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Processos e representações lexicais: o caso das vogais posteriores do dialeto paulista

Processes and lexical representation: the case of the paulista dialect back vowels

RESUMO

De acordo com a Teoria da Hierarquia Contrastiva de Traços (DRESHER, 2003DRESHER, Elan. 2003. Contrast and asymmetries in inventories. In: Anna-Maria di Sciullo (ed.) Asymmetry in grammar, Volume 2: Morphology, phonology, acquisition, Amsterdam: John Benjamins, p. 239-306.; 2009______. 2009. The Contrastive Hierarchy in Phonology. Cambridge: Cambridge University Press.), a representação lexical dos segmentos deve ser hierarquicamente disposta com base nos contrastes e nos processos fonológicos que afetam os segmentos da língua. Com base nessa teoria, (Lee, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221.) propõe que as vogais do português brasileiro sejam representadas a partir da seguinte hierarquia de traços: [baixo] > [recuado] > [alto] > [ATR]. Vemos, entretanto, que tal hierarquia não consegue explicar um processo fonológico tal como ocorre no dialeto paulista: a elisão vocálica que, nesse dialeto, afeta as vogais átonas finais /a/ e [u] (cf. NOGUEIRA, 2007NOGUEIRA, Milca Veloso. 1990. Aspectos segmentais no processo de sândi externo no falar de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2007. e SANTOS, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.). O presente artigo apresenta uma proposta de representação lexical que agrupa essas vogais sob um mesmo contraste fonológico, capturando o fato de elas serem alvo de um mesmo processo fonológico no dialeto paulista.

Palavras-chave:
representação lexical; vogais posteriores; processos fonológicos; hierarquia contrastiva de traços

ABSTRACT

According to the Contrastive Hierarchy Theory (DRESHER, 2003DRESHER, Elan. 2003. Contrast and asymmetries in inventories. In: Anna-Maria di Sciullo (ed.) Asymmetry in grammar, Volume 2: Morphology, phonology, acquisition, Amsterdam: John Benjamins, p. 239-306.; 2009______. 2009. The Contrastive Hierarchy in Phonology. Cambridge: Cambridge University Press.), the lexical representation of segments should be hierarchically arranged based on phonological contrasts and processes that affect a language’s phonemes. Based on this theory, (Lee, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221.) proposes that the vowels of Brazilian Portuguese be represented using the following hierarchy of features: [low] > [back] > [high] > [ATR]. However, this hierarchy does not account for the vowel elision process as it occurs in the paulista dialect: in this dialect, the final post-tonic /a/ and [u] vowels are affected by elision (cf. NOGUEIRA, 2007NOGUEIRA, Milca Veloso. 1990. Aspectos segmentais no processo de sândi externo no falar de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2007. and SANTOS, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.). Hence, the present article puts forth a lexical representation for these vowels in which they are grouped under the same phonological contrast, explaining the fact that they are target of the same phonological process in the paulista dialect.

Key-words:
lexical representation; back vowels; phonological processes; contrastive hierarchy of features

1. Introdução

Partindo-se da análise inaugural de (Câmara Jr., 1970 [1999], p. 43), as vogais tônicas do português brasileiro, doravante PB, podem ser dispostas em um sistema triangular de contrastes vocálicos em cujo vértice inferior se encontra a vogal mais baixa /a/. A elevação gradual da língua, na parte anterior ou na parte posterior, conforme o caso, fornece a classificação articulatória da vogal baixa /a/, das vogais médias de primeiro grau /ɛ, ɔ/, das vogais médias de segundo grau /e, o/ e das vogais altas /i, u/. Já em posições átonas, o sistema vocálico do PB é reduzido por neutralização a cinco segmentos na posição pretônica (/i/, /u/, /e/, /o/, /a/), devido à neutralização entre /e, ɛ / e /o, ɔ/ (‘b[ɛ]lo > b[e]’leza; ‘s[ɔ]l > s[o]’laço), a quatro segmentos na posição postônica não-final (/i/, /u/, /e/, /a/), na qual /o, u/ neutralizam-se à /u/ (a’bób[u]ra, fósf[u]ro), mas a distinção entre /e, i/ é mantida (tráf[e]go, tráf[i]co)1 1 .Câmara Jr. faz referência a pares análogos a fim de comprovar a oposição entre /e/ e /i/ na posição postônica não-final. Da mesma forma, não encontramos na língua a variação [e ~ i] nessa posição em alguns vocábulos do PB, a citar vésp[e]ra ~ *vésp[i]ra, óp[e]ra ~ óp[i]ra. Entretanto, é possível encontrar produções nas quais a variação é atestada: núm[e]ro ~ núm[i]ro, pêss[e]go ~ pêss[i]go, entre outros. Para (Bisol, 2003), trata-se de uma mudança em curso com tendência à regularização entre o sistema das posteriores e das anteriores. Importante ressaltarmos ainda que a neutralização entre as médias-baixas / ɔ, ε e as médias-altas /o, e/ em posição postônica não-final não ocorre em determinados dialetos da Região Nordeste, como podemos ver em palavras do tipo agric[ɔ]la e prót[ε]se (GUIMARÃES, 2006; SANTANA, 2015). , e a três segmentos em posição postônica final (/i/, /u/, /a/) (corr[a], corr[i], corr[u])2 2 .(Vieira, 2002) indica que a neutralização das átonas finais /e, i/ e /o, u/ não está completamente implementada na Região Sul do País que, por influência das etnias italiana e alemã, ainda mantém um sistema em que [e] varia com [i] e [o] varia com [u] nessa posição na produção de um mesmo vocábulo: verd[e] ~ verd[i]; sol[o] ~ sol[u]. . Além das neutralizações, o sistema vocálico do PB também é afetado por processos fonológicos como as harmonias vocálicas em verbos e nomes, a neutralização da tônica, como é o caso do abaixamento datílico e o abaixamento espondaico, e, na fronteira entre palavras, o processo de elisão vocálica.

Como percebemos acima, a descrição de Câmara Jr. baseia-se em traços fonéticos. Alguns processos fonológicos, no entanto, acabam não sendo de fácil explicação neste tipo de aproximação. Um exemplo é a elisão vocálica entre palavras que, no dialeto paulista, afeta as vogais postônicas finais /a/, /o/ e /u/ (NOGUEIRA, 2007NOGUEIRA, Milca Veloso. 1990. Aspectos segmentais no processo de sândi externo no falar de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2007.; SANTOS, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.), como veremos mais adiante. Especificamente, o problema é como explicar que a vogal baixa /a/ agrupa-se com as vogais posteriores /o/ e /u/?

Há de se ter, portanto, um modelo de representação que consiga capturar não só os contrastes vocálicos, mas também o modo como as vogais operam no sistema. Uma proposta de representação nesse sentido vem da Teoria da Hierarquia Contrastiva de Traços (HCT) (DRESHER, 2003DRESHER, Elan. 2003. Contrast and asymmetries in inventories. In: Anna-Maria di Sciullo (ed.) Asymmetry in grammar, Volume 2: Morphology, phonology, acquisition, Amsterdam: John Benjamins, p. 239-306.; 2009______. 2009. The Contrastive Hierarchy in Phonology. Cambridge: Cambridge University Press.), segundo a qual as representações fonológicas dos segmentos devem ser construídas com base nos contrastes fonológicos e nos processos que os afetam, e, por isso, podem variar de um sistema para outro. A identificação dos contrastes é feita com base no Algoritmo de Divisão Sucessiva (do inglês Successive Division Algorithm), doravante ADS, de (Dresher, 2009______. 2009. The Contrastive Hierarchy in Phonology. Cambridge: Cambridge University Press.), o qual determina que se faça uma divisão baseada em traços ordenados e potencialmente contrastivos até que todos os segmentos do inventário tenham recebido uma representação que os distinga dos demais. O algoritmo é composto dos seguintes passos:

  1. Comece sem especificações: assuma que todos os sons são alofones de um mesmo fonema;

  2. Se o conjunto mostrar contraste entre um ou mais membros, selecione um traço e divida o conjunto em quantos subconjuntos forem possíveis;

  3. Repita o passo (b) em cada subconjunto: continue dividindo sucessivamente até que todo subconjunto criado tenha somente um segmento.

(DRESHER, 2009______. 2009. The Contrastive Hierarchy in Phonology. Cambridge: Cambridge University Press., p. 16, tradução nossa)

Abaixo, aplicaremos o algoritmo na identificação de contraste em um inventário hipotético composto de /a, i, u/ (adaptado de MACKENZIE, 2009MACKENZIE, Sarah. 2009 Contrast and Similarity in Consonant Harmony Processes. 226 f. Tese (Doutorado em Linguística), Departamento de Linguística, Universidade de Toronto, Toronto., p.13). No primeiro passo, (1a), [a, i, u] não se distinguem; em (1b) o traço [alto] divide o inventário em dois grupos: /a/ de um lado e /i, u/ de outro; em (1c) o traço [arredondado] divide o grupo das vogais [+alto] em [+arredondando] e [-arredondado]:

Vemos na representação final em (1c) que o traço [alto] é contrastivo para todos os membros do inventário, enquanto que [arredondado] é relevante apenas para /i/ e/ /u/, ou seja, a vogal /a/ não recebe essa especificação. Entretanto, nesse arcabouço teórico, a ordem dos traços não é fixa, e isso permite que uma nova hierarquia seja proposta para o mesmo inventário. Suponhamos que, ao invés da ordem [alto] > [arredondado] acima, temos a ordem [arredondado] > [alto]. Desta vez, /u/ recebe a especificação de [+arredondado] e isso já basta para isolá-lo de /i/ e /a/, os quais se distinguem pelo traço [alto], como ilustra (2):

Mas o que nos leva a optar por uma hierarquia em detrimento de outra e o que explica um segmento não receber a especificação de um traço que foneticamente o caracteriza (observe, por exemplo, que apesar de /u/ ser uma vogal foneticamente alta, em (2) ela não recebe especificação de altura)?

De acordo com a HCT, o ordenamento hierárquico deve ser determinado pelo modo em que os segmentos operam em processos fonológicos da língua. Dessa forma, a representação lexical deverá ser específica da língua, pois segmentos possuem diferentes comportamentos em diferentes sistemas. O ordenamento [alto] > [arredondado] ou [arredondado] > [alto] para o inventário hipotético em (1) e (2) acima dependerá, portanto, da relevância desses traços nos processos fonológicos da língua: por exemplo, no primeiro, apenas /i/ e /u/ poderão participar de um processo de arredondamento, enquanto que no segundo, apenas a vogal /u/. É, portanto, o comportamento do segmento na língua que explica o porquê de optarmos por uma hierarquia em detrimento de outra e o porquê de ser possível que um segmento não receba especificação de um traço mesmo que esse o caracterize foneticamente.

Com base no modelo de representação lexical da HCT exposto acima e nos processos fonológicos que afetam os segmentos vocálicos do PB apresentados na próxima seção, discutiremos neste artigo a proposta de representação das vogais feita por (Lee, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221.), enfocando, mais especificamente, de que forma ela captura os processos fonológicos tal como ocorrem no dialeto paulista. Em seguida, apresentaremos uma proposta de representação para as vogais desse dialeto que capture os processos fonológicos que afetam as vogais, em especial a elisão vocálica que, no falar de São Paulo, tende a ser mais geral, afetando as vogais /a, o, u/ postônicas finais. O artigo é finalizado com as considerações finais seguidas das referências bibliográficas.

2. Processos vocálicos do português brasileiro

Nesta seção, trazemos uma breve descrição dos processos fonológicos que afetam as vogais do PB. São eles: harmonia vocálica em nomes (que tem por alvo as vogais médias altas pretônicas e é desencadeado por vogais altas tônicas ou pretônicas), harmonia vocálica em verbos (que tem por alvo a última vogal da raiz verbal exceto /a/ e é desencadeada pela vogal temática /e/ ou /i/), neutralização das tônicas (que tem por alvo as vogais médias-altas), e elisão vocálica (que tem por alvo, no dialeto paulista, as átonas finais /a/ e [u] é e desencadeado pelo contexto com outras vogais).

2.1. Harmonia vocálica

A Harmonia Vocálica (HV) consiste na modificação/substituição de uma vogal, de modo que ela se torne mais semelhante a uma outra vogal em um determinado aspecto. Em PB, temos a HV tanto em nomes quanto em verbos. No primeiro caso, a harmonia é puramente fonológica (cf. 2.1.1), enquanto que no segundo caso, trata-se de um processo morfo-fonológico (cf. 2.1.2).

2.1.1. Harmonia vocálica em nomes

A HV em nomes do PB consiste na possibilidade de elevação da vogal média pretônica por influência de uma vogal alta subsequente: s[e]gundo ~ s[i]gundo, f[o]rmiga ~ f[u]rmiga.3 3 .Em alguns dialetos de alguns estados brasileiros, as vogais /e/ e /o/, quando pretônicas, podem ainda sofrer abaixamento diante de uma vogal [-ATR] na sílaba tônica: [ε’lεtriku] para elétrico, por exemplo (ABAURRE & SÂNDALO, 2012). Entretanto, ao invés de assumir que essas produções são resultantes de uma harmonia vocálica, (Lee, 2008) defende que se trata de uma neutralização da pauta pretônica que privilegia as vogais / ε e / ɔ / em alguns dialetos do Nordeste, enquanto que nos dialetos do Sul e Sudeste, a neutralização ocorre para /e/ e /o/. A neutralização favorecendo as médias-baixas consegue explicar produções do tipo r[ε]polho e v[ε]rdura, nas quais não há contexto para harmonização, excluindo-se, dessa forma, a possibilidade de essa realização ser resultante de uma cópia de traço. Trata-se, portanto, de uma assimilação regressiva de caráter opcional envolvendo o traço de altura dos segmentos vocálicos, conforme os exemplos em (3) abaixo:

Em (3a) o traço alto de /i/ harmoniza com a pretônica /e/ em sílaba precedente, da mesma forma que em (3b) o traço alto de /u/ harmoniza com a pretônica /o/, alçando-a.4 4 .Apesar de nos exemplos em (3) a vogal alta ser sempre acentuada, a regra não está condicionada a gatilhos tônicos. Encontramos, por exemplos, casos em que o gatilho é átono: pr[e]di’leto ~ pr[i]di’leto e p[e]ri’goso ~ p[i]ri’goso. E por se tratar de um processo fonológico de uso opcional na língua, inúmeras são as pesquisas que buscam investigar as condições linguísticas da regra, determinando aquelas que parecem ser mais favoráveis ao seu uso: adjacência silábica entre vogal alvo e vogal gatilho (BISOL, 1981BISOL, Leda. 1981. Harmonia vocálica: uma regra variável. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., SILVA, 1989SILVA, Myrian Barbosa da. 1989. As pretônicas no falar baiano. Rio de Janeiro: UFRJ. Tese (Doutorado em Letras), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; SCHWINDT, 1995SCHWINDT, Luiz Carlos Silva. Harmonia vocálica em dialetos do Sul do País: uma análise variacionista. 1995. (dissertação de mestrado) - Faculdade de Letras - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2002______. 2002. A regra variável de harmonização vocálica no RS. In: BISOL, L.; BRESCANCINI, C. (orgs). Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 161-182.; CASAGRANDE, 2004CASAGRANDE, Graziela Pigatto Bohn. 2004. Harmonização vocálica: análise Variacionista em tempo real. 2004. Tese (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre.), contexto fonológico circundante (BISOL, 1981BISOL, Leda. 1981. Harmonia vocálica: uma regra variável. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; BATTISTI, 1993BATTISTI, Elisa. 1993. Elevação das vogais médias pretônicas em sílaba inicial de vocábulo na fala gaúcha. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Letras. Porto Alegre: PUCRS.; SCHWINDT, 1995SCHWINDT, Luiz Carlos Silva. Harmonia vocálica em dialetos do Sul do País: uma análise variacionista. 1995. (dissertação de mestrado) - Faculdade de Letras - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2002______. 2002. A regra variável de harmonização vocálica no RS. In: BISOL, L.; BRESCANCINI, C. (orgs). Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 161-182.; CASAGRANDE, 2004CASAGRANDE, Graziela Pigatto Bohn. 2004. Harmonização vocálica: análise Variacionista em tempo real. 2004. Tese (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre.), nasalidade da vogal /e/ (BISOL, 1981BISOL, Leda. 1981. Harmonia vocálica: uma regra variável. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; BATTISTI, 1993BATTISTI, Elisa. 1993. Elevação das vogais médias pretônicas em sílaba inicial de vocábulo na fala gaúcha. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Letras. Porto Alegre: PUCRS.; SCHWINDT, 1995SCHWINDT, Luiz Carlos Silva. Harmonia vocálica em dialetos do Sul do País: uma análise variacionista. 1995. (dissertação de mestrado) - Faculdade de Letras - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2002______. 2002. A regra variável de harmonização vocálica no RS. In: BISOL, L.; BRESCANCINI, C. (orgs). Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 161-182.; CASAGRANDE, 2004CASAGRANDE, Graziela Pigatto Bohn. 2004. Harmonização vocálica: análise Variacionista em tempo real. 2004. Tese (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre.); homorganicidade entre vogal alvo e vogal gatilho (BISOL, 1981BISOL, Leda. 1981. Harmonia vocálica: uma regra variável. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; CALLOU et al, 1991CALLOU, Dinah et al. 1991 Elevação e abaixamento das vogais pretônicas no dialeto do Rio de Janeiro. In: Organon, Porto Alegre: UFRGS, v.5, n.18, p. 71-78.; BATTISTI, 1993BATTISTI, Elisa. 1993. Elevação das vogais médias pretônicas em sílaba inicial de vocábulo na fala gaúcha. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Letras. Porto Alegre: PUCRS.; SCHWINDT, 1995SCHWINDT, Luiz Carlos Silva. Harmonia vocálica em dialetos do Sul do País: uma análise variacionista. 1995. (dissertação de mestrado) - Faculdade de Letras - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2002______. 2002. A regra variável de harmonização vocálica no RS. In: BISOL, L.; BRESCANCINI, C. (orgs). Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 161-182.), e, por último, localização morfológica da vogal gatilho (BISOL, 1981BISOL, Leda. 1981. Harmonia vocálica: uma regra variável. Tese (Doutorado em Lingüística) - Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; SCHWINDT, 2002______. 2002. A regra variável de harmonização vocálica no RS. In: BISOL, L.; BRESCANCINI, C. (orgs). Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 161-182.; CASAGRANDE, 2004CASAGRANDE, Graziela Pigatto Bohn. 2004. Harmonização vocálica: análise Variacionista em tempo real. 2004. Tese (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre.).

2.1.2. Harmonia vocálica em verbos

No PB, além da harmonia vocálica que afeta a vogal média pretônica em nomes, existe um processo de assimilação vocálica que afeta formas verbais. Trata-se de um processo bastante restrito que atua somente em verbos da 2a. e 3a. conjugações e determina que a última vogal do radical (exceto se for /a/) se harmonize em altura com a vogal temática do verbo (/e/ ou /i/). Além dessas restrições, essa regra so-men­te se aplica na 1a. pessoa do singular do presente do indicativo e em todas as pessoas do presente do subjuntivo. Em (4) apresentamos como a regra atua no presente do indicativo. Uma vez que a vogal temática é apagada, a sua especificação de altura espraia para a última vogal do raiz verbal. Quanto aos verbos da 2a. conjugação, a última vogal da raiz, /ɔ/ em mov-er5 5 .Segundo (Quicoli, 1990), a regra de harmonia verbal ocorre em verbos cujas raízes terminam com uma vogal média (e, o) ou média-baixa (ɔ, ε) em suas representações subjacentes. Na proposta do autor, deve-se determinar a vogal subjacente com base na vogal presente na forma nominal correspondente ao verbo. Dessa forma, o verbo ‘mover’ teria como vogal subjacente uma média-baixa, mɔv, pois a forma nominal correspondente é ‘mɔvel’, enquanto que ‘dormir’ tem como vogal subjacente uma vogal média, dorm-, pois sua forma nominal correspondente é ‘dormitório’. Veja também ‘beber’, cuja vogal subjacente é beb-, pois a forma nominal correspondente é ‘bebida’, e ‘servir’, cuja vogal subjacente é sεrv-, pois a forma nominal correspondente é ‘sεrvo’. e /e/ em beb-er, é realizada como média-alta por influência da altura da vogal temática /e/ que é apagada por truncamento antes que o morfema de primeira pessoa -o do presente do indicativo se una à palavra. Comparem-se, por exemplo, a segunda e terceira pessoa do singular do presente do indicativo, nas quais há a realização da média-baixa (mɔves, mɔve). A maneira como a regra atua fica ainda mais clara quando vemos o comportamento dos verbos da 3a. conjugação, nos quais a última vogal da raiz, /e/ ou /o/, e a vogal temática, /i/, possuem alturas diferentes. Nos exemplos da 3a. conjugação em (4), antes de /i/ ser apagado, o traço alto espraia para a vogal média-alta, alçando-a a /i/ ou /u/. Mais uma vez, comparem-se as formas com as conjugações das segunda e terceira pessoas do singular nas quais não há harmonia (sεgues, sεgue e dɔrmes, dɔrme).

Quanto ao subjuntivo, a regra atinge todas as pessoas do paradigma verbal, como podemos ver em (5). Observemos que, antes de sofrer o truncamento da vogal temática, a última vogal do radical do verbo, nesses casos /o/, harmoniza em altura com a vogal temática /e/ da 2a. conjugação ou /i/ da 3a. conjugação.

A harmonia verbal ocorre em formas nas quais a vogal temática é imediatamente seguida por outra vogal - a qual na primeira pessoa do indicativo é -o e no presente do subjuntivo é o morfema de modo-aspecto -a. A regra não se aplica nas formas em que a vogal temática é seguida ou por uma consoante (seg i mos → seguimos, dorm i mos → dormimos) ou por um morfema de número-pessoa que é fonologicamente nulo (mɔv e → mɔve, serv e → sεrve).

2.2. Neutralização das vogais médias tônicas

Nesta seção, trataremos da neutralização que afeta as vogais médias tônicas da língua. Segundo (Wetzels, 1992WETZELS, Leo Marie. 1992. Mid-vowel alternations in the Brazilian Portuguese. Cadernos de Estudos Linguísticos 23. Campinas: Unicamp, p. 19-55.), os não-verbos do PB estão sujeitos a casos de neutralização de vogais tônicas médias em favor de vogais tônicas médias-baixas quando em sílaba tônica através de dois processos: o abaixamento datílico e o abaixamento espondaico.

2.2.1. Abaixamento datílico

O abaixamento datílico é uma neutralização prosodicamente condicionada que proíbe a presença de vogais médias-altas em sílaba tônica proparoxítona aplicando-se em palavras derivadas e não-derivadas, como ilustrado em (6). Como podemos observar em (6c) e (6d), /e, o/ em posição átona sofrem abaixamento ao passarem a ocupar a sílaba tônica das palavras derivadas.

(Wetzels, 1992WETZELS, Leo Marie. 1992. Mid-vowel alternations in the Brazilian Portuguese. Cadernos de Estudos Linguísticos 23. Campinas: Unicamp, p. 19-55.) elabora a seguinte regra para essa neutralização, cujo domínio de aplicação é a palavra fonológica nos não-verbos6 6 .A regra não aplica nos verbos regulares do PB: aprenderamos e esqueceramos. :

Para ele, o abaixamento ocorre porque a vogal localizada no cabeça do pé datílico não está ligada à camada [aberto3]7 7 .De acordo com o modelo de (Clements, 1989, 1991), além de um nó de ponto, as vogais são representadas com um nó de abertura vocálica, o qual especifica a altura dos segmentos vocálicos através de um mesmo traço: [aberto]. Para (Wetzels, 1992), três camadas de [aberto] são suficientes para se distinguir os quatro níveis de altura existentes no sistema vocálico do PB: /a/ recebe especificação de [+ab1, +ab2, +ab3], /e, o/ recebem especificação de [-ab1, +ab2, -ab3], /i, u/ recebem especificação de [-ab1, -ab2, -ab3], e / ε, ɔ / recebem especificação de [-ab1, +ab2, +ab3]. e recebe a especificação de [+aberto3] através de uma regra de redundância (cf. (8)), segundo a qual a vogal acentuada vazia de especificação de [aberto] deve receber o valor [+aberto].

2.2.2. Abaixamento espondaico

Outro tipo de neutralização prosodicamente condicionada é o abaixamento espondaico que afeta palavras as quais, apesar de possuírem a última sílaba pesada, o que atrairia o acento primário, possuem o acento na penúltima sílaba, pesada ou não, e formam um pé espondeu (um pé composto por duas sílabas longas). A vogal que recebe o acento nessas palavras é média, mas vem à superfície como uma vogal média-baixa. Da mesma forma que o abaixamento datílico, o abaixamento espondaico também afeta palavras derivadas (9a) e não-derivadas (9b), mas a regra não aplica quando a sílaba pesada final é formada por um morfema de flexão nominal ou verbal, cf. (10):

8 8 .O asterisco indica agramaticalidade.

Quanto a essa regra, Wetzels propõe que haja uma desassocição e apagamento da camada [aberto3] da penúltima sílaba em palavras com sílaba final pesada que não recebem acento final. O valor perdido é, então, preenchido pela regra de redundância em (8) que dá ao segmento a interpretação de [+aberto3].

2.3. Elisão

Diferentemente do processo de harmonia vocálica e das neutralizações vocálicas do PB, que ocorrem no interior da palavra, o processo de elisão encontra seu ambiente de aplicação na fronteira entre palavras. Para (Bisol, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96.), trata-se de uma regra que apaga a vogal baixa /a/ quando em posição não-acentuada em final de palavra e a palavra seguinte começa com uma vogal de qualidade diferente, átona ou acentuada, mas que não porte o acento primário do sintagma. Veja em (11) que em (a) a palavra ovos porta o acento primário do sintagma e, por isso, a elisão não ocorre, mas em (b) a palavra ovos não mais é portadora desse acento, criando ambiente para a regra aplicar:

Para Bisol a elisão ocorre para se evitar o choque de picos silábicos, fazendo com que a vogal final do primeiro vocábulo seja desassociada da sílaba, e apagada pela Regra Universal de Apagamento do Elemento Extraviado9 9 .Qualquer elemento que não esteja silabado será apagado (ITÔ, 1986, apud BISOL, 1996). . Após esse apagamento, o ataque da sílaba da qual fazia parte é associado à vogal inicial da palavra seguinte, o que implica na formação de uma nova sílaba. Veja em (12) que a vogal /a/ é apagada e uma nova sílaba é criada:

A respeito da vogal que sofre o apagamento, enquanto (Bisol, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96.) assume ser a vogal baixa /a/, (Nogueira, 2007NOGUEIRA, Milca Veloso. 1990. Aspectos segmentais no processo de sândi externo no falar de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, 2007.) analisa dados do dialeto paulista e constata que a elisão como processo fonológico também ocorre com a vogal postônica final /o/, neutralizada a [u] nessa posição. Suas conclusões partem de um estudo experimental de produção com quatro falantes desse dialeto cujas gravações foram realizadas em um ambiente acusticamente isolado e submetidas à verificação acústica a fim de confirmar a avaliação perceptual da autora. Ao todo, Nogueira gravou 360 sentenças (90 para cada falante), contemplando todas as vogais postônicas finais, /a/, [u] e [i]10 10 .A vogal [i] produzida em posição postônica final corresponde à neutralização entre /e/ e /i/ que ocorre nessa posição. . Em relação à primeira vogal, nos casos em que um processo de sândi externo deve ser aplicado categoricamente, ou seja, dentro de um sintagma fonológico (cf. TENANI, 2002), como os exemplos em (13), a elisão foi sempre aplicada no experimento da autora (NOGUEIRA, op. Cit, p. 46):

11 11 .Em casos em que a sequência apos a vogal [a] era formada por [i]+[u] ou [u]+[i], houve a elisão de [a] e a ditongação das vogais seguintes; ela [poda o ipê] todo mês → ela [‘pɔ.dwi.’pe] todo mês (NOGUEIRA, op. Cit, p. 51).

Enquanto os resultados acima confirmam que a vogal /a/ postônica final é alvo da elisão vocálica no PB, no que diz respeito à vogal [u] postônica final, Nogueira encontra diferenças que vão de encontro à descrição de Bisol. Isso porque os dados analisados pela autora mostram que a elisão vocálica também tem como alvo a postônica final [u], ao menos no dialeto de São Paulo. A autora analisou a produção de 72 sentenças (18 para cada falante do experimento) com contexto apropriado para a elisão do [u] postônico. De um total de 72 sentenças (18 para cada falante), a elisão de [u] foi realizada em 51 sentenças, ou seja, em 70.83% das sentenças, como mostram os exemplos retirados de Nogueira (p. 56) em (14):12 12 .Dentro de sintagma fonológico a aplicação de sândi externo foi categórica – seja por elisão de [u] ou ditongação.

Por fim, em relação à elisão da coronal [i], Nogueira também observa o apagamento dessa vogal em posição postônica em fronteira de palavra, mas ele só ocorre quando as consoantes que antecedem essa vogal forem /s, z, ʃ, ʒ/, como mostram os exemplos em (15):

Para a autora a elisão de [i] resulta de um processo fonético de elisão vocálica motivado por uma consoante que compartilha os mesmos traços da vogal, excetos aqueles que são subespecificados na vogal (como [anterior], [distribuído] e o [laringal]) e os traços de nós de raiz. Ou seja, tanto a vogal [i] quanto as consonantes /s, z, ʃ, ʒ/ compartilham dos mesmos valores para os traços [contínuo] e [coronal], o que motiva o apagamento de [i] nessa posição. Além da influência da natureza das consoantes circundantes, Nogueira também observa que a elisão da coronal apresenta propriedades prosódicas distintas da elisão de /a/ e [u], pois a segunda vogal da sequência não pode ser tônica da palavra, ou seja, ambas vogais devem ser átonas:

Pelo fato de a elisão de [i] apresentar propriedades distintas da elisão de /a/ e [u] e ser restrita a um contexto que a favoreça foneticamente, Nogueira conclui que o apagamento de [i] resulta de uma regra fonética, e não fonológica. Com isso, a autora propõe que a elisão vocálica do dialeto paulista tenha como alvo as vogais /a/ e [u] postônicas finais. (Nogueira, 2007) e (Santos, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.) assumem, então, que a regra da elisão vocálica para o dialeto paulista deva ser mais geral do que aquela proposta por Bisol: nesse dialeto, vogal apagada deve ser átona [+posterior], o que inclui as vogais /a/ e [u].13 13 .Na regra proposta por (Nogueira, 2007), o traço que une as vogais /a/ e [u] é o [dorsal].

No Quadro 1 abaixo resumimos os processos vocálicos revistos nesta seção e listamos as implicações de cada processo na representação via HCT:

Quadro 1
Processos vocálicos do PB e as implicações para a HCT

3. A representação lexical das vogais do português brasileiro de ( LEE, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221. )

Para a representação fonológica das vogais do PB via HCT, Lee (op. cit) baseia-se nas reduções vocálicas e nos processos de harmonia nominal e verbal, e sugere a seguinte hierarquia de traços: [baixo] > [recuado] > [alto] > [ATR]. Para ele, [baixo] contrasta /a/ com /ɔ, o, e, i, u, ε; [recuado] distingue /i, e, ε de /ɔ, o, u/; [alto] distingue /i, u/ de /e, o/, respectivamente; e [ATR] contrasta /e, o/ com / ε, ɔ/, respectivamente (Figura 1).

Figura 1
Hierarquia contrastiva dos traços da vogais do PB (LEE, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221.)

O contraste [baixo], que se encontra na posição mais alta da hierarquia, faz com que a vogal /a/ seja neutra nos processos fonológicos do PB. O traço [recuado] sobre o traço [alto] define as alternâncias da língua: [o, ɔ, u] e [e, ε, i]. E o traço [alto] acima de [ATR] delimita a harmonia de ATR somente para as vogais médias, excluindo-se as altas.

O agrupamento das vogais /e, ε/ e das vogais /o, ɔ/ pelo traço [ATR] explica os processos de abaixamento datílico e espondaico e da harmonia verbal dos verbos da 2a. conjugação; e a especificação de /e, o, i/ com o traço [alto] explica a harmonia verbal da 3a. conjugação. Além disso, o agrupamento de /e, ε/ e /o, ɔ/ permite que haja a neutralização de [ATR] entre esses segmentos, fazendo com que apenas /o/ e /e/ emerjam na pauta pretônica. Na pauta pretônica, a neutralização de /e, ε/ e /o, ɔ/ é explicada através do traço ATR, compartilhado por esses segmentos. Já a regra de harmonia vocálica de nomes é explicada pela especificação de [alto] nos alvos /e, o/ e gatilho /i, u/. E é a neutralização de [alto] entre /o/ e /u/ que reduz o sistema a 4 vogais na posição postônica não-final, e a neutralização de [alto] entre /e/ e /i/ resulta na pauta postônica final.

Entretanto, vemos que a proposta de Lee não captura a elisão entre palavras do dialeto paulista. Como visto, (Nogueira, 2007) mostra que a elisão também ocorre sempre que a primeira palavra termina em [u], e (Santos, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.) sugere que então a regra capture este fato através de uma exigência de que a primeira vogal seja [+posterior]. Para que este processo seja explicado, a vogal /a/ deve estar agrupada junto com as vogais posteriores, ou sob o traço [+recuado], nos termos de Lee. Se seguirmos a proposta de Lee e assumirmos que o processo de elisão ocorre com as vogais [+recuado], ela só ocorreria com [u] - um caso de undergeneration. O mesmo ocorre se assumirmos que a regra leva em conta vogais com o traço [+baixo] - só que desta vez teríamos o processo apenas com a vogal /a/, mas não com [u]. Se assumirmos que a regra ocorre com as vogais que partilham [-baixo] ou o nó mais alto (a primeira vogal não necessitaria ter nenhum dos traços), incorretamente a regra prediria que o processo ocorre também quando a primeira vogal é /i/ - um caso de overgeneration. No entanto, a proposta do autor captura a elisão dos dialetos do sul: segundo (Bisol, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96.), a elisão tem como alvo apenas a vogal /a/. Neste caso, o traço relevante, segundo a proposta de Lee, é [+baixo].14 14 .(Bisol, 1996, p. 57) também faz menção à característica baixa da vogal alvo ao descrever o processo de elisão com base nos dados do sul do país.

4. Uma proposta de representação das vogais posteriores do dialeto paulista via HCT

Conforme vimos, (Nogueira, 2007) analisa dados do falar de São Paulo em que a elisão também afeta a vogal [u] postônica final, e (Santos, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.) propõe que a regra capture este fato através de uma exigência de que a primeira vogal seja [+posterior]. Para que este processo seja explicado, /a/, /o/ e /u/ teriam de estar, portanto, agrupadas neste dialeto, diferentemente do que propõe Lee. Veja que o mesmo argumento de Dresher de que um mesmo sistema de vogais (ou consoantes) pode ter traços e organização diferentes, a depender da língua, pode ser estendido a dialetos.15 15 .Agradeço à Raquel Santana Santos e a Elan Dresher a discussão sobre as extensões da HCT para os dialetos. Nada impede, segundo a HCT, que um dialeto tenha uma organização de traços, enquanto outro dialeto tenha outra. Os processos fonológicos dão inclusive pistas de que isso ocorre. Os falantes não estranhariam as diferenças dado que (i) se trata de processos opcionais e (ii) os resultados de um dialeto seria o subgrupo dos resultados de um outro dialeto (por exemplo, a elisão do sul do país, que afeta apenas a vogal /a/, é um subgrupo da elisão do dialeto paulista, que afeta /a/ e [u]). Neste sentido, não é necessário que a representação de Lee dê conta de diferentes dialetos. No caso específico de neutralizações, podemos supor, por exemplo, que os dialetos do Nordeste tenham uma configuração diferente dos dialetos do sul e sudeste, que levam a diferentes processos: alçamento nos dialetos do sul e sudeste (como em r[i]cibo, ) e abaixamento nos dialetos do nordeste (como em r[ε]cibo).

Vejamos, então, a nossa proposta de representação lexical das vogais do dialeto paulista. Observe que para darmos conta de alguns fatos, a ordem de alguns traços não pode ser alterada. Por exemplo, [silábico] deve estar na posição mais alta pois é esse traço que distingue vogais de consoantes; em seguida deve vir [recuado], pois somente assim a vogal /a/ estará agrupada com as recuadas /o, u, ɔ/;16 16 .Apenas a título de ilustração, se [alto] vier logo abaixo de silábico, as vogais serão divididas em /a/ vs. /i,u/. Mesmo deixando de lado a categorização das vogais médias, já temos um problema, dado que /u/ tem que estar agrupado com /a/ para que a elisão possa ser explicada. e por fim [ATR] deve estar na posição mais terminal permitindo a neutralização entre as não-recuadas /e/ e / ε e as recuadas /o/ e /ɔ/.17 17 .Se o traço [ATR] preceder [alto], por exemplo, teríamos como nós terminais as vogais /e, i/ de um lado e /o, u/ de outro, o que geraria um problema para explicar os subsistemas vocálicos da língua, pois a primeira redução vocálica neutralizaria esses segmentos, deixando no sistema pretônico apenas a vogal /o/ ou a vogal /u/ (e o mesmo para /e, i/). Isso também seria um problema para a regra de harmonia vocálica que acontece nessa pauta – ou o alvo da regra /e, o/ ou o gatilho /i, u/ já teriam sido apagados do sistema. Em nossa proposta de representação das vogais do dialeto paulista do PB, sugerimos que a hierarquia de traços seja a seguinte: [silábico] > [recuado] > [baixo] > [alto] > [ATR]. O traço [silábico] distingue as vogais das consoantes; o traço [recuado] agrupa as vogais /a, o, ɔ, u/ de um lado e /e, ε, i/ de outro; [baixo] contrasta /a/ com todas outras vogais recuadas18 18 .Em sistemas assimétricos, é natural que exista um número de contrastes maior em um lado da hierarquia. Este é o caso do PB, e, uma vez que /a/ é agrupado com /o, ɔ, u/, se faz necessário que esse lado possua um número maior de traços. Para isso, nossa proposta aqui é que esse lado conte com dois níveis da altura, [alto] e [baixo], enquanto que o lado das não-recuadas conte com apenas um, [alto]. Um exemplo análogo de assimetria é a representação proposta por (Zhang, 1996) para a língua Xunke Oroqen na qual as vogais [não-baixo], três no total, recebem apenas três especificações de traços ([baixo], [anterior] e [RTR]), enquanto que as vogais [baixo], seis no total, recebem quatro especificações de traços ([baixo], [anterior], [RTR] e [labial]). ; [alto] distingue /u/ de /o, ɔ/ e /i/ de /e, ε; e [ATR] contrasta /o/ com /ɔ/ e /e/ com / ε, conforme Figura 2 abaixo:

Figura 2
Hierarquia contrastiva dos traços das vogais do dialeto paulista em pauta tônica

Essa proposta consegue explicar a alternância que existe nos processos de abaixamento datílico e espondaico, e a harmonia verbal que afeta verbos da 2a. conjugação, pois as vogais /e/ e / ε e as vogais /o/ e /ɔ/ encontram-se agrupadas sob o mesmo nó, [ATR]. Quanto à harmonia verbal que afeta verbos da 3a. conjugação, vemos que /o/ e /u/ são irmãos sob o nó [alto]. Dessa forma, ao receber especificação de [alto] da vogal temática /i/, /o/ é corretamente alçado à /u/ (dormir durmo). Por fim, a neutralização de [ATR] resulta no subsistema de pretônicas da língua, ilustrado na Figura 3:

Figura 3
Hierarquia contrastiva dos traços da vogais do dialeto paulista em pauta pretônica

Vemos na Figura 3 acima que as vogais /e/ e /o/ são especificadas com o traço [alto], e diferem de suas contrapartes altas /i/ e /u/ apenas por esse traço, permitindo que ambas sejam afetadas pelo processo de harmonia vocálica de altura da língua.

Já a pauta das postônicas não-finais seria resultante da neutralização de [alto] apenas para as vogais posteriores. Poderíamos, entretanto, questionar como a neutralização de um único traço pode afetar apenas um lado da hierarquia. Veja, porém, que na pauta pretônica dessa segunda proposta, o traço [alto] encontra-se em níveis diferentes nas recuadas e não-recuadas. Desse modo, a neutralização ocorreria gradualmente de baixo para cima, e, por isso, o traço neutraliza primeiramente no nível mais baixo, que, nesse caso, é o das vogais recuadas. Com essa neutralização, teríamos dois traços de altura restantes: o traço [baixo] estaria ativo nas vogais recuadas e o traço [alto] estaria ativo nas vogais não-recuadas (Figura 4).

Figura 4
Hierarquia contrastiva dos traços das vogais do dialeto paulista em pauta postônica não-final

Quanto à pauta das postônicas finais, a neutralização se dá pela redução de [alto] nas vogais não-recuadas, o que não afeta a distinção de altura das vogais recuadas, pois essa se dá através do traço [baixo] (Figura 5).

Figura 5
Hierarquia contrastiva dos traços das vogais do dialeto paulista em pauta postônica final

Por fim, vemos que a representação exposta na Figura 5 acima consegue também explicar o processo de elisão vocálica que afeta as vogais postônicas /a/ e [u] no dialeto paulista, pois essas vogais encontram-se sob o mesmo nó, [recuado]. A regra, como propõem (Santos, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.) e (Nogueira, 2007), afetaria somente esses segmentos, e seria mais geral do que naqueles dialetos em que a elisão ocorre apenas com /a/, como é o caso do sul do país na proposta de (Bisol, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96.).

5. Considerações finais

Neste artigo analisamos a representação das vogais posteriores do dialeto paulista tendo como base a Teoria da Hierarquia Contrastiva de Traços (DRESHER, 2009______. 2009. The Contrastive Hierarchy in Phonology. Cambridge: Cambridge University Press.), a qual prevê que os segmentos da língua sejam lexicalmente representados através de uma hierarquia de traços dependente dos processos fonológicos e específica de cada língua. Partimos de uma representação vocálica nos moldes da HCT proposta por (Lee, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221.), na qual as vogais são primeiramente contrastas pelo traço [baixo]. Vimos, entretanto, que essa representação não reflete o dialeto falado em São Paulo, uma vez que a proposta de Lee separa a vogal /a/ das recuadas /o, u/, mas no dialeto paulista as vogais /a/ e [u] sofrem processo de elisão vocálica (cf. SANTOS, 2007SANTOS, Raquel Santana. 2007. A aquisição prosódica do português brasileiro de 1 a 3 anos: padrões de palavra e processos de sândi externo. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de pós-doutorado.; NOGUEIRA, 2007), e por isso devem ser agrupadas sob um mesmo nó. Nossa proposta de hierarquia para as vogais posteriores do dialeto paulista é a de que o primeiro contraste a ser especificado seja o de ponto, dividindo o sistema em dois grupos: o das recuadas /a, u, o, ɔ/ e o das não-recuadas /i, e, ε. Desse modo, nossa representação captura os termos da elisão tal como ocorre no dialeto paulista. Acreditamos, entretanto, que a proposta de Lee não é invalidada pela nossa, pois ainda dá conta de dialetos em que apenas a vogal /a/ é afetada pelo processo de elisão vocálica (cf. BISOL, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96.).

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  • *
    A autora agradece o auxílio em forma de bolsa de Doutorado do Departamento de Linguística da FFLCH/USP (CAPES Proex 2013-2015) e bolsa PDSE/CAPES na Universidade de Toronto processo no. 14506/13-0
  • 1
    .Câmara Jr. faz referência a pares análogos a fim de comprovar a oposição entre /e/ e /i/ na posição postônica não-final. Da mesma forma, não encontramos na língua a variação [e ~ i] nessa posição em alguns vocábulos do PB, a citar vésp[e]ra ~ *vésp[i]ra, óp[e]ra ~ óp[i]ra. Entretanto, é possível encontrar produções nas quais a variação é atestada: núm[e]ro ~ núm[i]ro, pêss[e]go ~ pêss[i]go, entre outros. Para (Bisol, 2003______. 2003. A neutralização das átonas. In: Revista D.E.L.T.A, São Paulo, v.19, n.2, p. 267-276.), trata-se de uma mudança em curso com tendência à regularização entre o sistema das posteriores e das anteriores. Importante ressaltarmos ainda que a neutralização entre as médias-baixas / ɔ, ε e as médias-altas /o, e/ em posição postônica não-final não ocorre em determinados dialetos da Região Nordeste, como podemos ver em palavras do tipo agric[ɔ]la e prót[ε]se (GUIMARÃES, 2006GUIMARÃES, Rubens. 2006. Variação das vogais médias em posição pretônica nas regiões norte e sul de Minas Gerais: uma abordagem à Luz da Teoria da Otimalidade. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.; SANTANA, 2015SANTANA, Arthur Pereira. 2015. Análise das pós-tônicas não-finais em São Paulo e São Luís. São Paulo: Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado.).
  • 2
    .(Vieira, 2002VIERA, Maria José Blaskovisky. 2002. As vogais médias postônicas. Uma análise variacionista. In: BISOL, L. & BRESCANCINI, C. Fonologia e variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 127-159.) indica que a neutralização das átonas finais /e, i/ e /o, u/ não está completamente implementada na Região Sul do País que, por influência das etnias italiana e alemã, ainda mantém um sistema em que [e] varia com [i] e [o] varia com [u] nessa posição na produção de um mesmo vocábulo: verd[e] ~ verd[i]; sol[o] ~ sol[u].
  • 3
    .Em alguns dialetos de alguns estados brasileiros, as vogais /e/ e /o/, quando pretônicas, podem ainda sofrer abaixamento diante de uma vogal [-ATR] na sílaba tônica: [ε’lεtriku] para elétrico, por exemplo (ABAURRE & SÂNDALO, 2012ABAURRE, Maria Bernadete Marques & SÂNDALO, Filomena. 2012. Harmonia vocálica e modelos de representação de segmentos. In: LEE, Seung-Hwa (Org.) Vogais além de Belo Horizonte. Belo Horizonte: FALE/UFMG.). Entretanto, ao invés de assumir que essas produções são resultantes de uma harmonia vocálica, (Lee, 2008LEE, Seung-Hwa. 2008. Contrate das Vogais no PB. Portuguese-Brazilian Studies, v. 5, p. 201-221.) defende que se trata de uma neutralização da pauta pretônica que privilegia as vogais / ε e / ɔ / em alguns dialetos do Nordeste, enquanto que nos dialetos do Sul e Sudeste, a neutralização ocorre para /e/ e /o/. A neutralização favorecendo as médias-baixas consegue explicar produções do tipo r[ε]polho e v[ε]rdura, nas quais não há contexto para harmonização, excluindo-se, dessa forma, a possibilidade de essa realização ser resultante de uma cópia de traço.
  • 4
    .Apesar de nos exemplos em (3) a vogal alta ser sempre acentuada, a regra não está condicionada a gatilhos tônicos. Encontramos, por exemplos, casos em que o gatilho é átono: pr[e]di’leto ~ pr[i]di’leto e p[e]ri’goso ~ p[i]ri’goso.
  • 5
    .Segundo (Quicoli, 1990QUICOLI, Antônio Carlos. Harmony, lowering and nasalization in Brazilian Portuguese. Lingua, 80(4), 295-331.), a regra de harmonia verbal ocorre em verbos cujas raízes terminam com uma vogal média (e, o) ou média-baixa (ɔ, ε) em suas representações subjacentes. Na proposta do autor, deve-se determinar a vogal subjacente com base na vogal presente na forma nominal correspondente ao verbo. Dessa forma, o verbo ‘mover’ teria como vogal subjacente uma média-baixa, mɔv, pois a forma nominal correspondente é ‘mɔvel’, enquanto que ‘dormir’ tem como vogal subjacente uma vogal média, dorm-, pois sua forma nominal correspondente é ‘dormitório’. Veja também ‘beber’, cuja vogal subjacente é beb-, pois a forma nominal correspondente é ‘bebida’, e ‘servir’, cuja vogal subjacente é sεrv-, pois a forma nominal correspondente é ‘sεrvo’.
  • 6
    .A regra não aplica nos verbos regulares do PB: aprenderamos e esqueceramos.
  • 7
    .De acordo com o modelo de (Clements, 1989, 1991), além de um nó de ponto, as vogais são representadas com um nó de abertura vocálica, o qual especifica a altura dos segmentos vocálicos através de um mesmo traço: [aberto]. Para (Wetzels, 1992WETZELS, Leo Marie. 1992. Mid-vowel alternations in the Brazilian Portuguese. Cadernos de Estudos Linguísticos 23. Campinas: Unicamp, p. 19-55.), três camadas de [aberto] são suficientes para se distinguir os quatro níveis de altura existentes no sistema vocálico do PB: /a/ recebe especificação de [+ab1, +ab2, +ab3], /e, o/ recebem especificação de [-ab1, +ab2, -ab3], /i, u/ recebem especificação de [-ab1, -ab2, -ab3], e / ε, ɔ / recebem especificação de [-ab1, +ab2, +ab3].
  • 8
    .O asterisco indica agramaticalidade.
  • 9
    .Qualquer elemento que não esteja silabado será apagado (ITÔ, 1986, apud BISOL, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96.).
  • 10
    .A vogal [i] produzida em posição postônica final corresponde à neutralização entre /e/ e /i/ que ocorre nessa posição.
  • 11
    .Em casos em que a sequência apos a vogal [a] era formada por [i]+[u] ou [u]+[i], houve a elisão de [a] e a ditongação das vogais seguintes; ela [poda o ipê] todo mês → ela [‘pɔ.dwi.’pe] todo mês (NOGUEIRA, op. Cit, p. 51).
  • 12
    .Dentro de sintagma fonológico a aplicação de sândi externo foi categórica – seja por elisão de [u] ou ditongação.
  • 13
    .Na regra proposta por (Nogueira, 2007), o traço que une as vogais /a/ e [u] é o [dorsal].
  • 14
    .(Bisol, 1996______. 1996. Sândi externo: o processo e a variação. In: KATO, Mary (Org.). Gramática do Português Falado. Campinas: UNICAMP, v. 5, p. 55-96., p. 57) também faz menção à característica baixa da vogal alvo ao descrever o processo de elisão com base nos dados do sul do país.
  • 15
    .Agradeço à Raquel Santana Santos e a Elan Dresher a discussão sobre as extensões da HCT para os dialetos.
  • 16
    .Apenas a título de ilustração, se [alto] vier logo abaixo de silábico, as vogais serão divididas em /a/ vs. /i,u/. Mesmo deixando de lado a categorização das vogais médias, já temos um problema, dado que /u/ tem que estar agrupado com /a/ para que a elisão possa ser explicada.
  • 17
    .Se o traço [ATR] preceder [alto], por exemplo, teríamos como nós terminais as vogais /e, i/ de um lado e /o, u/ de outro, o que geraria um problema para explicar os subsistemas vocálicos da língua, pois a primeira redução vocálica neutralizaria esses segmentos, deixando no sistema pretônico apenas a vogal /o/ ou a vogal /u/ (e o mesmo para /e, i/). Isso também seria um problema para a regra de harmonia vocálica que acontece nessa pauta – ou o alvo da regra /e, o/ ou o gatilho /i, u/ já teriam sido apagados do sistema.
  • 18
    .Em sistemas assimétricos, é natural que exista um número de contrastes maior em um lado da hierarquia. Este é o caso do PB, e, uma vez que /a/ é agrupado com /o, ɔ, u/, se faz necessário que esse lado possua um número maior de traços. Para isso, nossa proposta aqui é que esse lado conte com dois níveis da altura, [alto] e [baixo], enquanto que o lado das não-recuadas conte com apenas um, [alto]. Um exemplo análogo de assimetria é a representação proposta por (Zhang, 1996) para a língua Xunke Oroqen na qual as vogais [não-baixo], três no total, recebem apenas três especificações de traços ([baixo], [anterior] e [RTR]), enquanto que as vogais [baixo], seis no total, recebem quatro especificações de traços ([baixo], [anterior], [RTR] e [labial]).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    Jan 2016
  • Aceito
    Abr 2017
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