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As construções de movimento causado e ditransitiva: elos de polissemia

The caused-motion and the ditransitive constructions: polysemy links

RESUMO

Este trabalho compara duas construções de estrutura argumental do Português Brasileiro - as construções de movimento causado e ditransitiva - para investigar seus elos de polissemia, com base em aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos que elas possam compartilhar. Segundo Goldberg (1995), as construções tipicamente se associam a uma família de sentidos distintos mas relacionados, formando uma rede inter-relacionada. Esse parece ser o caso das construções focalizadas aqui. A análise de instâncias reais dessas construções mostrou que elas compartilham o mesmo padrão sintático, embora tenham significados diferentes.

Palavras-chave:
Construção de movimento causado; Construção Ditransitiva: Polissemia; Gramática de Construções

ABSTRACT

This work compares two argument structure constructions in Brazilian Portuguese - the caused-motion construction and the ditransitive construction - in order to investigate their links of polysemy, based on shared syntactic, semantic and pragmatic aspects. According to Goldberg (1995), constructions are typically associated with a family of distinct but related senses, forming an interrelated network. This seems to be the case of the constructions investigated here. The analysis of real instances of these constructions shows that they share the same syntactic pattern, although they differ in meaning.

Key-words:
Caused-motion construction; Ditransitive construction: Polysemy; Construction Grammar

1. Considerações iniciais

Uma tese central da Gramática de Construções, tal como formulada por Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), é que as orações simples são instâncias de construções de estrutura argumental, pareamentos de forma-significado que não dependem de verbos particulares. Isso quer dizer que as próprias construções têm significado, independentemente das palavras que as constituem. Esse entendimento é compartilhado por diferentes linguistas que adotam a abordagem construcional. As construções de estrutura argumental, que expressam cenas dinâmicas do mundo biossocial, são uma subclasse especial de construção que fornece os meios de expressão oracional em uma língua.

Com base nos pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Funcional Centrada no Uso (ver Furtado da Cunha, Bispo & Silva 2013FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; Edvaldo Balduino Bispo & José Romerito Silva. 2013. Linguística funcional centrada no uso: conceitos básicos e categorias analíticas. In: Maria Maura Cezario & Maria Angélica Furtado da Cunha (orgs.). Linguística centrada no uso: uma homenagem a Mário Martelotta. Rio de Janeiro: Mauad X/FAPERJ. p. 13-39.) e alinhado à perspectiva da Gramática de Construções, este trabalho examina as instanciações das construções de movimento causado (Coloco os legumes ralados na panela) e ditransitiva (Ele deu o dinheiro a ela) para investigar os elos de polissemia dessas construções, com base em aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos que elas possam compartilhar.1 1 .Naturalmente, esses tipos de oração já foram estudados no Português Brasileiro, mas sob outros enquadres teórico-metodológicos. Ver Corrêa & Cançado 2006; Barreto, Oliveira & Lacerda 2012; Scher 1997; Berlinck 2001, entre outros. De acordo com Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), as construções estão tipicamente relacionadas a uma família de sentidos associados mas distintos, formando uma rede. Este parece ser o caso das construções tratadas aqui. Em termos de metodologia, a fonte dos dados empíricos é o Corpus Discurso & Gramática - a língua falada e escrita na cidade do Natal (Furtado da Cunha 1998FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica (org.). 1998. Corpus Discurso & Gramática - a língua falada e escrita na cidade do Natal. Natal: EDUFRN.), do Rio de Janeiro (Votre & Oliveira 1998aVOTRE, Sebastião Josué & Mariangela Rios de Oliveira (orgs.). 1998a. A Língua Falada e Escrita na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ.) e de Niterói (Votre & Oliveira 1998b_____. 1998b. A Língua Falada e Escrita na Cidade de Niterói. Niterói: UFF.). Foram examinados dois tipos textuais: narrativas e relatos de procedimento, produzidos por estudantes do ensino médio e universitários. A análise conjuga elementos quantitativos e qualitativos na investigação das construções.

2. Alinhamento teórico

De acordo com a Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU), a gramática é produto da estruturação de aspectos sócio-comunicativos e cognitivos da linguagem (Bybee 2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.). Nessa linha, os usos linguísticos resultam de modelos convencionalizados com base na interface linguagem, cognição e ambiente sócio-histórico. A inter-relação dessas três dimensões motiva a fixação de padrões gramaticais, via rotinização, a partir de ambientes interacionais específicos. Sendo assim, a LFCU defende uma relação estreita entre a codificação linguística e o uso que os falantes fazem da língua em situações reais de interação comunicativa. Nesse cenário, a língua é concebida como um sistema adaptativo complexo, uma estrutura plástica, constituída, ao mesmo tempo, de padrões mais ou menos regulares e de outros que emergem, em virtude de necessidades cognitivas e/ou comunicativas (Givón 2001_____. 2001. Syntax, Vol. I. Amsterdam: John Benjamins. ; Bybee 2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.). O sistema linguístico tem uma natureza eminentemente dinâmica, já que surge da adaptação das habilidades cognitivas humanas a eventos de comunicação específicos e se desenvolve com base na repetição ou ritualização desses eventos.

De uma perspectiva sincrônica, o modelo construcionista concebe a língua como sendo constituída de pareamentos de forma-significado, ou construções, organizados em uma rede (Goldberg 2006_____. 2006. Constructions at work. Oxford: Oxford University Press. ; Langacker 2008_____. 2008. Cognitive Grammar: A basic Introduction. New York: Oxford University Press. ). As construções são entendidas como unidades simbólicas convencionais (Langacker 1987LANGACKER, Ronald. 1987. Foundations of cognitive linguistics, Vol. 1: Theoretical Prerequisites. Stanford: Stanford University Press.; Croft 2005_____. 2005. Logical and typological arguments for Radical Construction Grammar. In: Jan-Olan Östman & Mirjam Fried (eds.). Construction Grammars: Cognitive Grounding and Theoretical Extensions. Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins. ): convencionais porque são compartilhadas por um grupo de falantes; simbólicas porque são signos, associações tipicamente arbitrárias de forma e significado; unidades porque algum aspecto do signo é tão idiossincrático (Goldberg 1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) ou tão frequente (Goldberg 2006_____. 2006. Constructions at work. Oxford: Oxford University Press. ) que este é armazenado como um pareamento de forma-significado na mente do usuário da língua.

Formulada no quadro da Linguística Cognitiva, a Gramática de Construções entende que todas as unidades da língua são simbólicas - desde morfemas simples, passando por expressões idiomáticas, estruturas sintáticas (Goldberg 1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press., 2006_____. 2006. Constructions at work. Oxford: Oxford University Press. ), até padrões textuais (Östman & Fried 2005ÖSTMAN, Jan-Olan & Mirjam Fried (eds.). 2005. Construction Grammars: Cognitive Grounding and Theoretical Extensions. Amsterdam/ Philadelphia: John Benjamins.). Logo, o conceito de construção dá conta de um grande número de unidades linguísticas, dispostas num continuum, de modo que a distinção entre elas é gradiente e não discreta.

A construção tem significado próprio, esquemático, parcialmente independente das palavras que a compõem, servindo, pois, como um esquema ou modelo que reúne o que é comum a um conjunto de elementos da mesma natureza (Goldberg 1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.). Nessa definição, significado compreende propriedades semânticas, pragmáticas e/ou discursivo-funcionais relacionadas a uma determinada configuração estrutural, ou seja, todos os aspectos convencionalizados da função da construção, incluindo as particularidades da situação descrita no enunciado, as propriedades do discurso em que este ocorre e o próprio contexto de uso (Croft 2001CROFT, William. 2001. Radical construction grammar: syntactic theory in typological perspective. Oxford: Oxford University Press.).2 2 .Os construcionalistas não distinguem significado codificado (semântico) de significado contextual (pragmático). Embora seja relevante, essa questão não será aprofundada aqui. Para discussão, ver Fried (2010, 2015).

Já que qualquer elemento formal associado diretamente a algum significado é uma construção, a divisão estrita entre léxico e gramática deixa de existir para a LFCU assim como para a Gramática de Construções. Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) esclarece que a diferença entre construções lexicais e construções sintáticas deve-se ao grau de complexidade interna de cada uma delas.

Convém frisar que as construções são esquemas abstratos e convencionais, que se instanciam no uso linguístico por meio de ocorrências específicas. Bybee (2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.) defende a ideia de que a maioria das construções é parcialmente esquemática, com posições vazias que podem ser preenchidas com uma categoria de itens semanticamente definidos.3 3 .Note-se que construções idiomáticas, como tirar o pai da forca, são totalmente especificadas, sem nenhuma posição vazia a ser preenchida. Por outro lado, a autora salienta que as construções geralmente têm algumas partes fixas que são cruciais para o estabelecimento do exemplar prototípico. Nesse sentido, pode-se dizer, com Traugott e Trousdale (2013TRAUGOTT, Elizabeth Closs & Graeme Trousdale. 2013. Constructionalization and constructional changes. Oxford: Oxford University Press.), que a esquematicidade de uma construção linguística diz respeito ao grau em que ela compreende padrões mais gerais através de uma série de construções mais específicas. Assim, as construções de estrutura argumental, organizadas em torno de um determinado tipo sintático-semântico de verbo, formam um grupo de construções abstratas, que se relacionam em uma rede construcional. A proposta de Traugott e Trousdale (2013TRAUGOTT, Elizabeth Closs & Graeme Trousdale. 2013. Constructionalization and constructional changes. Oxford: Oxford University Press.) contempla um sistema hierárquico organizado em três níveis: os esquemas são generalizações de nível mais alto, mais abstrato; os subesquemas, menos esquemáticos do que os esquemas, estão ligados ao significado central da construção; as microconstruções representam tipos individuais de construção. As microconstruções são instanciadas por construtos (tokens), ocorrências empiricamente atestadas, instâncias de uso em uma ocasião particular, produzidas por um falante particular com um propósito comunicativo particular.

3. A Construção de Movimento Causado

Segundo Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press., 2006_____. 2006. Constructions at work. Oxford: Oxford University Press. ), algumas construções de estrutura argumental correspondem aos tipos oracionais mais básicos e, em seu sentido central, codificam situações que são fundamentais à experiência humana, como movimento, transferência, causação, posse, estado ou mudança de estado. Desse modo, os padrões oracionais de uma língua envolvem construções, ou seja, o verbo principal se combina com uma construção de estrutura argumental (intransitiva, transitiva, ditransitiva etc.).

Tomasello (2003TOMASELLO, Michael (ed.). 2003. The new psychology of language, Vol. 2. New Jersey: Lawrence Erlbaum.) se refere à concepção de construções linguísticas como esquemas cognitivos, isto é, procedimentos relativamente automatizados para atingir determinados objetivos comunicativos. Para esse autor, os formatos oracionais são motivados pela cognição humana, por meio do modelo de evento, e pela comunicação, mediante os objetivos e necessidades comunicativas dos interlocutores. A frequência de ocorrência de um dado formato serve para fixá-lo no repertório do falante e torná-lo uma unidade de processamento.

A Construção de Movimento Causado (CMC) é uma construção triargumental cujo significado básico é X causa Y mover-se para Z, codificado como Sujeito Verbo Objeto Direto SPrep. No corpus analisado, foram coletadas 431 instâncias dessa construção, distribuídas em 18 tipos de verbos de deslocamento. O mais recorrente é colocar, com 197 ocorrências, 46% do total de dados. Outros verbos frequentes são responsáveis, em conjunto, por mais 45% das orações: botar (56 ocorrências), levar (54), tirar (39), jogar (27) e pôr (20). Em vista desses números, pode-se dizer que esses são os verbos prototípicos dessa construção, representando 91% dos dados. Veja-se a amostra abaixo:

(1) Descasco os legumes como: cenoura, repolho, beterraba e chuchu. Coloco os legumes ralados na panela com a cebola e o alho dourado. (D&G/Natal, p. 69, escrita)

O verbo colocar perfila três papéis participantes: aquele que coloca, aquilo que é colocado e a localização, que é o alvo da ação. Esses papéis participantes correspondem aos papéis argumentais da CMC - Agente, Tema e Alvo - e, por essa razão, podem fundir-se com eles. Na oração destacada em (1), as funções sintáticas S OD Obl se associam aos papéis semânticos de Agente (∅ = eu), Tema (os legumes ralados) e Alvo (na panela), respectivamente. A correspondência entre a estrutura sintática S OD Obl e a estrutura semântica Agente Tema Alvo define a construção de movimento causado. Desse modo, o sentido da oração é resultado da associação entre o significado da CMC e o significado dos itens lexicais que compõem a oração.

Os verbos triargumentais que a CMC licencia são do tipo semântico de ação-processo (Chafe 1979CHAFE, Wallace. 1979. Significado e estrutura lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico.; Borba 1996BORBA, Francisco. 1996. Uma gramática de valências para o português. São Paulo: Ática.), ou seja, expressam uma ação em que um sujeito animado, intencional faz com que o tema se desloque para um determinado lugar. O alvo prototípico identifica uma direção para a qual a entidade alvo é movida. Observe-se o dado:

(2) ... aí então ela começou a arrumar as coisas dela ... [...] só levou as ... as roupas que ela vinha mesmo ... pegou ... botou tudo na mala ... bem direitinho ... e foi pra casa ... (D&G/Natal, p. 243, fala)

Em (2), o SPrep direcional (na mala) desempenha o papel de alvo para onde o referente do objeto direto (tudo) é movido pela ação do sujeito (∅ = ela). Pelo Princípio de Correspondência (Goldberg 1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), os papéis participantes que são lexicalmente perfilados pelo verbo devem ser fundidos com os papéis argumentais perfilados pela construção.

Nos dados investigados, outro predicado que pode ser associado à CMC é o verbo de movimento voltar, embora esse verbo isoladamente não perfile um objeto direto, como acontece em (4). Tipicamente, é o participante agente (ele, em (3)) que se move em direção a um alvo (pra praça da cidade):

(3) aí:: é:: ele sabendo disso ... né ... ele voltou pra:: pra praça da cidade ... o lugar que tinha essa igreja ... né ... (D&G/Natal, p. 189, fala)

Na amostra a seguir, contudo, o sujeito/agente (∅ = a gente) da CMC move o objeto direto/tema (o suco) para um alvo (pro congelador).

(4) … o suco que fez antes com a liga e mais essa sobremesa … depois que tira do congelador … e volta o suco pro congelador e espera dar o … o ponto certo … não é? (D&G/Natal, p. 287, fala)

O objeto direto - o suco - é um argumento extra, que não faz parte da moldura sintático-semântica de voltar, conforme empregado em (4). Esse argumento é licenciado pela própria construção, já que voltar, nesse dado, se conforma ao significado central de movimento. O sentido do verbo na oração (colocar novamente no lugar) também concorre para esse uso. Assim, a construção pode acrescentar papéis que não são perfilados pelo verbo, ou seja, a construção contribui com papéis que não correspondem a papéis participantes associados diretamente com o verbo voltar.

É interessante observar que mesmo alguns verbos prototípicos da CMC, como colocar e tirar, por exemplo, podem originar usos metafóricos mais produtivos, motivados pelo sentido central da construção:

(5) só que o Paulo era um cara meio doidão... entendeu? era envolvido com... negócio de tó::xico... esses negócios... eu e o Jucinei tentávamos muito... ver se tirava ele de::ssa... (D&G/Rio, fala)

(6) ... aconteceu tudo isso ... da gente ter terminado o namoro ... porque ele colocou chifre em mim ... (D&G/Natal, p. 229, fala)

Em (5-6) o sentido de movimento de tirar e colocar se mantém: na primeira, o SPrep dessa aponta para um lugar metafórico, e o objeto direto chifre, na segunda, também é usado em um sentido figurado.

Outras ocorrências de verbos de movimento com sentido metafórico são:

(7) ... [experiências] melhores do que essa e que todo mundo aprenda também a mesma coisa e que botem isso em prática (D&G/Natal, p. 75. escrita)

(8) ... manda chamar ele porque quer revê-lo e quer conversar ... contar as histórias e botar as coisas em dia ... (D&G/Natal, p. 116, fala)

O uso recorrente de botar seguido de em prática/em dia fez com que esses itens desenvolvessem uma relação sequencial, metonímica, ou chunk, nos termos de Bybee (2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.). O processo cognitivo de chunking, motivado por repetição, subjaz à formação de novas instâncias de uma construção, facilitando o processamento e análise desses agrupamentos. Nesse sentido, compreende-se que os padrões linguísticos disponíveis na língua resultam de processos de convencionalização de usos criativos e casuais que, por meio de repetição, se tornam fixos na língua e são selecionados pelos falantes como formas ritualizadas e compartilhadas para determinados significados e funções (cf.: Bybee 2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.; Heine & Kuteva 2007HEINE, Bernd & Tania Kuteva. The genesis of grammar - a reconstruction. Oxford: Oxford University Press, 2007.; Traugott & Dasher 2005TRAUGOTT, Elizabeth Closs & Richard Dasher. 2005. Regularity in semantic change. Cambridge: Cambridge University Press.).

4. A Construção Ditransitiva

A Construção Ditransitiva (CD) é aqui definida como uma construção que consiste de um verbo ditransitivo, um argumento agente (A), um argumento recipiente (R) e um argumento paciente (P). Essa definição leva em conta o significado da construção, sendo irrelevante a manifestação formal dos argumentos (cf.: Malchukov, Haspelmath, Comrie 2010MALCHUKOV, Andrej; Martin Haspelmath & Bernard Comrie. 2010. Ditransitive constructions: a typological overview. In: Andrej Malchukov; Martin Haspelmath & Bernard Comrie (eds.). Studies in ditransitive constructions: A comparative handbook. Berlin/New York: Walter de Gruyter. p. 1-64.). Assim, essa definição não corresponde sintaticamente à construção ditransitiva tal como definida por Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.). Enquanto no inglês o dativo - recipiente da ação verbal - é codificado preferencialmente como um SN na posição imediatamente posterior ao verbo e antes do objeto direto, no português do Brasil, o dativo é geralmente codificado antes do objeto direto (72% em 354 ocorrências), como um pronome em posição pré-verbal ou como um SPrep em posição pós-verbal. Nesse sentido, temos dois padrões sintáticos diferentes - S OI V OD e S V OI OD4 4 .Uso a sigla OI para referir aos dois tipos de codificação – pronome ou Sintagma Preposicionado – do objeto indireto em português. - associados ao mesmo significado. Pragmaticamente, eles também são diferentes já que o recipiente, no primeiro padrão, é mais proeminente e tópico do que no segundo.5 5 .Furtado da Cunha (2015) examina a correlação entre a ordenação do OI em relação ao OD, o status informacional do OI e a codificação morfológica desse argumento. Atesta a preferência pela ordenação OI OD (71% dos casos), em que o objeto indireto veicula informação textual ou situacionalmente dada (99% dos dados) e é codificado por pronome (81% dos casos). Esses resultados evidenciam que, nesse padrão, o OI constitui um subtópico discursivo, ou tópico secundário, ao lado do tópico primário, representado pelo sujeito, tendo em vista sua persistência no texto. É importante ressaltar que, no caso da CD do português, tratar como uma mesma construção dois padrões sintáticos diferentes não contraria o Princípio da Não-Sinonímia (cf.: Bolinger 1968BOLINGER, Dwight. 1968. Entailment and the meaning of structures. Glossa, 2: 119-127.; Givón 1985GIVÓN, Talmy. 1985. Function, structure, and language acquisition. In: Dan Slobin (ed.). The crosslinguistic study of language acquisition, Vol. 2. Hillsdale: Lawrence Erlbaum.; Haiman 1985HAIMAN, John. 1985. Natural syntax: iconicity and erosion. Cambridge: Cambridge University Press.; Langacker 1987LANGACKER, Ronald. 1987. Foundations of cognitive linguistics, Vol. 1: Theoretical Prerequisites. Stanford: Stanford University Press.; Goldberg 1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), assim formulado: se duas construções são sintaticamente distintas, tais construções devem ser também distintas semântica ou pragmaticamente. Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) esclarece que os aspectos pragmáticos das construções envolvem peculiaridades relativas à estrutura da informação, como tópico e foco, e fatores estilísticos, como registro. Embora os dois padrões da construção ditransitiva que analiso neste trabalho sejam semanticamente equivalentes, eles diferem em termos pragmáticos: o recipiente, no primeiro padrão, é discursivamente mais proeminente do que no segundo (Furtado da Cunha 2015_____. 2015. O estatuto argumental do objeto indireto e a construção ditransitiva no português do Brasil. In: Maria Angélica Furtado da Cunha (org.). A gramática da oração - diferentes olhares. p. 135-165.).

O sentido central da construção ditransitiva no português é, como em inglês (Goldberg 1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.: 38) e em espanhol (García-Miguel e Comesaña 2004GARCÍA-MIGUEL, José Maria & Suzana Comesaña. 2004. Verbs of cognition in Spanish: Constructional schemas and reference points. In: Augusto Soares da Silva; Amadeu Torres & Miguel Gonçalves (eds.). Linguagem, cultura e cognição, Vol. 1: Estudos de Linguística Cognitiva. Coimbra: Almedina.: 411), “agente faz com que o recipiente receba o paciente”, isto é, o significado de transferência associado a verbos de oferecimento, cujo protótipo é dar.

No corpus sob análise, foram encontradas 387 ocorrências (319 na fala e 68 na escrita) de orações cujos verbos são acompanhados por um elemento tradicionalmente classificado como objeto indireto mais SN objeto direto. Esses verbos triargumentais são, como na CMC, do tipo semântico de ação-processo, pois denotam uma ação em que um sujeito animado, intencional, causa uma mudança no estado ou na localização do paciente, como no fragmento:

(9) ... então eu observei isso em uma pessoa ... aí a gente queria entregar o prêmio a essa pessoa ... (D&G/Natal, p. 180, fala)

Os verbos de ação-processo representam um típico evento de transferência, em que um agente animado (Sujeito) transfere (= afeta, causando a mudança de localização ou de estado) um elemento paciente (Objeto Direto) para uma entidade humana recipiente (Objeto Indireto). No corpus examinado, foram atestadas 105 ocorrências (tokens) de verbos de transferência, distribuídas em 16 tipos (types), com 78 casos na fala e 27 na escrita. Entre esses, o mais frequente (45 ocorrências, 42% do total) é dar, que representa o verbo de transferência prototípico. A prototipicidade de dar se deve ao fato de que sua semântica lexical (i.e., sua moldura semântica) é idêntica à semântica da construção ditransitiva.

A postulação desse sentido central se justifica porque ele envolve transferência concreta, e não metafórica ou abstrata e, como já demonstrado diacrônica (cf.: Traugott 1988TRAUGOTT, Elizabeth Closs. 1988. Pragmatic strengthening and grammaticalization. Proceedings of the Fourteenth Annual Meeting of the Berkeley Linguistic Society. p. 406-416.; Sweetser 1990SWEETSER, Eve. 1990. From etymology to pragmatics: metaphorical and cultural aspects of semantic structure. Cambridge: Cambridge University Press.) e sincronicamente (Lakoff & Johnson 1980LAKOFF, George & Mark Johnson. 1980. Metaphors we live by. Chicago: University of Chicago Press.), significados concretos são mais básicos. Vejam-se alguns dados:

(10) ... Quando o paciente e particular, ou seja, a consulta, o mesmo paga a consulta eu dou-lhe o recibo e, em seguida, o paciente se consulta [...] (D&G/Natal, p. 268, escrita)

(11) tá lembrado dos detalhes da ... da tela que você me presenteou? (D&G/Natal, p. 152, fala)

Observe-se, ainda, que mesmo um verbo prototípico da construção ditransitiva, como é o caso de dar, pode originar usos produtivos mais metafóricos, desde que o sentido central de transferência entre um agente intencional e um recipiente “acolhedor/receptivo” se mantenha. A esse propósito, veja (12):

(12) Eu tive uma crise de garganta muito grande, daquelas, que eu não podia engolir a saliva e nessa fase ele me deu muito apoio e eu pude retribuir quando ele teve catapora, […]. (D&G/Natal, p. 266, escrita)

Na oração ditransitiva acima, o sujeito (ele) age intencionalmente de modo que o referente do objeto indireto (me) “receba” o argumento objeto direto (muito apoio), concebido como uma entidade concreta. Temos, aqui, mais um caso de chunk (Bybee 2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.), em que ‘X dar apoio a Y’ se fixou a partir da frequência de uso de dar seguido de apoio. Embora a expressão dar apoio seja relativamente fixa, suas partes internas ainda são identificáveis, o que se evidencia pela possibilidade de acrescentar modificadores entre elas (muito apoio).

Outros casos de metaforização encontrados no corpus são:

(13) então tinha um cara lá ... esse já era doente ... ele já era tuberculoso ... já tava com os dias contados ... que ele fez ... resolveu antecipar ... resolveu antecipar sua morte ... comprando ... vendendo sua vida a esse advogado ... (D&G/Natal, p. 54, fala)

(14) (...), esse menino veio a falecer sendo vítima de um atropelamento. Parecia que a vida estava lhe roubando a melhor parte de sua própria vida. (D&G/Niterói, escrita)

(15) ... era bem jovem o cara ... e o cara num ... num ... num ... num sobreviveu ... morreu né ... e deixou uma frase ... pra ele ... deixou uma frase aí muito interessante e ele ficou encucado ... com aquela frase ... (D&G/Natal, p. 27, fala)

Na oração ditransitiva em (13), é o objeto direto do verbo vender (sua vida) que é interpretado como uma entidade concreta que pode ser transferida para o recipiente (esse advogado). Em (14), o sujeito (a vida) é conceitualizado como um ser animado, intencional, ao passo que o objeto direto (a melhor parte de sua própria vida) é concebido como um bem material. O objeto direto da oração ditransitiva em (15) - uma frase - é interpretado como uma coisa que pode ser transferida para o recipiente (ele).

Uma restrição ligada ao sentido da construção ditransitiva é a de que o argumento sujeito seja intencional, para que a transferência possa ser bem sucedida. Contudo, há ocorrências em que o sujeito não é intencional, como em (14) acima e em (16) a seguir:

(16) Na natação ganhei preparo, pois é um dos esportes mais completos, mexendo com todos as partes do corpo, lhe dá resistência e dinamismo e também para aqueles que aproveitam lhe dá uma incrível experiência de vida, […]. (D&G/Natal, p. 219, escrita)

Nesses dados, compreende-se que é a natação que dá resistência, dinamismo e experiência às pessoas que a praticam. Ou seja, o argumento sujeito da oração ditransitiva é inanimado e, portanto, não-intencional. Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) atribui casos como esse à metáfora convencional e sistemática “eventos causais como transferências”. Por meio dessa metáfora, causar um evento em uma entidade é entendido como transferir o efeito, conceitualizado como um objeto, para essa entidade. O verbo dar, aqui, é usado para implicar causação, mas em seu sentido básico ele envolve transferência de um agente para um recipiente. O elo entre esses dois sentidos é fornecido pela metáfora, de modo que o argumento sujeito é a causa de o referente do OI ser afetado, de alguma forma, por “receber” o referente do OD.

5. Polissemia construcional

De acordo com a formulação dos gramáticos construcionalistas, as construções tipicamente se ligam a uma família de sentidos estreitamente associados. Para Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), já que as construções são tratadas como o mesmo tipo de dado que os morfemas, é esperado que aquelas, como estes, tenham sentidos polissêmicos. A polissemia se irradia de um protótipo, ou sentido central, como uma extensão (Lakoff 1987LAKOFF, George. 1987. Women, fire and dangerous things. What categories reveal about the mind. Chicago: University of Chicago Press.).

Os modelos de gramática de construções baseada no uso propõem dois tipos de elos que organizam as construções em uma rede: os relacionais e os de herança. Interessa aqui o primeiro deles. Entre os elos relacionais, encontram-se os de polissemia, que descrevem os elos semânticos entre o sentido prototípico de uma construção e suas extensões. Nesse caso, embora as especificações sintáticas sejam as mesmas, as semânticas são diferentes. Ancorada sobretudo em Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), Croft (2001CROFT, William. 2001. Radical construction grammar: syntactic theory in typological perspective. Oxford: Oxford University Press.), Bybee (2010_____. 2010. Language, Usage and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press.) e Traugott e Trousdale (2103TRAUGOTT, Elizabeth Closs & Graeme Trousdale. 2013. Constructionalization and constructional changes. Oxford: Oxford University Press.), assumo que, com base no sentido central das construções de movimento causado e ditransitiva, o falante estende o uso do padrão estrutural dessas construções para outros tipos de evento que se afastam do significado a elas associado. Desse modo, as instanciações dessas construções apresentam sentidos relacionados, e não um único sentido fixo, o que acarreta polissemia construcional: a mesma forma se liga a sentidos relativamente diferentes. Isso se explica pelo fato de que o padrão sintático e as especificações semânticas de uma construção são independentes dos verbos que ela sanciona. A frequência de uso é responsável pela fixação na língua de novas instanciações de uma construção, facilitando a produção e o processamento desses pareamentos de forma-função.

Examinemos, primeiramente, a construção de movimento causado. Essa construção pode apresentar sentidos relacionados, motivados por elos polissêmicos. Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) estabelece quatro outros sentidos para a CMC com base no significado central ‘X causa Y mover-se para Z’. Esses sentidos apresentam diferenças relacionadas à natureza do movimento, se real ou pretendido, permitido ou proibido, envolvendo classes de verbos similares (cf.: Ferrari 2011FERRARI, Lilian. 2011. Introdução à linguística cognitiva. São Paulo: Contexto.). No corpus investigado, além dos verbos de movimento diretamente vinculados à semântica da CMC, foram encontrados outros que se afastam, em alguma medida, desse sentido, conquanto a oração em que ocorram se conforme ao padrão S V OD SPrep. Veja-se:

(17) ... foram dormir tarde né ... que a luz do quarto tava acesa e [a mulher] mandou a menina pro quarto dela e ela foi dormir né ... (D&G/Natal, p. 278, fala)

A oração destacada em (17) corresponde ao sentido B postulado por Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.: 38): condições de satisfação implicam X causar Y mover-se para Z, um subesquema que se distancia do sentido central de movimento causado.

Em (18), a oração com prender corresponde ao sentido D proposto por Goldberg: X impede Y de mover-se para Z, outro subesquema da CMC em que o referente do objeto direto - ele (= o papel) - tema é obrigado a permanecer em um lugar, por imposição de uma barreira:

(18) ... o pessoal fala “pega o papel branco” e tal... “prende ele na prancheta...” (D&G/Rio, fala)

Outras ocorrências se afastam relativamente do significado prototípico da CMC, embora se conformem ao padrão S V OD SPrep, como:

(19) ... resolvo assim ... por exemplo ... uma entidade manda uma carta lá pra clínica ... dizendo que:: que tá abrindo credenciamento pra médicos ... aí eu vou ter que saber o que que precisa pra gente se credenciar ... (D&G/Natal, p. 263, fala)

Na oração em (19), o sujeito (uma entidade), que representa metonimicamente as pessoas que trabalham para a empresa, não é o responsável direto pelo deslocamento do referente do objeto direto (uma carta) para o SPrep alvo (pra clínica). Aqui o verbo mandar corresponde ao significado de enviar.

(20) ... e esses amplificadores são ligados às caixas ... tá entendendo? o amplificador manda a potência pras caixas ... o som ... propriamente dito ... (D&G/Rio, fala)

A oração sublinhada em (20) se distancia da CMC prototípica porque o movimento referido não é um deslocamento concreto. O sujeito (o amplificador) não é um agente típico, mas é interpretado como a causa do movimento abstrato, e o SPrep (pras caixas) não representa um lugar propriamente dito. Tanto em (19) como em (20), os papéis participantes de mandar se fundem com os papéis argumentais da CMC. A Figura 1 exemplifica a hierarquia construcional da CMC:

Figura 1
Hierarquia construcional da CMC

Dos verbos licenciados pela CMC, 422 (97,91%) pertencem à microconstrução 1, 8 (1,85%) representam a microconstrução 2 e apenas 1 dado exemplifica a microconstrução 3. A alta frequência de verbos sancionados pela microconstrução 1 não surpreende, tendo em vista que essa microconstrução está diretamente relacionada ao significado central da CMC. Vale destacar que o estabelecimento de subesquemas e microcontruções relacionados à mesma construção, ou seja, a polissemia construcional da CMC, leva em conta a proximidade e o afastamento do significado desses subesquemas/microconstruções em relação ao significado básico dessa construção, e não apenas ao significado do verbo na oração em que ocorre.

No corpus investigado, não foi encontrado um padrão de polissemia para a CMC semelhante ao proposto por Goldberg, à exceção dos subesquemas relacionados aos sentidos B e D. Diferentemente do inglês, parece que extensões dessa construção com base no sentido central não são tão frequentes no português do Brasil, ao menos no banco de dados consultado. Com base em Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.), Ferrari (2011FERRARI, Lilian. 2011. Introdução à linguística cognitiva. São Paulo: Contexto.: 138) apresenta, para o português, os seguintes sentidos relacionados à CMC por laços polissêmicos:

  • a. X causa Y a mover Z (sentido central)

  • [X Ela] levou [Y o carro] [Z para a oficina]

  • b. Condições de satisfação acarretam X causar Y a mover Z

  • [X Ele] mandou [Y sua ajudante] [Z ao supermercado]

  • c. X autoriza Y a mover Z

  • [X O chefe] admitiu [Y um funcionário] [Z na equipe]

  • d. X previne Y de mover Z

  • [X A garota] trancou [Y o amigo] [Z na cozinha]

  • e. X ajuda Y a mover Z

  • [X O rapaz] guiou [Y os estrangeiros] [Z ao ponto turístico]

Embora essas orações sejam plausíveis, os verbos que elas contêm não foram atestados na amostra selecionada, o que não invalida a classificação proposta. Esses verbos não parecem ser de uso frequente em interações comunicativas reais. É possível que a ampliação do material de análise permita verificar tais usos.

Quanto à Construção Ditransitiva, assim como acontece com a CMC, nem todos os padrões S V OI OD implicam, necessariamente, que o participante paciente é de fato transferido para o recipiente. Além do sentido central, Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) arrola outros cinco sentidos, ou subesquemas, da construção ditransitiva, relacionados ao grau de êxito da transferência e envolvendo classes de verbos similares. São eles: verbos do tipo de dar com condições de satisfação associadas (sentido B, guarantee, promise), de recusa (sentido C, refuse, deny), de transferência futura (sentido D, leave, bequeath), de permissão (sentido E, permit, allow), de criação e de obtenção (sentido F, build, cook, get, earn).

No corpus investigado, além dos verbos diretamente vinculados ao sentido central da construção ditransitiva, foram encontrados outros que se afastam, em alguma medida, desse sentido, conquanto a oração em que ocorram se conforme ao padrão S V OD OI. Veja-se:

(21) ... “você num me oferece esse lugar não?” (D&G/Natal, p. 106, fala)

(22) ... ela acabou tomando comprimido e tudo pra morrer e nisso ele descobre e ela deixou um bilhete pra ele e qualquer coisa assim ... (D&G/Natal, p. 183, fala)

(23) ... então ficou naquele negócio ... ela fazia as cartas pra pessoa que ela gostava e ainda tinha que responder de novo pra amiga ... (D&G/Natal, p. 183, fala)

A oração ditransitiva em (21) corresponde ao sentido B postulado por Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.): condições de satisfação implicam que o agente faz com que o recipiente receba o paciente. A transferência só se completa se o recipiente aceitar o oferecimento. No segmento em (22), o verbo deixar, usado numa configuração ditransitiva, aproxima-se do sentido D: agente age para fazer com que o recipiente receba o paciente em algum ponto no futuro. O verbo fazer, codificado com ditransitivo em (23), está relacionado ao sentido F de Goldberg: agente tenciona fazer com que o recipiente receba o paciente. Com verbos de criação, como fazer, não há certeza ou garantia de que o recipiente necessariamente receberá o objeto criado pelo agente com essa intenção. A Figura 2 exemplifica a hierarquia construcional da CD:

Figura 2
Hierarquia construcional da CD.

Como se pode ver pelos dados acima, a construção ditransitiva pode associar-se a um conjunto de significados diferentes, mas relacionados. As extensões a partir de uma construção básica são motivadas e são adquiridas como parte do nosso conhecimento da língua.6 6 .Até o momento, não foi feita uma pesquisa diacrônica a fim de constatar se esses subesquemas/microconstruções surgiram em pontos diferentes do tempo. Note-se que, nos subesquemas da CD, a transferência é restringida de algum modo, e portanto eles podem ser considerados como extensões polissêmicas dessa construção. Logo, os elos polissêmicos dizem respeito ao nível dos subesquemas, não ao nível das microconstruções. Em termos de esquematicidade, [[S V OD OI] ⇔ [X causar Y receber Z]] é mais esquemático do que o subesquema [[S fazer OD OI] ⇔ [X Tencionar Y receber Z]], já que o primeiro generaliza sobre verbos (V), enquanto o segundo especifica um verbo particular (fazer) com posições gerais. O fato de que o padrão estrutural é o mesmo nos dois casos, assim como os papéis argumentais de X, Y e Z, e ainda o significado geral de transferência possibilita afirmar que são dois subesquemas, e não esquemas distintos.

A construção esquemática abstrai muitas instâncias de uso e vários tipos de microconstruções. Instâncias prototípicas da construção, como Dei o relógio para ele, envolvem uma convergência perfeita entre a semântica lexical do verbo e a semântica da construção, ou seja, na ditransitiva prototípica há coerência e correspondência semânticas, já que o significado do verbo e o da construção são idênticos. Haveria, portanto, graus de convergência, determinado pela aproximação/distanciamento entre o significado da construção e o significado do verbo por ela sancionado.

No corpus sob análise, outro tipo de verbo que ocorre frequentemente com OD e OI é o verbo dicendi7 7 .Sobre os complementos dos verbos dicendi ou de enunciação, ver Furtado da Cunha (2006, 2012). , que expressa uma atividade que pode ser metaforicamente interpretada como um evento de transferência, em que aquilo que é dito (OD efetuado) é transferido para um interlocutor (OI recipiente). Por meio de uma metáfora comum, a fala sairia, como em movimento, de um falante para um ouvinte; o ouvinte é o destino final da ação8 8 .Esse é um caso de metáfora do conduto, definida por Reddy (1979). Ela opera quando o falante “insere” seu conteúdo mental (ideias, significados, conceitos etc.) em recipientes (palavras, frases, orações etc.), cujo conteúdo é então “extraído” pelo seu interlocutor para que a unidade linguística seja interpretada. . Daí servirmo-nos da preposição para (pra) em construções coloquiais como ele falou isso pra mim.

Na amostra selecionada, os verbos dicendi correspondem a 282 dados, 241 na fala e 41 na escrita, distribuídos em 17 tipos. O mais frequente é o verbo contar, com 160 ocorrências (57%). Seguem alguns dados:

(24) então seu amigo começou a dá em cima dela, mais ela não aceitou, mas seu amigo contou-lhe uma estória mentirosa ... (D&G/Natal, p. 266, escrita)

(25) Outros alunos o levaram para a enfermaria, quando chegou lá foi medicado, mas morreu, antes de morrer ele disse uma frase para o médico. ... (D&G/Natal, p. 45, escrita)

É possível, portanto, agrupar os verbos de transferência (dar, entregar, oferecer, mostrar, por exemplo) com os verbos dicendi (dizer, contar, perguntar, pedir) na medida em que, semanticamente, esses verbos compartilham o mesmo conjunto de papéis participantes: agente, paciente e recipiente, ou seja, os papéis argumentais da construção ditransitiva. A noção de construção permite o agrupamento dos verbos de transferência concreta (dar, entregar, oferecer etc) e os verbos dicendi, de transferência metafórica (dizer, contar, falar etc). Sob o ângulo da construcionalização, o significado de padrões construcionais, como a construção ditransitiva, é necessariamente mais esquemático do que o significado do verbo, uma vez que a construção pode acomodar verbos de domínios semânticos relativamente diferentes. Ao mesmo tempo, esquemas construcionais fornecem conceitualizações alternativas compatíveis com o mesmo verbo.

Nessa direção, primeiramente define-se a construção ditransitiva com base nos papéis de agente, paciente e recipiente a ela associados, para então relacionar a classe de verbos que podem instanciá-la. Assim, a natureza triargumental de uma oração remete diretamente à construção ditransitiva abstrata que essa oração atualiza, ao passo que o verbo está relacionado a um ou mais significados básicos que devem estar relacionados ao significado da construção.

O significado básico de transferência da CD é responsável pelo fato de que há três participantes envolvidos no evento denotado, representados pelos papéis de agente, paciente e recipiente. A esse tipo de construção é, então, associada uma classe de verbos que a ela se ajustam. Logo, a interpretação total de uma oração depende tanto do sentido central da construção como do significado do verbo que está integrado nessa oração: embora independentes, construções e verbos são inter-relacionados.

6. Considerações finais

O movimento com a ideia de trajetória, significado central da Construção de Movimento Causado, é apenas uma das tantas possibilidades de predicados triargumentais. Outra construção, no português, que se instancia com esse tipo de predicado é a Construção Ditransitiva (ver Furtado da Cunha, 2015_____. 2015. O estatuto argumental do objeto indireto e a construção ditransitiva no português do Brasil. In: Maria Angélica Furtado da Cunha (org.). A gramática da oração - diferentes olhares. p. 135-165.). A CMC e a CD exibem similaridade sintática óbvia: ambas têm um S volicional, um OD e um Obl. Contudo, enquanto na primeira o OD desempenha o papel de tema e o Obl é alvo, na segunda o OD é paciente e o Obl é recipiente. Goldberg (1995GOLDBERG, Adele. 1995. A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: University of Chicago Press.) argumenta que a Construção Dativa no inglês (S Obl OD) é uma extensão metafórica da CMC. A metáfora “Transferência de posse é transferência física” motiva essa extensão metafórica. Para o português do Brasil, com base nos dados analisados, pode-se dizer que ambas as construções descrevem um evento de transferência: de lugar e de posse, respectivamente. Como a transferência de lugar parecer ser cognitivamente mais saliente, em termos perceptuais, a CD pode ser interpretada como uma extensão metafórica da CMC.

Cabe ressaltar que, ao discutir a CMC e a CD, não me limitei a construções que envolvem somente transferência bem sucedida, seja ela física (instanciada por colocar, botar) ou de posse (dar, transferir), mas também considei outros padrões que têm pareamentos similares de forma-significado. No caso da CMC, temos as instanciações que não implicam necessariamente movimento (com verbos do tipo de mandar) e aquelas que impõem um obstáculo (com verbos do tipo de prender); para a CD, encontramos ocorrências que designam transferência futura (com deixar), transferência pretendida (fazer) e enunciação (contar, dizer). O foco recai sobre as diferenças finas entre esses subesquemas.

Dada nossa propensão para interpretar situações novas e/ou abstratas com base em situações bem estabelecidas e/ou concretas, não é raro que um mesmo padrão estrutural seja estendido para outros significados que se afastam do sentido prototípico da construção (cf.: Langacker 1991_____. 1991. Foundations of cognitive linguistics, Vol. 2: Descriptive Application. Stanford: Stanford University Press. )9 9 .Furtado da Cunha (2009a, b) investiga as propriedades da construção transitiva prototípica, que expressa o evento transitivo prototípico, e aquelas orações codificadas como S V OD que se afastam do protótipo semântico do evento transitivo. . Desse modo, as construções são vistas como nós que formam uma rede e são ligadas por elos relacionais e de herança que motivam muitas das propriedades das instanciações particulares. A motivação por trás disso está no fato de que os falantes buscam regularidades e modelos e tendem a reaproveitar padrões linguísticos já disponíveis para codificar novas funções.

Pode-se, portanto, concluir que tanto a CMC quanto a CD são produtivas no português do Brasil,10 10 .Os resultados apresentados aqui tomam por base três amostras específicas, de Natal, Rio de Janeiro e Niterói. Contudo, as construções investigadas são atestadas em diferentes variedades do PB, como o demonstram os trabalhos citados na nota 1. entendendo-se por produtividade o grau em que uma construção licencia ou sanciona outras construções menos esquemáticas. Nos termos de Bybee (2003BYBEE, Joan. 2003. Mechanisms of change in grammaticalization: The role of frequency. In: Joseph, Brian D. & Richard D. Janda (eds.). The Handbook of Historical Linguistics. Oxford: Blackwell.), verifica-se fre­quência de tipo (frequência de construção, na formulação de Traugott e Trousdale 2013TRAUGOTT, Elizabeth Closs & Graeme Trousdale. 2013. Constructionalization and constructional changes. Oxford: Oxford University Press.), ou seja, o número de expressões diferentes que a CMC e a CD têm, e frequência de ocorrência (frequência de construto, para Traugott e Trousdale 2013TRAUGOTT, Elizabeth Closs & Graeme Trousdale. 2013. Constructionalization and constructional changes. Oxford: Oxford University Press.), isto é, o número de vezes que suas instanciações ocorrem no texto.

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  • 1
    .Naturalmente, esses tipos de oração já foram estudados no Português Brasileiro, mas sob outros enquadres teórico-metodológicos. Ver Corrêa & Cançado 2006CORRÊA, Rosimeire & CANÇADO, Márcia. 2006. Verbos de trajetória do PB: uma descrição sintático-semântica. Revista de Estudos Linguísticos, 14 (2): 371-404.; Barreto, Oliveira & Lacerda 2012BARRETO, Krícia; OLIVEIRA, Helena Nathália Felix de & Lacerda, Patrícia Fabiane Amaral da Cunha. 2012. A variação dos verbos colocar e botar na modalidade oral da língua. Via Litterae, 4 (1): 77-95.; Scher 1997SCHER, Ana Paula. 1997. Verbos bitransitivos: As construções com dois complementos no inglês e no português do Brasil: um estudo sintático comparativo. Sínteses, 2: 347-355.; Berlinck 2001BERLINCK, Rosane de Andrade. 2001. Dativo ou Locativo? Sobre sentidos e formas do dativo no português. Revista Letras, 56: 159-176., entre outros.
  • 2
    .Os construcionalistas não distinguem significado codificado (semântico) de significado contextual (pragmático). Embora seja relevante, essa questão não será aprofundada aqui. Para discussão, ver Fried (2010FRIED, Mirjam. 2010. Constructions and frames as interpretative clues. Belgian Journal of Linguistics, 24: 83-102., 2015_____. 2015. Construction grammar. In: Artemis Alexiadou & Tibor Kiss (eds.). Handbook of syntax. Berlin: Mouton de Gruyter. ).
  • 3
    .Note-se que construções idiomáticas, como tirar o pai da forca, são totalmente especificadas, sem nenhuma posição vazia a ser preenchida.
  • 4
    .Uso a sigla OI para referir aos dois tipos de codificação – pronome ou Sintagma Preposicionado – do objeto indireto em português.
  • 5
    .Furtado da Cunha (2015_____. 2015. O estatuto argumental do objeto indireto e a construção ditransitiva no português do Brasil. In: Maria Angélica Furtado da Cunha (org.). A gramática da oração - diferentes olhares. p. 135-165.) examina a correlação entre a ordenação do OI em relação ao OD, o status informacional do OI e a codificação morfológica desse argumento. Atesta a preferência pela ordenação OI OD (71% dos casos), em que o objeto indireto veicula informação textual ou situacionalmente dada (99% dos dados) e é codificado por pronome (81% dos casos). Esses resultados evidenciam que, nesse padrão, o OI constitui um subtópico discursivo, ou tópico secundário, ao lado do tópico primário, representado pelo sujeito, tendo em vista sua persistência no texto.
  • 6
    .Até o momento, não foi feita uma pesquisa diacrônica a fim de constatar se esses subesquemas/microconstruções surgiram em pontos diferentes do tempo.
  • 7
    .Sobre os complementos dos verbos dicendi ou de enunciação, ver Furtado da Cunha (2006_____. 2006. O complemento dos verbos de enunciação. Revista Lingüística, 2 (1): 69-84. , 2012_____. 2012. Complements of verbs of utterance and thought in Brazilian Portuguese narratives. Journal of Portuguese Linguistics, 11 (2): 3-34. ).
  • 8
    .Esse é um caso de metáfora do conduto, definida por Reddy (1979REDDY, Michael. J. 1979. The conduit metaphor: A case of frame conflict in our language about language. In: Andrew Ortony (ed.). Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press. p. 284-310.). Ela opera quando o falante “insere” seu conteúdo mental (ideias, significados, conceitos etc.) em recipientes (palavras, frases, orações etc.), cujo conteúdo é então “extraído” pelo seu interlocutor para que a unidade linguística seja interpretada.
  • 9
    .Furtado da Cunha (2009a_____. 2009a. A gramática da oração: estruturas argumentais preferidas. In: Mariangela Rios de Oliveira & Ivo da Costa do Rosário (orgs.). Pesquisa em linguística funcional: convergências e divergências. Rio de Janeiro: Leo Christiano Editorial. , b_____. 2009b. A transitividade em gêneros textuais narrativos: implicações para o ensino. Anais do V SIGET - O ensino em foco. : Caxias do Sul: EDUCS. ) investiga as propriedades da construção transitiva prototípica, que expressa o evento transitivo prototípico, e aquelas orações codificadas como S V OD que se afastam do protótipo semântico do evento transitivo.
  • 10
    .Os resultados apresentados aqui tomam por base três amostras específicas, de Natal, Rio de Janeiro e Niterói. Contudo, as construções investigadas são atestadas em diferentes variedades do PB, como o demonstram os trabalhos citados na nota 1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    Set 2014
  • Aceito
    Dez 2015
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