Resumo
A relação entre a semântica e a léxico-gramática é apontada por Halliday como uma relação natural na estratificação da linguagem. As metáforas gramaticais resultam de uma tensão entre esses dois estratos, o que envolve um remapeamento das possibilidades que o sistema dispõe ao escritor. Referentes às três metafunções da linguagem, as metáforas gramaticais podem ser do tipo ideacional, interpessoal ou textual. A metáfora ideacional apresenta dois subtipos: a experiencial e a lógica, esta em que os conectores podem ser refraseados em grupos verbais, grupos nominais, adjetivos e preposições. Este artigo tem por objetivo verificar o uso da metáfora ideacional do tipo lógico empregada em dez teses recentemente defendidas em um Programa de Pós-Graduação no Brasil. Por meio da ferramenta computacional Voyant Tools, foi feita a listagem de palavras e consequente conferência e análise qualitativa dos casos de metaforização lógica por meio da transcategorização para coisas, qualidades, processos e circunstâncias. Os resultados apontam para a prevalência de metáforas lógicas por meio de processos e de grupos nominais de causa/propósito e de adição.
Palavras-chave:
Linguística Sistêmico-Funcional
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Metáfora gramatical
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Metáfora lógica
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Argumentação
Abstract
The relation between semantics and lexicogrammar is pointed out by Halliday as a natural relation within the stratification of language. Grammatical metaphors result from a tension between these two strata, which isto f a remapping of possibilities that the system provides to the speaker/writer. In relation to the three metafunctions, isto f al metaphors can be from ideational, interpersonal or textual natures. Ideational metaphors isto f two subtypes: experiential and logical, the latter in which connectives may go through rewording in verbal groups, nominal groups, adjectives and prepositions. This article aims to verify the usage of isto f al metaphors of the logical subtype employed in tem theses recently defended in a Brazilian Post-Graduation Program. Through Voyant Tools, a isto f words was made and, then, the correction and qualitative analysis of logical metaphorization cases through transcategorization into things, qualities, processes and circumstances. Results point to the prevalence of logical metaphors through processes and nominal groups of cause/purpose and through addition.
Keywords:
Systemic-Functional Linguistics
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Grammatical metaphor
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Logical metaphor
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Argumentation
1. Introdução
O desenvolvimento da linguagem humana se dá, segundo Halliday e Matthiessen (1999, p. 618), em três fases: generalização, abstração e metaforização, as quais “fornecem a energia semiótica para a gramática, permitindo que ela sirva como a força motriz para a construção da experiência na forma de conhecimento científico”. Com um movimento progressivo no decorrer da vida em sociedade, o ser humano passa por “várias versões da experiência” (Halliday & Matthiessen, 1999, p. 618) e ontogeneticamente vai recategorizando sua experiência até chegar à fase da metaforização. Por meio de um processo que os autores denominam sociossemiológico, o potencial de significado é expandido e enriquecido. Assim, o fenômeno da transcategorização de elementos parece ser uma característica da gramática de todas as línguas. Isso implica duas coisas: (i) que cada étimo pertence inerentemente a uma classe principal; (ii) que pelo menos alguns étimos podem ser transferidos para outra classe - por algum meio gramatical, sintático e/ou morfológico. Assim, nas línguas indo-europeias, há tipicamente uma bateria de morfemas derivacionais pelos quais uma raiz pode ser transcategorizada (Halliday & Matthiessen, 1999, p. 242).
O conceito de metáfora gramatical (MG) foi apresentado por Halliday (1985) como uma conceituação diferente da tradição de figura literária. Para ele, a MG origina-se da tensão entre dois estratos da linguagem: a semântica do discurso e a léxico-gramática (Halliday, 1985; Halliday & Martin, 1993; Devrim, 2015). Sendo assim, a MG consiste, para Halliday (2014, p. 665), em “relações de realização incongruentes entre semântica e léxico-gramática”. Na realidade, a MG constitui um “acoplamento cruzado” (Halliday, 2024, p. 665) entre os dois estratos do plano de conteúdo, uma vez que uma sequência pode ser realizada por uma oração (figuras), uma figura por um grupo e um elemento por uma palavra. Isso significa que “a linguagem precisa ser lida em pelo menos dois níveis (isto é, metaforicamente), com um nível refletindo diretamente a gramática e, além disso, outro nível de semântica simbolicamente relacionado” (Devrim, 2015, p. 1).
Há três tipos de processos metafóricos na perspectiva da Linguística Sistêmico-Funcional. Embora Halliday (1994; 2004; 2014) tenha apontado inicialmente dois (a metáfora ideacional e a metáfora interpessoal), Martin (1992, p. 406) defende que as metáforas gramaticais podem ser ampliadas e corresponderem a cada uma das metafunções de acordo com o tipo de sentido com que elas interagem. Assim, a MG pode ser do tipo ideacional (experiencial ou lógica), do interpessoal ou do textual. A metáfora lógica, que será enfocada neste artigo, refere-se a relações conjuntivas que produzem “um alto nível de abstração no texto, tornando-o inacessível a grandes setores da comunidade” (Martin, 1992, p. 407).
O mecanismo principal pelo qual as metáforas gramaticais são instanciadas nos textos é o emprego de formas não congruentes em lugar de formas congruentes (Halliday, 1994; 2004; 2014), o que confere ao texto um fluxo logogenético mais elaborado. Pagano (2020, p. 45), a partir de Halliday (2004), relembra que as metáforas ideacionais “são essencialmente instanciais no sentido de que operam no discurso de forma a possibilitar a construção de uma argumentação lógica. Tais metáforas podem ser descompactadas ou reformuladas numa forma mais congruente”.
Alguns estudos, principalmente fora do Brasil, têm se preocupado com o uso da metáfora lógica. Além de Martin (1992), encontram-se Devrim (2013; 2015), Fadilah (2019), González (2019), Ryshina-Pankova (2010), Wiefling (2020) e Putri et al. (2024), que analisam gêneros textuais diversos e o valor argumentativo que a metáfora lógica pode adicionar a essas produções. Todos os autores são unânimes em afirmar que, léxico-gramaticalmente, o efeito provocado pela metáfora lógica é o aumento da densidade lexical e a diminuição da intricacia gramatical, uma vez que formas não congruentes, ao “empacotarem” (Halliday 1994; 2004; 2014) formas congruentes, fazem com que diminua o número de orações no texto. No Brasil, não foram encontrados trabalhos específicos sobre metáfora lógica, a não ser em estudos sobre a MG ideacional experiencial (Santorum, 2018; Rottava & Santos, 2018; Siqueira & Maciel, 2019) e do capítulo de Fuzer e Cargnin (2023) sobre o sistema discursivo de Conjunção.
Este artigo tem por objetivo verificar o emprego da metáfora lógica em língua portuguesa por meio da análise de 10 teses da área de Estudos Linguísticos em um Programa de Pós-Graduação. A metodologia de investigação tem por base a pesquisa bibliográfica e a análise qualitativa das ocorrências no corpus selecionado. Conceituação, função e tipos de metáfora lógica serão apresentados no decorrer deste texto, seguidos de exemplos ilustrativos e de conclusões sobre o conjunto de textos escolhidos.
2. Metáfora gramatical
A relação entre a semântica e a léxico-gramática é apontada por Halliday como uma relação natural na estratificação da linguagem. Para o autor, essa relação torna-se cada vez “mais complexa e menos transparente com o desenvolvimento da metáfora léxico-gramatical” (Halliday, 2014, p. 27). A MG envolve uma “remapeamento” (Halliday, 2014, p. 712), já que formas congruentes são metaforizadas em formas não congruentes. Nessa concepção, as formas congruentes são rebaixadas. A importância da MG para o desenvolvimento da escrita científica é apontada por Halliday:
A metáfora gramatical do tipo ideacional é, principalmente, uma estratégia que nos permite transformar nossa experiência do mundo: o modelo de experiência construído no modo congruente é reconstruído no modo metafórico, criando um modelo que está ainda mais distante de nossa experiência cotidiana - mas que tornou a ciência moderna possível (Halliday, 2014, p. 718).
O remapeamento a que se refere Halliday (2014) no modo metafórico, desloca todo o conjunto para baixo na escala de estratos e níveis. As metáforas gramaticais (Halliday 1994; 2004; 2014; Martin 1992, p. 406) podem ser do tipo interpessoal, textual ou ideacional, de acordo com o tipo de metafunção que cumprem na instanciação do texto. A metáfora interpessoal corresponde a refraseamentos da modalidade, e a textual corresponde ao uso de referentes na logogênese do texto. Há dois tipos de MG ideacional: a metáfora experiencial (ME) e a metáfora lógica (ML). A ME ocorre quando um nome substitui um processo e seus possíveis participantes, condensando grandes quantidades de material lexical dentro dos grupos nominais, o que Halliday e Martin (1993, p. 129) denominam estilo nominal ou “ático”. Já a ML ocorre em casos específicos, a exemplo de uma relação lógico-semântica ser substituída por um processo, denominado pelos mesmos autores de estilo oracional ou “dórico”. O Quadro 1 sumariza os tipos de metáforas gramaticais e exemplifica formas congruentes e incongruentes.
A MG é um recurso importante para a realização de significados potenciais na tensão criada entre a semântica do discurso e a léxico-gramática (Halliday, 1985; Halliday & Martin, 1993; Halliday & Matthiessen, 2004; Devrim, 2015; Wang et al., 2024). A ênfase na MG “decorre de seu reconhecimento como um recurso linguístico potente para a construção da linguagem acadêmica. Ela pode facilitar a transição da linguagem escrita informal para a formal” (Wang et al., 2024, p. 2).
Além de característica dos registros da ciência, da burocracia e da academia (Halliday 1985), a metáfora pode ser usada como recurso de coesão textual, condensação da linguagem, densidade lexical e raciocínio lógico (Fadilah, 2019). Assim, o emprego da MG tem como efeito a reconstrução anafórica, que reafirma um argumento apresentado anteriormente, o emprego de grupos nominais elaborados, as relações de causa e efeito pelo uso de significados lógicos e experienciais, e a acumulação de significados por meio de reafirmação (Liardét, 2013). O emprego de MGs enfatiza, no texto, características como “tecnicidade, raciocínio dentro da oração, estruturação do texto e construção de autoridade. Esses quatro papéis correspondem a metáforas experienciais, lógicas, interpessoais e textuais” (Schleppegrell, 2004, p. 172).
Investigações realizadas sobre registro acadêmico têm sido motivadas pelo emprego da MG, pois “textos com alto grau de MG tendem a ser considerados prestigiosos na cultura dos EUA, e o uso de MG é considerado um marcador essencial de alfabetização acadêmica e profissional” (Colombi, 2006, p. 148). Pesquisa com estudantes em alemão como língua adicional promovida por Ryshina-Pankova (2010), por meio de análises quantitativas e qualitativas de resenhas de livros escritas por alunos, sugerem que a ocorrência de MG aumenta o nível de proficiência em comparação com a utilização de MG por falantes nativos. Como resultado, “as resenhas de livros com uso eficaz de MG resultam em textos retóricos bem-sucedidos, o que sugere que a MG é bastante importante no contexto do alemão como língua adicional” (Ryshina-Pankova, 2010).
Entre os vários subtipos de MGs, as MLs são relevantes, já que desempenham um papel fundamental para a compreensão das relações de causa e efeito que norteiam o raciocínio do autor, aumentando a coerência dentro e entre as frases e contribuindo para a persuasão dos argumentos (Liardét, 2013; Ryshina-Pankova, 2010; Wang et al., 2024).
Metáfora lógica
A ML constitui um tipo de realização incongruente, já que conecta ideias ou eventos usando outras classes gramaticais, não conjunções. Ela pode se realizar por meio de substantivos, verbos, adjetivos, advérbios ou preposições. Segundo Halliday e Matthiessen (1999, p. 267), os conectores lógicos são “os mais instáveis em termos de sua suscetibilidade à transformação metafórica. Eles são, por assim dizer, os primeiros a partir; e viajam mais longe do que os demais”. Essa maleabilidade dos conectores lógicos (paratáticos e hipotáticos) permitem que eles sejam deslocados metaforicamente para formas incongruentes “como processos menores (em elementos circunstanciais), como processos, como qualidades e como coisas” (Halliday e Matthiessen, 1999, p. 268). Desempenham, assim, “um papel central na reconstituição da experiência, que é uma característica do discurso das ciências -o que torna esses discursos possíveis, de fato, e, portanto, fornece a base semiótica para a construção do conhecimento científico” (Halliday & Matthiessen, 1999, p. 268).
Os significados experienciais dizem respeito ao conteúdo ou às informações sobre a experiência, incluindo participantes, processos e circunstâncias; já os significados lógicos dizem respeito às relações lógicas entre as informação em uma oração (Devrim, 2015; Ryshina-Pankova, 2015; Wang et al., 2024). O significado lógico congruente tem a ver com a criação de sequências de figuras que se relacionam por meio de conectores. Entretanto, incongruentemente, esses conectores podem ser realizados como relações entre elementos dentro dos processos. Léxico-gramaticalmente, a reconfiguração resultante implica uma figura reconstruída - ou remapeada - como um participante ou uma circunstância, compactando assim a informação. “De um ponto de vista semântico, o que Martin (1993) chama de raciocínio enterrado ocorre, porque o argumento é realizado dentro de uma oração e não por meio de orações, de modo que o raciocínio é apresentado não como uma suposição, mas como um fato irrefutável (González, 2019, p. 124).
As MLs, ao envolverem “uma reconstrução dos significados lógicos entre a oração em seus elementos (ou seja, circunstância, processo ou participante; por exemplo, devido a, leva a, o resultado de)” (Liardét, 2015, p. 43), são relações conjuntivas abstratas (Martin, 1992) e estão vinculadas a diversas realizações do sistema de discurso, as quais podem ser levadas a um plano ainda mais abstrato (Wiefling, 2020). A Figura 1 mostra como as relações lógicas criam a ML por meio da tensão estratificada, concretizadas na gramática (Devrim, 2015).
Wiefling (2020) reforça que as MLs usadas para reconstruir as relações lógicas entre figuras carregam em si uma natureza também experiencial, já que se realizam como se fossem figuras entre elementos dentro das figuras (Wiefling, 2020), a exemplo de: “Entre as principais causas das mortes1 estão doenças associadas à fome” (T3)2.
Na oração, a figura relacional (com o processo estão) apresenta, na circunstância, o nome causas, que corresponde ao conector porque, indicando uma relação causal-consecutiva hipotática que se instala na declaração3. Para Wiefling (2020, p. 13), o fato de transcategorizar para substantivo uma relação lógica que pode ser formulada congruentemente por meio de conectores sublinha a abstração do registro escrito do texto científico e também atenua a presença autoral nas cadeias argumentativas”.
Embora com diferentes denominações para a transcategorização das relações lógico-semânticas operada em elementos da oração, os pesquisadores parecem concordar no que concerne às realizações incongruentes. Investigação longitudinal realizada por Derewianka (2003) na fala um menino concluiu que verbos causativos, a exemplo de fazer, levar a, causar, forçar, contribuir, obter, são aos poucos incorporados às conversas na idade entre 6 e 13 anos. Nesse viés, a autora (2003, p. 27) relembra a afirmativa de Halliday, em um seminário, de que são “relações lógico-semânticas clausalizadas” e de que na língua inglesa existem cerca de um a dois mil verbos que são metáforas para relações lógico-semânticas”. O significado causal, investigado por Pinuer et al. (2019, p. 231) em aulas de história de um sexto ano, também é concretizado metaforicamente por meio de verbos em lugar da conjunção apropriada, ratificando pesquisa anterior de Oteíza (2006), em que o uso metafórico de processos causais foi verificado em um grande número de livros didáticos de história utilizados no Chile (Oteíza, 2006).
Devrim (2013, p. 11) indica quatro tipos de MLs: causa como verbo, por exemplo, causar, levar a; causa como substantivo, por exemplo, causa, impacto; causa como adjetivo, por exemplo, causal, resultante; e causa como preposição, por exemplo, devido a, através de. Tais resultados são corroborados pelo estudo de Wang et al. (2024, p. 1) com grupos de aprendizes em escrita acadêmica, o qual demonstrou a preferência dos estudantes pelo uso de processos de causalidade, em lugar de preposições, nomes e adjetivos. Analisando frequências e formulações de quatro tipos de MLs, encontraram a prevalência de “causa como verbo, causa como preposição, causa como substantivo e causa como adjetivo”. Os autores concluíram também que “textos com pontuações mais altas demonstraram um uso maior e mais apropriado de MLs, particularmente no subtipo de causa como verbo, em comparação com textos com pontuações mais baixas” (Wang et al., 2024, p. 1).
Martin (1992), citando Winter (1977), aponta algumas palavras que se realizam como metáforas de relações conjuntivas internas, especialmente as comparativas e as consecutivas. São exemplos de comparativas: comparar, contrastar, diferir, especificar. Como consecutivas, Martin (1992, com base em Winter, 1977) cita causar, concluir, condição, esperar, razão, resultado, situação, solução, modo. Putri et al. (2024), ao estudarem MLs externas em livros de nivelamento para crianças, encontraram quatro principais significados: adição, comparação, tempo e consequência. São eles:
(a) processos de adição: adicionar, acrescentar;
(b) processos de comparação: comparar;
(c) processos de tempo: começar, continuar, terminar;
(d) processos de consequência: fazer, causar, resultar em;
(e) circunstâncias de comparação: similar a, como, diferente de;
(f) circunstâncias de tempo: era uma vez, no dia seguinte;
(g) circunstância de consequência: por causa de, devido a;
(h) coisa (thing) de comparação: a coisa mais importante, o exemplo, a similaridade, a diferença;
(i) coisa (thing) de consequência: razão, fator, gatilho, plano de fundo, efeito, impacto, resultado, correlação, interrelação.
A pesquisa de González (2019), em um corpus formado por textos de alunos chilenos de Biologia e História, identificou quatro tipos de conjunções que podem formar MLs: como entidade nominal, como qualidade, como processo e como circunstância.
(a) conjunção realizada como nome: consequência de..., um de seus resultados é..., razão pela qual..., teve consequências em, por diferentes razões como, pode ser observado por essa mesma razão..., causa, razão, motivo, consequência, resultado, conclusão, condição, prova, meios, propósito.
(b) Conjunção realizada como qualidade: causado por, causal, prévio, anterior. Para a autora (2019, p. 123), a “estratégia de usar uma qualidade em vez de uma conjunção favorece a síndrome (...) de construções metafóricas inter-relacionadas, visto que se trata de qualidades que, além de seu "significado conjuntivo", introduzem um substantivo”, que foi nominalizado.
(c) Conjunção como processo: produzir, causar, favorecer, permitir, produzir, gerar, provocar.
(d) Conjunção como circunstância (muitas vezes realizada por um grupo preposicional): por causa de, no momento de, devido a, graças a.
Em trabalho pioneiro no Brasil, Garcia (2006) já antevia o fenômeno da ML, embora não empregasse essa denominação. Na obra Comunicação em prosa moderna, com o título “Como indicar as circunstâncias e outras relações entre as ideias” (Garcia, 2006, p. 75-106), o autor apresenta uma longa listagem de substantivos, verbos, preposições, conjunções e locuções das áreas de causa, consequência, fim, resultado, conclusão e oposição. Embora vários itens constituam metáforas experienciais, alguns podem ser considerados do domínio lógico. A título de exemplo, citam-se:
a) causa: motivo, razão, explicação, causar, gerar, originar, produzir, engendrar, acarretar, provocar, motivar, por causa de, em vista de, em virtude de, devido a, em consequência de, por motivo de, por razões de, por falta de;
b) fim, propósito, intenção: objetivo, finalidade, alvo, meta, desejar, almejar, aspirar, intencionar, planejar, projetar, pretender;
c) consequência, resultado, conclusão: efeito, produto, decorrência, decorrer, derivar, provir, vir de, resultar, à conta de, como resultado, em conclusão, em suma;
d) oposição: antagonismo, polarização, tendência contrária, contraposição, contradição, obstáculo, empecilho, enfrentar, reagir, impedir, opor-se a, contrário, oposto.
3. Procedimentos metodológicos
Esta investigação, de cunho bibliográfico e qualitativo (Denzin & Lincoln, 2006; Dörnyei, 2007), situa-se na área da Linguística Aplicada e tem como base teórica a Linguística Sistêmico-Funcional (Halliday, 1985, 1994, 2004, 2014; Halliday & Martin, 1993, 2005). Tem por objetivo verificar o emprego das MLs em 10 teses da área de Estudos Linguísticos, escritas em língua portuguesa e abertas no repositório de uma universidade brasileira, em um Programa de Pós-Graduação, perfazendo um total 640.990 formas únicas de palavras. O Quadro 2 lista o código empregado na identificação das teses constituidoras do corpus.
Após selecionado o corpus, com o uso do programa Voyant Tools (https://voyant-tools.org/), foi buscada a lista de palavras e selecionadas aquelas que tinham possibilidade de constituírem MLs. Verificadas as ocorrências, foram eliminados os tokens em língua estrangeira e, quando o fundamento teórico era a Linguística Sistêmico-Funcional, também foram dispensados os nomes das categorias hallidayanas (a exemplo de Meta, projeção, circunstância de propósito/finalidade). Foram também eliminados títulos de seções (Conclusão, por exemplo), nomes próprios (Base Nacional Comum Curricular) e títulos honorários (Honoris Causa).
Na etapa posterior, passou-se à identificação do tipo de transcategorização lógica utilizada pelos autores das teses, seguindo os quatro grupos propostos por Halliday e Matthiessen (1999, p. 267): a) mudança para coisa (realizada como nome); b) mudança para qualidade; c) mudança para processo e d) mudança para circunstância (processo menor). Também a categorização de Garcia (2006) foi observada na identificação das MLs, já que as teses foram escritas em língua portuguesa. A distribuição dos resultados obtidos é apresentada no Quadro 3.
A seguir, algumas passagens serão destacadas e comentadas, a fim de constituírem exemplos significativos de MLs.
4. Resultados e discussão
Computadas e categorizadas todas as MLs do corpus, foram encontradas ocorrências dos tipos adição, variação, alternância, tempo, espaço, modo/meio, modo/comparação, causa/razão, causa/condição, causa/resultado, causa/concessão e causa/propósito, com mais ênfase nas relações de intensificação hipotática (Quadro 4).
O Quadro 4 apresenta algumas particularidades importantes. Relações lógico-semânticas de intensificação (9.131 tokens) constituem a grande maioria das ocorrências no corpus, com destaque para a relação de causa/propósito (3.923 tokens no total) seguida da extensão de adição (2.303 tokens). A justificativa desse resultado condiz com o escopo do gênero tese, que tem por objetivo apresentar resultados importantes de pesquisas realizadas. Quanto à alta frequência da relação de adição, pode-se afirmar que as informações apresentadas nos textos em exame precisam favorecer a progressão e a dinamicidade das informações. Dentre as quatro categorias investigadas, concluiu-se que o remapeamento das relações lógico-semânticas mais frequentes ocorreu por meio de nomes de coisas (things), realizadas por grupos nominais, com 5.346 tokens, seguido daqueles por meio de processos (3.276 tokens). A seguir, alguns exemplos ilustram os achados no corpus.
ML realizada como coisa
A investigação apontou que o refraseamento mais frequente em termos de ML ocorreu com o emprego de nomes de coisas (5.346 tokens), realizadas por causa/propósito, causa/resultado, adição e causa/razão.
a) Causa/propósito
Foram encontrados nomes de coisas como chegada, direcionamento, fim(ns), finalidade, foco, intenção, interesse, meta, missão, investimento, intenção(ões), interesse(s), intuito, investimento(s), meta (s), missão, objetivo (s), orientação, planejamento, planejador, projeção(ões), projeto(s) e propósito(s). Exemplos:
1. Entendemos que o conceito de REA tem um direcionamento para o contexto digital, uma vez que tais recursos podem pertencer ao domínio público e/ou abranger uma licença aberta para que sejam disponibilizados em outros suportes (COSTA et al., 2016) (T1, 2025, p. 29).
2. Há atores, acontecimentos e regimes políticos que se destacam na sociedade e despertam o interesse em pesquisas, as quais têm por intuito evidenciar como os produtores de discursos nesse cenário empregam determinados mecanismos linguísticos (T8, 2023, p. 51).
3. A intenção não é apresentar um percurso histórico linear da escrita, mas suscitar uma breve reflexão acerca da relação entre os sujeitos e a escrita desde os tempos antigos (T9, 2023, p. 79-80).
b) Causa/resultado
Os grupos nominais encontrados nesta categoria foram: conclusão(ões), consequência(s), rendimento(s), efeito(s), legado, melhoria(s), obtenção, perda, prevalência, rendimento(s) e resultado(s). Exemplos:
4. Conforme a tirinha de Armandinho é possível refletir sobre a perda significativa da diversidade linguística indígena no Brasil, consequência da colonização e da imposição cultural ao longo dos séculos (T3, 2025, p. 23).
5. E o fato do Brasil e outros países da América do Sul terem passado por ditaduras ao longo das décadas de 60, 70 e 80, as relações que ali existiam eram somente protocoladas; não existia uma integração entre os países, pois eram países muito nacionalistas que estavam fechados em si mesmos, não estavam abertos para uma relação. E o efeito disso é que o Brasil ficou de costas para os países falantes do espanhol, como dizemos no senso comum “numa ilha”, que historicamente se tornou como tal, pois ficamos cada vez mais distantes dos países hispanos, o que não nos garantiu essa segurança sobre a língua espanhola (T7, 2023, p. 145).
6. O arquivar, com todas as suas problemáticas de perda e destruição, constitui-se, assim, como um senso comum sobre a condição que a humanidade sempre teve de lidar, seja por esta estar inscrita em uma noção de tempo que transcorre ininterruptamente, fazendo com que tudo pereça e sinta as marcas dos instantes transcorridos (T6, 2024, p. 76-77).
c) Adição
As relações de adição por meio de coisas foram realizadas por nomes como acompanhamento, aumento, combinação, compartilhamento(s), conjunto(s), contribuição(ões), enlace, envolvimento, inclusão, mistura, recorrência, repetição(ões) e união. Exemplos:
7. O discurso científico abrange diversas teses e dissertações, a maioria delas situada no campo da história da educação e da história do cinema, após a década de 1990 que se dá um aumento significativo no número de trabalhos. Em uma literatura que é bastante farta e encontra pioneirismo nos trabalhos de Morrone (1997), Catelli (2007), Morettin (1995) e Schvarzman (2004), que se aproximam da questão do filme educativo ao analisar a vida e a obra de Huberto Mauro (T6, 2024, p. 86).
8. Para os autores, o envolvimento de todos os estudantes indica uma mudança de foco da mobilidade, que passa a ser opcional, para a internacionalização do processo de ensino e aprendizagem, ou seja, a internacionalização do currículo. O envolvimento de todos os funcionários significa a inclusão tanto da equipe acadêmica, como os professores, quanto da equipe administrativa, como os TAEs (T2, 2025, p. 45).
9. No século XVIII a união matrimonial entre Catarina Bolshoi, nascida na Alemanha em 1729 como Sophia Augusta Frederica von Anhalt-Zerbst, com Pedro III da Rússia, abriu as portas para que os alemães se estabelecessem no sul do país, no Vale do Rio Volga (T9, 2023, p. 26).
d) Causa/razão
Os refraseamentos encontrados foram: base(s), causa(s), fonte(s), geração (de dados, oportunidades, emprego), motivação(ões), motivo(s), necessidade(s), surgimento e vertente(s). Exemplos:
10. Com base no mapeamento desenvolvido, este estudo consolida o uso de algumas estratégias já desenvolvidas pelo grupo de pesquisa e se diferencia dos demais, porque apresenta uma proposta de curso online de formação continuada, com design de ARG, dirigido a professores brasileiros de E/LE em serviço (T1, 2025, p. 33).
11. Para terminar, devido à abordagem etnográfica e ao caráter exploratório da pesquisa, destacamos que, além de uma análise crítica de discursos oriundos de documentos institucionais, utilizamos entrevistas e questionários semiestruturados como instrumentos de pesquisa para a geração de discursos. Essas ferramentas possibilitam a geração de dados sobre novos tópicos de um contexto particular, ao passo que a análise dos dados de uma ferramenta subsidia a elaboração e a análise (T2, 2025, p. 69).
12. Em um segundo momento, julgamos imprescindível um olhar restrito para os trabalhos que, dentro dos selecionados anteriormente, fizeram uso do sistema de avaliatividade e/ou da argumentação em suas investigações. Isso decorre da necessidade de evidenciar em que esta pesquisa difere das anteriores e, com isso, preencher as lacunas nesse contexto. (T8, 2023, p. 247).
ML realizada como qualidade
As MLs realizadas por qualidades perfizeram um total de 2.593 ocorrências, sendo as mais frequentes adição, modo/comparação, causa/resultado e tempo.
a) Adição
O levantamento das ocorrências de adição por meio de qualidades inclui: acrescido(s), adicional(is), aliado(s), associado(a)(s), compartilhada(s), conjunto, envolvido(a)(s), incluído(a)(s), integrado(a)(s), integrador, junto(a)(s), ligado(s), misto(a)(s), mútuo(a)(s), repetido(a)(s), unido(a)(s) e vinculado(a)(s). Exemplos:
13. Com base na análise apresentada nesta tese, identificamos que o discurso inicial dos cursistas e que foi materializado em seus MDD nos dá indícios da representação de professores designers, isto é, de docentes preocupados em propiciar o protagonismo docente por meio do consumo e do uso da linguagem associado às tecnologias digitais, fomentando habilidades e competências essenciais no século XXI (T1, 2025, p. 247).
14. Em um caso, foi pedido pelos capatazes a presença do delegado para punição de um Wapixana que batera em sua mulher, o delegado (de comum acordo com o vice tuxaua e capatazes) mandou o marido e mulher, que haviam bebido juntos, abrirem um poço para a comunidade (T3, 2025, p. 139).
15. Há uma clara divisão de sentidos e um conflito instaurado na SE17, em que o sujeito afirma que “se não fosse pelos netos” falaria tudo em alemão. No entanto, em seguida afirma que já não se fala somente alemão como antigamente, e especifica as situações de sua rotina onde adota a língua portuguesa: os espaços sociais em geral compartilhados com pessoas que não compreendem o alemão, e a igreja (T9, 2023, p. 151).
b) Modo/ comparação
Os tokens de modo/comparação localizados no corpus foram: comparado(a)(s) e maior(es). São exemplos:
16. A quantificação das 102 características ricas em significação indicou maior percentual relacionado à internacionalização (63%) comparado às línguas adicionais (37%). Nesse aspecto, a reduzida menção de características ricas em significação referentes às línguas adicionais parece indicar o entendimento institucional sobre internacionalização desvinculado da linguagem (Apêndice E) (T6, 2024, p. 101-102).
17. Chamamos de Recorte Narrativo os blocos textuais selecionados, e dentro deles localizamos as Sequências Enunciativas de acordo com o que pretendemos analisar. Decidimos manter os Recortes Narrativos em tamanhos maiores porque se constituem como fragmentos de texto que buscam contextualizar a fala do sujeito entrevistado, e mostram como se constrói o fluxo da narrativa do entrevistado (T9, 2023, p. 120).
c) Causa/resultado
As qualidades indicativas de causa/resultado encontradas foram: conclusiva(s), decorrente(s), derivada(s), obtido(a)(s), perdido(a)(s), previsível(is), previsto(a)(s) e produzido(a)(s). Exemplos:
18. A título de recorte, abordaremos as investigações de Reis (2017) e Linck (2018), decorrentes de ações do grupo de pesquisa NuPEAD/UFSM, e de Reinhart (2019), pesquisador na área de LA (T1, 2025, p. 108).
19. Essa Metafunção é realizada pela função experiencial, encarregada pela construção das representações do mundo, e pela função lógica, responsável por organizar os conteúdos derivados dessas experiências de forma lógica (T1, 2025, p. 72).
20. Dessa maneira, trazemos aqui os principais resultados obtidos, agrupados por temática, a fim de mostrar o estado atual das pesquisas na interface discurso político e Linguística Sistêmico-Funcional no país. A visão geral dos trabalhos coletados encontra-se no Anexo A (T8, 2023, p. 49).
d) Tempo
Os tokens indicativos de tempo abrangeram: anterior(es), constante, gradual(is), posterior(es), prévio(a)(s), recente(s) e último(a)(s). Exemplos:
21. Esse prédio imponente no espaço público só passa a se instituir como ponto de referência depois de 1923, quando fora doado para o Estado brasileiro pelo governo francês, sendo uma “réplica do Petit Trianon de Versailles, construído no ano anterior para abrigar o pavilhão da França na Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro” (grifos meus) (T6, 2024, p. 147).
22. De acordo com o realizado nas emissoras, esse momento está organizado da seguinte forma: há um sorteio prévio, antes dos debates, que define a ordem em que os candidatos realizarão as perguntas; no momento do debate, o candidato sorteado escolhe outro presidenciável para responder a sua questão (T8, 2023, p. 110-111).
23. A escola tem desempenhado importante papel em todos os acontecimentos relacionados à língua: inicialmente, na condição de escola comunitária, cooperou para a manutenção da língua na recente história da imigração, quando o ensino era em língua alemã (T9, 2023, p. 162).
ML realizada como processo
O refraseamento de conjunções por meio de processos apresentou 3.276 ocorrências, demonstrando ser a segunda opção mais empregada pelas autoras das dez teses. Tendo em vista a grande variedade de tempos e modos verbais empregados, listam-se aqui apenas as formas no infinitivo. Os principais processos encontrados indicam causa/propósito, adição, causa/resultado e causa/razão.
a) Causa/propósito
Os processos encontrados nesta categoria foram: almejar, atingir, buscar, chegar a, conduzir a (= ter como resultado), direcionar, finalizar, nortear, orientar, planejar, pretender, projetar, promover, propiciar, propor, proporcionar, resultar e visar (a). Exemplos:
24. Notamos, nesses dois objetivos, o compromisso que o candidato assume com a sua proposta de ação, de modo que ele almeja uma melhoria da situação do país, bem como o retorno da felicidade para a nação (T8, 2023, p. 153).
25. Assim, nossa pesquisa pretende contribuir no sentido de analisar o uso da língua de imigração alemã e o seu funcionamento na constituição de uma memória, ao mesmo tempo em que se torna a primeira pesquisa na área dos estudos linguísticos do Programa de Pós-Graduação a tratar diretamente sobre a imigração e língua de imigração alemã (T9, 2023, p. 25).
26. Entendemos que esse papel só pode ser cumprido eficazmente através da prática do exercício e do domínio de vários saberes, do ensino de técnicas de leitura e de escrita, visando diferentes objetivos e mobilizando conhecimentos, experiências, atitudes, valores e que explorem a criatividade dos alunos (T4, 2024, p. 44).
b) Adição
Como adição, os processos localizados no corpus foram: acompanhar, aumentar, combinar, compartilhar, contribuir, englobar, envolver, incluir, integrar, introduzir, juntar, reunir e unir. Exemplos:
27. Sabemos que há vários tipos de entrevistas e que elas podem envolver diferentes dinâmicas para diferentes fins (T10, 2023, p. 102).
28. Ademais, a pesquisadora afirma que mais próximo do estudante de língua, provavelmente, um subcampo que será oferecido logo após seu estudo, será o da chamada “linguística aplicada”, incluindo o vasto campo de tradução, versão, ensino do português ou da língua indígena como primeira ou segunda língua e planejamento linguístico. (T3, 2025, p. 105).
29. O Instituto foi responsável pela publicação da série “Pesquisas”, do boletim Communications e da série Publicações Avulsas, os quais reuniram diferentes trabalhos em distintas áreas, elaborados pelos seus sócios e entusiastas (T5, 2024, p. 33).
c) Causa/resultado
Esta categoria, equivalente à noção de consequência, realizou-se por meio dos seguintes processos: acarretar, decorrer, obter, produzir, render e terminar (= ter como resultado).
30. Exceto a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa, todos os demais países de fronteira com o Brasil tem o espanhol como língua oficial, o que acarreta em grande importância as linhas comerciais, econômicas, culturais e pessoais à população destas fronteiras (T7, 2023, p. 153).
31. Assim, concordamos com Van Leeuwen (2022), que essa multiplicidade decorre dos interesses e das escolhas do produtor no momento de sua expressão (T1, 2025, p. 79).
32. Foi através do apoio do legislativo das Câmaras de Vereadores de cada um dos 54 municípios do estado, que se produziram moções de apoio como uma manifestação institucional, que representam um espaço de enunciação específico, de uma voz coletiva, que busca a valorização da língua espanhola e da oferta do seu ensino no sistema de ensino gaúcho (T7, 2023, p. 21).
d) Causa/razão
Como causa/razão, os processos basear, causar, engendrar, gerar, motivar e provocar foram localizados no corpus..
33. Enquanto isso, a ação repressiva crescia gradativamente, ampliando as suas ações e causando incidentes cotidianos danosos por meio de perseguições aos imigrantes e seus descendentes que insistissem em manter as práticas culturais de origem alemã, dentre as quais, o alvo principal era a língua.(T9, 2023, p. 70).
34. A narrativa da entrevistada inicia com o relato da história do pai, que lhe foi transmitida oralmente e finaliza com informações da sua própria história de vida. Em relação à SE1, observa-se que a memória já não contempla os elementos dos acontecimentos políticos e sócio históricos que motivaram a imigração (T9, 2023, p. 127).
35. Podemos dizer então que o planejamento linguístico é uma maneira de influir no futuro das línguas, provocando mudanças efetivas (T7, 2023, p. 73).
ML realizada como circunstância
As MLs realizadas por circunstâncias foram as que menos apresentaram ocorrências (1.169). As mais frequentes realizam noções de tempo, adição, variação e modo/comparação.
a) Tempo
Nesta categoria, foram localizadas as seguintes circunstâncias: anteriormente, constantemente, finalmente, posteriormente, previamente, primeiramente e recentemente. Exemplos:
36. Ou seja, os estudantes, já em cursos superiores e de pós-graduação, não conseguem expressar-se oralmente, pois tal prática nunca lhes foi proposta anteriormente (T4, 2024, p. 159).
37. O movimento analítico mostra que o gesto de recuperar e repetir constantemente a memória da imigração e do vínculo com a língua de imigração constitui uma relação de pertencimento, sustentada na busca de uma origem (T9, 2023, p. 130).
38. Nessa perspectiva, incluo-me como participante deste estudo tanto pela imersão no contexto previamente ao desenvolvimento da pesquisa, no papel de servidora, quanto pelo envolvimento no decorrer do estudo, no papel de pesquisadora (T2, 2025, p.69).
b) Adição
Como extensão por adição, encontrou-se: ademais, adicionalmente, conjuntamente, em conjunto, juntamente e mutuamente. Exemplos:
39. Nessa proposta de ação há evidências modais (precisa) que indicam necessidades do país, o que mostra uma vontade do candidato em relação ao futuro imediato (EXTER, 2012). Adicionalmente, nessas evidências modais, notamos avaliações imbricadas a elas: O Brasil [...] precisa de competência, [...] precisa de experiência e [...] precisa de propostas concretas. Evidenciamos, aí, avaliações implícitas de julgamento, do tipo estima social capacidade (MARTIN; WHITE, 2005), uma vez que, ao enumerar que competência, experiência e propostas concretas são necessidades do país, expressa-se que a nação não possui tais capacidades até o momento (T8, 2023, p. 151).
40. Em nosso entendimento, ao apropriarem-se dos aportes teórico-metodológicos dos letramentos multimodal, digital e em jogos, juntamente com os processos de conhecimento para a elaboração de MDD com designs de jogos cada vez mais imersivos e significativos, os professores de línguas podem contribuir para o desenvolvimento crítico de crianças e jovens (T1, 2025, p. 115).
41. A escrita desses gêneros, por exemplo, pressupõe, conjuntamente, a elaboração de projetos, a participação em eventos internacionais e a publicação em revistas/periódicos internacionais, práticas menos realizadas pelos participantes, conforme evidenciado nas Figuras 10 e 12 (p. 121 e 125, respectivamente) (T2, 2025, p. 129).
c) Variação
A categoria extensão por variação apresentou: contrariamente, em oposição, inversamente, pelo contrário. Exemplos:
42. Com essa recorrência, evidenciamos que esse tipo de avaliação contribuía com a construção argumentativa uma vez que, por meio dela, os candidatos se posicionavam contrariamente a uma determinada situação do país, vigente na época, manifestando o seu objetivo de melhorá-la no futuro (T8, 2023, p. 161).
43. Nessa visão, o cinema comercial que “diverte” entra na escola com um fundo comercial ou assistencialista travestido de “intenção social”. Útil, agradável, coloca-se em oposição ao que é excepcionalmente pedagógico (T6, 2024, p. 88).
44. Nas SE8 e SE9 os sujeitos adentram na escola, já gerida pelo Estado, sabendo somente a língua materna (alemão), e ao contrário das SE anteriores, o professor por sua vez coloca toda a ênfase na língua portuguesa, e em alguns casos, tendo pouco conhecimento da língua alemã para poder auxiliar seus alunos (T9, 2023, p.137).
d) Modo/comparação
Modo/comparação realizou-se por meio do emprego de diferentemente, igualmente, semelhantemente, similarmente. Exemplos:
45. Por fim, referente ao terceiro tema, Barros (2008), ao verificar a apresentação do gênero discursivo feminino em 30 discursos de parlamentares, através do sistema de transitividade, da metáfora gramatical e de nominalizações, exprimiu que o contexto institucional influencia nas práticas discursivas parlamentares e que as mulheres, diferentemente de seus colegas homens, apresentam-se em suas falas por meio de suas reais condições de existência (T8, 2023, p. 56).
46.Semelhantemente ao exemplo ilustrado na Figura 7, apresento, na Figura 8, uma prática desenvolvida fora de sala de aula que engloba a perspectiva dos LACs com vistas à internacionalização do IFFar (T2, 2025, p. 111).
47.Similarmente às questões sobre as práticas acadêmicas realizadas pelos próprios participantes, apresentamos uma lista com 12 gêneros acadêmicos para que os docentes indicassem quais pediam que seus alunos - dos cursos superiores, em geral, e orientandos - lessem e escrevessem em línguas adicionais. Os resultados são demonstrados nas Figuras 11 e 12 (T2, 2025, p. 124).
Tendo em vista os resultados apresentados, a análise demonstrou o uso apropriado de metáforas lógicas, especialmente de causa-propósito como nome, seguida de causa como verbo. Esse resultado difere ligeiramente do apresentado por Wang et al. (2024), para quem a última categoria predominou, embora seu estudo tenha sido longitudinal e este, transversal. O emprego da metáfora lógica, nas teses examinadas, indica a habilidade dos doutorandos em conduzir a argumentação no texto, de modo a torná-la mais efetiva. Ao “dar um pano de fundo a vozes autoritárias ou subjetivas” (Wang et al., 2024, p. 2), a escrita dos doutorandos em análise demonstrou que benefícios oriundos do emprego da metáfora lógica resultaram em textos com densidade lexical, organização coesiva e tecnicalidade.
5. Considerações finais
O emprego de MGs tem sido um recurso poderoso na produção da escrita acadêmica. Estudos longitudinais realizados com turmas de diversas idades (Derewianka, 2003; Ryshina-Pankova, 2010; González, 2019; Wiefling, 2020; Putri et al., 2024; Wang et al., 2024) têm demonstrado que o trabalho com as MGs e principalmente com a ML aos poucos vão possibilitando níveis superiores de abstração, estes necessários para o desenvolvimento de textos de excelência. Um efeito natural do emprego das MGs e, neste caso, das MLs, é o aumento da densidade lexical dos textos e consequente diminuição da intricacia gramatical, uma vez que há a condensação da informação com o emprego de formas não congruentes que “empacotam” (Halliday 1994; 2004; 2014) formas congruentes.
Os resultados aqui apresentados confirmam os achados de Derewianka (2003), Oteíza (2006), Devrim (2013) e Pinuer et al. (2019), cujas pesquisas demonstraram o predomínio de relações de causalidade. Nesta pesquisa, a grande quantidade de tokens causais distribuem-se em razão, resultado e propósito, este último de longe o mais frequente. A novidade apresentada nesta investigação é a grande presença da transcategorização efetuada por meio da relação de expansão/adição, aqui considerada como uma marca do desenvolvimento informacional das teses.
Algumas implicações pedagógicas advêm do trabalho em sala de aula centrado na metaforização das relações lógico-semânticas. Wang et al. (2024) apontam o aprimoramento das habilidades de raciocínio lógico e o desenvolvimento de uma argumentação sólida em textos de escrita acadêmica. Nessa mesma linha de raciocínio, Halliday (2014, p. 718) já postulava que, “[a]o mesmo tempo, há também consequências textuais e interpessoais desse realinhamento metafórico na gramática: a metáfora ideacional pode ser um poderoso recurso textual para gerenciar a criação de texto, criando novos mapeamentos entre os quanta ideacionais e textuais de informação”. Adicionalmente, o linguista defende que “também pode ser um poderoso recurso interpessoal para organizar a negociação contínua de significado, criando novos mapeamentos entre as proposições/propostas ideacionais e interpessoais” (Halliday, 2014, p. 718).
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-
1
No original, as mortes referem-se às de 42 indígenas yanomamis, que, segundo o Ministério da Saúde, morreram em 2023.
-
2
T3 corresponde à tese de número 3 investigada neste artigo. A codificação do corpus será abordada na seção dos procedimentos metodológicos.
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3
Há, na oração (1), metáforas ideacionais não apontadas aqui, porque o foco da discussão são as MLs.
ANEXO - Teses consultadas
Editado por
-
EDITORA GERAL:
Marcia Veirano Pinto http://orcid.org/0000-0002-0795-6297
Disponibilidade de dados
Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Dez 2025 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2025
Histórico
-
Recebido
14 Jul 2025 -
Aceito
02 Nov 2025



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