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Lingüística funcional: teoria e prática

NOTAS SOBRE LIVROS BOOKNOTES

Por/By: Marcelo Módolo

PG/DLCV/FFLCH-USP. E-mail: <modolo@usp.br>

CUNHA, Maria Angélica Furtado da; Mariangela Rios de Oliveira & Mário Eduardo Martelotta (orgs.). 2003. Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A/ Faperj. ISBN 85-7490-240-3. 140 p.

Lingüística funcional: teoria e prática é um empreendimento dos integrantes do Grupo de Estudos "Discurso & Gramática" (D&G), que congrega pesquisadores de 5 grandes Universidades: 1) Estadual do Rio de Janeiro, 2) Federal do Estado do Rio de Janeiro, 3) Federal do Rio de Janeiro, 4) Federal do Rio Grande do Norte e 5) Federal Fluminense.

A obra teve como ponto-de-partida um relatório homônimo, escrito em 1992 e de autoria do lingüista Sebastião Josué Votre, criador e mentor do (D&G).

Segundo os organizadores, os objetivos desse livro são dois: i) "o tratamento introdutório de princípios e pressupostos do funcionalismo norte-americano, acompanhados de considerável exemplificação", e ii) "o exercício de aplicação desse aparato ao ensino-aprendizagem de língua materna no Brasil." Os organizadores ainda justificam a elaboração e publicação desse trabalho, devido à ausência de material correspondente ou semelhante em circulação no mercado editorial brasileiro.

Mais pormenorizadamente, capítulo a capítulo, temos o seguinte quadro:

1. A visão funcionalista da linguagem no século XX - Mário Eduardo Martelotta e Eduardo Kenedy Areas enfeixam alguns fatores histórico-lingüísticos que levaram à formação do funcionalismo na Europa e nos Estados Unidos. Da vertente européia, o funcionalismo praguense é o mais esmiuçado, ao lado de rápidas considerações sobre a Escola de Genebra (Charles Bally, Albert Sechehaye e Henri Frei) e sobre os lingüistas André Martinet, M.A.K. Halliday e Simon Dik. Já o funcionalismo norte-americano é apresentado com base na tríade Paul Hopper, Sandra Thompson e Talmy Givón, também basilares para a concepção desse livro. Há igualmente breves comentários sobre "dissidentes" da teoria gerativa - como Ronald W. Langacker e George Lakoff, representantes da lingüística funcional cognitiva, e de Elizabeth Closs Traugott, representante dos estudos sobre gramaticalização.

Esse capítulo problematiza ainda a bipartição que se acentuou e que caracterizou os estudos lingüísticos, depois da publicação do Cours de linguistique générale (1916) em: i) lingüística independente do falante (formal) e ii) lingüística centrada no falante (não-formal).

2. Pressupostos teóricos fundamentais - Maria Angélica Furtado da Cunha, Marcos Antonio Costa e Maria Maura Cezario introduzem nove princípios básicos do funcionalismo, aqui definidos brevemente:

i) iconicidade - "correlação natural entre forma e função, entre código lingüístico (expressão) e seu designatum conteúdo" p. 30-31;

ii) marcação - particularidade que distingue por oposição binária um termo (marcado) de outro (não marcado), levando-se me conta i) complexidade estrutural, ii) distribuição de freqüência e iii) complexidade cognitiva;

iii) transitividade - noção contínua, escalar;

iv) planos discursivos - conceituação de figura (parte central) e de fundo (periférica);

v) informatividade - compartilhamento de informações pelos interlocutores, em todos os níveis da codificação lingüística;

vi) gramaticalização - contínuo "fazer-se" da gramática, uma gramática sempre emergente, no sentido hopperiano;

vii) discursivização - criatividade lingüística do falante em organizar funcionalmente seu texto para um determinado ouvinte, em uma determinada situação comunicativa;

viii) ciclo funcional - mecanismo cíclico empregado na evolução lingüística;

ix) unidirecionalidade - direção para a qual se propaga a mudança lingüística, dos conceitos concretos para os mais abstratos.

Tais princípios são definidos segundo as teorias já existentes e, em seguida, reformulados e acrescentados - quando possível - com pesquisas feitas pelos integrantes do Grupo de Estudos Discurso & Gramática.

A exemplificação para esses princípios é vasta: 44 transcrições de língua falada, retiradas do acervo de transcrições do Grupo (D&G).

3. A mudança lingüística - Martelotta apresenta proposta de análise da mudança lingüística com base em princípios funcionalistas. O capítulo subdivide-se em i) "Funcionalismo e mudança" e ii) "A natureza da mudança".

No subitem i) "Funcionalismo e mudança" - O autor explora conceitos existentes na literatura sobre gramaticalização, o ponto-chave da mudança lingüística sob a óptica funcional. Propõe também que a mudança não seja compreendida como uma diacronia linear, na medida em que tendências cognitivas e conversacionais agem regularmente sobre a língua. Assim, "os mesmos tipos de mudança ocorrem em todas as fases da história das línguas e tenderão a continuar ocorrendo", p. 60.

Em ii) "A natureza da mudança" - O lingüista diz que a trajetória de mudança de um elemento lingüístico é resultado de, no mínimo, três aspectos distintos: tempo, cognição e uso.

4. Estabilidade e continuidade semântica e sintática - Ao nadar contra a corrente das preocupações de boa parte da comunidade científica atual, Lucia Maria Alves Ferreira mostra que a língua não só é feita de mudanças, mas de estruturas que se mantêm, que se cristalizam ao longo do tempo.

Ferreira ilustra essa estabilidade de alguns elementos da língua, ao resumir três pesquisas:

i) "Os usos de onde" - Leonor de Araújo Bezerra Oliveira confirma o caráter multicategorial e multifuncional de onde, não apenas nas várias sincronias do português, mas também no latim; ii) "O modal poder" - Lucia Maria Alves Ferreira exibe noções de modalização disponíveis desde o latim arcaico no verbo posse, que deu origem a *potere e posteriormente a poder; iii) "Os verbos de cognição" - Sebastião Josué Votre mostra que as configurações sintático-semânticas de verbos como ver, achar, pensar e saber no português atual são intimamente relacionadas às configurações correspondentes no latim.

No quarto e último subitem desse capítulo, iv) "Por uma interpretação funcionalista da estabilidade" - A autora propõe uma sucinta interpretação desse fenômeno lingüístico.

5. Lingüística funcional aplicada ao ensino do português - Mariangela Rios de Oliveira e Victoria Wilson Coelho demonstram a aplicabilidade dos princípios da lingüística funcional no ensino de português para os níveis fundamental e médio. O capítulo divide-se ainda em:

i) "Objetivos gerais do ensino de língua portuguesa" - Nesse subitem, Oliveira & Coelho partem das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, das LDBs 9.394/96, e dos documentos subseqüentes dessas Leis, em especial os Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs. Ao analisar os PCNs, as autoras procuram correlacionar a perspectiva funcionalista de tratamento dos dados lingüísticos a esses Parâmetros, que, ao privilegiarem uma doutrina gramatical de perspectiva interacional e social, acabaram por vir ao encontro aos preceitos funcionalistas; ii) "Uma proposta de aplicação" - Oliveira & Coelho apresentam uma coletânea de quatro textos orais e seus correspondentes escritos, produzidos por estudantes de quatro cidades brasileiras na década de 1990. Esses textos são explorados em suas especificidades de texto oral e texto escrito, em seguida são estudados pontos gramaticais.

6. Rumos da lingüística funcional - Nesse último capítulo; Cunha, Oliveira & Martelotta mostram o que foi feito em termos de lingüística funcional no Brasil e o que ainda está por se fazer.

Esse capítulo, segundo os autores, "trata dos caminhos que a pesquisa em funcionalismo, tal como por nós é praticada, tende a trilhar, apontando ainda para dúvidas e preocupações futuras", p. 123. O capítulo subdivide-se em três subitens, o primeiro e o terceiro escritos de forma telegráfica: i) "Algumas constatações", 6 itens; ii) "Novas tendências" e iii) "Questões a investigar ou em processo de investigação", 7 itens.

O segundo e o terceiro subitens procuram dar conta da transdisciplinariedade que fará interface com a lingüística funcional no século XIX.

A obra, além de constituir-se em uma introdução ao funcionalismo norte-americano, com destaque para a corrente givoniana, também oferece resultados de algumas pesquisas elaboradas pelos integrantes do Grupo (D&G) sobre o português brasileiro. Os autores preocuparam-se ainda em sugerir como tais pesquisas podem ser aproveitadas em sala-de-aula, para o ensino fundamental e médio, correlacionando-as com os PCNs.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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