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Epistemologias da pesquisa no campo aplicado dos estudos da língua(gem)

Porque epistemologias (e não epistemologia no singular) e porque campo aplicado dos estudos da língua(gem) (e não dos estudos linguísticos)

A resposta mais simples à primeira questão acima é que a pesquisa nesse campo no Brasil não tem se pautado por uma única referência, modelo ou concepção do que seja produzir conhecimento válido, ou relevante, em contextos institucionais. Esse é o campo em que se confrontam e se combinam referências diversas, desde as inspiradas nas ciências naturais (tradições positivistas, racionalistas, objetivistas, naturalistas, etc) até as inspiradas nas ciências sociais, na história e na filosofia da segunda metade do século XX (realismo crítico, neopragmatismo, socioconstrutivismo, construcionismo, desconstrucionismo, etc)

E a resposta mais simples à segunda questão acima é que o campo aplicado dos estudos da língua(gem) não tem se circunscrito a um campo disciplinar específico dentro dos estudos linguísticos, comumente compreendidos e institucionalmente afixados como estudos em teoria linguística (teoria da gramática, do texto e do discurso), seja ela de base empírico-experimental ou não, seja ela "aplicável", ou não. Da mesma forma como não tem se reduzido ao campo específico de nenhuma outra disciplina que também o atravessa e constitui, como a sociologia, a antropologia e a psicologia, para citar as historicamente mais relevantes.

Sendo assim, o primeiro fato aqui pressuposto é que esse não é um campo disciplinar em sentido estrito, ou seja, não constitui uma disciplina específica. É antes um campo inter e/ou transdisciplinar, cuja principal característica é a de estar sempre em processo de re-configuração, tanto pelas ações dos que nele atuam, quanto pela metareflexividade que caracteriza grande parte dessas ações, como no caso da pesquisa filiada à Linguística Aplicada inter/transdisciplinar e crítica, que reúne frentes de atuação e reflexão sobre a língua(gem) em uso nas práticas sociais, sobre teorização e política linguística, e sobre o impacto de tudo isso nessas mesmas práticas, inclusive as acadêmicas.

Por que um número especial sobre epistemologias da pesquisa nesse campo

As perguntas que nos interessam contemplar nesse número são de ordem interna ao campo, ou seja, atendem a necessidades e indagações surgidas nesse campo específico dos estudos da língua(gem) e, portanto, ecoam discussões em curso em diferentes grupos de pesquisa e eventos científicos espalhados por todo o país, particularmente os filiados à Linguística Aplicada inter/transdisciplinar, mas não apenas.

Parte dessas discussões foram recentemente trazidas para o 62º. Seminário do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo (GEL), através de seminários temáticos sobre pesquisas em andamento e de mesas-redondas sobre epistemologias da pesquisa no campo aplicado dos estudos sobre identidade, multiculturalismo, ensino de língua e tradução1 1 . Os seminários temáticos integraram a programação regular do evento realizado no IEL/UNICAMP, de 30.06 a 03.07.2014. As mesas-redondas integraram a programação das Reuniões de Grupos de Pesquisas abrigadas pelo GEL no dia 3.07.14 (http://www.gel.org.br/62-seminario-programacao-completa.pdf. Acesso em 20.11.14). . A proposta deste número temático é uma tentativa de se retomar e expandir o que foi trazido para esse evento, possibilitando a participação de um número maior de pesquisadores de diferentes instituições do país e de frentes diversificadas de pesquisa. O principal objetivo visado é, pois, o de dar continuidade e visibilidade a uma reflexão já em curso, por um lado, e, por outro lado, contribuir para a qualificação de agendas de pesquisa que julgamos de grande interesse para o país.

Por que epistemologias (e não métodos ou modelos)

A questão epistemológica é de interesse para a pesquisa no campo aplicado porque está relacionada à metareflexividade, cada vez mais necessária e urgente: que tipo de conhecimento se está produzindo com e sobre a língua(gem)? Como? Com base em quê? Em benefício (ou prejuízo) de quem?

Claro está que a resposta a essas perguntas não se desvincula de questões ontológicas relacionadas à construção de objetos de estudo, aparatos conceituais, categorizações, etc. Mas não se trata aqui de estabelecer critérios de avaliação de métodos e modelos de pesquisa e sim de trazer novos subsídios para a reflexão crítica em todas as frentes, inclusive as que colocam em xeque o próprio conceito de epistemologia herdado da tradição científica e disciplinar. Isso porque acreditamos que todo deslocamento provocado pela reflexão inter/transdisciplinar tem um papel crucial, não só na formação de novos pesquisadores, como também na melhor articulação entre diferentes linhas e programas, suas perspectivas teórico-metodológicas, seus achados e seus impactos sobre as práticas, inclusive as acadêmicas.

Que questões de ordem epistemológica interessam ao campo e de que modo estão aqui representadas

O fato da grande maioria dos trabalhos apresentados estar filiada à Linguística Aplicada inter/transdisciplinar dá ao conjunto uma inflexão metareflexiva e crítica que nos parece relevante frente aos objetivos desse número temático, acima mencionados. Nesse sentido, cumpre destacar a discussão de categorias e modelos de representação e análise do sujeito, da subjetividade, dos processos de subjetivação, bem como do contexto e dos processos de re-contextualização e deslocamento; do espaço, do tempo, da linguagem e dos letramentos.

Um traço comum aos trabalhos apresentados é o caráter operacional (techné) atribuído aos conhecimentos disciplinares sobre gramática, texto e discurso, ou seja, categorias e modelos linguísticos são recursos a serem articulados a outros na produção de conhecimento sobre questões não propriamente linguísticas em sentido estrito.

E dentre essas questões não propriamente linguísticas em sentido estrito, a da micropolítica da vida cotidiana em contextos específicos é comum a vários trabalhos, nos quais se atribui à etnografia, o papel de episteme, ou seja, um modo "oneroso", nos termos de Pedro Garcez, mas produtivo de construção do conhecimento situado, no sentido de comprometido politicamente e eticamente com os demais envolvidos na pesquisa.

Na seção Debates são propostos itens de discussão relacionados tanto à pesquisa em Linguística Aplicada quanto em Teoria e Crítica Literária.

Agradecimentos

Além da contribuição dos autores, gostaria de agradecer a contribuição dos 38 pareceristas ad hoc e da direção da revista na elaboração deste número.

Campinas, 30 de novembro de 2014.

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    . Os seminários temáticos integraram a programação regular do evento realizado no IEL/UNICAMP, de 30.06 a 03.07.2014. As mesas-redondas integraram a programação das Reuniões de Grupos de Pesquisas abrigadas pelo GEL no dia 3.07.14 (http://www.gel.org.br/62-seminario-programacao-completa.pdf. Acesso em 20.11.14).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015
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