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O Professor de Línguas Estrangeiras: Construindo a Profissão

RESENHA/REVIEW

LEFFA, VILSON J. (org) O Professor de Línguas Estrangeiras – Construindo a Profissão. Pelotas: Educat, 2001.

Resenhado por/by Jussara Olivo Rosa Perin

(Universidade Estadual de Maringá – Instituto de Línguas;

Universidade Estadual de Londrina, Mestrado em Letras)

Palavras-Chave: Language Teaching; Foreign Language Teacher; Teacher Development.

Key-words: Ensino de Línguas; Professor de Línguas Estrangeiras; Formação de Professores.

Esta mais nova obra coletiva direcionada à formação e desenvolvimento profissional de professores de línguas estrangeiras parte do questionamento "Como se faz um professor de LE?", levantado durante o II Encontro Nacional Sobre política de Ensino de Línguas Estrangeiras, realizado pela Associação de Lingüística Aplicada do Brasil (ALAB), em setembro de 2000, em Pelotas, RS., onde estiveram professores e pesquisadores de todo o Brasil e do Mercosul. O livro parte da idéia básica de que para se fazer um professor de línguas estrangeiras é necessário ter uma teoria (base de conhecimento profissional), fazer uma prática, conduzir uma pesquisa e por último, desenvolver uma política de atuação. O conhecimento da teoria mostra a importância da atualização para a emancipação do professor. Só um professor emancipado pode ser capaz de mudar a história, de ter segurança em transgredir e modificar de modo efetivo o currículo, quando necessário. A prática mostra como o conhecimento pode ser construído e utilizado, a partir do trabalho colaborativo entre colegas professores, com o uso das novas tecnologias. A pesquisa constrói a ponte entre a teoria e a prática. Partindo da sua realidade de sala de aula, o professor que pesquisa sabe estabelecer a relação entre o que faz e o que acredita. O último passo é o desenvolvimento de uma consciência política sobre ensinar/aprender línguas. O livro também reforça a idéia do ensino colaborativo aliado ao uso das novas tecnologias, uma forma de aliar práticas socialmente corretas às atuais formas de desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, algumas vezes tão individualizadoras e solitárias.

O livro é composto de 24 trabalhos selecionados dentre os 163 apresentados durante o evento e são apresentados de forma a responder quatro questionamentos atuais na área de formação de professores: (1) as idéias predominantes na área, (2) como estas idéias são tratadas na prática, (3) o que mostram as pesquisas, e (4) o que se pode fazer para melhorar.

Vilson J. Leffa, seu organizador, é conhecido por sua capacidade editorial, vide As palavras e sua companhia: O léxico na aprendizagem das línguas, também lançado pela Educat, em 2000, e que conta com dez trabalhos reunidos envolvidos com a questão do léxico, bem como a organização do CD ROM TELA, com 44.000 páginas de textos em Lingüística e Lingüística Aplicada, além de muitas outras edições periódicas acadêmicas. Sem dúvida alguma, um grande trabalho na promoção do referencial sistematizado da base de conhecimentos da profissão Professor de Línguas Estrangeiras.

O livro O Professor de Línguas – Construindo a Profissão reúne as idéias, experiências, pesquisas e sugestões de ação política de alguns dos principais pesquisadores brasileiros sobre a formação de professores em língua estrangeira. Muitos dos nomes que aqui figuram são velhos conhecidos dos estudantes e atuantes na área, com idéias nem sempre tão originais, mas que historicamente revelam a preocupação com a formação profissional dentro da mais nova tendência: a formação profissional reflexiva.

Como já foi dito anteriormente, o livro está dividido em quatro partes: a primeira trata das idéias, aqui tratadas por nomes como os de Celani e Hilário Bohn. O texto de Celani abre o livro e a sua primeira parte, e expressa a 'aura' do livro: o que se espera do profissional da educação, mais precisamente do profissional de LE. Celani passeia pelo passado da formação profissional e trata dos aspectos pragmáticos relativos ao estabelecimento muitas vezes inadequado da carreira docente, desde a formação universitária do professor de línguas, até a questão mal resolvida do ensino público no Brasil. A idéia apresentada neste artigo não é nada nova, mas vale pela motivação para reflexão que proporciona, a de que a construção da teoria que deve embasar o ensino de LE deve partir de uma reflexão sobre a prática. Nesta mesma linha segue o trabalho de Weininger, que ao propor mudanças no papel de professores e alunos, contempla a idéia de 'letramento novo', atualmente cobrando a atuação profissional do professor de línguas estrangeiras em novas áreas de conhecimento, como a política, a cultural, a da computação, da informação, para citar algumas. Weininger mostra uma recaída pedagógica ao estabelecer sua sinopse das abordagens didáticas como um anexo, o que por outro lado se mostra um resumo ideal para estudantes.

O trabalho de Nívea Figueiredo Amaral, também na primeira parte do livro, é mais específico, e parte dos resultados obtidos pelo projeto de pesquisa Uma análise do ensino de línguas estrangeiras sob a perspectiva da pedagogia Waldorf e sua aplicabilidade no contexto brasileiro. O trabalho considera aspectos teóricos e práticos da abordagem, relacionando as atividades desenvolvidas de acordo com a idade das crianças.

Maria da Graça C. do Amaral apresenta a idéia e a aplicação do método pensamento sistêmico interdisciplinar a um grupo de alunos de um centro de línguas estrangeiras, demonstrando um tipo de aprendizagem que desperta a consciência do aluno (autoatividade), que parte do conhecimento da própria identidade até o reconhecimento da identidade global.

O livro não poderia prescindir das idéias de outro ícone pensante: Hilário Bohn, que em Maneiras inovadoras de ensinar e aprender; a necessidade de des(re)construção de conceitos trata das idéias também apresentadas em sua fala na última convenção de professores de inglês dos estados do sul em Porto Alegre (maio/junho 2001). Bohn retoma a idéia de "ecologia em construção" preconizada por Habermas, onde os consensos sociais são construídos, mas seus participantes percebem a sua instabilidade através de uma linguagem dialógica. Na sala de aula, isto ocorre quando desmontamos nossa conhecida imagem de professor detentor de verdades e julgamentos, e tentamos remodelar nossa nova forma de professor 'ideal' para os novos tempos: aquele que não tem mais as respostas prontas e verdades incontestáveis, mas aquele que "leva perguntas a serem entretidas, verdades a serem construídas e desconstruídas", como tudo na vida reage "dentro de subjetividades personalizadas, construídas historicamente."

O trabalho de Marina Tazón Volpi, também se preocupa em tratar dos novos enfoques da função docente, e como muitos apresentados neste livro, traz um apanhado histórico sistematizado da evolução da prática pedagógica. Material rico e precioso para graduandos.

A segunda parte do livro, Qual é a prática?, apresenta trabalhos que relatam experiências de construção de conhecimento de modo colaborativo e dialógico, de certa forma refletindo a teoria na prática, ou seja, colocando as idéias preconizadas na primeira parte do livro em atuação no contexto de ensino/aprendizagem de LE.

O trabalho de Anderson Salvaterra Magalhães é retirado de sua dissertação de mestrado em Lingüística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando assumiu a orientação de professoras de língua inglesa pré-serviço em um centro de línguas aberto à comunidade, mantido pela extensão universitária. Magalhães utiliza a noção dialógica de discurso introduzida por Bakhtin, numa proposta de formação de profissionais reflexivos.

O pessoal de Pelotas acha-se representado pelo trabalho de Anne Marie Moor, Rafael Vetromille de Castro e Giordana Pozza Costa, que trata do ensino colaborativo na formação do professor de inglês instrumental, desenvolvido no contexto de ensino de língua instrumental baseado em um modelo psicolingüístico de leitura. O texto faz um apanhado bibliográfico das variadas concepções de leitura dentro das diferentes perspectivas de ensino, antes de envolver-se com a questão propriamente dita: a necessidade do professor pré-serviço de construir conhecimento sobre leitura, texto, planejamento e ensino, partindo da própria prática e desenvolvendo a capacidade de reflexão em relação com seu próprio trabalho, não se esquecendo da necessidade de um trabalho colaborativo, onde todos os envolvidos poderiam "tirar proveito" das atividades elaboradas.

Ciente da necessidade de se dominar os novos saberes preconizados pelos pesquisadores – a saber: habilidades para resolver problemas, elaborar discussões com clareza, apresentar soluções originais, ter mente aberta para mudanças e por último, dominar o computador, Desirée Motta-Roth, profunda conhecedora dos modos como esta última habilidade auxilia na criação de oportunidades efetivas de ensino/aprendizagem de línguas, mostra também a sua preocupação com a formação integral do professor pré-serviço. A autora apresenta o uso do chat entre professores pré-serviço como forma de discussão dos conteúdos teórico-práticos referentes ao ensino/aprendizagem da língua estrangeira, rompendo com a verticalidade da relação professor-aluno, deslocando o centro da atenção para o aluno, levando à interação e a compreensão conjunta da leitura.

Na mesma linha de emprego de recursos tecnológicos para o ensino/aprendizagem de línguas seguem os dois trabalhos seguintes. O primeiro, da pesquisadora mineira Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, também disponível em seu site na internet, Derrubando paredes e construindo comunidades de aprendizagem reporta a experiência de desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita em inglês para alunos do curso de Letras. O segundo, de Christiane Heeman Faustino, trata das perspectivas da educação à distância, seguindo uma proposta colaborativa. Em seguida, Luciane Salcedo de Oliveira Malatér aborda a educação continuada de professores dentro da realidade de um curso de extensão universitária. Sem dúvida um relato otimista do envolvimento reflexivo dos professores de língua inglesa participantes (setor público e particular de ensino) nas discussões sobre o contexto educacional onde atuam. E para finalizar esta parte, Leffa apresenta o artigo de Christine Nicolaides e Vera Fernandes, também de Pelotas, que retrata a implementação de um centro de aprendizagem autônoma de línguas.

A terceira parte do livro, O que mostram as pesquisas, resgata as idéias e concepções que professores pré e em serviço pesquisados apresentam sobre ensino/aprendizagem, suas crenças em conflito com a teoria recebida, sua postura profissional frente às demandas institucionais. Apresenta também uma análise reflexivamente crítica das propostas que buscam a formação continuada consciente.

O grupo londrinense liderado por Telma Gimenez apresenta o caso de socialização de uma professora pré-serviço frente às exigências e pressuposições institucionais. As crenças mostradas na biografia e a socialização da professora com a disciplina (a negociação de seus conhecimentos, valores e princípios) mostram-se como pontos reveladores na constatação da prática empregada pela mesma.

Sob a perspectiva dos elementos da análise crítica do discurso, Débora Figueiredo, de Santa Catarina (onde tal linha de pesquisa tem sido bem desenvolvida), aborda A importância do metaconhecimento sobre noções de discurso e ideologia na formação do profissional de Letras. A autora mostra a importância da leitura crítica de textos, que geralmente expressam significados ideológicos e seguem normas ideológicas geralmente tidas como naturais. Apesar de certo tom forçadamente feminista no ar, (imposto pela estilística feminista de Mills), certamente nos faz refletir.

A importância do emprego de metodologias de pesquisa como a pesquisa-ação como instrumento na busca da reflexão através da busca da autonomia profissional é tratada pelas pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Lins Rocha e Alice Maria da Fonseca Freire.

Em Formação da competência do futuro professor de inglês, Solange T. Ricardo de Castro faz um recorte de sua tese de doutorado, considerando a perspectiva Vygotskiana de construção da competência de ensino do professor como sendo a mais apropriada (além de estar tão presente em nossos Parâmetros Curriculares no que se referem à construção de conhecimento a ser proporcionada aos alunos). A partir desta perspectiva, o conhecimento se forma no interior das relações sociais, o que possibilita a construção partilhada de instrumentos e de processos de significação. Para a autora, as universidades devem se moldar às novas demandas e necessidades de seus alunos, e chama os professores a participarem desta mudança, engajando-se em processos de investigação (pesquisa-ação).

Partindo de uma análise das propostas sugeridas pelos PCNs-LE no que se refere à habilidade oral (fala como prática social), Vera Cristóvão, da Universidade Estadual de Londrina, relata sua participação como docente em um dos módulos da formação continuada promovida pela PUC-SP, a rede estadual de ensino e a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de São Paulo, Reflexão sobre a ação: o professor de inglês aprendendo e ensinando. A autora propõe uma investigação colaborativa das atividades orais aplicadas pelos próprios professores, com posterior discussão das noções teóricas subjacentes às mesmas e a determinação do fator norteador da atividade comentada.

A terceira parte do livro é encerrada pelo trabalho de Aurélia Leal Lima Lyrio, do Espírito Santo, e trata das Expectativas de professores e alunos em relação à correção do erro oral em língua inglesa. Alerta principalmente para o risco da fossilização de erros, já que segundo muitas pesquisas na área, muitas vezes o erro (sua existência e localização) não é devidamente percebido pelo aluno.

A quarta e última parte do livro organizado por Leffa fecha o leque de atuação do professor comprometido com seu desenvolvimento profissional continuado, reflexivo e colaborativo (idéias que permearam a maioria dos trabalhos apresentados): a ação política na formação do professor. O próprio Leffa é o autor do primeiro trabalho: Aspectos políticos da formação do professor de línguas estrangeiras. Leffa propõe um 'cardápio' de questionamentos em seu trabalho: pode parecer um tanto quanto nativista ou mentalista ao lembrar, no início de seu trabalho, o dom da articulação lingüística, própria dos humanos. Discute também a importância da distinção entre treinar e formar professores, ressaltando a importância da formação: a busca da reflexão e os motivos e justificativas de determinadas ações tomadas. Alerta também para a 'prescrição da validade' do conhecimento, em constante mutação e evolução. Tudo isso serve de introdução para a parte 'política' do trabalho: a legislação vigente: a LDB sobre o ensino da língua estrangeira (e a sua problemática implementação) e a iniciativa e/ou responsabilidade pela formação profissional de professores de língua estrangeira nem sempre em sintonia com as exigências do mercado. Leffa faz um passeio histórico pela evolução do material didático, questionamentos ideológicos, o papel das associações e os novos objetivos do ensino/aprendizagem de LE que contemplam uma língua multinacional. Considerar como formação política todos estes pontos levantados por Leffa e compreender a ação política inerente ao ser professor proporcionariam o primeiro passo, quem sabe, para uma formação profissional plena.

Diversas associações de professores de língua estrangeira se acham representadas no artigo O papel das associações na formação de professores. Cada presidente de associação fornece uma espécie de 'relatório' das atividades desenvolvidas pelas suas respectivas associações, num trabalho rico em detalhes e dados.

Maura Dourado e Glória Obermark, da Universidade Federal da Paraíba promovem Uma reflexão sobre Parâmetros Curriculares Nacionais de línguas estrangeiras e transposição didática, tratando das noções de interdisciplinaridade e transversalidade do documento, que para serem colocadas em prática conclamam a necessidade de reflexão e diálogo (dentro de comunidades pedagógicas).

O livro fecha os questionamentos sobre a política do ensinar/aprender línguas estrangeiras com dois trabalhos que tratam do ensino/aprendizagem em contextos específicos: A manutenção de ensino da língua ucraniana em comunidade bilíngüe: português/ucraniano, de Marlene Maria Ogliari e Política de ensino da língua portuguesa no Japão, de Junko Okamura.

A formação profissional do professor de línguas estrangeiras mostra-se fortemente alicerçada em quatro pontos de inquestionável importância, assim como são quatro as partes formadoras deste precioso livro: a teoria, a prática, a condução da pesquisa e o desenvolvimento de uma política de atuação. Sem dúvida esta é a base de qualquer profissão de respeito. Sabemos que toda profissão revela a sua importância nos atos de seus seguidores, na forma como desenvolvem e propagam sua base de conhecimento e na forma como estes mesmos profissionais acreditam que a sua prática pode ser renovada e melhorada a cada dia. Desta forma, não fica difícil estabelecer-se uma política de atuação que contemple os anseios de cada profissional.

Recebido em agosto de 2001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2002
  • Data do Fascículo
    2002
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