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Pedidos de desculpas feitos por políticos brasileiros: uma visão da pragmática linguística

Apologies by Brazilian politicians: A view from linguistic pragmatics

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar 20 pedidos de desculpas de políticos brasileiros, publicados entre 2010 e 2021, para identificar os elementos linguísticos que os caracterizam, ligados à polidez e à expressão de atitude. Nossa hipótese era de que as expressões de postura e as estratégias de polidez contribuíam para a felicidade dos pedidos de desculpas públicos, atuando, potencialmente, para a conciliação moral entre ofensor e a vítima. Os resultados confirmaram que os pedidos de desculpas de políticos apresentam três características principais: (a) elementos explícitos e convencionalizados de desculpas (IFIDS - illocutionary force indicating devices - Searle, 1969Searle, J. (1969). Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge University Press.); (b) estratégias de polidez e (c) expressão de atitude. Esses elementos atuaram para que os pedidos de desculpas obtivessem o efeito perlocucionário desejado. Foram também identificados aspectos axiológicos mais amplos, que impactaram o potencial reparador dos pedidos de desculpas.

Palavras-chave:
pedidos de desculpas; polidez; atos de fala; expressão de atitude

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze 20 statements of apology from Brazilian politicians, published between 2010 and 2021, to identify the linguistic elements that characterize them. Our hypothesis was that stance taking, as well as the use of politeness strategies contributed to the felicity condition of the apologies, potentially serving as resources that promote the moral reconciliation between the offender and the offended party. The results confirmed that public political apologies display three main characteristics: (a) explicit and conventionalized elements (IFIDS - illocutionary force indicating devices - Searle, 1969Searle, J. (1969). Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge University Press.); (b) politeness strategies and (c) expression of attitude. These elements operated so that the apologies fulfilled their perlocutionary effect. Broader axiological aspects were also identified in the data, which impacted the restorative potential of the public apologies analyzed.

Keywords:
apologies; politeness; speech acts; stance-taking

1. Introdução

Nos últimos anos, é possível observar um grande número de pedidos de desculpas oficiais, feitos por personalidades do mundo político. Tony Blair, em 1997, por exemplo, desculpou-se oficialmente pela omissão do governo britânico n episódio de fome que marcou a Irlanda em meados do século XIX. Na aurora do século XX, o presidente americano Bill Clinton desculpou-se pela inação do ocidente frente ao genocídio de Ruanda, ocorrido em 1994. Recentemente, em 2021, o governo do Canadá reconheceu a responsabilidade no massacre indígena ocorrido nas escolas residenciais aborígenes daquele País.

De forma geral, os pedidos de desculpas operam como recurso reparador após alguma transgressão ou falta. Para Tavuchis (1991Tavuchis, N. (1991). Mea culpa: A sociology of apology and reconciliation. Stanford University Press., p. 45), as desculpas podem ser analisadas como processos envolvendo “remorso e culminando na reconciliação”. Com algumas variações, os pedidos de desculpas públicos incluem as seguintes características prototípicas: a) o reconhecimento da ofensa cometida, incluindo a explicitação do tipo de dano causado; b) a aceitação da responsabilidade pela ofensa cometida; c) uma expressão de arrependimento pela ofensa causada, que pode conter ou não uma oferta de reparação (Marrus, 2007Marrus, M. R. (2007). Official apologies and the quest for historical justice. Journal of Human Rights, 6(1), 75-105. https://doi.org/10.1080/14754830601098402
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). Por essa razão, nos pedidos de desculpas públicos, a “felicidade” (felicity, Austin, 1975Austin, J. L. (1975). How to do things with words. Oxford University Press.) está bastante associada às justificativas, ou às tentativas de evasão da culpa.

Um pedido de desculpas público possui, além disso, a característica de expressar, em domínio amplo, elementos relevantes para o público em geral e não apenas para as vítimas diretas do ato transgressivo (Govier & Verwoerd, 2002Govier, T., & Verwoerd, W. (2002). The promise and pitfalls of apology. Journal of Social Philosophy, 33(1), 67-82. https://doi.org/10.1111/1467-9833.00124
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, p. 68). Assim sendo, eles podem ser emitidos por indivíduos em particular, caso deste estudo, ou por indivíduos atuando como porta-vozes de grupos ou de instituições.

Diante desse panorama inicial, o objetivo desta pesquisa é analisar 20 pedidos de desculpas de políticos brasileiros, publicados entre 2010 e 2021, com vistas a identificar os elementos linguísticos que os caracterizam, com base, principalmente, na teoria pragmática linguística. Nossa hipótese é que expressões de postura, bem como as estratégias de polidez exerçam papel importante nesses atos de fala, especialmente no que concerne à tentativa de recuperação da autoridade moral inerente aos pedidos de desculpa desse tipo. Na seção de análise, devido às restrições de espaço deste texto, dois pedidos de desculpas foram selecionados análise qualitativa detalhada.

2. A polidez e o trabalho de face nos pedidos de desculpa

O conceito de face, como proposto por Goffman, concentra-se na ideia de que a face representa um “valor social positivo que uma pessoa efetivamente reivindica para si mesma” (Goffman, 1967Goffman, E. (1967) On Face-Work. In E. Goffman (Ed.), Interaction Ritual (pp. 5-45). Pantheon., p. 5, tradução da autora). No caso de ofensas, a perda de face pode ocorrer porque a imagem social que os falantes reivindicam para si é afetada. Como aponta Goffman (1967Goffman, E. (1967) On Face-Work. In E. Goffman (Ed.), Interaction Ritual (pp. 5-45). Pantheon.), essa perda pode ser reparada por meio do trabalho corretivo, contido em um pedido de desculpas. Dessa maneira, quando considerado eficaz (ou “feliz”, cf. Austin, 1975Austin, J. L. (1975). How to do things with words. Oxford University Press.), o pedido de desculpas costuma conter estratégias linguísticas evidenciadoras de atitude, por exemplo, modalizadores verbais, atenuantes e intensificadores adverbiais, além de outros marcadores pragmáticos (Aijmer, 2013Aijmer, K. (2013). Analyzing modal adverbs as modal particles and discourse markers. In L. Degand, B. Cornille & P. Pietrandrea (Eds.), Discourse markers and modal particles: categorization and description (pp. 89-106). John Benjamins Company.; Santana et al., 2021).

Para Brown e Levinson (1987Brown, P., & Levinson, C. (1987). Politeness: Some universals in language usage. Cambridge University Press.), os desejos de face estão ligados à face positiva e negativa de ambos, falantes e ouvintes. A face negativa relaciona-se ao conceito de território, como proposto por Goffman (1967Goffman, E. (1967) On Face-Work. In E. Goffman (Ed.), Interaction Ritual (pp. 5-45). Pantheon.), ou seja, ao sentimento de não-impedimento e ao desejo por autonomia, bem como ao respeito ao espaço físico e psicológico do outro. No que concerne à face positiva, ela está ligada ao sentimento de pertencimento a um grupo, bem como à imagem que desejamos comunicar para sermos socialmente apreciados e aprovados.

Por essa razão, ameaças à face positiva ocorrem quando o falante desconsidera os desejos e os sentimentos do ouvinte e sinaliza desaprovação, por exemplo, ao fazer uma crítica. De outra feita, um ato de fala como a ordem afeta a face negativa do ouvinte, pois coloca em risco sua autonomia e seu desejo de agir livremente. As ordens podem também afetar a face positiva do falante, caso, por exemplo, elas sejam ignoradas ou não cumpridas (Brown & Levinson, 1987Brown, P., & Levinson, C. (1987). Politeness: Some universals in language usage. Cambridge University Press.; Leech, 2014Leech, G. (2014). The pragmatics of politeness. Oxford University Press.).

Uma característica importante do trabalho de face está também relacionada aos comportamentos linguísticos que são baseados em normas, expectativas e convenções contextualmente criadas e compartilhadas por comunidades específicas. É precisamente a noção de constituição social das normas e convenções, compartilhas por determinados falantes, que figura na base do trabalho relacional de face, pois ele envolve a constante ratificação de identidades mutuamente constituídas em um determinado grupo social (Locher & Watts, 2008Locher, M. A., & Watts, R.J. (2008). Relational work and impoliteness: Negotiating norms of linguistic behaviour. De Gruyter Mouton.; Locher, 2014Locher, M. A. (2014). The relational aspect of language: avenues of research. Proceedings of the Conference of the German Association of University teachers of English, 309-322. http://edoc.unibas.ch/dok/A6243487 (Acessado em 17 março, 2023).
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).

Nas diferentes comunidades, as regras de conduta estabelecem a forma como os interagentes devem agir em relação uns aos outros de modo que a reciprocidade seja percebida como o curso normal de ações (Culpeper & Tantucci, 2021Culpeper, J., & Tantucci, V. (2021). The principle of (Im)politeness reciprocity. Journal of Pragmatics, 175, 146-164. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01.008
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). Nessa perspectiva, Locher e Watts (2008Locher, M. A., & Watts, R.J. (2008). Relational work and impoliteness: Negotiating norms of linguistic behaviour. De Gruyter Mouton., p. 37) definem o trabalho relacional como “o processo de definição de relações em interação”. Segundo os autores, o termo “relacional” é utilizado também para definir o trabalho linguístico empregado para atender às diferentes expectativas em relação aos eventos de fala presentes em trocas comunicativas do mundo social.

Essencial também para a noção de trabalho relacional de face, é o conceito de identidade, entendido como um construto multidimensional, que engloba uma combinação de vários elementos, por exemplo, idade, classe social, gênero, raça e, no caso deste estudo, filiação política. A construção da identidade por meio da interação verbal foi definida por Mendoza-Denton (2002Mendoza-Denton, N. (2002). Language and Identity. In J. K. Chambers & N. Schilling (Eds.), The Handbook of language variation and change (pp. 99-116). John Wiley & Sons.) nos seguintes termos:

Identidade é a negociação ativa da relação de um indivíduo com construções sociais mais amplas, na medida em que essa negociação é sinalizada por meio da linguagem e outros meios semióticos. A identidade, então, não é um atributo nem uma posse, mas um processo de semiose em nível individual e coletivo. (p. 475)

Em um pedido de desculpas público a própria justificativa da ofensa cometida, bem como a admissão da culpa são constitutivas desse ato de fala e explicitam, ainda, o conhecimento do agressor das normas aceitas pela comunidade à qual ele faz parte. Em relação aos pedidos de desculpas feitos por políticos, firma-se, ainda, a identidade do autor do pedido como um membro legítimo de uma comunidade, virtualmente composta por seus eleitores e simpatizantes, além de também atingir uma audiência mais ampla, com a qual o autor do pedido procura reconciliação moral. Conforme afirma Perini-Loureiro (2021Perini-Loureiro, G. F. M. (2021). Analisando o desqualificável: um estudo sobre pedidos de desculpas de figuras públicas em redes sociais [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.), em pesquisa sobre pedidos de desculpas em redes sociais, feitos por figuras públicas, a reconquista da harmonia entre os integrantes de uma dada comunidade é um dos principais objetivos de um pedido de desculpas público.

Diante disso, do ponto de vista da polidez relacional, os pedidos de desculpas representam, ao mesmo tempo, uma ameaça da face do ofensor, assim como uma valorização da face do(s) destinatário(s). Apesar disso, entre políticos, a realização de pedidos de desculpas normalmente só é efetivada quando o dano for suficientemente grave para justificar a exposição (Kerbrat-Orecchioni, 2017Kerbrat-Orecchioni, C. (2017). La politesse dans les interactions verbales. Max Niemeyer Verlag.).

3. A caracterização dos pedidos de desculpas de políticos

Classificados por Searle como atos de fala expressivos, pois manifestam sentimentos de arrependimento por uma ofensa cometida, os pedidos de desculpas são usualmente formulados por meio da admissão da culpa, pelo compromisso com o reparo pelo dano causado e ainda, pela promessa de não recorrência da ofensa cometida. A importância da classificação proposta por Searle reside, principalmente, na distinção feita entre força ilocucionária e conteúdo proposicional. Ela aperfeiçoa o modelo de Austin (1975Austin, J. L. (1975). How to do things with words. Oxford University Press.), centrado na diferença entre atos ilocucionários e atos locucionários. Em sua perspectiva, Searle (1969Searle, J. (1969). Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge University Press.) também melhor especifica os contornos da distinção entre o que é dito (“what is said”) e o que se quer dizer (“what is meant”).

De modo similar, na classificação proposta por Holmes (1998Holmes, J. (1998). Apologies in New Zealand English. In J. Cheshire & P. Trudgill (Eds.), The Sociolinguistics Reader: Gender and Discourse, v. 2, (pp. 201-39). Arnold., p. 204), os pedidos de desculpas representam um ato de fala “dirigido às necessidades de face de B e destinado a remediar uma ofensa pela qual A assume a responsabilidade e, assim, objetiva-se restaurar o equilíbrio entre A e B”. (1998, p. 204). Complementar à visão de Holmes (1998Holmes, J. (1998). Apologies in New Zealand English. In J. Cheshire & P. Trudgill (Eds.), The Sociolinguistics Reader: Gender and Discourse, v. 2, (pp. 201-39). Arnold.), destaca-se a definição de Tavuchis (1991Tavuchis, N. (1991). Mea culpa: A sociology of apology and reconciliation. Stanford University Press.), para quem os pedidos de desculpa representam um ato de fala em que o locutor expressa arrependimento, bem como objetiva a reconciliação com a parte injustiçada por ele, ou, ainda, com uma audiência mais abrangente. A tentativa de reconciliação moral presente em um pedido de desculpas motiva, portanto, o emprego de recursos linguísticos ligados à recuperação da face positiva do autor do pedido, já que pedir desculpas é um ato de fala associado à reconquista da aprovação social.

Conforme Blum-Kulka et al. (1989) apontam, há uma variação significativa na frequência dos componentes linguísticos empregados, quando os pedidos de desculpas são realizados. Os pedidos de desculpas convencionais, ou seja, que contêm expressões rotinizadas ditas IFIDs (illocutionary force indicating devices - dispositivos indicativos de forma ilocucionária - Searle, 1969Searle, J. (1969). Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge University Press.), são realizados de forma explícita e apresentam termos estereotipados de arrependimento e de responsabilização, normalmente intensificadas por expressões adverbiais tais como ‘muito’, ‘realmente’, ‘terrivelmente’. O uso dessas expressões contribui para que os pedidos de desculpas sejam capazes de informar a audiências diferentes os sentimentos e as intenções de seu autor, como também cumprem o papel de ir ao encontro das expectativas de uma dada comunidade.

Se aceitos, os pedidos de desculpas podem representar o perdão do agressor e a redenção de sua culpa, ou ainda, uma reconquista do prestígio social abalado. Além disso, para Tavuchis (1991Tavuchis, N. (1991). Mea culpa: A sociology of apology and reconciliation. Stanford University Press.), a aceitação de um pedido de desculpas, por seu potencial de eliminar a indignação causada pela ofensa, imprime no ato de fala de desculpar-se um caráter misteriosamente contundente, envolvendo uma mudança drástica no relacionamento do autor do pedido com o público ao qual ele se destina que, em se tratando de políticos, é constituído de eleitores e simpatizantes, principalmente. Esse mistério, ou a mágica, a que Tavuchis (1991Tavuchis, N. (1991). Mea culpa: A sociology of apology and reconciliation. Stanford University Press.) refere-se, estão ligados ao fato de que, em um pedido de desculpas eficaz, o arrependimento orientado ao outro (other-oriented regret), expresso pelo agressor, culmina na aceitação moral deste por parte das vítimas.

Na perspectiva de Govier e Verwoerd (2002Govier, T., & Verwoerd, W. (2002). The promise and pitfalls of apology. Journal of Social Philosophy, 33(1), 67-82. https://doi.org/10.1111/1467-9833.00124
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, p. 69), três movimentos centrais podem ser identificados em um pedido de desculpas, particularmente na esfera política. Primeiramente, o agressor reconhece seu erro e a ofensa por ele cometida. Ao fazer isso, fica também implícito o arrependimento, bem como a consequente mitigação da ofensa cometida, que, afinal, pode ser eventualmente desculpada. Em segundo lugar, ao pedir desculpas, o ofensor também reconhece o status moral da vítima como parte injustamente lesada. A terceira característica dos pedidos de desculpa, segundo Govier e Verwoerd (2002Govier, T., & Verwoerd, W. (2002). The promise and pitfalls of apology. Journal of Social Philosophy, 33(1), 67-82. https://doi.org/10.1111/1467-9833.00124
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, p. 70), está ligada ao reconhecimento da legitimidade do ressentimento (ou da raiva) por parte das vítimas.

Ainda com respeito à recuperação do status moral do agressor, embora Eelen (2014Eelen, G. (2014). A Critique of Politeness Theory: Volume 1. Routledge., p. 249) argumente que a moralidade não possa ser considerada como um conjunto fixo de regras de comportamento, as figuras políticas são normalmente demandadas a agir conforme alguns padrões sociais gerais, considerados aceitáveis e, havendo quebra de decoro, a comunidade tende a repudiar a evasão da responsabilidade, exigindo, portanto, pedidos de desculpas explícitos. Para Harris et al. (2006Harris, S & Grainger, K., & Mullany, L. (2006). The pragmatics of political apologies. Discourse & Society, 17(6), p. 715-737. https://doi.org/10.1177/0957926506068429
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), como os pedidos de desculpas de políticos pertencem ao domínio público, quanto mais grave a ofensa e mais proeminente for o político, maior será a divulgação do pedido de desculpas. Nessa direção, é possível desculpar-se para uma grande audiência, empregando uma ampla gama de estratégias, por exemplo, por meio de marcadores explícitos como “Peço perdão” e “Desculpem-me”, geralmente seguidos de expressões de aceitação da responsabilidade, de justificativas e de ofertas de reparo (Perini-Loureiro, 2021Perini-Loureiro, G. F. M. (2021). Analisando o desqualificável: um estudo sobre pedidos de desculpas de figuras públicas em redes sociais [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.). Dito de outro modo, em contraste com o que ocorre em pedidos de desculpas feitos por pessoas comuns, os pedidos de desculpas protagonizados por políticos são geralmente considerados bem-sucedidos somente quando realizados de forma explícita e não ambígua, bem como quando contém a aceitação explícita da responsabilidade pelo erro cometido, o que os torna, portanto, moralmente fundamentados.

É relevante notar ainda que o sucesso dos pedidos de desculpas pressupõe a criação de um efeito de sinceridade, como proposto por Searle (1969Searle, J. (1969). Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge University Press.). Relativamente a esse aspecto, os pedidos de desculpas costumam apresentar um prolongamento ilocucionário dos IFIDs, que são retoricamente complementados por uma sequência de vários atos de fala, desempenhados com o intuito de comunicar a força moral que o ofensor pretende conferir para a ocasião. Dessa forma, a felicidade do ato de pedir desculpas pode ser vista como a consecução da força ilocucionária do próprio IFID. Somado a isso, outros elementos linguísticos também estão normalmente presentes nos pedidos de desculpas, como será observado a seguir.

4. Tomada de postura e avaliação axiológica

A tomada de postura linguística é geralmente compreendida como um processo pelo qual um falante (ou um tomador de postura - stancetaker) posiciona-se acerca de um objeto de avaliação, concentrando sua atenção em uma determinada “qualidade ou valor” desse objeto (DuBois, 2008Du Bois, J. W. (2008). The stance triangle. In R. Englebretson (Ed.), Stancetaking in discourse: Subjectivity, evaluation, interaction (pp. 139-182). John Benjamins Publishing Company., p. 152). A postura compreende, assim, um tipo de caracterização axiológica, que implica a aceitação de certos valores socioculturais (Garfinkel, 1967Garfinkel, H. (1967). Studies in Ethnomethodoly. Routledge.; Mazzara, 1997Mazzara, B. (1997). Stereotipi e pregiudizi. Il Mulino.; Evans, 2016Evans, A. (2016). Stance and identity in Twitter hashtags. Language@Internet, 13(1), 47-63.).

Na perspectiva deste estudo, os elementos de afirmação social, cultural e moral ocupam uma posição central em pedidos de desculpas, principalmente de políticos, e estão diretamente relacionados à “felicidade” desses atos de fala. Especificamente no que concerne à axiologia, ou seja, à essência dos valores, alguns componentes linguísticos permitem identificar a avaliação da realidade, feita por meio do agrupamento de entidades, às quais são atribuídos determinados valores, ou características específicas (Garfinkel, 1967Garfinkel, H. (1967). Studies in Ethnomethodoly. Routledge.; Mazzara, 1997Mazzara, B. (1997). Stereotipi e pregiudizi. Il Mulino.). Esse agrupamento de entidades como objeto de avaliação comum é relevante porque o fenômeno axiológico está fortemente associado a critérios de pertencimento e de aceitação por uma comunidade. A categorização axiológica é, portanto, fundamentada em traços pré-estabelecidos, considerados típicos de um determinado grupo social, tais como, nacionalidade, gênero, idade, raça, religião e orientação político-ideológica.

Particularmente no que concerne às ofensas verbais, os julgamentos morais estão presentes não somente nas avaliações da comunidade em geral sobre o comportamento rude ou indelicado, mas também na tomada de postura dos próprios agressores, como é expressa nos pedidos de desculpas, especialmente os públicos. Nessa direção, acerca da relação entre avaliação axiológica e (im)polidez, Eelen (2014Eelen, G. (2014). A Critique of Politeness Theory: Volume 1. Routledge., p. 109) argumenta que “a própria essência da (im)polidez é expressa no momento avaliativo”, que implica julgar o comportamento agressivo, bem como o próprio agressor.

A distinção entre avaliação do comportamento e avaliação do autor desse comportamento é também analisada por Davies (2018Davies, B. (2018). Evaluating evaluations: what different types of metapragmatic behaviour can tell us about participants’ understandings of the moral order. Journal of Politeness Research, 14(1), 121-151. https://doi.org/110.1515/pr-2017-0037
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), que a caracteriza por meio de três diferentes elementos ou “níveis” de avaliação: a avaliação de eventos, avaliação de agentes e a avaliação das normas vigentes. Especificamente com respeito a eventos verbais agressivos, caso deste estudo, os espectadores costumam demonstrar limites bastante claros quanto ao que pode ser considerado ofensivo ou não (Davis, 2018Davies, B. (2018). Evaluating evaluations: what different types of metapragmatic behaviour can tell us about participants’ understandings of the moral order. Journal of Politeness Research, 14(1), 121-151. https://doi.org/110.1515/pr-2017-0037
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; Spencer-Oatey & Xing, 2019Spencer-Oatey, H., & Xing, J. (2019). Interdisciplinary perspectives on interpersonal relations and the evaluation process: Culture, norms, and the moral order. Journal of Pragmatics , 151, 141-154. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2019.02.015
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).

No caso dos pedidos de desculpas feitos por políticos, a sinceridade desses pedidos está atrelada ao aspecto moral do evento ofensivo, envolvendo, dessa forma, a tentativa de reconciliação entre a parte ofendida e o autor do agravo. Tendo em vista essa característica, os elementos linguísticos relacionados à tomada de postura constituem-se em componentes importantes nesse tipo de estudo. Nessa direção, Simaki et al. (2017, p. 5) identificaram algumas categorias que envolvem expressões linguísticas de: acordo/desacordo, certeza/incerteza, contrariedade, hipoteticalidade, necessidade, predição, (im)polidez, evidencialidade e volição.

Presentes em pedidos de desculpa considerados efetivos, esses elementos apontam para o aspecto linguístico da tomada de postura por atores políticos na tentativa de reconciliação com a parte ofendida, bem como com uma audiência mais ampla e, por isso, são elementos importantes em nosso estudo, que tratará de dados produzidos em língua portuguesa brasileira.

5. Metodologia

Os dados deste estudo provêm de 20 pedidos de desculpas públicos, veiculados nos principais canais de comunicação brasileiros entre 2010 e 2021. Feita a compilação desses dados, eles foram carregados na plataforma Sketch Engine. Após isso, por meio da geração de uma lista de palavras, foi possível identificar os atos de fala que continham formas convencionalizadas (IFIDS) de pedir desculpas, tornando possível uma avaliação quantitativa inicial dos dados coletados.

Após a identificação dos IFIDS, foi feita uma análise qualitativa manual dos pedidos de desculpas coletados, com vistas a identificar os elementos linguísticos que potencialmente poderiam atuar para enriquecer a força ilocucionária do ato de desculpar-se. Nessa etapa, reafirmou-se a premissa de que é importante combinar ferramentas automatizadas com o exame manual das ocorrências na tentativa de identificar instâncias de atos de fala específicos, bem como os elementos linguísticos que os compõem (Su & Wei, 2018Su, H., & Wei, N. (2018). I’m really sorry about what I said: A local grammar of apology. Pragmatics, 28(3), 439-462. https://doi.org/10.1075/prag.17005.su
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; Rühlemann & Aijmer, 2015Rühlemann, C., & Aijmer, K. (2015). Corpus Pragmatics: Laying the Foundations. In K. Aijmer & C. Rühlemann (Eds.), Corpus Pragmatics: A Handbook (pp. 1-26). Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9781139057493.001
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, p. 13-14).

Na seção seguinte, procederemos à análise de duas amostras integrais de pedidos de desculpas, com o objetivo de proceder a um detalhamento dos aspectos linguísticos neles envolvidos. Essa seleção foi feita de forma aleatória e foi motivada pela restrição de espaço deste artigo. Apesar de os autores dos pedidos de desculpas serem públicos, sua identidade foi removida dos dados, já que essa informação não representava um aspecto significativo para a análise, que se centrou, especificamente, em aspectos linguístico-pragmáticos concernentes aos pedidos de desculpas em foco.

6. Resultados

Análise quantitativa

Nesta seção, serão apresentados os resultados quantitativos dos pedidos de desculpas coleados neste estudo. Eles serão analisados com base na presença de IFIDS, que caracterizam linguisticamente a realização desse ato de fala e que, potencialmente, são identificados pelo emprego de expressões fixas tais como “Eu me desculpo”, “Eu sinto muito”, “Perdoe-me”, entre outras.

Incidência dos IFIDs nos pedidos de desculpas coletados

Conforme mencionado na seção de Metodologia, na fase inicial do estudo, foram coletados 20 pedidos públicos de desculpas, produzidos por políticos brasileiros, entre 2010 e 2021. O Gráfico 1 ilustra os principais resultados dessa coleta.

Gráfico 1
Incidência dos IFIDs nos pedidos de desculpas coletados

Como pode ser observado no Gráfico 1, entre os 20 pedidos públicos de desculpas coletados, a maioria significativa apresenta IFIDS. Considerando que os IFIDs são vistos como recursos importantes para a consecução da força perlocucionária dos pedidos de desculpas (Schmidt, 2010Schmidt, T. (2010). We Say Sorry: Apology, the Law and Theatricality. Law Text Culture, 14(11), 55-78. https://ro.uow.edu.au/ltc/vol14/iss1/5 (Acessado em 23 março, 2023).
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), esses dados representam um componente relevante. Diante desse achado, apresentamos, a seguir, a análise de 02 pedidos de desculpas, feita de forma qualitativa. Como já mencionado na Metodologia, esse recorte foi feito para atender às limitações de espaço deste artigo.

Análise qualitativa

Esta seção, apresenta a análise qualitativa integral de dois pedidos de desculpas selecionados aleatoriamente em nosso corpus. Eles são representativos dos dados coletados na pesquisa, que reuniu pedidos de desculpas públicos de políticos brasileiros realizados entre 2010 e 2021.

Pedido de Desculpas 1 - PD1

Figura 1
Pedido de desculpas 1 - PD1

Acusado de banalizar o Holocausto, por comparar lideranças políticas brasileiras com lideranças nazistas, um senador brasileiro produziu, em maio de 2021, o pedido de desculpas oficial analisado a seguir (PD1). O PD1 é iniciado por meio de um preâmbulo, no qual o ofensor contextualiza a ofensa cometida: “a última segunda-feira (3), o portal UOL promoveu um debate sobre a CPI da Pandemia no Senado Federal”. A construção deste preâmbulo é relevante, pois confirma a visão de que o pedido de desculpas de políticos é destinado ao público geral, com o qual a figura pública pretende reconciliar-se, ou reforçar seus laços de pertencimento (Locher & Watts, 2008Locher, M. A., & Watts, R.J. (2008). Relational work and impoliteness: Negotiating norms of linguistic behaviour. De Gruyter Mouton.; Locher, 2014Locher, M. A. (2014). The relational aspect of language: avenues of research. Proceedings of the Conference of the German Association of University teachers of English, 309-322. http://edoc.unibas.ch/dok/A6243487 (Acessado em 17 março, 2023).
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; Miller, 2008Miller, V. (2008). New media, networking and phatic culture. Convergence, 14, 387-400. https://doi.org/10.1177/1354856508094659
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). Contextualizar o episódio da ofensa serve ainda para oferecer os elementos considerados necessários com vistas a um julgamento melhor informado da audiência, sendo, por isso, em geral, produzido em benefício do causador da ofensa, conforme Perini-Loureiro (2021Perini-Loureiro, G. F. M. (2021). Analisando o desqualificável: um estudo sobre pedidos de desculpas de figuras públicas em redes sociais [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.) também aponta.

Em seguida ao preâmbulo, é possível identificar o Movimento 1, como proposto por Govier e Verwoerd (2002Govier, T., & Verwoerd, W. (2002). The promise and pitfalls of apology. Journal of Social Philosophy, 33(1), 67-82. https://doi.org/10.1111/1467-9833.00124
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), no qual o agressor reconhece seu erro e a ofensa por ele cometida. A admissão de culpa é feita, porém, de forma implícita, tendo em vista que a ofensa é avaliada como um deslize verbal: “Acredito que algumas de minhas colocações poderiam ter sido melhor elaboradas”. Como pode ser observado, a avaliação (ou a tomada de postura) sobre a ofensa cometida é construída, nesse trecho, principalmente por meio do emprego de um verbo lexical modalizador (“acredito”), combinado com o uso do futuro do pretérito (“poderiam”). Em conjunto, ambas as formas verbais servem para aumentar a distância epistêmica, ou diminuir o grau de certeza expresso no enunciado.

Conforme já observado por Oliveira, Cunha & Miranda (2017Oliveira, A. L. A. M., Cunha, G. X, & Miranda, M. V. (2017). Nominalizations as complex strategies of politeness and face-work in scientific papers written in Brazilian Portuguese. Cadernos de estudos linguísticos, 59(2), 361-374. https://doi.org/10.20396/cel.v59i2.8649880
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), a mitigação da certeza funciona como uma estratégia de polidez complexa, já que, por um lado, atua na proteção da face positiva do autor da mensagem. Por outro lado, serve ainda para reconhecer o espaço psicológico da audiência, resguardando algum grau de autonomia quanto ao julgamento desta acerca da gravidade da agressão cometida. Além disso, o emprego de estratégias de polidez no PD1 opera para tentar reintegrar o agressor à sua comunidade, estando, pois, associado à necessidade de ser aprovado o pelo grupo.

Em seguida, o status moral das vítimas é explicitamente reconhecido e, ao mesmo tempo em que o ressentimento delas é legitimado, ele é também atenuado pelo uso do termo “desconforto”: “Digo isso pelo desconforto causado pela fala sobre o julgamento da história sobre a responsabilidade do morticínio no Brasil, decorrente da pandemia do novo Coronavírus, assim como a história julgou o morticínio de milhões de vidas de judeus e judias”.

Se, por um lado, o autor do PD atenua a agressão cometida ao caracterizá-la como um “desconforto”, o trecho também evidencia a aceitação de certos valores socioculturais, tais como o valor da vida e a responsabilidade por erros cometidos. Esses valores são alçados à categoria de objeto de atenção comum e servem para reaproximar o autor da agressão e das vítimas, ratificando um potencial pertencimento de grupo (Miller, 2008Miller, V. (2008). New media, networking and phatic culture. Convergence, 14, 387-400. https://doi.org/10.1177/1354856508094659
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). Nessa direção, registra-se ainda que o PD procura empregar uma estratégia de reconciliação moral com as vítimas que é construída por meio da tentativa de reversão dos efeitos ligados à despersonalização e à perda de identidade que marcam os insultos de ordem racista e xenofóbica (Munanga, 2006Munanga, K. (2006). Algumas considerações sobre “raça”, ação afirmativa e identidade negra no Brasil: fundamentos antropológicos. Revista USP, 68, 46-57. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i68p46-57
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).

Nesse ponto, há, ainda, uma tentativa de alinhamento axiológico (Garfinkel, 1967Garfinkel, H. (1967). Studies in Ethnomethodoly. Routledge.; Mazzara, 1997Mazzara, B. (1997). Stereotipi e pregiudizi. Il Mulino.; Evans, 2016Evans, A. (2016). Stance and identity in Twitter hashtags. Language@Internet, 13(1), 47-63.), por meio do qual o agressor objetiva aliar-se à parte ofendida, posicionando-se explicitamente contrário a um agressor ainda maior e repulsivo (o holocausto). Há, portanto, no trecho, um deslocamento momentâneo da ofensa e das responsabilidades dela advindas, que passam a ser concentradas em outro ente, identificável, sobretudo, pelo uso repetido do item lexical “morticínio”.

No parágrafo seguinte, o tema da admissão da culpa do ofensor é retomado, o que novamente é feito por meio de atenuantes, nesse caso, pelo uso do concessivo “apesar”: “Apesar de falar, na ocasião, de que não era uma comparação”. A admissão da culpa, nesse trecho, também inclui uma demonstração de solidariedade com a parte ofendida, bem como o conhecimento de seu status como parte lesada. Esse recurso reforça, uma vez mais, o fato de que o autor da ofensa aceita as normas reconhecidas pela comunidade da qual faz parte (Mills, 2003Mills, S. (2003). Gender and Politeness. Cambridge University Press.), sendo, portanto, virtualmente digno de perdão. Por outro lado, a avaliação da ofensa como um equívoco verbal permanece na centralidade do PD: concordo que a afirmação foi mal formulada.

O movimento seguinte é elaborado para reabilitar a face positiva do próprio autor do PD, que ressalta seu status deôntico e sua identidade de historiador, utilizado para reclassificar, mais uma vez, a ofensa como um “equívoco”: “Como historiador, tenho conhecimento das atrocidades cometidas no período e da dor que causam até hoje”. Nesse ponto, a reabilitação moral da figura política é o foco de atenção comum. Para tentar obtê-lo, o marcador “inclusive” é utilizado no início do trecho: “Inclusive, nosso mandato apresentou o PL 1133 de 2021 que aumenta apenas para o crime de divulgação do nazismo e cria o crime denegação da existência do holocausto”.

Segundo Aijmer (2013Aijmer, K. (2013). Analyzing modal adverbs as modal particles and discourse markers. In L. Degand, B. Cornille & P. Pietrandrea (Eds.), Discourse markers and modal particles: categorization and description (pp. 89-106). John Benjamins Company.), marcadores deste tipo desempenham o papel pragmático de indexadores da intenção comunicativa do enunciado em foco, ou seja, atuam como uma partícula de ressalte. Nesse trecho, o uso de “inclusive” serve, principalmente, para assinalar a sinceridade do PD, que se centra na intenção de reparar o status moral do autor da ofensa para que ele possa ser visto como digno de confiança e de respeito (Tavuchis, 1991Tavuchis, N. (1991). Mea culpa: A sociology of apology and reconciliation. Stanford University Press.).

Em seu parágrafo final, o PD retoma a estratégia de afirmação do respeito à parte lesada: “O respeito à memória das milhões de vítimas é um permanente tributo às histórias brutalmente interrompidas”. Essa afirmação prefacia o emprego de um IFID, ratificado pelo uso do modificador “sinceras” e pela contundente admissão da culpa pela ofensa causada, que é comparada a uma “ferida aberta”: “Ofereço minhas sinceras desculpas com as feridas abertas devido à minha fala”. O uso do IFID, nesse trecho, também ressalta o potencial efeito moral dos pedidos de desculpas, vistos como formas de reparação da moral da imagem do agressor (Tavuchis 1991Tavuchis, N. (1991). Mea culpa: A sociology of apology and reconciliation. Stanford University Press.). Esse aspecto ainda reafirma o argumento de Eelen (2014Eelen, G. (2014). A Critique of Politeness Theory: Volume 1. Routledge.) com relação ao fato de que as figuras políticas, em caso de quebra de decoro, são normalmente compelidas a admitirem sua culpa, já que a comunidade em geral costuma repudiar a simples evasão da responsabilidade.

Pedido de Desculpas 2 - PD2

Figura 2
Pedido de Desculpas - PD2

Após minimizar as agressões físicas, cometidas contra mulheres no Rio Grande do Norte, e ser criticado pela bancada feminina no Senado, um Senador brasileiro emitiu, em julho de 2021, o PD2 a ser analisado a seguir. Diferentemente do PD1, que continha um preâmbulo explicativo do contexto inicial da ofensa, o PD2 começa com o Movimento 1, como proposto por Govier & Verwoerd (2002Govier, T., & Verwoerd, W. (2002). The promise and pitfalls of apology. Journal of Social Philosophy, 33(1), 67-82. https://doi.org/10.1111/1467-9833.00124
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), no qual o agressor reconhece a ofensa por ele cometida. A admissão de culpa é feita, de forma explícita, com o uso de um IFID: “Peço desculpas”, dirigido a uma audiência ampliada: “minhas colegas senadoras e todas as brasileiras que se sentiram ofendidas”. Somente após a ocorrência do IFID, a contextualização da ofensa é feita, o que ocorre por meio de uma breve referência ao episódio envolvendo a agressão verbal: “minha fala sobre o caso de um policial que agrediu uma mulher no meu estado”.

Em seguida, o autor do PD procura atingir a reconciliação moral com a parte ofendida, emitindo um julgamento, o que é feito pela focalização em um ponto comum de atenção, na tentativa de gerar um alinhamento de posturas (Dubois, 2008Du Bois, J. W. (2008). The stance triangle. In R. Englebretson (Ed.), Stancetaking in discourse: Subjectivity, evaluation, interaction (pp. 139-182). John Benjamins Publishing Company.): “Nenhuma mulher MERECE qualquer tipo de violência. MERECE, sim, respeito”. Essa afirmação categórica, e a consequente ênfase nela veiculada, é obtida pelo emprego de caixa alta e da repetição do termo “merece”, aludindo diretamente à fala originária da agressão: “Não sei o que aconteceu para a mulher merecer uns tapas”. No PD, no entanto, diferentemente da fala original, o termo “merece” é seguido de “respeito” (e não de “uns tapas”).

No trecho seguinte, a ofensa cometida é reconfigurada como um deslize verbal (“errei no verbo usado”), servindo para atenuar o potencial ofensivo da declaração ofensiva, que passa ser avaliada como um ato não-intencional e, portanto, digno de perdão: “Errei no verbo usado, sei disto, mas afirmo que a minha intenção não era, de forma alguma, ofender essa mulher ou qualquer outra cidadã, até porque tenho muito respeito por todas vocês”. Nesse ponto, note-se o uso do marcador pragmático “até porque” que, de acordo com Santana et al. (2021), é indicativo de força epistêmica, sendo normalmente empregado para sugerir uma justificativa baseada em crenças, em geral produzida como forma de refutação ou de reação a um episódio negativo.

O trecho seguinte é representativo de um movimento explícito de evasão da culpa, alcançado por meio da reclassificação do evento ofensivo que, anteriormente recategorizado como um equívoco, passa agora a ser avaliado como um produto de manipulação, cujos responsáveis o autor não aponta claramente: “A minha fala foi tirada de uma ‘live’ sobre outro assunto e divulgada fora de contexto”. Diferentemente do que normalmente ocorre em pedidos de desculpas de políticos, a evasão da culpa é ainda reafirmada pela tentativa de mitigação do potencial ofensivo da declaração, bem como pelo realce dado às alegadas boas intenções do ofensor: “Meu intuito, no entanto, não foi, em momento algum, repito, ofender as mulheres”.

A partir desse ponto, o agressor passa também a propor uma possível reformulação de sua fala inicial, mais uma vez ratificando a caracterização da ofensa como um deslize verbal momentâneo: “A pergunta correta deveria ter sido: ‘o que OCORREU?”. Além da mitigação da responsabilidade, essa proposta tardia de reformulação da fala ofensiva também opera para mitigar o potencial ofensivo do insulto, atenuando o julgamento moral sobre o ofensor (Davis, 2018Davies, B. (2018). Evaluating evaluations: what different types of metapragmatic behaviour can tell us about participants’ understandings of the moral order. Journal of Politeness Research, 14(1), 121-151. https://doi.org/110.1515/pr-2017-0037
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; Spencer-Oatey & Xing, 2019Spencer-Oatey, H., & Xing, J. (2019). Interdisciplinary perspectives on interpersonal relations and the evaluation process: Culture, norms, and the moral order. Journal of Pragmatics , 151, 141-154. https://doi.org/10.1016/j.pragma.2019.02.015
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).

Por outro lado, a proposta de reformulação da fala original pelo uso de “O que OCORREU?” também acena para a possibilidade de que a agressão feminina possa, de algum modo, ser justificada, dependendo do tipo de evento desencadeador. Por essa razão, o PD2 pode ser classificado como insincero (Searle, 1969Searle, J. (1969). Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge University Press.) e, por conseguinte, pouco efetivo no que diz respeito à sua capacidade de ir ao encontro das expectativas da comunidade ofendida, inviabilizando, por isso, um potencial resgate moral do agressor.

Segue-se, então, um trecho contendo um novo IFID: “De qualquer forma, peço novamente desculpas pela forma equivocada com que me fiz entender, embora de forma não intencional”, em que a culpa pela ofensa é, mais uma vez, atenuada e recategorizada como não-dolosa. O fechamento do PD apresenta, ainda, uma tentativa de reparo, ancorada, por um lado, na tentativa de valorização da causa feminina: “Tenho projetos de lei para defender as mulheres e apoio todo e qualquer projeto que combata a violência contra elas” e, por outro, na reconquista da imagem pública do próprio agressor, que busca a aprovação da comunidade ofendida por meio da descrição de sua trajetória política: “Tenho projetos de lei para defender as mulheres e apoio todo e qualquer projeto que combata a violência contra elas. Assim foi minha trajetória na corporação, é e será na minha vida profissional e pessoal: em defesa das mulheres, sempre!”. Observa-se, então, que a alegada defesa da causa feminina passa, uma vez mais, a ser focalizada como um objeto de atenção comum, na tentativa de propor uma reconciliação entre agressor e vítimas que, na visão do ofensor, compartilham os mesmos tipos de julgamentos axiológicos sobre a condição da mulher.

Como pode ser observado até aqui, diferentemente do PD1, o PD2 é centrado na mitigação da culpa e na tentativa de valorização da imagem do próprio ofensor. Para isso, o autor recorre, entre outras estratégias, a uma alegada vitimização de si como alguém que teve sua fala distorcida. Esse aspecto, além da evasão da culpa e da insinceridade, torna o PD2 virtualmente menos “felizes” do ponto de vista da reconquista da aprovação da comunidade (Miller, 2008Miller, V. (2008). New media, networking and phatic culture. Convergence, 14, 387-400. https://doi.org/10.1177/1354856508094659
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), apresentando, por isso, eventualmente, um menor potencial reconciliador.

Considerações finais

Este estudo revelou que a maioria significativa dos PDs analisados continham IFIDs. Como os PDs são eventos de fala complexos, contendo vários atos de fala combinados, que prolongam o efeito ilocucionário do próprio IFID, a presença deste, por si só, ajuda a garantir o efeito perlocucionário dos PDs, diferentemente do que ocorre com os PDs feitos por outras figuras públicas, conforme demonstrou Perini-Loureiro (2021Perini-Loureiro, G. F. M. (2021). Analisando o desqualificável: um estudo sobre pedidos de desculpas de figuras públicas em redes sociais [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Minas Gerais.).

Quanto à tentativa de recomposição moral do ofensor, os dados indicam que, no caso de PDs feitos por políticos, ela é mais eficaz, do ponto de vista da felicidade (“felicity”) do ato de fala, quanto mais combinada ela for com o emprego de estratégias de polidez relacional, incluindo a admissão da culpa, que pode ser feita de modo explícito ou não. Em conjunto, esses dois elementos atuam para forjar a identidade do agressor como alguém digno de perdão, além de também valorizar a face das próprias vítimas, reforçando os laços sociais usualmente construídos nas comunidades em geral (Miller, 2008Miller, V. (2008). New media, networking and phatic culture. Convergence, 14, 387-400. https://doi.org/10.1177/1354856508094659
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).

No caso do PD1, registra-se uma forte aproximação com a parte lesada, representada por uma demonstração de solidariedade com a comunidade ofendida, com a qual o agressor se identifica, especificamente ao empregar termos como, “morticínio” e “feridas abertas”. No PD2, essa expressão de solidariedade não é identificável ou é avaliada como insincera, principalmente pela sugestão da substituição da fala ofensiva por: “O que OCORREU?”. Essa proposta de substituição alude a uma paráfrase (ou a um reforço) da ofensa cometida: “O que ocorreu (para a mulher merecer uns tapas)?”. Por essa razão, o potencial reparador do PD1 é superior àquele identificado no PD2. Além disso, é possível afirmar, pelos dados analisados, que o grau de efetividade dos PDs de políticos está associado à construção do pertencimento de grupo, que, em geral, transcende as vítimas diretamente ofendidas, estando também fundado em aspectos axiológicos mais amplos, relativos à observação das normas morais vigentes.

Em suma, este artigo especulou sobre uma possível associação entre o emprego de estratégias de polidez relacional e as expressões de postura em PDs de políticos, o que foi confirmado pelos dados analisados. Como os PDs de políticos, apesar de pouco frequentes, costumam gerar grande repercussão na mídia, entendemos que este estudo possa ter dado um pequeno passo à frente na área de pesquisas sobre (im)polidez linguística, expressão de atitude e identidade de grupo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2021
  • Aceito
    07 Set 2022
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