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Por uma noção de domínio sociofuncional

For a notion of sociofunctional domain

RESUMO

A partir de um questionamento sobre o lugar da dimensão social numa abordagem sociofuncionalista, o objetivo deste artigo é refletir sobre os domínios funcional e social da linguagem constituídos por multicamadas, propor uma articulação interdomínios representada por um modelo sociofuncional e mostrar sua aplicabilidade a dois fenômenos em variação/mudança. A noção de domínio funcional é baseada em Givón (2001Givón, T. (2001). Syntax: An introduction (Vols. I-II). John Benjamins. ; 2002Givón, T. (2002). Bio-linguistics. John Benjamins. ), Hopper (1991Hopper, P. (1991). On some principles of grammaticization. In E. C. Traugott, & B. Heine (Eds.), Approaches to grammaticalization (pp.17-35). John Benjamins.) e Görski e Tavares (2017Görski, E. M., & Tavares, M. A. (2017). O objeto de estudo na interface variação gramaticalização. In M. Bagno, V. Casseb-Galvão, & T. Rezende (Eds.), Dinâmicas funcionais da mudança linguística (pp. 35-63). Parábola.), e a noção de domínio social é ancorada basicamente em Eckert (2008Eckert, P. (2008). Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, 12(4), 453-476. https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008.00374.x.
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; 2016Eckert, P. (2016). Third wave variationism (pp. 1-16). Oxford University Press. https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935345.001.0001/oxfordhb-9780199935345-e-27.
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; 2018Eckert, P. (2018). Meaning and linguistic variation: The third wave in sociolinguistics. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316403242.
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; 2019Eckert, P. (2019). The limits of meaning: Social indexicality, variation, and the cline of interiority. Language, 95(4), 751-776. https://doi.org/10.1353/lan.2019.0072.
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), Silverstein (2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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) e Kiesling (2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.). A articulação interdomínios é ilustrada com o uso dos marcadores discursivos interacionais sabe? e entende? e do segmento -STE agregado a bases verbais e não verbais, com base nos trabalhos de Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) e Amaral (2020Amaral, K. (2020). Emergência de usos, variação e identidade: o caso de {-STE} na página Tal Qual Dublagens. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216147.
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), respectivamente. Acreditamos ter avançado nas discussões teórico-metodológicas sobre a interface entre Funcionalismo e Sociolinguística Variacionista, colocando luz no significado social e sua articulação com o significado semântico-pragmático, e propondo uma prática analítica integrada.

Palavras-chave:
domínio sociofuncional; significado semântico-pragmático; significado social; prática analítica

ABSTRACT

Based on a question about the social dimension’s place in a socio-functionalist approach, the aim of this paper is threefold: (1) to reflect on the functional and social domains of language made up of multilayers, (2) to propose an interdomain articulation represented by a socio-functional model, and (3) to show its applicability to two phenomena in variation/change. The notion of functional domain is based on Givón (2001Givón, T. (2001). Syntax: An introduction (Vols. I-II). John Benjamins. ; 2002Givón, T. (2002). Bio-linguistics. John Benjamins. ), Hopper (1991Hopper, P. (1991). On some principles of grammaticization. In E. C. Traugott, & B. Heine (Eds.), Approaches to grammaticalization (pp.17-35). John Benjamins.) and Görski e Tavares (2017Görski, E. M., & Tavares, M. A. (2017). O objeto de estudo na interface variação gramaticalização. In M. Bagno, V. Casseb-Galvão, & T. Rezende (Eds.), Dinâmicas funcionais da mudança linguística (pp. 35-63). Parábola.), and the notion of social domain is basically anchored in Eckert (2008Eckert, P. (2008). Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, 12(4), 453-476. https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008.00374.x.
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; 2016Eckert, P. (2016). Third wave variationism (pp. 1-16). Oxford University Press. https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935345.001.0001/oxfordhb-9780199935345-e-27.
https://www.oxfordhandbooks.com/view/10....
; 2018Eckert, P. (2018). Meaning and linguistic variation: The third wave in sociolinguistics. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316403242.
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; 2019Eckert, P. (2019). The limits of meaning: Social indexicality, variation, and the cline of interiority. Language, 95(4), 751-776. https://doi.org/10.1353/lan.2019.0072.
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), Silverstein (2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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), and Kiesling (2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.). The interdomain articulation is illustrated with the use of interactive discourse markers sabe? (‘you know’) and entende? (you understand?) and the -STE segment added to verbal and non-verbal base, based on the works of Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) e Amaral (2020Amaral, K. (2020). Emergência de usos, variação e identidade: o caso de {-STE} na página Tal Qual Dublagens. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216147.
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), respectively. We believe that we advanced in theoretical and methodological discussions on the interface between functionalism and variationist sociolinguistics by highlighting the social meaning and its articulation with the semantic-pragmatic meaning as well as proposing an integrated analytical practice.

Keywords:
sociofunctional domain; semantic-pragmatic meaning; social meaning; analytical practice

1. Introdução

No Brasil, a aproximação entre a Sociolinguística laboviana e o Funcionalismo de vertente norte-americana tem se mostrado bastante frutífera e tem sido difundida sob a denominação de Sociofuncionalismo.4 4 Sob rótulo “sociofuncionalismo”, podemos encontrar trabalhos que associam aspectos sociolinguísticos a outras perspectivas funcionais, como a sistêmico-funcional ou a discursivo-funcional, que não abordaremos aqui. Além disso, tem-se observado, atualmente, uma tendência à aproximação entre o Funcionalismo de linha norte-americana e a Linguística Cognitiva, especialmente com foco no tratamento de construções, em busca de padrões abstratos de esquemas construcionais (cf. Traugott & Trousdale, 2013; Bybee, 2010; entre outros). Não obstante o “sócio” da interface, os estudos sociofuncionalistas em geral pouco têm explorado a dimensão social para além do fato de elegerem como objeto a língua em uso em diferentes situações comunicativas e, eventualmente, considerarem variáveis que estratificam o falante em macrocategorias sociais (sexo/gênero, faixa etária, escolaridade). Os estudos nessa perspectiva, que começaram com foco na variação, tomando a forma como variável dependente e a função (significação semântico-pragmática contextualmente apreendida) como variável independente (cf. Naro & Votre, 1992Naro, A. J., & Votre, S. J. (1992). Mecanismos funcionais do uso da língua: função e forma. D.E.L.T.A., 8(2), 285-290. https://revistas.pucsp.br/delta/article/view/45949.
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), têm se expandido para uma abordagem integrada de variação e gramaticalização. Nessa abordagem, o fenômeno variável escolhido para análise é resultante de mudança(s) via gramaticalização e a variação é identificada no interior de um domínio funcional, como uma função comunicativa que é codificada pela gramática (cf. Givón, 1984Givón, T. (1984). Syntax: A functional-typological introduction (Vol. I). John Benjamins. , 2001Givón, T. (2001). Syntax: An introduction (Vols. I-II). John Benjamins. , 2002Givón, T. (2002). Bio-linguistics. John Benjamins. ), em conformidade com o princípio da estratificação (Hopper, 1991Hopper, P. (1991). On some principles of grammaticization. In E. C. Traugott, & B. Heine (Eds.), Approaches to grammaticalization (pp.17-35). John Benjamins.)5 5 O princípio da estratificação prevê que na língua novas camadas/formas estão continuamente emergindo dentro de um domínio funcional, sem que as camadas mais antigas sejam necessariamente descartadas. .

Essa interface é sistematizada e aplicada por Tavares (1999Tavares, M. A. (1999). Um estudo variacionista de AÍ, DAÍ, ENTÃO e E como conectores sequenciadores retroativo-propulsores na fala de Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/81258
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, 2003Tavares, M. A. (2003). A gramaticalização de E, AÍ, DAÍ, e ENTÃO: estratificação/variação e mudança no domínio funcional da sequenciação retroativo-propulsora de informações - um estudo sociofuncionalista. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/84869
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), sendo retomada e refinada por Tavares e Görski (2015Tavares, M. A., & Görski, E. M. (2015). Variação e sociofuncionalismo. In M. M. Martins, & J. Abraçado (Eds.), Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro (pp. 249-270). Contexto. ) e Görski e Tavares (2017Görski, E. M., & Tavares, M. A. (2017). O objeto de estudo na interface variação gramaticalização. In M. Bagno, V. Casseb-Galvão, & T. Rezende (Eds.), Dinâmicas funcionais da mudança linguística (pp. 35-63). Parábola.), entre outros, a partir de um olhar funcionalista; é também defendida por Poplack (2011Poplack, S. (2011). Grammaticalization and linguistic variation. In H. Narrog, & B. Heine (Eds.), The Oxford handbook of grammaticalization (pp. 209-224). Oxford University Press.) e Torres Cacoullos (2011Torres Cacoullos, R. (2011). Variation and grammaticalization. In M. Díaz-Campos (Ed.), The handbook of Hispanic sociolinguistics (pp. 148-167). Wiley-Blackwell. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/book/10.1002/9781444393446
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), entre outros, a partir de um olhar variacionista. Esse é o procedimento teórico-metodológico adotado nas pesquisas de Tavares (1999Tavares, M. A. (1999). Um estudo variacionista de AÍ, DAÍ, ENTÃO e E como conectores sequenciadores retroativo-propulsores na fala de Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/81258
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, 2003Tavares, M. A. (2003). A gramaticalização de E, AÍ, DAÍ, e ENTÃO: estratificação/variação e mudança no domínio funcional da sequenciação retroativo-propulsora de informações - um estudo sociofuncionalista. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/84869
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) sobre conectores sequenciadores temporais; de Gibbon (2000Gibbon, A. de O. (2000). A expressão do tempo futuro na língua falada de Florianópolis: gramaticalização e variação. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/78246.
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) sobre a expressão de futuridade; de Valle (2001Valle, C. R. M. (2001). Sabe? ~ não tem? ~ entende?: itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/79992
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, 2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) sobre os marcadores discursivos sabe? e entende? e não tem?; de Freitag (2003Freitag, R. M. Ko. (2003). Gramaticalização e variação de acho (que) e parece (que) na fala de Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/85498.
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) sobre os marcadores de dúvida parece (que) e acho (que); de Rost (2002Rost, C. A. (2002). OLHA e VEJA: multifuncionalidade e variação. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/83489.
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) e Rost Snichelotto (2009Rost Snichelotto, C. A. (2009). OLHA e VÊ: caminhos que se entrecruzam. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/92657.
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) sobre os marcadores olha e vê; entre outros tantos trabalhos.6 6 Importante registrar que um dos trabalhos que inicialmente discutiu a interface sociolinguística/gramaticalização no Brasil é o de Naro e Braga (2000). Como os estudos de gramaticalização sob a ótica funcionalista focalizam motivações e mecanismos de mudança de natureza cognitivo-comunicativa, basicamente semântico-pragmáticos (além de alguma motivação estrutural), a dimensão social fica em segundo plano.

Neste ponto, a questão que se põe é: Como colocar mais luz na dimensão social do sociofuncionalismo, buscando aproximá-la da dimensão funcional? A partir dessa indagação, temos como objetivo avançar nas reflexões acerca da articulação entre Funcionalismo e Sociolinguística, explorando o significado social e relacionando-o ao significado semântico-pragmático (i.e., a função) veiculado pelas formas linguísticas em variação e mudança.

A seguir, fazemos um breve rastreamento da dimensão social em autores representativos do Funcionalismo linguístico e da Sociolinguística Variacionista nas Seções 2 e 3, respectivamente. Na seção 4 exploramos as noções de domínio funcional e de domínio social. A partir disso, propomos, na seção 5, uma articulação interdomínios representada por um modelo de domínio sociofuncional, mostrando sua aplicação a dois fenômenos analisados por Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) e Amaral (2020Amaral, K. (2020). Emergência de usos, variação e identidade: o caso de {-STE} na página Tal Qual Dublagens. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216147.
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).

2. A dimensão social no Funcionalismo

Examinamos publicações de Givón (1993Givón, T. (1993). English grammar: A functional-based introduction (Vols. I-II). John Benjamins.; 2001Givón, T. (2001). Syntax: An introduction (Vols. I-II). John Benjamins. ; 2018Givón, T. (2018). On understanding grammar (revised edition). John Benjamins. https://doi.org/10.1075/z.213.
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), Hopper e Traugott (2003Hopper, P., & Traugott, E. (2003). Grammaticalization. 2. ed. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9781139165525.
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), Traugott (2001Traugott, E. C. (2001). Zeroing in on multifunctionality and style. In P. Eckert, & J. Rickford (Eds.), Style and Sociolinguistic Variation (pp. 127-138). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511613258
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; 2002Traugott, E. C. (2002). From etymology to historical pragmatics. In D. Minkova, & R. Stockwell (Eds.), Studying the History of the English Language: Millennial perspectives (pp. 19-49). Mouton de Gruyter. https://doi.org/10.11220/mea1984.2004.125
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; 2010Traugott, E. C. (2010). Revisiting subjectification and intersubjectification. In K. Davidse, L. Vandelanotte, & H. Cuyckens (Eds.), Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization (pp. 29-70). Mouton de Gruyter. http://dx.doi.org/10.1515/9783110226102
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) e Heine e Kuteva (2007Heine, B., & Kuteva, T. (2007). The genesis of grammar: A reconstruction. Oxford University Press. ), autores tomados como representativos da vertente funcionalista em questão, em busca de elementos que revelem como esses autores abordam a dimensão social da linguagem.

Num rastreamento do termo “social” em Givón (2018Givón, T. (2018). On understanding grammar (revised edition). John Benjamins. https://doi.org/10.1075/z.213.
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), encontramos as seguintes menções e acepções: “universo sociocultural” que é compartilhado pelos falantes a partir da experiência humana; “interação social”, considerando a posição social dos interlocutores num dado ato de fala, em termos de relações hierárquicas e grau de intimidade; “comportamento comunicativo e social do sujeito” no contexto pragmático e na evolução gradual da linguagem humana. Heine e Kuteva (2007Heine, B., & Kuteva, T. (2007). The genesis of grammar: A reconstruction. Oxford University Press. ) ampliam o leque de termos acionados: “ponto de vista social-cognitivo”, “rituais sociais”, “normas sociais” e, especialmente, “identidade social”, como na passagem: “os adolescentes é que estiveram mais fortemente envolvidos na emergência de novas categorias: eles são os [...] mais sensíveis à identidade social, status, estilo e mudança linguística” (p. 333; grifo acrescido).7 7 As traduções ao longo do texto são livres e de responsabilidade nossa.

Um aspecto que merece destaque diz respeito a funções da linguagem. Givón (1993Givón, T. (1993). English grammar: A functional-based introduction (Vols. I-II). John Benjamins.) menciona, ao lado da função primária de representação mental da experiência e de comunicação, outras funções metacomunicativas: (i) função de coesão sociocultural - a língua atua mantendo um grupo unido e sinalizando a identificação dos indivíduos com o grupo; (ii) função afetiva/interpessoal - a língua medeia a interação entre os membros de um grupo, expressando afeto, cooperação, obrigação, dominância ou competição; (iii) função estética - a língua assume o papel de assinalar valores estéticos na oratória, ficção, poesia, canções e peças teatrais. Não obstante considerar que a contribuição da gramática na expressão dessas funções metacomunicativas é relativamente secundária, ao falar especificamente sobre interjeições, Givón (2001Givón, T. (2001). Syntax: An introduction (Vols. I-II). John Benjamins. ) situa essa categoria numa área de transição que conecta a gramática a convenções culturais que regem o comportamento social e interpessoal na interação, levando em conta o fluxo da conversa, status, poder, polidez, deferência etc.

Traugott (2010Traugott, E. C. (2010). Revisiting subjectification and intersubjectification. In K. Davidse, L. Vandelanotte, & H. Cuyckens (Eds.), Subjectification, Intersubjectification and Grammaticalization (pp. 29-70). Mouton de Gruyter. http://dx.doi.org/10.1515/9783110226102
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) - retomando as funções propostas por Halliday (ideacional, textual e interpessoal), renomeadas por ela, respectivamente, como proposicional, textual e expressiva - associa a função expressiva a processos de subjetivização (orientado para as atitudes do falante) e intersubjetivização (orientado para a atenção do falante em relação à imagem do ouvinte), que, em alguma medida, apresentam alguma relação com a gramaticalização.8 8 Uma discussão detalhada sobre a dimensão interpessoal da linguagem na variação e na gramaticalização pode ser conferida em Görski e Valle (2020). Hopper e Traugott (2003Hopper, P., & Traugott, E. (2003). Grammaticalization. 2. ed. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9781139165525.
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) salientam que, durante a negociação de significados na interação verbal, uma inovação - normalmente produzida por um falante pela reutilização de formas existentes para produzir novos significados com maior expressividade - vai tendo sua frequência de uso aumentada gradualmente através de “tipos linguísticos, estilos e gêneros” (p. 232), estabelecendo-se padrões de gramaticalização9 9 Gramaticalização entendida como “a mudança pela qual itens lexicais e construções passam em certos contextos a desempenhar funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais” (Hopper & Traugott, 2003, xiii). que se propagam na comunidade. Heine e Kuteva (2007Heine, B., & Kuteva, T. (2007). The genesis of grammar: A reconstruction. Oxford University Press. ) mencionam explicitamente que há um componente sociolinguístico associado ao parâmetro de extensão de uso para novos contextos que atua na gramaticalização.

Sucessivas gramaticalizações resultam em camadas sincrônicas de um domínio funcional e a coexistência de camadas num domínio pode se dar tanto entre formas plenas e reduzidas como entre formas distintas, desempenhando funções similares que podem ser diferenciadas por matizes de significado pragmático. Como as inovações surgem em interações estratégicas, a mudança é “motivada por práticas discursivas e sociais” (Traugott, 2002Traugott, E. C. (2002). From etymology to historical pragmatics. In D. Minkova, & R. Stockwell (Eds.), Studying the History of the English Language: Millennial perspectives (pp. 19-49). Mouton de Gruyter. https://doi.org/10.11220/mea1984.2004.125
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, p. 24), de modo que pode ocorrer não só na fala de crianças, mas também na fala de adolescentes e adultos que se engajam em práticas discursivas com propósitos sociais específicos.

Vale assinalar ainda que, ao tratar de multifuncionalidade e estilo, Traugott (2001Traugott, E. C. (2001). Zeroing in on multifunctionality and style. In P. Eckert, & J. Rickford (Eds.), Style and Sociolinguistic Variation (pp. 127-138). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511613258
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) (i) chama a atenção para a relação entre diferentes papéis gramaticais desempenhados por um item e funções socialmente simbólicas ou estilísticas correlacionadas, uma vez que o estilo pode e deve estar relacionado tanto a diferentes funções linguísticas quanto aos diferentes propósitos dos falantes; e (ii) salienta que a possibilidade de usar uma construção gramaticalizada para a marcação da identidade social não tem recebido atenção de pesquisadores.

3. A dimensão social na Sociolinguística Variacionista

Considerando as três ondas dos estudos variacionistas (Eckert, 2012Eckert, P. (2012). Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review of Anthropology, 41, 87-100. https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10.1146/annurev-anthro-092611-145828.
https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10...
; 2016Eckert, P. (2016). Third wave variationism (pp. 1-16). Oxford University Press. https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935345.001.0001/oxfordhb-9780199935345-e-27.
https://www.oxfordhandbooks.com/view/10....
), tomamos como referência para as discussões nesta seção basicamente os seguintes autores: Labov (2008Labov, W. (2008 [1972]). Padrões sociolinguísticos. In M. Bagno, M. M. P. Scherre, & C. R. Cardoso (Trad.). Parábola.[1972]), Eckert (2008Eckert, P. (2008). Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, 12(4), 453-476. https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008.00374.x.
https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008...
; 2012Eckert, P. (2012). Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review of Anthropology, 41, 87-100. https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10.1146/annurev-anthro-092611-145828.
https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10...
; 2016Eckert, P. (2016). Third wave variationism (pp. 1-16). Oxford University Press. https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935345.001.0001/oxfordhb-9780199935345-e-27.
https://www.oxfordhandbooks.com/view/10....
; 2018Eckert, P. (2018). Meaning and linguistic variation: The third wave in sociolinguistics. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316403242.
https://doi.org/10.1017/9781316403242...
), Silverstein (2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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) e Kiesling (2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.).

A Sociolinguística Variacionista tipicamente laboviana opera com macrocategorias sociais - classe socioeconômica, sexo/gênero, faixa etária, etnia - (Labov, 2008Labov, W. (2008 [1972]). Padrões sociolinguísticos. In M. Bagno, M. M. P. Scherre, & C. R. Cardoso (Trad.). Parábola.[1972]), caracterizando os chamados estudos de primeira onda variacionista, que buscam estabelecer amplas correlações entre variáveis linguísticas e condicionadores sociais, de modo a depreender padrões sociolinguísticos regulares de variação na comunidade de fala. O significado social é atrelado ao uso linguístico dos falantes socialmente estratificados e alternâncias estilísticas são captadas em função do grau de atenção dispensado à fala e correlacionadas à estratificação social

A Sociolinguística Variacionista, no entanto, não se restringe à busca de correlações regulares entre variáveis linguísticas e macrocategorias sociais. Os estudos de segunda onda, desenvolvidos sob um viés etnográfico, lidam com categorias socioculturais e demográficas locais e procuram identificar a dinâmica da variação em práticas sociais de grupos, considerando a relação entre língua e identidade, seja identidade com o grupo social, seja com o grupo regional (Eckert, 2012Eckert, P. (2012). Three waves of variation study: the emergence of meaning in the study of sociolinguistic variation. Annual Review of Anthropology, 41, 87-100. https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10.1146/annurev-anthro-092611-145828.
https://www.annualreviews.org/doi/pdf/10...
).

Já os estudos de terceira onda - que também envolvem uma forte aproximação entre sociolinguistas e antropólogos linguistas - colocam foco no sujeito agentivo, que, em práticas estilísticas diversas, pode, de forma criativa e distintiva, (re)construir e projetar estilos/ identidades/personas múltiplas, numa dinâmica em que cenários micro e macrossociais se articulam dialeticamente. Nessa perspectiva, (i) a língua é concebida como um sistema semiótico social dinâmico, que envolve estrutura e prática social, não devendo ser vista separada da sociedade; (ii) a variável linguística é a forma que indicia o significado social, mesclando aspectos ideológicos e socioculturais, sendo utilizada tanto para (re)construir e (re)interpretar significados sociais como para (re)construir e projetar os estilos e identidades dos falantes; e (iii) os significados sociais e as identidades são vistos como multicamadas. (Eckert, 2016Eckert, P. (2016). Third wave variationism (pp. 1-16). Oxford University Press. https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935345.001.0001/oxfordhb-9780199935345-e-27.
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; 2018Eckert, P. (2018). Meaning and linguistic variation: The third wave in sociolinguistics. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316403242.
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; Kiesling, 2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.).

A indicialidade10 10 O fenômeno da indexicality, proposto por C. S. Peirce como a propriedade referente aos signos classificados por ele como indexes (índices), i.e., signos que são reativos ou causais aos objetos (referentes) que representam, tem sido variavelmente traduzido no campo sociolinguístico em português por indicialidade e indexicalidade. O verbo “to index” tem sido traduzido pelo campo como ‘indexar’, ‘indiciar’ ou ‘indexicalizar’. Já que o português dispõe do verbo ‘indiciar’, fizemos opções por este último, bem como pelos termos ‘indicialidade’ e ‘indicial’. envolve as noções de campo indicial e ordem indicial.Eckert (2008Eckert, P. (2008). Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, 12(4), 453-476. https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008.00374.x.
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, p. 454) define campo indicial como “uma constelação de significados ideologicamente relacionados, os quais podem ser ativados no uso situado da variável”, conceito que evoca a noção de bricolagem - processo em que um dado recurso já disponível na língua pode ser reinterpretado e combinado com outros para construir uma entidade com significação mais complexa.

A noção de ordem indicial, por sua vez, tem a ver com o fato de que a indicialidade de significados se dá contextualmente, refletindo a forma com que os sujeitos, motivados por seu grau de engajamento ideológico e cultural, interpretam a relação dialética entre significados mais globais e mais locais. A ordenação indicial dos signos é entendida por Silverstein (2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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) como uma realização performática de uma estrutura já constituída de valor semiótico, e se dá mediante: (i) índices de primeira ordem - que remetem à identificação de variáveis dialetais que podem ser diferenciadas social ou demograficamente (Eckert, 2008Eckert, P. (2008). Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, 12(4), 453-476. https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008.00374.x.
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; 2018Eckert, P. (2018). Meaning and linguistic variation: The third wave in sociolinguistics. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316403242.
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); e (ii) índices de segunda ordem - que remetem ao uso dos primeiros como estratégias de identificação e diferenciação social (Johnstone et al., 2006Johnstone, B., Andrus, J., & Danielson, A. (2006). Mobility, indexicality and the enregisterment of “Pittsburghese”. Journal of English Linguistics, 34(2), 77-104. https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0075424206290692.
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).

Assim como os significados que as variáveis podem indiciar não são estanques, também a ordem indicial dos signos não deve ser vista como tal. Precisamente porque os processos de reinterpretação dos signos “ocorrem dentro de um campo ideológico fluido e em constante mudança” (Silverstein, 2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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, apud Eckert, 2018Eckert, P. (2018). Meaning and linguistic variation: The third wave in sociolinguistics. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/9781316403242.
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, p. 154), a ordem indicial pode se dar simultaneamente e ao longo do tempo em múltiplas direções, estabelecendo um conjunto de significados correlacionados - o campo indicial.

A relação dialética presente na indicialidade de significados sociais envolve agentividade e habitus (Bourdieu, 2013Bourdieu, P. (2013 [1977]). Outline of a theory of practice. Cambridge: Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511812507.
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[1977]), entendido como um conjunto de crenças e predisposições de uma pessoa, desenvolvidas a partir de suas experiências acumuladas nas práticas sociais. Os falantes fazem escolhas conscientes e, com o tempo e a adesão de outras pessoas, a repetição dessas escolhas imprime nelas um caráter automático. Kiesling (2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell., p. 457) evoca Eckert para dizer que o material para o hábito “existe nas práticas estilísticas correntes que os falantes podem recombinar em novas práticas estilísticas, incluindo o estilo linguístico”. Esse processo é cíclico: escolhas construídas a partir de práticas existentes se automatizam em hábitos, que se tornam material para construção de novos hábitos.

Agência e habitus estão diretamente relacionados a tipos sociais que são (re)construídos e projetados, podendo corresponder tanto aos falantes enquanto indivíduos como aos falantes enquanto membros de grupos sociais, refletindo a natureza individual e social da identidade (Kiesling, 2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.). Segundo esse autor, as identidades apresentam-se em três dimensões interligadas - grandes grupos socialmente estratificados e distribuídos por região, papéis sociais desempenhados e posturas na interação -, de modo que as variáveis linguísticas, ao indiciarem significados sociais identitários individuais ou de grupos sociais locais, não se desvinculam das categorias sociais mais amplas. Nessa direção, a contínua modificação e emergência de novas identidades/personas tem reflexos na variação linguística, e a variação, além de refletir o mundo social, também desempenha um papel central na contínua mudança desse mundo, mediante a construção de tipos sociais (Eckert, 2016Eckert, P. (2016). Third wave variationism (pp. 1-16). Oxford University Press. https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199935345.001.0001/oxfordhb-9780199935345-e-27.
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).

Isso posto, ao questionamento levantado na Introdução, acrescenta-se um novo matiz: Como lidar, em uma abordagem sociofuncionalista, com esse redimensionamento do significado social verificado nos estudos variacionistas?

4. A noção de domínio funcional e domínio social

Antes de apresentarmos nossa proposta de articulação interdomínios como possível resposta a nossos questionamentos, definimos, nas subseções a seguir, o que estamos considerando domínio funcional e domínio social.

Domínio funcional

A ideia de domínio funcional - que, na concepção givoniana, equivale à função comunicativa que é codificada pela gramática - está presente na formulação do princípio de estratificação (Hopper, 1991Hopper, P. (1991). On some principles of grammaticization. In E. C. Traugott, & B. Heine (Eds.), Approaches to grammaticalization (pp.17-35). John Benjamins.), sendo acionada também por Poplack (2011Poplack, S. (2011). Grammaticalization and linguistic variation. In H. Narrog, & B. Heine (Eds.), The Oxford handbook of grammaticalization (pp. 209-224). Oxford University Press.) ao abordar a convergência entre gramaticalização e variação.

Os domínios funcionais são multidimensionais, inter-relacionados e escalares, e os pontos de codificação que os constituem também apresentam limites fluidos, de modo que podem ser rearranjados “por mudança diacrônica, pela criatividade do falante ou por variação dialetal” (Givón, 1984Givón, T. (1984). Syntax: A functional-typological introduction (Vol. I). John Benjamins. , p. 37). Devido a seu caráter superordenado, um grande domínio que recobre áreas funcionais gerais (macrodomínio) frequentemente se subdivide em subdomínios (ou microdomínios) que se intersectam e interagem, sendo que, em qualquer desses níveis hierárquicos, podem se sobrepor parcialmente. Assim, tanto o domínio funcional como as camadas que o constituem distribuem-se num continuum e, a depender do foco da lente do analista, o domínio funcional considerado vai ser mais abrangente ou mais restrito (Görski & Tavares, 2017Görski, E. M., & Tavares, M. A. (2017). O objeto de estudo na interface variação gramaticalização. In M. Bagno, V. Casseb-Galvão, & T. Rezende (Eds.), Dinâmicas funcionais da mudança linguística (pp. 35-63). Parábola.). As camadas que codificam um dado domínio podem resultar de trajetórias a partir de domínios fonte funcionalmente similares (Givón, 2002Givón, T. (2002). Bio-linguistics. John Benjamins. ), bem como de diferentes fontes lexicais e diferentes histórias na língua (Tagliamonte & D’arcy, 2009Tagliamonte, S. A., & D’Arcy, A. (2009). Peaks Beyond Phonology: Adolescence, Incrementation, and Language Change. Language, 85(1), 58-108. https://www.jstor.org/stable/40492846?seq=1#metadata_info_tab_contents
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).

A Figura 1 retrata o caráter superordenado, gradiente, poroso e interseccionado dos domínios funcionais em nível macro e micro. Na prática analítica, subdomínios podem não só ser alçados a nível de domínio funcional à medida que forem tomados como objeto de estudo, como ainda recobrir outros subdomínios, à moda de “boneca russa”, a depender da lente do analista. Os domínios que nos interessam diretamente e cuja análise ilustra a proposta de articulação interdomínios e de modelo sociofuncional apresentados mais adiante são aqueles destacados em fundo escuro na Figura 1.

Vejamos como se caracterizam esses domínios. A Figura 1 representa um amplo domínio funcional complexo de referência ao interlocutor, que abrange três outros domínios funcionais que se sobrepõem parcialmente - da manipulação deôntica (MapD), da marcação discursiva interacional (MDI) e da marcação de segunda pessoa do discurso (MP2).

Figura 1
Representação do domínio funcional referência ao interlocutor

Sob o escopo da manipulação deôntica, temos os subdomínios do imperativo (Imp), da interrogação (Int), entre outros.

Sob o escopo da marcação discursiva interacional, situam-se diferentes tipos de marcadores que desempenham diferentes funções: de chamada de atenção do interlocutor (CAInt), função codificada por olha e (Rost, 2002Rost, C. A. (2002). OLHA e VEJA: multifuncionalidade e variação. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/83489.
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; Rost Snicheloto, 2009Rost Snichelotto, C. A. (2009). OLHA e VÊ: caminhos que se entrecruzam. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/92657.
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); de chamada de atenção para a informação (CAInf), função expressa por bem e bom (Martins, 2003Martins, L. (2003). ‘Bom’ e ‘bem’ e suas multifunções na fala da Região Sul do Brasil. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/84608.
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); de requisito de apoio discursivo (RAD), função materializada por sabe? entende? (Valle, 2001Valle, C. R. M. (2001). Sabe? ~ não tem? ~ entende?: itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/79992
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; 2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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), entre outros. Nos limites de MDI, o domínio que nos interessa é RAD.

Sob o escopo de marcação de segunda pessoa do discurso, acomodam-se os subdomínios de referência (pro)nominal ao interlocutor (RNI) e de referência verbal ao interlocutor (RVI), que agrega, à função número-pessoal, também uma função modo-temporal. RVI recobre então referência passada ao interlocutor (RPI), além de referência presente (RPrI) e referência futura (RFI). No âmbito de MP2, nosso foco de atenção recai sobre RPI, domínio codificado pela macroforma -STE11 11 A macroforma -STE recobre diferentes formas de realização desse segmento (-ste, -stes, -rte, entre outras), conforme detalhado adiante. (Amaral, 2020Amaral, K. (2020). Emergência de usos, variação e identidade: o caso de {-STE} na página Tal Qual Dublagens. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216147.
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).

A Figura 1 mostra que os domínios funcionais que são objeto de análise neste artigo - requisição de apoio discurso (RAD) e referência passada ao interlocutor (RPI) - se inter-relacionam com outros domínios no interior de um domínio funcional mais amplo - marcação discursiva interacional (MDI) e marcação de segunda pessoa do discurso (MP2), respectivamente. Esses domínios mais amplos, por sua vez, se interseccionam com um terceiro domínio - manipulação deôntica (MapD), de modo que essa intersecção tem reflexos nos fenômenos variáveis que codificam cada um dos domínios funcionais menores.

Domínio social

A ideia de domínio social proposta neste trabalho remete aos significados sociais potencialmente expressos pelas variáveis e se ancora fortemente em discussões da Sociolinguística Variacionista em diálogo com a Antropologia Linguística, que caracterizam os estudos variacionistas de terceira onda.

De modo geral, o sistema linguístico comporta três dimensões de significação: a semântica, a pragmática e a sociolinguística, sendo esta última a dimensão que se ocupa do significado social (Eckert, 2019Eckert, P. (2019). The limits of meaning: Social indexicality, variation, and the cline of interiority. Language, 95(4), 751-776. https://doi.org/10.1353/lan.2019.0072.
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). Em termos de funcionamento, os significados sociais têm três propriedades (Eckert, 2008Eckert, P. (2008). Variation and the indexical field. Journal of Sociolinguistics, 12(4), 453-476. https://doi.org/10.1111/j.1467-9841.2008.00374.x.
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): (i) são implícitos - as variáveis podem indiciar uma variedade de informações sobre os falantes, em termos de identidade, atitude e ideologia (Hernández-Campoy, 2016Hernández-Campoy. (2016). Sociolinguistic styles. Wiley-Blackwell.) sem expressá-las explicitamente; (ii) são subespecificados - essas informações podem ser indiciadas a partir de uma única forma linguística; e (iii) são combinados - um significado social não é estabelecido isoladamente, mas sim através da relação deste com outros significados, que são continuamente (re)construídos, (re)negociados e (re)combinados, via processo de bricolagem, durante a prática estilística.

Considerando tais propriedades, os significados sociais não devem ser compreendidos a partir de uma noção de estabilidade, mas de dinamicidade e fluidez, uma vez que as informações ou traços sociais que eles expressam são múltiplos e refletem o modo como os sujeitos se identificam e são identificados no mundo social. Essa identificação não é dada a priori, mas transita entre categorias de natureza macrossocial e sociodemográfica - que envolvem desde as mais estáticas (como raça/etnia, sexo, local de origem) até as mais fluidas (como nível socioeconômico, grau de escolaridade, faixa etária); e de natureza microssocial - que comportam categorias estabelecidas localmente (como filiação e pertencimento a grupos sociais) ou individualmente (como postura/stance e construção de personas).

Embora haja uma volatilidade envolvida na construção dos significados sociais, é importante destacar que eles estão sensíveis a alguma forma de padronização, diretamente relacionada à difusão e propagação da variação e dos significados que as variáveis veiculam - o que remete à noção de agência e de habitus, conforme já mencionado. Além disso, quando um sujeito estabelece uma relação entre uma forma linguística e um significado social há sempre motivações ideológicas imbricadas e tais motivações estão circunscritas em relações de poder, as quais estão relacionadas ao modo em que mundo social está estruturado (Blommaert, 2005Blommaert, J. (2005). Discourse: A critical introduction. Cambridge University Press (Key Topics in Sociolinguistics). https://doi.org/10.1017/CBO9780511610295.
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).

Pelo exposto e admitindo que a construção das identidades dos sujeitos que usam a língua é forjada no jogo entre aquilo que é da ordem das macrocategorias e aquilo que é da ordem da agência (comportamentos e escolhas individuais) (Bell, 2016Bell, A. (2016). Succeding waves: Seeking sociolinguistics theory for the twenty-first century. In N. Coupland (Ed.), Sociolinguistics: theoretical debates (pp. 391-416). Cambridge University Press. ) - embora consideremos que mesmo na estrutura social é possível haver uma certa agentividade -, assumimos que o domínio social proposto aqui é amplo, múltiplo e dinâmico e abriga diferentes camadas de significado social que podem coexistir, se sobrepor, se articular e se organizar de forma dialética. Esse design de domínio social abriga ainda a ideia de gradiência de agentividade, que pode envolver mais/menos agência e isso está correlacionado ao fato de as variáveis indiciarem significados mais/menos individuais. A ideia de camadas e de gradiência remete tanto a ordens de indicialidade de significados sociais (Silverstein, 2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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), como a construção de identidades que integra, dialeticamente, níveis globais, locais e individuais (Kiesling, 2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.).

Ainda no que se refere à noção de domínio social, durante o processo de construção conceitual do termo, nos deparamos com dois questionamentos: (1) Que significados sociais compõem o domínio social? (2) Como tais significados se organizam e interagem dentro desse domínio? Em resposta ao questionamento (1), buscamos elucidar a concepção de domínio social aqui proposta por meio da Figura 2, que comporta diferentes camadas de significado: uma relacionada a macrocategorias, que integra categorias sociais (como ser mulher, ser homem, ser escolarizado, ser jovem) e demográficas (lugar de origem); outra associada às relações que os sujeitos estabelecem com grupos sociais, por meio de filiação, pertencimento ou alinhamento a esses grupos (podendo emergir significados como, por exemplo, ser manezinho, ser manauara, ser funqueiro, ser feminista, ser da comunidade LGBT+ etc.); e outra ligada aos comportamentos individuais (stance/posturas ou personas) que esses sujeitos assumem frente às categorias mais amplas ou grupos sociais dos quais fazem parte (como ser cordial, amigável, respeitoso, diva gay etc.).

Figura 2
Representação do domínio social

Note-se, conforme a Figura 2, que embora a disposição das camadas de significação social remeta a uma noção de hierarquia, assumimos que os potenciais significados que integram essas camadas não emergem de modo linear e unidirecional, isto é, seguindo necessariamente uma trajetória macro > micro ou social > individual. A depender do fenômeno em análise, a relação dialética entre as camadas de significação pode se dar tanto do macro para o micro quanto do micro para o macro. Essa ideia de bidirecionalidade se estende também às escalas de agentividade uma vez que estão diretamente correlacionadas à emergência desses significados.

Em resposta ao questionamento (2), entendemos que, dentro do domínio, há uma gama de significados que, potencialmente, podem ser acionados a depender do fenômeno em jogo, podendo inclusive se sobrepor, e que estão organizados em camadas de significado social não excludentes entre si, mas que podem ganhar mais ou menos relevo no uso.

Isso ocorre na prática estilística, já que é nessa instância que, performativamente, personas são criadas, “uma autoapresentação que assume significado na e com relação à paisagem sociossemiótica” (Eckert, 2019Eckert, P. (2019). The limits of meaning: Social indexicality, variation, and the cline of interiority. Language, 95(4), 751-776. https://doi.org/10.1353/lan.2019.0072.
https://doi.org/10.1353/lan.2019.0072...
, p. 753). Estamos considerando, portanto, que é na prática estilística - que se dá na interação e é permeada pelos aspectos sócio-históricos/culturais que integram os sujeitos e pelas ideologias que lhes atravessam - que se estabelecem, são pinçados e interagem os diversos significados sociais potenciais do domínio social. Tais significados podem se convencionalizar, ainda que temporariamente, já que o sujeito (agentivo) pode constantemente remoldar e ressignificar significados convencionalizados.

Sendo assim, somente na prática estilística e considerando o contexto sócio-histórico e as ideologias envolvidas no jogo comunicativo entre os sujeitos que interagem durante a performance é que é possível que se estabeleça, por exemplo, o significado de “ser jovem” em dada paisagem social, que pode envolver aspectos das diferentes camadas apontadas no domínio. Se por um lado, “ser jovem” está ligado à noção de macrocategorias por conta do recorte etário, por outro, também envolve um movimento de pertencimento e aderência a um grupo, bem como pode envolver determinadas posturas individuais e a construção de personas ou tipos sociais mais fixos. Assumimos com Kiesling (2013Kiesling, S. F. (2013). Constructing identity. In J. Chambers, & N. Schilling (Eds.), The handbook of language variation and change (pp. 448-467) (2. ed.). Blackwell.) que, ainda que o olhar para as macrocategorias sociais seja o primeiro passo para encontrar explicações para a mudança linguística, o olhar mais profundo, que considera o pano de fundo histórico e social, as ideologias mobilizadas pelos sujeitos e o uso linguístico no momento da interação, também precisa ser considerado nos estudos variacionistas e para o estabelecimento dos significados sociais.

5. Uma proposta de integração dos domínios funcional e social

Este texto vem sendo construído em torno de questionamentos que enfatizam a dimensão social no sociofuncionalismo, e colocando em pauta as complexas noções de domínio funcional e domínio social. Nesta seção, sintetizamos na Figura 3 as discussões da seção precedente na representação do que estamos denominando de modelo sociofuncional, que articula os domínios funcional e social e mostra a emergência de um domínio sociofuncional.

Figura 3
Representação do modelo sociofuncional

Naturalmente tal representação tem um caráter bastante geral e os espaços ocupados por cada domínio são fluidos e dependentes dos fenômenos analisados, podendo haver casos em que o domínio funcional ocupa uma dimensão maior e outros casos em que o domínio social pode se expandir mais. Do mesmo modo, as intersecções interdomínios podem se dar em diferentes níveis, conforme representados nas Figuras 1 e 2. Buscamos ilustrar o funcionamento desse modelo nas subseções a seguir, que tratam, respectivamente, de requisitos de apoio discursivo (RAD) e referência passada ao interlocutor (RPI).

Requisitos de apoio discursivo

Um dos subgrupos dos MDs que reúne itens com atuações interacionais e que tem sido denominado de requisitos de apoio discursivo (RADs) é o que trazemos, nesta seção, para o foco de nossas discussões sobre a articulação entre os domínios funcional e social, revisitando a pesquisa de Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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).

Visando entender as camadas de significação social que são acionadas na discussão sobre os RADs e que contribuem para tecer a articulação entre domínios, cabe contextualizar o cenário social em questão, o Bairro da Barra da Lagoa: comunidade pesqueira na região leste de Florianópolis-SC, que até a década de 1980 manteve-se bastante isolada por conta das precárias condições das estradas e dos acidentes geográficos característicos da região. Com a melhoria do acesso, o bairro praieiro passa a receber grande fluxo turístico sazonal e também representativa quantidade de novos moradores, vindos principalmente do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) analisou 1.610 dados, em 30 entrevistas, com cerca de uma hora de gravação cada, da Amostra Brescancini-Valle (2001-2010), projetada para abordar questões sobre a história do bairro, modos de vida, cultura e identidade local, movimentos migratórios e turismo.

Comumente, itens de natureza diversa têm sido incluídos no grupo dos RADs, tais como né? tá? sabe? entendeu? viu? não é mesmo? (Macedo & Silva, 1996Macedo, A., Silva, & G. M. de O. (1996). Análise sociolinguística de alguns marcadores conversacionais. In A. Macedo, C. Roncarati, & M. C. Mollica (Eds.), Variação e discurso (pp. 11-49). Tempo Brasileiro.). Em sua pesquisa, Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) faz um recorte e analisa os itens sabe?, sabes?, entende?, entendeu?, (en)tendesse, tá entendendo? e tás entendendo?, por conta: (i) do compartilhamento de funções e contextos de uso; (ii) da unidade conceptual e a classe gramatical de origem desses itens; (iii) da relevância de alguns deles para a comunidade em que foram investigados; e (iv) da frequência de uso.

Em diferentes línguas românicas, e também no inglês, verbos de cognição que envolvem processos mentais têm sido eleitos pelos falantes para atuarem como RADs (Sweetser, 1990Sweetser, E. (1990). From etymology to pragmatics: Metaphorical and cultural aspects of semantic structure. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511620904.
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) e, nessa mesma direção, os verbos saber e entender têm sido usados no Brasil. Tais verbos, que em sua origem carregavam significados mais relacionados a experiências mais concretas (sapere - ter gosto de, ter cheiro de; intendere - estender em certa direção, dirigir-se a), começam a trilhar caminhos semelhantes a partir de abstratização em direção a significados que envolvem processamento mental e percepção.

Dentro do domínio mais amplo de referência ao interlocutor, tais verbos, sob o escopo da marcação de segunda pessoa do discurso (MP2), mais especificamente no subdomínio da referência verbal ao interlocutor (RVI), iniciam sua trajetória de mudança no direcional verbos>RADs. Nessa fase, paralelemente ao significado referencial dos verbos de cognição, já estaria acionado um domínio social, sobreposto ao funcional, para algumas formas específicas: (i) na conjugação verbal de segunda pessoa do singular do pretérito perfeito (entendesse), no microdomínio funcional da referência passada ao interlocutor (RPI), quando assume traço de assimilação que é característico da região da grande Florianópolis; e (ii) na segunda pessoa do singular do presente do indicativo (sabes, entendes, tás entendendo), no microdomínio funcional da referência presente (RPrl), frequentemente com pronúncia palatalizada. Essas formas específicas assumem, dentro do domínio social, significado ligado à macrocategoria local de origem (Florianópolis), além de poderem também acumular significado ligado a movimento de aderência/pertencimento a grupo local (dos manezinhos da Ilha).

Sugere-se que o processo de mudança verbo>RAD tenha tomado força em contextos plenamente interrogativos em atos de fala diretivos, como: Sabe onde é o prédio da Reitoria?/Entendeu o que eu falei? (Valle, 2001Valle, C. R. M. (2001). Sabe? ~ não tem? ~ entende?: itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/79992
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). Nesse ponto, sob o escopo da manipulação deôntica (MapD), mais especificamente no subdomínio funcional da interrogação (Int), as formas entendesse, sabes, entendes e tás entendendo continuam articulando os significados já mencionados no domínio social.

Mais adiante no processo de gramaticalização, ao entrarem no domínio funcional da marcação discursiva interacional (MDI), mais especificamente no subdomínio funcional da requisição de apoio discursivo, os RADs atuam colocando foco em diferentes partes do discurso, cumprindo com objetivos pragmáticos relacionados ao estabelecimento do contato com o interlocutor e contribuindo para a organização textual/discursiva (Valle, 2001Valle, C. R. M. (2001). Sabe? ~ não tem? ~ entende?: itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/79992
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; 2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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). Para ilustrar, no exemplo a seguir, diante da suposição equivocada da entrevistadora de que o peixe estaria sumindo, a entrevistada faz uso de sabes?, dando ênfase a uma informação que nega esse suposto fato, logo depois esclarecendo a situação.

(1) E: Por que que tá sumindo o peixe?

F: Não, o peixe não tá sumindo, SABES? é época, né? que (hes) agora foi uma época de tainha deu bastante tainha, então agora tá parando, agora vai terminar a tainha, já vem outra pescaria (est) vem a brota, vem a corvina. (BARRA34FB0:Faixa7-01:04)

Como RADs, as atuações dentro do domínio social se potencializam e se expandem. Pesquisadores têm mostrado que há forte correlação entre MDs e identidade de grupo. Bucholtz (2009Bucholtz, M. (2009). From stance to style: Gender, interaction, and indexicality in Mexican immigrant youth slang. In A. Jaffe (Ed.), Stance: Sociolinguistic perspectives (pp. 146-170). Oxford University Press.), por exemplo, conclui que o uso de güey (cara) entre rapazes mexicanos não está somente associado a um comportamento de sexo/gênero ou à construção de uma identidade masculina, como outros trabalhos afirmaram. Associado a outros recursos semióticos como a prosódia, o gesto, a postura, o vestuário, o interesse por certos tópicos discursivos e por certos bens de consumo (como celulares e câmeras), güey é usado pelos jovens mexicanos para algo maior: “estabelecer status e solidariedade em relação ao seu grupo social” (p. 165).

Na Barra da Lagoa, os RADs assumem significação relacionada às macrocategorias faixa etária e região de origem, sendo, em geral, mais usados entre jovens (jovens - 53%; meia idade - 33%; mais velhos - 14%), e alguns deles (entendesse?, sabes? e tás entendendo?12 12 Valle (2014) encontrou apenas 11 ocorrências de entendes? como RAD. ) são reconhecidos como marca do falar do nativo de Florianópolis e região (Valle, 2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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).

Para além disso, com a abertura para o turismo e novos moradores, Florianópolis e especialmente as comunidades por muito tempo isoladas, como a Barra da Lagoa, se veem às voltas com conflitos que emergem do cenário migratório do início do século XXI. Ganha força a cultura local e, se antes “ser manezinho” era xingamento, passa a ser bandeira de valorização autóctone. Por conta desse rearranjo social, entendesse?, em conformidade com a noção de indicialidade (Silverstein, 2003Silverstein, M. (2003). Indexical order and dialectics of sociolinguistic life. Language & communication, 23, 193-229. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0271530903000132.
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), ora é tomado como índice de primeira ordem que indicia membros em uma comunidade, ora é tomado como índice de segunda ordem, já que, associado à avaliação social da comunidade e usado para expressar o posicionamento dos indivíduos sobre a valorização de uma cultura local, adquire um componente ideológico. Tal fato é evidenciado: (i) pelo uso frequente desse item em páginas de mídias sociais, notícias, propagandas e por personagens estereotipados para identificar a fala local; (ii) pelos resultados da pesquisa de Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) que verifica que o uso dos RADs é altamente favorecido entre os falantes com maior grau de identificação com o local.

Essa nova camada de significação de entendesse?, ligada a relações de filiação/pertencimento a grupo local e pinçada do domínio social, é bem ilustrada no trecho abaixo, em que o RAD é usado quando entra em jogo temática polêmica relacionada à vinda de novos moradores, instaurando-se momento de cumplicidade entre entrevistadora e entrevistada que se conhecem e são nativas da região.

(2) Mas assim esse povo que vem, que vem e que finca a:: a sua raiz aqui... eu acho que é um povo::... mais difícil de se trabalhar porque ele acaba descaracterizando o teu ambiente (est)... SABE? é u (hes)...tipo a Barra como tem gaúcho, é tonelada de- nunca vi tanto (est)... e tu percebe isso quando tu pega ônibus Carla... sendo da/ daqui... tu percebe.. é só tu... ou tu ou mais um... TENDESSE? é difícil tu encontrar daqui... os demais são pessoas de fora que vem, que vão parando nessas paradas, que vão entrando nessas ruas (est)... povo que mora aí (BARRA 09FJS-45:58; 46:13)

Ademais, Valle (2014Valle, C. R. M. (2014). Multifuncionalidade, mudança e variação de marcadores discursivos derivados de verbos cognitivos: forças semântico-pragmáticas, estilísticas e identitárias em competição. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/130926
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) ressalta que entendesse? tem o potencial de caracterizar indivíduos, sendo usado na construção de personas que emblematicamente representam o nativo florianopolitano, como é o caso do personagem Darci, interpretado pelo ator e cantor Moriel Costa em shows de stand up comedy, e das animações produzidas pela loja Dezarranjo Ilhéu, para a divulgação de seus produtos.

Cabe notar que a aderência do significado social de afiliação/pertencimento a grupo local tem papel determinante na aceleração do processo de gramaticalização de entendesse? que, diferente das demais formas ligadas ao verbo entender, está em estágio mais avançado no processo de mudança, dividindo com sabe? os usos mais inovadores. Tal fato evidencia a pertinência da construção do domínio social e da articulação entre domínios que promovemos no presente artigo.

Referência passada ao interlocutor

Além de requisição de apoio discursivo (RAD), o (macro)domínio funcional de referência ao interlocutor integra também o (sub)domínio de referência passada ao interlocutor (RPI), que pode ser codificado pela macroforma -STE; e é a partir dela que aplicamos à RPI o modelo de domínio sociofuncional proposto neste artigo.

A pesquisa de Amaral (2020Amaral, K. (2020). Emergência de usos, variação e identidade: o caso de {-STE} na página Tal Qual Dublagens. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216147.
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), que se trata de uma etnografia virtual realizada entre 2018 e 2020, dedicou-se à análise dessa macroforma a partir de dados gerados de posts e comentários de uma comunidade de práticas não prototípica, estabelecida na dimensão on-line: a página Tal Qual Dublagens.

Trata-se de uma página da Internet criada pelo humorista manauara Gustavo Libório, que surge primeiramente como canal no Youtube, em 2011, sendo depois expandida para o Facebook (no mesmo ano) e para posteriormente o Instagram (em 2013). Tanto na produção de seus conteúdos (vídeos, dublagens e posts) quanto na interação direta com seus seguidores, Gustavo usa uma linguagem que reflete seus próprios traços linguísticos de identificação social, como por exemplo, algumas expressões consideradas típicas do amazonense - já mesmo, até o tucupi, até o talo (Freire, 2011Freire, S. (2011). Amazonês: Expressões e termos utilizados no Amazonas. Valer. ), haja vista sua naturalidade manauara; e algumas expressões do dialeto bajubá/pajubá - fazer a chuca, viado, boy (Silva Filho & Palheta, 2008Silva Filho, M. R., & Palheta, S. P. (2008). Ser ou não ser? Os gays em questão: uma leitura antropológica das gírias utilizadas pelos homossexuais de Belém-Pa. CD Virtual da 26ª RBA, Porto Seguro-BA, UFBA. ; Barroso, 2017Barroso, R. (2017). Pajubá: o código linguístico da comunidade LGBT. Dissertação (Mestrado em Letras e Artes). Universidade do Estado do Amazonas. http://repositorioinstitucional.uea.edu.br//handle/riuea/1945.
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), considerando sua orientação sexual (homossexual autodeclarado).

Em relação aos seguidores da página, com base na etnografia realizada no seu perfil no Instagram, verificou-se que uma parcela significativa desses sujeitos é natural dos estados do Amazonas ou do Pará, mais especificamente dos municípios de Manaus e Belém respectivamente. Somado a esse traço sociodemográfico em comum, tais sujeitos são, em sua maioria, homens homossexuais e mulheres heterossexuais que estão em contato com o universo gay, o que implica mais um traço social compartilhado com o criador da página: a orientação sexual; ou, no caso das mulheres, um alinhamento a esse universo.

No que se refere a aspectos gramaticais do fenômeno linguístico, o uso canônico de -STE está relacionado, de um modo geral, à seguinte configuração: P2 sujeito tu e verbo no pretérito perfeito do indicativo (PP), como se pode observar em (3) “Mana, tu arrasaSTE”13 13 Os dados apresentados nesta seção foram extraídos da página Tal Qual Dublagens no Instagram (www.instagram/talqualoficial). . Note-se que -STE correferencia tanto P2 e sujeito tu, que estão no escopo da desinência número-pessoal (DNP), quanto PP e Ø, que dizem respeito à desinência modo-temporal (DMT). Nessas condições, em que o item aparece numa configuração verbal canônica (podendo se realizar com alterações fonético-fonológicas), a referida macroforma assume a categoria de sufixo flexional e desempenha a função comunicativa prototípica de RPI.

Ao analisar os 1.049 dados que compõem sua amostra, Amaral (2020Amaral, K. (2020). Emergência de usos, variação e identidade: o caso de {-STE} na página Tal Qual Dublagens. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216147.
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) verificou a existência de treze formas alternativas de realização de -STE (-ste, -stes, -stez, steys, stesh, -stis, -stex, -rte, -rtes, -rtis, -rtex, -rtix, -rtyx)14 14 Amaral (2016) e Vasconcelos (2017) evidenciam que a troca de -s por -r constitui um traço característico da variedade manauara, como ocorre com as formas -rte, -rtes, -rtis, -rtex, -rtix, -rtyx. Como, em alguma medida, a comunidade Tal Qual Dublagens integra a comunidade de fala manauara, entende-se que esse significado é retido no campo indicial de -STE. e a emergência e expansão de novos usos a partir do uso canônico, considerando os fatores (i) base contextual a que -STE pode ser agregada, (ii) categoria morfológica do segmento e (iii) função/significação.

Essa expansão consiste em um processo gradual que configura um deslizamento na relação forma/função. Nesse sentido, enquanto pressões morfossintáticas, semântico-pragmáticas e socialmente simbólicas atuam - responsáveis pela quebra de regras que normatizam o uso canônico de -STE -, emergem novas configurações gramaticais, além da canônica, que envolvem três novas bases contextuais: verbal não canônica, não verbal e palavras de origem estrangeira, como em (4) “Hahahahahah amava te veRTES no bbbestes @anapaularenault”, (5) “PorqueSTE eu amo mittos,e adolo tia apertarrerme,..” e (6) “OkeSTE bb”, respectivamente.

Paralelamente a isso, a categoria gramatical de sufixo flexional vai sendo gradativamente atenuada, desencadeando também o enfraquecimento da funcionalidade prototípica de -STE (RPI). Enquanto isso acontece, o item passa a assumir duas novas categorias gramaticais - espécie de sufixo derivacional e espécie de clítico, como em (4) e (5) respectivamente - e a desempenhar outra função concomitantemente à função prototípica. Essa nova função está associada aos significados sociais que -STE indicia e, portanto, atua no escopo de um domínio social (cf. Subseção 4.2).

O uso de -STE em configuração gramatical canônica, sobretudo quando a forma standard -ste é realizada, sinaliza uma situação de marcação de concordância padrão - a qual carrega traços sociais e estilísticos, tais como: prestígio, formalidade e alta escolaridade; e sociodemográfico: local de origem, conforme Scherre et al. (2015Scherre, M. M. P. et al. (2015). Variação dos pronomes Tu e você. In M. Martins, & J. Abraçado (Eds.), Mapeamento sociolinguístico do português brasileiro (pp. 133-172). Contexto. ), em relação ao falar amazonense, especialmente de Manaus. Entretanto, os dados gerados nessa pesquisa são produzidos em um ambiente virtual, em que se pressupõe a preferência por uma linguagem mais informal e coloquial, o que revela uma certa dissonância em relação ao contexto de uso convencionalmente previsto para -STE. Nesse sentido, esse tipo de uso na Tal Qual Dublagens, em alguma medida, já se configura como inovador.

Essa inovação parte de um único indivíduo, o criador da página, popularmente conhecido como titia Tal Qual, persona construída para interação com seu público; seus seguidores aderem às regras envolvidas no seu funcionamento e então o uso de -STE é propagado ao longo da comunidade e expandido para diferentes bases contextuais. Nessas condições, observa-se que, mesmo que, de um ponto de vista amplo, o uso canônico de -STE remeta a macrocategorias - como grau de escolaridade e local de origem -, entendidas aqui como uma camada de significados globais, ele se configura como um dos traços linguísticos que constitui a persona titia Tal Qual. Desse modo, o significado de -STE indiciado pelos usos dessa persona reflete um comportamento que o indivíduo assume frente às instâncias macrossociais em que está inserido, o que remete a uma segunda camada de significação social. Nesse contexto, -STE é entendido tanto como índice de primeira ordem, já que está associado a categorias globais de identificação, quanto como índice de segunda ordem, uma vez que indicia significados individuais que identificam e diferenciam Gustavo, enquanto titia Tal Qual, em nível microssocial.

Além disso, parece haver mais uma camada de significado social indiciada pela macroforma, a qual remete a relações de grupo - tanto grupo regional, no caso da associação do uso de -STE a “ser amazonense”, ou mais especificamente “ser manaura”, quanto grupo social, no caso do uso da macroforma estar associado à comunidade Tal Qual Dublagens e à comunidade LGBT+ (cf. Barroso, 2017Barroso, R. (2017). Pajubá: o código linguístico da comunidade LGBT. Dissertação (Mestrado em Letras e Artes). Universidade do Estado do Amazonas. http://repositorioinstitucional.uea.edu.br//handle/riuea/1945.
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)15 15 Apesar de a naturalidade manauara e a orientação sexual à homossexualidade e o pertencimento/alinhamento à comunidade LGBT+ serem características em comum de uma parcela significativa dos membros da comunidade, é importante considerar que nem todos vão compartilhar esses mesmos traços. . Ao indiciar significados de grupo, o uso de -STE revela um grau de engajamento ideológico mais acentuado em relação à camada de comportamentos (ou significados) individuais, o que significa que na camada de relações de grupo a forma também expressa indicialidade de segunda ordem.

Para a proposta delineada neste artigo, assumimos que as três camadas de significado social explicitadas acima e o significado semântico pragmático (RPI) são simultaneamente indiciados por -STE, de modo que esses significados se articulam e interagem no escopo de um domínio sociofuncional. Entretanto, a depender, sobretudo da base contextual a que -STE se agrega, uma das dimensões (funcional ou social) terá mais relevo.

Na base verbal canônica, juntamente com a função comunicativa prototípica, -STE já indicia as três camadas de significado social; no entanto, os significados que integram as camadas de relações de grupo e de comportamentos individuas mostram-se menos salientes do que o significado social referente a macrocategorias e o significado semântico-pragmático de -STE. Nesse tipo de base contextual, a instância de significação funcional/semântico-pragmática parece ser ligeiramente mais proeminente que a social, uma vez que nem todos os significados que constituem o domínio social de -STE parecem ser claramente percebidos pelos sujeitos. Por outro lado, quando se trata das bases inovadoras (isto é, base verbal não canônica, não verbal e palavras de origem estrangeira), as camadas de significado social passam a ser mais salientes, já que não expressam somente características sociais dos sujeitos, mas também suas ideologias. Sendo assim, nesses tipos de base contextual, a dimensão social ganha mais relevo e proeminência, enquanto a funcional é atenuada, esmaecida.

6. Considerações finais

As reflexões neste artigo foram desenvolvidas a partir da constatação de que estudos sociofuncionalistas que articulam pressupostos da Sociolinguística Variacionista e do Funcionalismo de vertente norte-americana pouco têm explorado a dimensão social da interface, privilegiando a dimensão funcional com foco em mecanismos de natureza cognitivo-comunicativa e em motivações basicamente semântico-pragmáticas de fenômenos em mudança e variação e sua relação com o processo de gramaticalização. Em vista disso, buscamos colocar mais luz na dimensão social do sociofuncionalismo, considerando o redimensionamento do significado social verificado em estudos de terceira onda variacionista, de modo a aproximar a dimensão social da dimensão funcional já mais bem estabelecida na interface. Para levar a cabo essa empreitada, (i) buscamos tratar articuladamente o(s) significado(s) semântico-pragmático(s) e o(s) significado(s) social(is) de usos linguísticos a partir das noções de domínio funcional e domínio social, vistos como multicamadas imbricadas; (ii) apresentamos designs ilustrativos de ambos os domínios; (iii) propusemos um modelo de domínio sociofuncional; e (iv) mostramos sua aplicabilidade em breve análise de dois fenômenos linguísticos - a requisição de apoio discurso (RAD) e a referência passada ao interlocutor (RPI).

Os domínios funcionais apresentam um caráter superordenado, são multidimensionais, inter-relacionados e escalares, de sorte que um macrodomínio frequentemente se subdivide em microdomínios, podendo se sobrepor parcialmente em qualquer um desses níveis hierárquicos. Ilustramos, na Figura 1, como o amplo macrodomínio funcional referência ao interlocutor recobre os domínios manipulação deôntica (MapD), marcação de segunda pessoa do discurso (MP2) e marcação discursiva interacional (MDI), e como os dois últimos abrigam, entre outros, os microdomínios requisição de apoio discurso (RAD) e referência passada ao interlocutor (RPI).

Os domínios sociais, por sua vez, apresentam um caráter dinâmico e fluido, embora sensíveis a alguma forma de padronização pela recorrência do uso, e seus traços constitutivos refletem o modo como os sujeitos se identificam e são identificados, o que envolve categorias gradientes que podem coexistir, se sobrepor, se articular e se organizar de forma dialética. Tais categorias são i) de natureza macrossocial e sociodemográfica, desde as mais estáticas (como raça/etnia, sexo, local de origem) até as mais fluidas (como nível socioeconômico, grau de escolaridade, faixa etária); e ii) de natureza microssocial, estabelecidas localmente (como filiação e pertencimento a grupos sociais), ou individualmente (como postura e construção de personas) - todas atravessadas por motivações de natureza ideológica e diferentes graus de agentividade (cf. Figura 2).

Como resultado da articulação dos dois domínios descritos acima, a proposta de domínio sociofuncional é representada na Figura 3. Não se trata de uma representação estanque, uma vez que os espaços ocupados por cada domínio são fluidos e dependentes dos fenômenos analisados, podendo as intersecções interdomínios se dar em diferentes níveis.

Acreditamos ter conseguido avançar nas discussões da área, não só colocando luz na questão do(s) significado(s) social(is) indiciado(s) pelas formas linguísticas - desvelando diferentes camadas, notadamente aqueles significados relacionados a aspectos identitários -, mas também propondo uma prática analítica que integra os diferentes significados no escopo de um complexo domínio sociofuncional. Como novos desafios, consideramos, entre outros, a necessidade de fortalecer a prática analítica aqui apresentada, i) estendendo a aplicação do modelo a outros fenômenos linguísticos sensíveis a fatores socioestilísticos; ii) atentando para a multiplicidade dos significados que podem se apresentar em multicamadas na língua em uso; e iii) agregando aos aspectos sociolinguísticos e antropológicos acionados também aspectos sociológicos.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), na forma de bolsas de mestrado (processo n° 88882.344848/2019-01) e doutorado (processo n° 88887.648615/2021-00) concedidas a Kamilla Oliveira do Amaral.

Referências

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  • Vasconcellos, S. (2017). A interferência dialetal na representação gráfica de fricativas na escrita de manauaras. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Letras). Universidade do Estado do Amazonas.
  • 4
    Sob rótulo “sociofuncionalismo”, podemos encontrar trabalhos que associam aspectos sociolinguísticos a outras perspectivas funcionais, como a sistêmico-funcional ou a discursivo-funcional, que não abordaremos aqui. Além disso, tem-se observado, atualmente, uma tendência à aproximação entre o Funcionalismo de linha norte-americana e a Linguística Cognitiva, especialmente com foco no tratamento de construções, em busca de padrões abstratos de esquemas construcionais (cf. Traugott & Trousdale, 2013Valle, C. R. M. (2001). Sabe? ~ não tem? ~ entende?: itens de origem verbal em variação como requisitos de apoio discursivo. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/79992
    https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
    ; Bybee, 2010Bybee, J. (2010). Language, usage and cognition. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511750526
    https://doi.org/10.1017/CBO9780511750526...
    ; entre outros).
  • 5
    O princípio da estratificação prevê que na língua novas camadas/formas estão continuamente emergindo dentro de um domínio funcional, sem que as camadas mais antigas sejam necessariamente descartadas.
  • 6
    Importante registrar que um dos trabalhos que inicialmente discutiu a interface sociolinguística/gramaticalização no Brasil é o de Naro e Braga (2000Naro, A. J., & Braga, M. L. (2000). A interface sociolinguística/gramaticalização. Gragoatá, 9, 125-134. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/49042.
    https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
    ).
  • 7
    As traduções ao longo do texto são livres e de responsabilidade nossa.
  • 8
    Uma discussão detalhada sobre a dimensão interpessoal da linguagem na variação e na gramaticalização pode ser conferida em Görski e Valle (2020Görski, E. M., & Valle, C. R. M. (2020). A dimensão interpessoal da linguagem na variação e na gramaticalização. Revista Investigações, 33(2), 1-28. https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/view/247412/37395.
    https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/...
    ).
  • 9
    Gramaticalização entendida como “a mudança pela qual itens lexicais e construções passam em certos contextos a desempenhar funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais” (Hopper & Traugott, 2003Hopper, P., & Traugott, E. (2003). Grammaticalization. 2. ed. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9781139165525.
    https://doi.org/10.1017/CBO9781139165525...
    , xiii).
  • 10
    O fenômeno da indexicality, proposto por C. S. Peirce como a propriedade referente aos signos classificados por ele como indexes (índices), i.e., signos que são reativos ou causais aos objetos (referentes) que representam, tem sido variavelmente traduzido no campo sociolinguístico em português por indicialidade e indexicalidade. O verbo “to index” tem sido traduzido pelo campo como ‘indexar’, ‘indiciar’ ou ‘indexicalizar’. Já que o português dispõe do verbo ‘indiciar’, fizemos opções por este último, bem como pelos termos ‘indicialidade’ e ‘indicial’.
  • 11
    A macroforma -STE recobre diferentes formas de realização desse segmento (-ste, -stes, -rte, entre outras), conforme detalhado adiante.
  • 12
    Valle (2014Vasconcellos, S. (2017). A interferência dialetal na representação gráfica de fricativas na escrita de manauaras. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Letras). Universidade do Estado do Amazonas.) encontrou apenas 11 ocorrências de entendes? como RAD.
  • 13
    Os dados apresentados nesta seção foram extraídos da página Tal Qual Dublagens no Instagram (www.instagram/talqualoficial).
  • 14
    Amaral (2016Amaral, K. (2016). Enfraquecimento das fricativas na fala manaura retratado na página Tal Qual Dublagens. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Letras). Universidade do Estado do Amazonas.) e Vasconcelos (2017Vasconcellos, S. (2017). A interferência dialetal na representação gráfica de fricativas na escrita de manauaras. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Letras). Universidade do Estado do Amazonas.) evidenciam que a troca de -s por -r constitui um traço característico da variedade manauara, como ocorre com as formas -rte, -rtes, -rtis, -rtex, -rtix, -rtyx. Como, em alguma medida, a comunidade Tal Qual Dublagens integra a comunidade de fala manauara, entende-se que esse significado é retido no campo indicial de -STE.
  • 15
    Apesar de a naturalidade manauara e a orientação sexual à homossexualidade e o pertencimento/alinhamento à comunidade LGBT+ serem características em comum de uma parcela significativa dos membros da comunidade, é importante considerar que nem todos vão compartilhar esses mesmos traços.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2021
  • Aceito
    17 Dez 2021
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