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Os estudos de sintaxe generativa em Portugal nos últimos trinta anos

History of Linguistics; Portuguese Linguistics; Generative Syntax

História da Lingüística; Lingüística Portuguesa; Sintaxe Gerativa

RESENHAS/REVIEWS

BRITO, A. M. B. de. (1999) Os Estudos de Sintaxe Generativa em Portugal nos Últimos Trinta Anos. Associação Portuguesa de Linguística, Braga, 130 p.

Resenhado por José BORGES NETO

(Universidade Federal do Paraná)

PALAVRAS-CHAVE: História da Lingüística; Lingüística Portuguesa; Sintaxe Gerativa.

KEY-WORDS: History of Linguistics; Portuguese Linguistics; Generative Syntax.

É interessante observar que a História da Lingüística, cada vez mais, deixa de ser um assunto de historiadores e passa a fazer parte da atividade dos cientistas da linguagem.

Como já dizia Nietzsche, o homem volta-se ao passado com o intuito de alimentar sua atividade no presente. A história é fonte de "aliados" para as lutas que enfrentamos no presente.

É isso que se vê neste livro de Ana Maria Brito, sintaticista e professora de Lingüística da Universidade do Porto.

Ao fazer uma história dos estudos de sintaxe gerativa em Portugal, abrangendo o período que vai de 1969 a 1999, Brito pretende

"apresentar um guia de leitura da produção em Sintaxe Generativa" (p. 9).

"elaborar um balanço... e divulgar os resultados fundamentais da investigação realizada pelos lingüistas portugueses que se colocam nessa perspectiva científica para a compreensão de algumas especificidades do Português" (p. 10).

Ou seja, o objetivo do trabalho não é especificamente histórico. Antes, é um meio de apresentar à comunidade científica um balanço do que foi feito, dos caminhos que foram trilhados, dos fenômenos que foram abordados. Contrastivamente, é também um meio de dizer o que falta fazer, que caminhos ainda podem ser trilhados, que fenômenos falta abordar. Mais do que registrar o passado, o livro de Brito pretende subsidiar o sintaticista com informações sobre o que já se estudou, para permitir o avanço mais rápido dos estudos, para evitar que se perca tempo com coisas que já estão analisadas ou com perspectivas que já se esgotaram.

Em suma, o livro de Brito é dirigido ao cientista da linguagem e pretende ser um instrumento de desenvolvimento da atividade científica.

Se olharmos com olhos de historiador, teremos que dizer que o livro peca pela falta de uma orientação metodológica adequada, que se estende excessivamente na apresentação de uma história impressionista do desenvolvimento da Gramática Gerativa (assunto já bem explorado em outros lugares) e que acaba por ser, no fundo, apenas uma lista dos fenômenos da língua portuguesa estudados pelos sintaticistas, sem arriscar nenhuma interpretação das razões históricas para que isso tenha se dado dessa maneira. Por outro lado, se visto na perspectiva do lingüista envolvido no estabelecimento da gramática do português, podemos dizer que o livro é extremamente útil e interessante.

O livro é constituído por cinco capítulos, a saber:

1. Sintaxe: da Gramática Clássica à Gramática Generativa

2. O desenvolvimento da Gramática Generativa

3. A produção em Sintaxe em Portugal: uma breve apresentação (1969-1999)

4. Algumas particularidades sintácticas do Português vistas por autores portugueses (1969-1999)

5. Bibliografia de Sintaxe (ou de áreas relacionadas) de autores portugueses (1969-1999)

Além dos capítulos, há uma "Nota Prévia", que narra rapidamente as condições que deram origem ao livro, apresenta seus objetivos e estrutura, um "Anexo", que contém uma lista dos Congressos, Colóquios, Conferências e Cursos que, nos trinta anos abordados, contiveram temas de sintaxe gerativa, e uma bibliografia complementar, que contém os textos de autores não-portugueses citados no decorrer do livro.

A grande contribuição que o livro dá à história e ao desenvolvimento dos estudos sintáticos em terras lusitanas está nos capítulos 3, 4 e 5.

O capítulo 3 faz uma apresentação dos trinta anos de gramática gerativa em Portugal organizando-os a partir dos modelos e das teorias dominantes em cada momento. Assim, inicia com uma breve apresentação do impacto que as teorias estruturalistas tiveram nas principais universidades portuguesas (particularmente Coimbra, Lisboa e Porto), passa pelos trabalhos realizados nos anos 70 no quadro teórico de `Aspects", abre um parágrafo para falar dos trabalhos que se fizeram em teorias alternativas à gramática gerativa (gramática funcional, gramática de valências, etc.) ainda nos anos 70, lista os principais trabalhos propostos no quadro da Teoria de Regência e Ligação (anos 80 e 90) e termina com a apresentação dos trabalhos mais representativos realizados no quadro da Teoria de Princípios e Parâmetros, do Programa Minimalista e da Teoria da Optimalidade (que em Portugal é denominada "Teoria da Optimidade").

É de se destacar o fato de que sempre, em cada parágrafo, Brito resume os temas dominantes em cada período. Ficamos sabendo, por exemplo, que nos anos 80 e no princípio dos anos 90 as discussões giravam basicamente em torno dos seguintes assuntos: movimentos de constituintes e suas condições (princípios gerais, "barreiras"), categorias vazias, construções infinitivas. Ficamos sabendo também, por exemplo, que sobre construções infinitivas apareceram os trabalhos de Eduardo Raposo (1987b e 1989)1 1 As datas remetem à bibliografia do livro resenhado que, obviamente, não reproduzirei aqui. , de Anabela Gonçalves (1992), de Francisca Xavier (1991) e de Inês Duarte (1993).

Embora sejam listados assuntos e autores, a tônica do capítulo 3 é a distribuição temporal das sucessivas teorias da gramática gerativa. Com exceção dos primeiros anos, em que o impacto das idéias gerativistas não havia chegado a Portugal, essa cronologia nos deixa com um quadro que não é muito diferente do que ocorreu no resto do mundo. O interesse do levantamento consiste no fato de que se está restringindo a atenção aos trabalhos realizados em Portugal sobre a língua portuguesa.

O capítulo 4 desperta o interesse já pelo seu título: "Algumas particularidades sintácticas do Português vistas por autores portugueses". O "português" analisado é sempre a variante conhecida como Português Europeu (PE) e as "particularidades sintáticas" abordadas são o Sujeito Nulo, a posposição de sujeito e os movimentos do verbo, o SV nulo, a colocação de clíticos, a anteposição de constituintes no início da frase, e o infinitivo flexionado. O capítulo traz, ainda, uma síntese da estrutura da sentença simples em PE e um parágrafo dedicado à estrutura do SN.

A lógica do capítulo 4 é complementar à do capítulo 3. Se no capítulo 3 a linha diretora era a sucessão de teorias no tempo, no capítulo 4 é a abordagem de um grupo de fenômenos. Por exemplo, no parágrafo dedicado ao Sujeito Nulo, Brito parte de uma exposição mais ou menos intuitiva do que seja um Sujeito Nulo, mostra como ele foi tratado nos tempos em que ainda se falava em "Equi NP Deletion" e acompanha o raciocínio que levou ao tratamento deste tipo de fenômeno nos quadro de uma teoria de Parâmetros. Consegue-se assim um quadro mais ou menos claro de como o fenômeno vem sendo tratado pelos lingüistas portugueses nestes últimos 30 anos. Infelizmente, o livro não faz (nem pretende fazer, creio) uma análise mais detalhada e demorada dos tratamentos alternativos dos grupos de fenômenos. Ou seja, o quadro apresentado é bastante superficial.

É extremamente interessante a síntese sobre a estrutura oracional do PE que Brito apresenta, ao final do percurso pelas "particularidades sintáticas" estudadas. A partir dos estudos realizados pelos lingüistas portugueses, a autora crê ser possível concluir, entre outras coisas, que o PE é uma língua de sujeito nulo; é uma língua de ordem básica SVO; admite SV nulo, sem necessitar de um V auxiliar; etc.

A autora encerra o capítulo 4 com uma avaliação do trabalho realizado coletivamente pela comunidade. Com uma breve alusão à natureza sempre incompleta da atividade científica, a autora considera que os sintaticistas têm contribuído para a compreensão da linguagem humana (como era de se esperar!).

A Bibliografia constante no capítulo 5, com mais de 250 entradas, lista livros, artigos, teses e dissertações de sintaxe gerativa escritas por autores portugueses tendo por objeto o PE. Juntamente com os capítulos 3 e 4, revela a exata dimensão da atividade científica dos gerativistas nestes 30 anos.

Os capítulos 1 e 2, por sua vez, pouco, ou nada, trazem sobre a situação da lingüística portuguesa: o capítulo 1, em pouco mais de cinco páginas, traça um quadro geral da situação que antecedeu o surgimento do gerativismo e o capítulo 2, em cerca de trinta páginas, mostra o percurso da teoria gerativa desde o final dos anos 50 até os anos 90 (de "Syntactic Structures" ao "Programa Minimalista"). Ora, a história do programa gerativista é bastante bem conhecida e há uma série de livros que a apresentam em detalhes (por exemplo, Newmeyer 1980 e Lobato 1990, para o período que vai das primeiras propostas até a Teoria de Regência e Ligação). O mesmo se pode dizer dos programas que antecedem o gerativismo, em particular o estruturalismo. Não se percebe, também, o papel que esses dois capítulos exercem na economia do livro: eles certamente não pretendem apresentar as teorias (gerativistas ou não) para os leitores (a própria autora é prudente em afirmar que o livro "não é uma introdução à Sintaxe nem uma apresentação detalhada de teorias sintácticas" (p. 9)); tampouco pretendem rever as propostas clássicas de periodização dos estudos lingüísticos; nem mesmo são articulados com a história da produção sintática portuguesa que se seguirá, como "pano de fundo", já que, caberia integralmente ao leitor a tarefa de fazer as relações entre o que acontecia no mundo e o que acontecia em Portugal em cada momento. Acredito que um panorama histórico do desenvolvimento da teoria lingüística poderia ser interessante se situasse de forma clara os aspectos dos quadros teóricos particulares utilizados (ou ignorados) pela comunidade científica portuguesa. Como estão, os capítulos 1 e 2 não servem de introdução à história do pensamento lingüístico recente para os iniciantes, nem acrescentam muito para os já iniciados. Em outras palavras, esses dois capítulos me parecem perfeitamente dispensáveis num livro de história dos estudos sintáticos em Portugal com as características que o livro de Ana Maria Brito tem.

No fim, o saldo é positivo. O livro é interessante e agradável de ler (especialmente para quem tem certa familiaridade com as análises da gramática gerativa). Trata-se de um livro útil para os gerativistas, tanto como "motor" que impulsiona a pesquisa científica como enquanto "vitrine" em que se mostra o muito que já se fez.

  • LOBATO, L. M. P. (1986) Sintaxe Gerativa do Portuguęs: da Teoria Padrăo ŕ Teoria de Regęncia e Ligaçăo Belo Horizonte: Vigília.
  • NEWMEYER, F. J. (1980) Linguistic Theory in America New York: Academic Press.
  • NIETZSCHE, F. 1874 [1964]. Considerations Inactuelles II: de l'utilité et des inconvénients de l'histoire pour la vie Paris: Aubier.
  • 1
    As datas remetem à bibliografia do livro resenhado que, obviamente, não reproduzirei aqui.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2002
    • Data do Fascículo
      2000
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