográfica, através de uma mesma abordagem teórica.

No que respeita à questão do "isolamento" interno e externo dos lingüistas da área, a tendência tem sido no sentido de seu equacionamento. Cresceu a participação em encontros científicos no Brasil e no exterior, e também o número de publicações, o que tem contribuído para aumentar a comunicação dentro do grupo e entre os membros deste e seus pares em outros países, principalmente a América Latina.

Com relação a perspectivas futuras, em nossa opinião algumas ações se fazem necessárias tendo em vista a consolidação e o crescimento da área, citando-se entre elas:

1. a constituição de um banco de dados, com a reunião, sistematização e mapeamento dos materiais de diferentes tipos existentes (publicados ou manuscritos, corpora de dados gravados ou transcritos, brutos ou semi-elaborados), bem como de pesquisas feitas ou em andamento sobre as línguas indígenas;

2. a definição de normas que garantam aos pesquisadores o reconhecimento quanto aos direitos autorais em qualquer tipo de trabalho, de modo a serem encorajados a divulgá-los ou a fornecê-los para o banco de dados;

3. possibilitar o acesso, por parte dos pesquisadores em geral, ao banco de dados, sem o que o mesmo não terá a validade pretendida;

4. promover a discussão dos problemas e necessidades da área, a busca coletiva de soluções e a definição de uma política de desenvolvimento da área.

5. buscar o apoio institucional por parte do governo, agências de fomento e outras organizações;

6. promover reuniões, envolvendo pesquisadores de diferentes instituições e de diferentes abordagens teóricas, especificamente voltadas para a discussão dos referenciais teóricos e metodológicos, buscando encontrar meios de administrar as diferenças, não no sentido de homogeneização, mas de possibilitar a convivência e cooperação tendo em vista um objeto comum - a investigação das línguas indígenas, sem prejuízo da qualidade.

A implementação das medidas acima aponta para a necessidade de criação de um centro nacional especificamente dedicado às línguas indígenas, e acreditamos que o GT "Línguas Indígenas" da ANPOLL e a lista de discussão LING-AMERINDIA podem se constituir em um locus importante para promover o encaminhamento dessa e outras ações.

Entretanto, desde logo algumas medidas podem ser adotadas. Do quadro delineado sobre a situação da área de Linguística Indígena no Brasil, salta à vista a necessidade da criação de uma revista dedicada às línguas indígenas brasileiras, o que está sendo implementado, na Unicamp, pela autora do presente trabalho. Uma outra medida, que poderia ser encaminhada pelo GT "Línguas Indígenas", seria o estímulo à elaboração de resenhas críticas da produção lingüística de outras áreas, demonstrando a importância dos dados de línguas indígenas para o tratamento de questões neles abordadas.

Quanto às tarefas da Lingüística Indígena no Brasil, hoje, uma prioridade, a nosso ver, é a elaboração de descrições de boa qualidade, com terminologia acessível a estudiosos não familiarizados com abordagens teóricas particulares, bem como a reunião e sistematização de dados confiáveis e abrangentes das línguas indígenas. Ao mesmo tempo em que isto representará uma contribuição para a Lingüística, permitirá também atender, em parte, a demanda, das comunidades indígenas, quanto à documentação de suas línguas e culturas. Por outro lado, há também necessidade de um trabalho voltado para o tratamento de fenômenos dessas línguas sob o ponto de vista de construção de teorias. Em ambos os casos, o trabalho poderá contribuir para tornar essas línguas "visíveis" ao meio científico. Uma outra tarefa dos linguistas conscientes de sua responsabilidade social é auxiliar as comunidades indígenas na luta pela manutenção de suas línguas e suas culturas. Um papel importante tem aqui, a nosso ver, o envolvimento de falantes na investigação de suas línguas e a necessária capacitação dos mesmos para este trabalho.

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  • SIL - Relatório de Atividades:out. de 1990 a set. de 1991.
  • 1
    Na elaboração deste artigo muito nos beneficiamos de discussões com os colegas Aryon Rodrigues, Ataliba de Castilho, Rodolfo Ilari, Filomena Sandalo, e Wilmar D'Angelis, e também com alunos da área de Linguística Antropológica: Aldir Santos de Paula, Andrés Salanova, aos quais deixamos aqui registrados nossos agradecimentos. Aos professores Rodolfo Ilari e Ataliba de Castilho nosso agradecimento pela leitura do manuscrito e pelos valiosos comentários e sugestões. Somos gratos a Angel Corbera, Wilmar D'Angelis e Aldir Santos de Paula por facilitarem o acesso a certas obras, e ao último também pelo auxílio prestado na digitação dos anexos. Eventuais problemas são de responsabilidade exclusiva da autora. Agradecemos as seguintes pessoas que enviaram informações solicitadas sobre projetos, atividades e publicações próprios e / ou de colegas: S. Braggio, M. Borges, M. do Socorro Vale (UFG), M. Maia, B. Franchetto, M. Facó (MN), Ruth Monserrat (UFRJ), W. F. Netto (USP), D. Moore, N. Gabas, M. C. D. Barros, S. Meira (MPEG), I. M. Teles (UNIR), W. D'Angelis, A. C. Mori, F. Sandalo, M. C. Cavalcanti, F. B. Pacheco, L. Dourado, C. Fargetti, G. Vieira, G. Antunes (Unicamp), A. S. de Paula UFAL/Unicamp), M. Ferreira (UFPA/Unicamp), A. Salanova (MN/Unicamp), F. Queixalós (ORSTOM); Elizabeth Ekdahl (SIL); R. Guirardello, S. Gildea, A. Aikhenvald. Os colegas A. D. Rodrigues, A. S. A. Câmara e Aldir S. de Paula enviaram também informações sobre a UnB, UFPA, e UFPE / UFAL, respectivamente.
  • 2
    A versão original do trabalho contém, em forma de anexos, os resultados de um levantamento preliminar sobre a produção relativa às línguas indígenas brasileiras a partir de 1960, realizado tendo em vista contribuir para a elaboração de uma bibliografia mais ampla de trabalhos da área e para um futuro mapeamento da produção sobre línguas indígenas e mesmo para divulgar trabalhos de autores brasileiros, em geral pouco conhecidos. Por razões de espaço tais anexos não puderam ser incluídos no presente volume.
  • 3
    Uma única dissertação de mestrado sobre língua indígena (Rikbaktsá), produzida em 1967 (após portanto o fechamento da universidade) por Odilo P Lunkes, foi orientada por membro do SIL — Dra. U. Wiesemann. Outras duas dissertações produzidas na UnB e orientadas por linguistas do SIL, referem-se a uma língua africana, Ronga, e ao Português.
  • 4
    Cheryl J. Jensen, Helen Weir, Daniel Everett, e os brasileiros Tine van der Meer e Isaac Costa receberam título de mestre. D. Everett e Arthur Jensen obtiveram o título de doutor.
  • 5
    Insere-se na área de Letras, e não na de Linguística. Os linguistas que trabalham com línguas indígenas têm dificuldade no preenchimento do código de área em formulários das agências de fomento. Sendo linguistas, são obrigados a assinalar a área de Letras, onde consta a sub-área Línguas Indígenas.
  • 6
    Em São Paulo, o modelo de estruturalismo que corresponde ao momento da implantação da Lingüística é o francês.
  • 7
    Na Unicamp com o trabalho de L. Seki. No Museu Goeldi o funcionalismo passou a ganhar espaço através de pesquisadores visitantes que adotam a linha funcionalista, vindos através de convênios, e também pelo envio de estudantes para cursos de pós-graduação em centros funcionalistas.
  • 8
    Rodrigues, comunicação pessoal
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      1999
    Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
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