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A oralidade no processo de alfabetização: o debate (sempre e de novo) sobre como fazer convergir prática pedagógica e projeto formativo humanizador

Orality in the literacy process: the ongoing debate on how to converge pedagogical practices and a humane formative project.

RESUMO

Este artigo tem como objetivo desenvolver uma discussão de caráter teórico-filosófico relacionada ao campo da alfabetização, com desdobramentos de ordem metodológica para o trabalho escolar em torno da oralidade, na forma de diretrizes. Para tanto, expõe-se, a partir da fundamentação materialista, histórica e dialética, a relação entre trabalho e linguagem, tomados à luz dos conceitos de objetivação e apropriação, sendo, para isso, retomada a indissociabilidade entre teoria e prática também no trabalho pedagógico. Na defesa, em nome de um projeto formativo humanizador, de que cabe à escola o reconhecimento das necessidades do sujeito histórico/concreto, as quais podem não corresponder às necessidades imediatas do sujeito empírico, são apontadas as fragilidades das pedagogias hegemônicas, ao mesmo tempo em que se discute que o planejamento pedagógico compromissado com o desenvolvimento da oralidade deve centralizar os gêneros do discurso secundários, constituindo-se a produção textual na esfera escolar a partir da vinculação entre as modalidades escrita e oral da linguagem.

Palavras-chave:
produção textual; oralidade; sujeito concreto/histórico; projeto formativo humanizador

ABSTRACT

This study aims to discuss literacy from a theoretical philosophical perspective. Such discussion will establish a new set of guidelines to the treatment of orality at school during the literacy process. To that end, we express the relationship between work and language from a materialist, historical, and dialectical viewpoint, using the notions of objectification and appropriation, which draw on the inseparable character of theory and practice in pedagogy. We also defend the idea that to develop a humane formative project, the school has to acknowledge that the needs of a real and historically located individual are different from those of an empirical one. With this in mind, we identify the weaknesses of hegemonic pedagogies and advocate that a pedagogical plan committed to developing orality should consider as central discourse genres traditionally treated as secondary, thereby providing a connection between oral and written modes during the production processes of texts at school.

Keywords:
textual production; orality; concrete/historical subject; humanizing formative project

1. Introdução

Em um momento histórico profundamente assolado pelo ‘obscurantismo beligerante’3 3 O termo ‘obscurantismo beligerante’ procura conceituar “a difusão de uma atitude de ataque ao conhecimento e à razão, de cultivo de atitudes fortemente agressivas contra tudo aquilo que possa ser considerado ameaçador para posições ideológicas conservadoras e preconceituosas. Essa atitude vai além da defesa de posições de direita, caracterizando-se pela disseminação de um ambiente de hostilização verbal e física a qualquer ideia ou comportamento considerados ‘esquerdizantes’, ‘vermelhos’ ou ‘imorais’” (Duarte, 2018, p. 139). (Duarte, 2018Duarte, N. (2018). O currículo em tempos de obscurantismo beligerante. Revista Espaço do Currículo, 11(2), 139-145. https://periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/view/ufpb.1983-1579.2018v2n11.39568
https://periodicos.ufpb.br/index.php/rec...
), discutir currículo escolar e planejamento/organização do trabalho educativo não é questão acessória, especialmente se entendermos que uma importante forma de revolução social envolve diretamente ações em favor da formação humana (Lénine, 1975Lénine, V. I. (1975 [1957]). Karl Marx e o desenvolvimento histórico do marxismo: Cinco escritos fundamentais de V. I. Lénine acerca de Marx e do Marxismo. Edições Avante!. [1957]). Essas ações, no modo de sociabilidade vigente, são centradas nas instâncias formais, escola e universidade; então, pensar o que se prioriza na forma de currículo e de que maneira isso reverbera nas práticas pedagógicas é tema de significativa importância, merecendo tratamento teórico acurado.

Esse rigor é garantido, em consonância com o materialismo histórico e dialético (Marx; Engels, 2007Marx, K.; Engels, F. (2007 [1845-6]). A ideologia alemã. Boitempo. [1926]; Marx, 2010 [1844]; Löwy, 1987Löwy, M. (1987). As aventuras de Karl Marx contra o barão de Müchhausen: Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento. Cortez.; Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.), à medida que as produções do campo científico consigam, no enfoque da educação, desvelar orientações políticas inerentes aos projetos e às ações educacionais, tanto quanto deslindar possibilidades de reposicionamento no que diz respeito à dimensão metodológica do trabalho de ensino.

Para isso, especificamente no que compete à educação linguística, convém dar destaque à necessária superação da oposição teoria e prática, prevalecente também nesta dimensão do trabalho educativo, a qual secundariza elaborações teóricas que evidenciam a impossibilidade de sustentar essa oposição, considerando-se o compromisso com um debate acadêmico rigoroso (Marx, 2013Marx, K. (2013 [1843]). Crítica da filosofia do direito de Hegel [Introdução]. In K. Marx, Crítica da filosofia do direito de Hegel (pp. 151-163). Boitempo. [1843]; 2010 [1844]; Vázquez, 1977Vázquez, A. S. (1977 [1967]). Filosofia da práxis. Paz e terra. [1967]; Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra.). Nessa direção, a contribuição de Britto (2012Britto, L. P. L. (2012). Inquietudes e desacordos: A leitura além do óbvio. Mercado de Letras.) merece ser destacada.

Assumindo um movimento que vai da educação para a linguagem, esta entendida como produto do trabalho humano, Britto (2012Britto, L. P. L. (2012). Inquietudes e desacordos: A leitura além do óbvio. Mercado de Letras., p. 83-4, grifos no original) define dois pressupostos básicos a partir dos quais concebe o ensino de língua nesses termos: (i) “a função primordial da educação escolar é contribuir para o desenvolvimento intelectual e social dos alunos” e

[...] (ii) a educação linguística implica a ação pedagógica que leve o estudante a perceber a língua e a linguagem como fenômenos históricos complexos, a compreender seu funcionamento, usos e formas [...] usá-la com propriedade nas modalidades oral e escrita, em especial para estudar e aprender e viver sua subjetividade.

Esses dois pressupostos sinalizam para as múltiplas determinações que envolvem os processos de ensino e aprendizagem da língua(gem), pelo menos no escopo da educação formal.

A educação linguística no âmbito da alfabetização, assim, não passa ilesa da necessidade de reflexão crítica a partir dessas mesmas determinações, uma vez que o trabalho educativo já na alfabetização deve contribuir para: (i) a ampliação da capacidade de interpretação da realidade; (ii) a apreensão de conceitos; e (iii) a problematização da vida concreta (Britto, 2012Britto, L. P. L. (2012). Inquietudes e desacordos: A leitura além do óbvio. Mercado de Letras.). Tais aspectos evidenciam, ainda, uma compreensão da especificidade do ensino escolar, pautada na perspectiva crítica e ocupada com um objetivo formativo que supera a mera adaptação dos indivíduos à ordem vigente, ao apostar numa “educação escolar formativa e não instrucional” (Britto, 2012Britto, L. P. L. (2012). Inquietudes e desacordos: A leitura além do óbvio. Mercado de Letras., p. 97), ainda que educação escolar formativa seja entendida numa lógica de superação por incorporação do aspecto instrucional.

O trabalho com o que os documentos oficiais vêm chamando, desde a década de 1990 (Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, 1997Brasil. Secretaria da Educação Fundamental. (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua portuguesa. Secretaria da Educação Fundamental. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd...
) e ainda hoje (Base Nacional Comum Curricular - BNCC, 2017Brasil. Ministério da Educação. (2017). Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/...
), de eixos do ensino e da aprendizagem de língua - leitura, produção textual escrita, análise linguística e oralidade -, supostamente tem presente essas múltiplas determinações, porque necessariamente submetido a elas e, consequentemente, reconhece-se voltado à promoção de um ideal de formação humana. Isso não passa ao largo da especificidade do campo da alfabetização, já que os processos orientados para esse momento da educação formal têm como premissa um objetivo formativo que pode estar mais ou menos evidente nos projetos educacionais, mas sempre está presente.

Nos limites deste trabalho, priorizaremos a reflexão sobre o que os mencionados documentos oficiais do país têm posicionado como eixo do trabalho de Língua Portuguesa no ensino escolar, a oralidade. Tem-se o objetivo de (i) revelar, pela mediação teórico-conceitual de filiação marxista, as determinações que envolvem o trabalho educativo com essa dimensão da linguagem verbal e (ii) a partir dessa mesma mediação, avançar com a proposição do que deva ser priorizado no âmbito dos currículos para a alfabetização e a possibilidade de fazê-lo, por concebermos que também as ações educativas que tomam a linguagem verbal na modalidade oral estão a serviço da adaptação ou da humanização nesse momento da escolarização.

2. Sujeito empírico e sujeito concreto/histórico: contribuições para pensar sobre o papel da oralidade nos projetos formativos

O capitalismo utiliza diversas formas de inculcação da ideia de que sua organização e manutenção se dão naturalmente, escamoteando o fato de que, ao se valorizar o mundo das coisas, aumenta-se proporcionalmente a desvalorização do humano e das necessidades do ser social como produção histórica (Marx, 2010 [1844]). Isso porque o trabalho, no capitalismo, “não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isso na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral”, sendo “o objeto [...] que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produtor” (Marx, 2010 [1844], p. 80, grifos no original). Neste modo de sociabilidade, a objetivação - efetivação da atividade humana - subsome o trabalhador à desefetivação, na medida em que reposiciona essa relação, ou seja, “a objetivação [passa a ser tomada] como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento [...], como alienação” (Marx, 2010 [1844], p. 80, grifos no original).

Compreender a organização social dessa forma e a constituição dos seres humanos nessa dinâmica requer um movimento de superação da dimensão fenomênica. Essa superação é demandada para que haja compreensão da realidade social como resultado da ação humana ao longo da história e, por isso mesmo, como não natural, transformável. Nesses termos, reconhecer a realidade concreta, material-sensível, torna-se fundamental e possível apenas pela identificação dos elementos em movimento, em contradição e na totalidade, o que não é possível no plano da aparência do fenômeno, no contato/na experiência estrita com a realidade imediata (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra.).

“O ser humano é um ser genérico” (Marx, 2010 [1844]) consiste em um pressuposto irrevogável da compreensão da realidade como resultante de um processo histórico, envolvendo o trânsito metabólico ativo entre ser humano-natureza-sociedade. É nesse e desse trânsito que se funda a necessidade de pensar o ser humano como ser social, na dimensão ontológica. Tal dimensão significa suprassumir (Ranieri, 2010Ranieri, J. (2010). Apresentação: sobre os chamados Manuscritos econômico-filosóficos de Karl Marx. In K. Marx, Manuscritos econômico-filosóficos (pp. 11-17). Boitempo.), simultaneamente, compreensões do ser humano meramente biologicistas e centradas/hipercentradas na subjetividade. A partir desse pressuposto, reconhece-se que o ser humano se humaniza a partir da dimensão biológica/orgânica, a qual é base e condição para o seu desenvolvimento, e que, ao fazê-lo, constitui, à medida que a vive, sua subjetividade, ainda que essa dimensão em si não determine e tampouco seja suficiente para a compreensão do que forma a gênese do ser humano, concebido como indissociavelmente genérico, particular, singular e que compartilha a mesma base biológica/orgânica.

Essa compreensão da gênese humana requer a assunção do indivíduo como representante do ser social, que se constitui ontogeneticamente, implicando concebê-lo como ser que se humaniza nas/pelas atividades das quais participa. Isso se dá porque, ao fazê-lo, congrega em suas ações, em favor de tal atividade, teoria e prática, a práxis (Vázquez, 1977Vázquez, A. S. (1977 [1967]). Filosofia da práxis. Paz e terra. [1967]). Aqui, importa um registro: originalmente as atividades humanas só poderiam ser concebidas dessa forma; “A prática, para desenvolver-se e produzir suas consequências, necessita da teoria e precisa ser por ela iluminada” (Saviani, 2013aSaviani, D. (2013a [1991]). Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. Autores Associados. [1991], p. 120). Ocorre que, no capitalismo, há uma cisão artificial e deliberada entre trabalhos manual e intelectual, a qual incide nas (im)possibilidades da compreensão do trabalho como atividade vital humana, porque pautada na lógica da alienação. Reconhecer tal cisão impõe a necessidade de empreender-se um esforço, que envolve também a formação dos seres humanos, de redialetização dessas dimensões do agir do ser social.

A formação humana associa-se a esse processo em razão da impossibilidade de se identificar essa relação em dialética pela mera observação ou atuação na imediatez cotidiana. Nesses termos, para conhecer a realidade na lógica da práxis, é necessário superar a centração nas ideias de que isso seja sinônimo de sua identificação fenomênica e de produção de representações sobre a realidade. Isso porque “‘a existência real’ e as formas fenomênicas da realidade [...] são diferentes e muitas vezes absolutamente contraditórias com a lei do fenômeno, com a estrutura da coisa e, portanto, com o seu núcleo interno essencial e seu conceito correspondente” (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra., p. 10, grifos no original). Da mesma forma, “A representação da coisa não constitui uma qualidade natural da coisa e da realidade: é a projeção, na consciência do sujeito, de determinadas condições históricas petrificadas” (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra., p. 15, grifos no original).

Conhecer a realidade, se não de forma isomórfica às tentativas de tomada do real em abordagens fenomênicas ou representacionais, suprassume essas tentativas ao conceber que “O mundo fenomênico tem uma estrutura, uma ordem própria, uma legalidade própria que pode ser revelada e descrita” (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra., p. 11), a despeito das tentativas de naturalização impostas pelo capitalismo. Não se trata, pois, de eleger o que tem primazia ou mesmo promover uma ruptura entre fenômeno, representação e essência, mas de reposicioná-los dialeticamente.

Nessa mesma direção, importa apresentar a relação entre o sujeito que conhece e a realidade a conhecer. Para isso, a partir do fundamento marxista e da tendência de cindir teoria e prática que se projeta ao longo da história, é possível categorizar as abordagens sobre essa relação em três concepções: (i) sujeito abstrato, (ii) sujeito empírico e (iii) sujeito concreto/histórico. A primeira tende a focalizar a lógica exclusivamente teórica, para sustentar que o sujeito cognoscente é “uma mente pensante que examina a realidade especulativamente” (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra., p. 9). Já a segunda, ainda sob essa lógica artificialmente partida, identifica o sujeito com aquele que conhece, tendo como ponto de partida e de chegada a práxis utilitária imediata e o senso comum, os quais permitem ao sujeito “orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade” (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra., p. 10, grifo no original). O que permitiria efetivamente a compreensão do real se pauta justamente na terceira forma de conceber o sujeito, a que o toma como concreto/histórico sob uma lógica superadora por incorporação das demais concepções. Na base dela, está o entendimento de que é a partir da relação pela via do trabalho que o sujeito, na busca por atender suas necessidades, as reelabora, complexificando-as, ao mesmo tempo em que as representa, valora e fixa provisoriamente. Isso se dá no caso de o sujeito tomar parte da realidade como práxis histórica/revolucionária (Marx, 2010 [1844]; Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra.).

É nesse e por esse processo que os indivíduos, pela mediação da abstração e do conceito, reconhecem-se e se formam como sujeitos concretos/históricos. Enfatizar essa forma de conceber o ser humano significa alinhar-se a uma compreensão de que o problema do conhecimento precisa ser enfrentado numa lógica ontogenética, não cindida - sujeito e objeto -, mas em consonância com o que se grassa no padrão filosófico-científico marxiano (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.): o objeto tem primazia sobre o sujeito, porque as realidades natural e social têm existência, ainda que como resultado da ação humana historicamente, independentemente de cada novo indivíduo da espécie humana ter ou não consciência sobre essa existência.

Para se conhecer a realidade, é necessária uma passagem que vai do empírico ao concreto sob a mediação do abstrato (Marx, 2011Marx, K. (2011 [1857-58]). Grundrisse. Boitempo. [1857-8]). Essa passagem envolverá, no plano da formação humana, ação sistemática e organizada, a fim de “possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de modo que as tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação das relações sociais” (Saviani, 2013aSaviani, D. (2013a [1991]). Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. Autores Associados. [1991], p. 121). Trata-se de uma ação que envolve compromisso com a orientação dos projetos educacionais para uma formação humana omnilateral.

Também nessa orientação, há que se ter no horizonte a dinâmica entre as concepções de sujeito, para o que importa destacar a diferença entre aluno empírico e aluno concreto, apresentada por Saviani (2013aSaviani, D. (2013a [1991]). Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. Autores Associados. [1991]) e discutida mais adiante neste artigo. Nesse sentido, o autor, ao convergir com o fundamento filosófico marxista, faz uma importante inflexão: as tendências pedagógicas inovadoras, que preconizam o lema aprender a aprender (Duarte, 2006Duarte, N. (2006). Vigotski e o “aprender a aprender”: Crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Autores Associados.), promovem uma centração no aluno, pautada na concepção de sujeito empírico, pela ruptura com a lógica então prevalecente de verticalização no professor pela assunção do aluno como sujeito abstrato. Tal promoção escamoteia a mesma matriz política conservadora da ordem vigente que aproxima a ambas e impede o avanço na compreensão crítica sobre que projetos formativos seriam mais convenientes para que a agenda transformadora, assumida pelas instituições formais supostamente, seja levada a efeito. Na base disso, deveriam considerar os interesses do aluno concreto, que envolveria a concepção de sujeito histórico/concreto e, portanto, a suprassunção do sujeito empírico. O autor assim explica essa relação:

[...] o que é do interesse desse aluno concreto diz respeito às condições em que se encontra e que ele não escolheu. Assim, também as gerações atuais não escolhem os meios e as relações de produção que herdam da geração anterior, e a sua criatividade não é absoluta, mas faz-se presente. [...] os educandos, enquanto concretos, também sintetizam relações sociais que eles não escolheram. [...] firmando-se o princípio de que o atendimento aos interesses dos alunos deve corresponder sempre aos interesses do aluno concreto (Saviani, 2013aSaviani, D. (2013a [1991]). Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. Autores Associados. [1991], p. 121).

Essa defesa se relaciona diretamente ao problema do conhecimento, à elaboração de currículos e ao desenvolvimento das ações de ensino, também no âmbito da alfabetização, na medida em que a identificação fenomênica da realidade não é sinônimo de conhecimento, por não ser possível, de forma circunscrita a essa identificação, compreender a gênese dos objetos do conhecimento pela aposição de partes que permitiriam a montagem do todo. Da mesma forma, os interesses originados da relação com a práxis utilitária não podem balizar o trabalho educativo se o objetivo dele for superar os limites da adaptação humana ou, na concepção concorrente, a existência do sujeito não pode ser sublimada por uma noção abstrata de humano.

Na seção que segue, assim, tendo presente essa compreensão sobre o objetivo da alfabetização, abordaremos as tendências pedagógicas hegemônicas e as contribuições da práxis para a sua superação.

3. As tendências pedagógicas hegemônicas e a oralidade como dado biológico: em busca da sua superação

Ocupamo-nos, até aqui, da abordagem daqueles fundamentos os quais consideramos centrais, à luz de uma compreensão ontológica do ser humano e da educação, para as reflexões em torno dos processos de ensino e aprendizagem, da alfabetização mais propriamente, sendo a oralidade um processo que demanda subsídios teóricos consistentes para que a prática pedagógica se coloque de maneira a incidir na humanização dos sujeitos. É necessário reiterar, entretanto, que tais pressupostos teórico-filosóficos se constituem a partir de uma visão social de mundo (Löwy, 2015Löwy, M. (2015 [1985]). Ideologias e ciência social: Elementos para uma análise marxista. 20. ed. Cortez. [1985]) particular, reconhecida e assumida quando das elaborações acerca da realidade concreta. Nesse sentido, a perspectiva que defendemos tensiona frontalmente outras proposições, sobretudo aquelas que têm, na origem, a conservação do estado de coisas como horizonte, num movimento que busca incorporá-las em vistas da sua superação. Diante disso, torna-se tautologia afirmar que, para além do que vimos defendendo por meio do materialismo histórico e dialético em vistas da formação humana na alfabetização, outros pressupostos têm ocupado espaços nesse campo, de modo a empreender um trabalho educativo voltado à conformação dos indivíduos diante da realidade.

No centro de nossa exposição analítica nesta seção, estão aquelas perspectivas pedagógicas que têm grande ênfase no campo da alfabetização, as quais carregam especificidades que as diferenciam entre si - quando consideradas à luz da visão social de mundo, por outro lado, está dado o encontro entre elas. E fazemos isso em nome também do que nos ocuparemos na seção subsequente a esta: a elaboração de proposições que, em superando as pedagogias hegemônicas por meio da práxis, com a explicitação de elementos metodológicos no tocante à oralidade, estejam voltadas a um projeto humanizador de formação.

Nesse sentido, na esfera escolar, tornou-se lugar comum, desde há muito, a negação à pedagogia tradicional e às suas propostas verbalistas de ensino, e quando Saviani (2012Saviani, D. (2012 [1983]). Escola e democracia. 42. ed. Autores Associados. [1983]) analisa essa dinâmica, aponta que, para o ocupar o vazio dessa negação frontal à escola tradicional, as proposições escolanovistas - para as quais o construtivismo tem papel central - aparecem como parte de um projeto social que, a partir de uma compreensão fetichizada da relação entre escola e sociedade mais ampla, vislumbra formar sujeitos flexíveis, moldáveis e adaptáveis às circunstâncias (Britto, 2012Britto, L. P. L. (2012). Inquietudes e desacordos: A leitura além do óbvio. Mercado de Letras.). Para ilustrar essas afirmações, recorremos a Teixeira (1978Teixeira, A. S. (1978). A pedagogia de Dewey: esboço da teoria de educação de John Dewey. In J. Dewey (Ed.), Vida e educação (pp. 13-41). 10. ed. Melhoramentos., p. 27, grifo no original), importante educador e pioneiro da Escola Nova, para quem “O fim da educação é, de modo geral, levar os educandos a ter as mesmas ideias que prevalecem entre os adultos, e, assim, como membros reais do grupo social, dar às coisas e aos atos o mesmo sentido que os outros” - nada poderia ser mais elucidativo quanto ao que tratamos como uma formação para a adaptação à ideologia dominante. A escola, sob essa toada, “não levará ao máximo de aprendizagens, porque a aquisição do saber, devendo processar-se em processo natural de vida, será inevitavelmente acidental” (Teixeira, 1978Teixeira, A. S. (1978). A pedagogia de Dewey: esboço da teoria de educação de John Dewey. In J. Dewey (Ed.), Vida e educação (pp. 13-41). 10. ed. Melhoramentos., p. 40). O que em alguma medida analisamos nesta seção é justamente a ‘acidentalidade’ com que o desenvolvimento oral das crianças é abordado na escola.

Quando concebida a aquisição do saber como processo natural, tem-se, por certo, como princípio, a compreensão biologizante dos sujeitos, para a qual as elaborações da epistemologia genética têm relevância, instituindo-se que o conhecimento resultaria “de interações que se produzem a meio caminho entre sujeito e objeto” (Piaget, 2012Piaget, J. (2012 [1970]). A epistemologia genética. 4. ed. Editora WMF Martins Fontes. [1970], p. 8), estando implicados nesse movimento, que vislumbra a adaptação do organismo humano ao meio, os processos de assimilação e acomodação. Sobre os postulados piagetianos, Martins e Marsiglia (2015Martins, L. M., & Marsiglia, A. C. G. (2015). As perspectivas construtivista e histórico-crítica sobre o desenvolvimento da escrita. Autores Associados., p. 36) explicam: “O processo de assimilação é a incorporação de uma experiência ou objeto aos esquemas do sujeito. No entanto, as experiências/os objetos podem oferecer resistência, exigindo um processo de acomodação por meio do qual o organismo se ajustará”. O ajustamento, pois, torna-se palavra de ordem.

Tendo-se em vista que os pressupostos filosóficos de quaisquer teorizações do campo educacional incidem diretamente na organização do trabalho docente, importa explicitar que o ideário construtivista secundariza o papel dos professores. Ferreiro e Teberosky (1991Ferreiro, E., & Teberosky, A. (1991). Psicogênese da língua escrita. 4. ed. Artes Médicas., p. 282), autoras que se tornaram referência para a alfabetização em razão dos seus estágios implicacionais de escrita, equivocadamente adotados como prescrições metodológicas, registram: “A escrita tem uma série de propriedades que podem ser observadas atuando sobre ela, sem mais intermediários que as capacidades cognitivas e linguísticas do sujeito”, ainda que as autoras pontuem que há outras propriedades dessa modalidade linguística que “não podem ser ‘lidas’ diretamente sobre o objeto, mas através das ações que outros realizam sobre esse objeto. A mediação social é imprescindível para compreender alguma de suas propriedades”. A “mediação social”, assim genericamente, seria um acessório com utilidade em alguns casos, mas não em outros, já que a centralidade está na aprendizagem e nas lides pragmáticas com a linguagem.

Em uma aliança com os fundamentos escolanovistas, os propalados estágios de escrita passaram a ser adotados no Brasil a partir da constatação do fracasso dos métodos de alfabetização que tiveram tanto espaço até, sobretudo, na década de 1980, vinculados aos pressupostos da pedagogia tradicional. Gontijo (2014Gontijo, C. M. M. (2014). Alfabetização: Políticas mundiais e movimentos sociais. Autores Associados., p. 41) chama atenção para o fato de que Ferreiro e Teberosky “não apontam explicitamente um modelo de ensino ou qual unidade de ensino deve ser privilegiada na alfabetização, mas questionam o uso dos métodos analíticos e sintéticos”, e essa vinculação teórica e ideológica entre construtivismo e escolanovismo, segundo Rossler (2006Rossler, J. H. (2006). Sedução e alienação no discurso construtivista. Autores Associados., p. 227), ampliou a ressonância das ideias interacionistas-construtivistas, tendo em vista o grande impacto do ideário da Escola Nova na educação: “Se pararmos para comparar as teses principais de um e outro ideário, poderemos constatar que, se existem algumas diferenças, são porém bem mais acentuadas as semelhanças”.

Se, por um lado, estavam colocadas as problematizações sobre a insuficiência dos métodos de alfabetização na relação com os fundamentos da pedagogia tradicional, por outro lado questões adicionais passaram a ser objeto de críticas, já que os resultados da alfabetização não se alteraram magicamente a partir das premissas escolanovistas e construtivistas (e identificamos os Estudos do Letramento na relação com tais proposições), entendidas, a partir de Duarte (2011), como próprias das pedagogias do aprender a aprender. Localiza-se, aí também, a pedagogia das competências, dada a ênfase na formação de “indivíduos predispostos a aprender qualquer coisa, desde que aquilo a ser aprendido mostre-se útil ao processo de adaptação do indivíduo à vida social, isto é, ao mercado” (DUARTE, 2011, p. 186).

Em tendo se tornado hegemônicas no campo da alfabetização, as teorizações construtivistas, sob a égide sobretudo da pedagogia das competências, se assentam perfeitamente em quaisquer políticas públicas voltadas à educação para a adaptação, dado seu compromisso, conforme analisa Derisso (2010Derisso, J. L. (2010). Construtivismo, pós-modernidade e decadência ideológica. In L. M. Martins, & N. Duarte (Eds.), Formação de professores: Limites contemporâneos e alternativas necessárias (pp. 51-61). Cultura Acadêmica., p. 51), com “a formação de um sujeito pacífico, ordeiro e preparado para concorrer no mercado de trabalho”. Nesse movimento, há a entrada em cena, segundo esse autor, da psicologia em detrimento da filosofia. “Jean Piaget é [...] um escolanovista justamente por pautar sua teoria do conhecimento e da formação da inteligência pela determinação do elemento psicológico sobre o social. Os métodos ativos, tão exaltados [...], em Piaget estão fundamentados na ciência da psicologia genética” (Derisso, 2010Derisso, J. L. (2010). Construtivismo, pós-modernidade e decadência ideológica. In L. M. Martins, & N. Duarte (Eds.), Formação de professores: Limites contemporâneos e alternativas necessárias (pp. 51-61). Cultura Acadêmica., p. 56), encontrando-se a subjetividade no centro das discussões.

Curiosamente, o que ressurge no cenário contemporâneo da alfabetização é aquilo que tinha sido dado como morto: os métodos sintéticos, mais propriamente o método fônico, em alguns contextos denominado/pessoalizado como ‘Sistema Scliar de Alfabetização’ (roupagem distinta aos mesmos pressupostos). Vê-se que estamos num mesmo lugar: na prevalência da abordagem biologizante e empírica dos sujeitos, defendida à luz das ciências cognitivas, instituindo-se, por meio delas, a ‘alfabetização baseada em evidências’ - conforme o Plano Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. (2019). Política Nacional de Alfabetização. MEC/SEALF. https://alfabetizacao.mec.gov.br/
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, p. 20), “uma alfabetização baseada em evidências traz para o debate sobre o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita a visão da ciência, dados da realidade que já não podem ser ignorados nem omitidos”. Não nos interessa aqui problematizar as concepções de fundo em torno do que seja a ciência na relação com a sociedade; apenas explicitamos que, ressaltando-se os estudos experimentais positivistas como constituintes ‘da ciência’, faz-se uma tentativa de apagar outras formas de elaboração científica com epistemologias distintas do positivismo, o qual, deliberadamente, busca neutralizar as relações entre ideologia e fazer científico (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.; Löwy, 2015Löwy, M. (2015 [1985]). Ideologias e ciência social: Elementos para uma análise marxista. 20. ed. Cortez. [1985]).

Corroboramos, desse modo, Duarte (2008Duarte, N. (2008). Relações entre ontologia e epistemologia e a reflexão filosófica sobre o trabalho educativo. In N. Duarte (Ed.), Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?: Quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação (pp. 17-38). Autores Associados.), quando afirma que o modelo biológico, naturalizante, une empiristas e interacionistas; anula-se, pois, o que entendemos fulcral para uma análise da realidade e da educação que se coloque para além das perspectivas hegemônicas: a historicidade tanto dos sujeitos quanto dos objetos. Nesse sentido, quer se aborde o eixo da oralidade na alfabetização pelas pedagogias do aprender a aprender, quer se retome, de forma retrógrada, o método fônico, um aspecto fulcral salta aos olhos: a cisão entre modalidade oral e escrita, quando a primeira é concebida sobretudo pelo desenvolvimento natural, biológico dos indivíduos. Sobre isso, Scliar-Cabral (2012Scliar-Cabral, L. (2012). Sistema Scliar de alfabetização. https://www.saobruno.pt/pdf/escxel/Batalha%20Outubro_2013/SISTEMA-SCLIAR-DE-ALFABETIZA%23U00c7%23U00c3O-FUNDAMENTOS-2012.pdf.
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, s.p.) afirma que “a comunicação oral é adquirida espontânea e compulsoriamente por determinantes biopsicólogicos da espécie, enquanto os sistemas de escrita são uma invenção tardia”.

Por certo que a língua falada se tornou uma herança natural da história humana, bastando aos sujeitos, que nascem já preparados biologicamente para tal, estarem em contato com interlocutores mais desenvolvidos no âmbito do trato com as formas orais de comunicação. Parece-nos, entretanto, que a problemática da qual nos ocupamos tem suas origens também aí: a depender de quem sejam esses interlocutores, estão dadas condições mais restritas ou mais amplas para o desenvolvimento oral dos sujeitos. Desse modo, ao se assumir a escola como instância formativa que deve, necessariamente, se voltar para os produtos culturais que transcendem as lides cotidianas das interações face a face, desloca-se o lugar da oralidade. Sem diminuir a relevância dos conhecimentos linguísticos adquiridos espontaneamente pelas crianças, o processo educativo tem de se ocupar com o que está na potência, considerado o máximo desenvolvimento já atingido pela humanidade no tocante às possibilidades de comunicação oral, na indissociabilidade com as produções escritas, garantindo o máximo do desenvolvimento linguístico dos estudantes. Para isso, não basta, certamente, adequação biológica.

No que respeita aos pressupostos linguísticos que embasam as proposições acerca do ensino de linguagem, referenciamos a clássica distinção proposta por Volóchinov (2017Volóchinov, V. (2017 [1929]). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Editora 34. [1929]) entre objetivismo abstrato e subjetivismo individualista, abordagens que têm especificidades no tratamento teórico-analítico da língua, mas que compartilham o mesmo ponto de partida, o enunciado monológico, secundarizando-se, pois, a dimensão sociológica dos enunciados, de modo a estabelecer que o enunciado singular (i) “é um fato individual” ou (ii) “uma expressão do mundo interior do falante”. Registra o autor, para além dessas compreensões a-históricas do sujeito e da língua: “o enunciado humano mais primitivo, pronunciado por um organismo, é organizado fora dele do ponto de vista do seu conteúdo, sentido e significação: nas condições extraorgânicas do meio social” (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017 [1929]). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Editora 34. [1929], p. 216).

Vê-se, pois, quer vinculando-se as pedagogias do aprender a aprender aos fundamentos linguísticos do subjetivismo idealista, quer relacionando o método fônico - que hoje, diferentemente do atrelamento mais estreito à pedagogia tradicional, atende perfeitamente aos fundamentos da pedagogia das competências - ao objetivismo abstrato, estamos lidando com pressupostos gnosiológicos de ciência (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.), sendo o sujeito empírico o ponto de partida, e isso tem enormes reverberações na educação, dada a retroalimentação própria entre essas esferas (Chraim, Pedralli e Catoia Dias, 2023Chraim, A. M., Pedralli, R., & Catoia Dias, S. (2023). Fundamentos teórico-filosóficos e trabalho educativo com língua: indissociabilidade entre ciência e educação e implicações para a formação de professores. In A. M. Chraim, R. Pedralli, & S. Catoia Dias. (Eds.). O desenvolvimento da consciência na formação de professores: o enfoque no trabalho escolar com língua. Editora da FURG. p. 21-44.). Por meio da análise do conhecimento, as pedagogias hegemônicas “separam o processo do produto, a forma do conteúdo e reduzem a relação entre pensamento e ação ao utilitarismo cotidiano” (Duarte, 2016Duarte, N. (2016). Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: Contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Autores Associados., p. 119).

Perigosíssimas, assim, são as tratativas sobre a oralidade na alfabetização que a circunscrevem ao mero incentivo à fala, dadas as supostas possibilidades iguais para todos os sujeitos que possuem uma base biológica garantidora da fala. Duarte (2016Duarte, N. (2016). Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: Contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Autores Associados., p. 117) registra que, dessa maneira, há uma redução pragmática do conhecimento, com um projeto de formação no qual está embutida a defesa de que “a concepção de mundo é questão puramente subjetiva e individual, limitando-se a escola a trabalhar com conhecimentos que respondem às demandas imediatas da cotidianidade”.

Dando continuidade às nossas reflexões, apresentamos a seguir algumas diretrizes metodológicas gerais referendadas pelas bases teórico-filosóficas das quais temos nos ocupado neste artigo.

4. A linguagem como simbolização produzida historicamente e as formas relativamente estáveis com as quais ela se concretiza nas atividades humanas: a oralidade na tensão dialética entre o simples e o complexo

No âmbito dos estudos da linguagem, é debate filosófico pouco explorado, polêmico e potente, a primazia do trabalho sobre a linguagem ou o contrário. Para pesquisas científicas que tomam o estofo filosófico marxista como base, essa aparente oposição está resolvida na origem do próprio problema e é tomada numa relação dialética. A partir de uma das premissas nodais deste fundamento - o trabalho é condição básica e fundamental de toda a vida humana, por ser ele o responsável em certa medida pela criação do próprio homem -, Engels (2004Engels, F. (2004 [1896]). Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In R. Antunes (Ed.), A dialética do trabalho: Escritos de Marx e Engels (pp. 11-28). Expressão Popular. [1896], p. 15) assim explica a descoberta histórica da linguagem verbal como possibilidade comunicacional pelos seres humanos:

[...] o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha de contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. [...] os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros.

Foi, nesses termos, a necessidade derivada da coletivização das ações humanas em razão da complexificação das próprias atividades que criou/desenvolveu inclusive o aparelho fonador: “a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro” (Engels, 2004Engels, F. (2004 [1896]). Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In R. Antunes (Ed.), A dialética do trabalho: Escritos de Marx e Engels (pp. 11-28). Expressão Popular. [1896], p. 15).

Para esse autor e, pela afinidade filosófica, para toda a Escola de Vigotski, assim, a relação entre trabalho e linguagem só pode ser concebida em sua origem a partir da primazia daquele no esteio do qual se cria esta. Nas palavras de Engels (2004Engels, F. (2004 [1896]). Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In R. Antunes (Ed.), A dialética do trabalho: Escritos de Marx e Engels (pp. 11-28). Expressão Popular. [1896], p. 16), “primeiro o trabalho e, depois dele e com ele, a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi se transformando gradualmente em cérebro humano”.

Partindo dessa compreensão corrente no âmbito da filosofia marxista, ainda que não consensualmente (cf. Haddad, 1999Haddad, F. (1999). Trabalho e linguagem (para a redialetização do materialismo histórico). Lua Nova, 48, 5-31. https://www.scielo.br/j/ln/a/p54NsWcVMBgpwnCbZc7hS4G/abstract/?lang=pt
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), Vygotski (2012Vygotski, L. S. (2012 [1931]). Obras Escogidas III: Problemas del desarollo de la psique. Machado Libros. [1931]), ancorado em importante trabalho sobre a descoberta da escrita desenvolvido por Luria (1988Luria, A. R. (1988). O Desenvolvimento da Escrita na Criança. In L. S. Vigotskii, A. R. Luria, & A. N. Leontiev (Eds.), Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Ícone - Editora da Universidade de São Paulo.), retoma a dinâmica de desenvolvimento das formas de simbolização na história humana, fazendo-o a partir do reconhecimento de que essas se confirmam nos indivíduos pela participação em atividades principais que caracterizam o desenvolvimento humano (Leontiev, 1959Leontiev, A. N. (2004 [1959]). O desenvolvimento do psiquismo. Centauro.). Tendo presente esse estudo e a afirmação de que ensinar a linguagem oral e a linguagem escrita residiria numa certa artificialidade que acompanharia o processo no caso da segunda, enquanto que, no da primeira, a criança se integraria sozinha (Vygotski, 2012Vygotski, L. S. (2012 [1931]). Obras Escogidas III: Problemas del desarollo de la psique. Machado Libros. [1931]), é necessário realizar uma complementação: parece-nos que aqui o autor reporta-se ao fato de o domínio da linguagem verbal na modalidade oral ser reconhecido como possibilidade e, em consequência disso, tornar-se capacidade em cada novo ser da espécie humana pela própria comunicação com outros. Não trataria o autor, nesse ponto, especificamente, da apropriação das diferentes formas de comunicação via modalidade oral da linguagem verbal, aquelas relacionadas às instâncias formais, organizadas socialmente, bem como das formas mais elaboradas dessa manifestação linguística próprias dos campos do conhecimento mais complexos, arte, ciência e filosofia, em síntese, das formas superadoras da práxis utilitária e do senso comum.

É nessa direção que as proposições teóricas do Círculo de Bakhtin, com destaque à teoria dos gêneros do discurso, parecem oferecer uma importante contribuição para o adensamento da questão. Antes, contudo, de apresentar os conceitos necessários a tal contribuição, convém marcar um posicionamento acerca da fundamentação filosófica dessa proposta teórica. Nesse sentido, há divergências em relação ao fundamento epistemológico-filosófico que a sustentaria (cf. Amorim, 2001) e notada predileção por alinhamentos dela com tendências pedagógicas escolanovistas e pós-modernistas no âmbito nacional, a exemplo do que parece se dar com as ideias de Geraldi (1991; 2010Geraldi, J. W. (2010). A aula como acontecimento. Pedro & João Editores.) (cf. Farias da Silva, 2020Farias da Silva, B. (2020). Produção textual como ponto de partida e de chegada do ensino de Língua Portuguesa: Uma análise pedagógica da proposta teórico-metodológica em Geraldi. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Letras-Português), Universidade Federal de Santa Catarina.). No âmbito deste artigo, consideramos adequada a indicação de Faraco (2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & diálogo: As ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. Parábola Editorial., p. 27) de que “Bakhtin não vinculava seu pensamento a uma arquitetônica que se pudesse classificar de marxista”, o que impõe o desafio de aproximarmo-nos dela a partir de um enquadramento convergente com as bases do marxismo, com os limites de suas contribuições sobre o modo historicizado como toma as produções linguísticas, seja na modalidade oral ou na escrita, superando a mirada no que compete à constituição humana que tende a priorizar (circunscrever?) a subjetividade.

Nesses termos, importa-nos fundamentalmente a relação esfera/campo da atividade humana, gênero do discurso e enunciado, central para pensar a concretização da linguagem verbal na interação, na comunicação demandada nas/pelas atividades humanas nas quais o indivíduo atua. Acerca dessa relação, assim define Bakhtin (2011Bakhtin, M. (2011). Gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Estética da Criação Verbal (pp. 261-335). Martins Fontes. [1952-3], p. 261, grifos no original):

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana [...]. O emprego da língua efetua-se na forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. [...] Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.

É, portanto, à luz dessa forma de conceber a produção linguística nas atividades humanas, e pretendendo esclarecer a heterogeneidade dos gêneros do discurso e a dificuldade de definição do enunciado genericamente, que o mesmo autor diferencia os gêneros discursivos primários, os quais ele adjetiva como simples, e os secundários, aos quais ele apõe o adjetivo complexo. Nesse ponto de sua elaboração, o filósofo destaca que tal distinção tem caráter essencial e não meramente funcional; isso significa dizer que os gêneros secundários se especificam pela relação com “condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado”; ainda que seu surgimento se dê pela incorporação e reelaboração de gêneros primários, eles “perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e [com] os enunciados reais alheios” (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Estética da Criação Verbal (pp. 261-335). Martins Fontes. [1952-3], p. 263). A manutenção desse vínculo é justamente um importante traço distintivo dos gêneros primários em relação aos secundários. Nessa direção, importa ter presente que os primários se formam “nas condições da comunicação discursiva imediata” (Bakhtin, 2011Bakhtin, M. (2011). Gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Estética da Criação Verbal (pp. 261-335). Martins Fontes. [1952-3], p. 263).

Nesse ponto da elaboração conceitual do autor, ele sintetiza a complexidade analítica que a comunicação humana exige mesmo no plano da tomada da produção de enunciados em gêneros que expressam as especificidades discursivas próprias de cada esfera, ao destacar que

a própria relação mútua dos gêneros primários e secundários e o processo de formação histórica dos últimos lançam luz sobre a natureza do enunciado (e antes de tudo sobre o complexo problema da relação de reciprocidade entre linguagem e ideologia) (BAKHTIN, 2011Bakhtin, M. (2011). Gêneros do discurso. In M. Bakhtin, Estética da Criação Verbal (pp. 261-335). Martins Fontes. [1952-3], p. 264).

Aqui, parece conveniente retomar os conceitos de sujeito empírico e concreto para pensar a impossibilidade de sustentar tal cisão também do ponto de vista da comunicação humana, na medida em que sua produção linguística estaria mutuamente constringida (i) pela história humana, já que é dela que surgem as formas relativamente estáveis a partir das quais e nas quais materializa a linguagem verbal e, ao mesmo tempo, (ii) nas atividades humanas, considerando-se que, ao se objetivar, incidiria nessa mesma história à medida que tanto confirmaria ou se contraporia a essa dinâmica. Cabe, entretanto, um reparo: não é possível compreender, no âmbito da filosofia marxista, quaisquer movimentos de transformação a partir do indivíduo, mas ela, antes, está condicionada à organização dos indivíduos em sujeito coletivo (Tonet, 2013Tonet, I. (2013). Método científico: Uma abordagem ontológica. Instituto Lukács.). Nesses termos, os indivíduos não poderiam ser tomados na sua imediatez, hauridos da história da humanidade, da mesma forma em que não poderiam ser assumidos na abstração absoluta de sua existência empírica, tendo que ela em si mesma seja insuficiente para explicar a potência humana, passível de ser apreendida apenas na tomada do sujeito concreto/histórico.

Do ponto de vista especificamente do trabalho educativo, uma importante forma de objetivação humana será promovida pela via do planejamento/organização/sistematização, pelo professor, das ações de ensino voltadas à produção linguística. Nesse ponto, parece-nos fundamental problematizar a separação que os documentos oficiais têm promovido ao posicionarem como eixos distintos ‘produção textual escrita’ e ‘oralidade’, o que contribui para a perda da base comum a essas formas de objetivação na realidade e, ao mesmo tempo, da especificidade que caracteriza cada uma delas. Isso posto, a elaboração aqui realizada fundamenta-se na defesa de que produção textual seria um único eixo, o da produção concreta de objetivações humanas pela via da linguagem verbal, na forma de enunciados concretos e únicos, que podem ser materializados nas modalidades oral e escrita, sempre em gêneros do discurso portanto, os quais poderiam ser próprios da imediatez interacional cotidiana, os gêneros primários, ou afetos às esferas de convívio cultural mais complexo, organizado e formalizado, instâncias sociais formadas historicamente pela atividade humana vital. À escola caberia, pois, privilegiar a articulação entre textos orais e escritos, de modo a reconhecer, como propõe Britto (2003Britto, L. P. L. (2003). Contra o consenso: Cultura escrita, educação e participação. Mercado de Letras., p. 36), “a existência de situações interlocutivas na sociedade de cultura escrita em que se manifesta uma fala orientada pela escrita”; são situações, continua o autor, “em que a intervenção oral, ainda que mantenha características irredutíveis à escrita - como as marcas prosódicas, a inconstância na forma das palavras e os truncamentos sintáticos -, se apoia em um modelo de texto escrito”.

Nessa direção, considerando especificamente a função social da escola nos termos definidos neste artigo, em convergência com a contribuição da filosofia marxista para pensar a constituição humana e as implicações disso para os projetos formativos, o que converge com a proposta pedagógica de Dermeval Saviani, compreendemos que a ênfase do trabalho educativo deve recair, no caso da produção de textos orais, sobre os enunciados nos gêneros secundários. Isso porque essa forma de produção permitiria a ampliação das formas de objetivação humana na realidade social, ao mesmo tempo em que contribuiria para o reconhecimento pelos indivíduos de sua condição de sujeito concreto/histórico, que suprassume, assim, sua condição empírica.

5. Considerações finais: o desenvolvimento da oralidade no estudante concreto via práxis

Enquanto as pedagogias hegemônicas, grande parte delas fundamentadas em um viés biologizante dos sujeitos, promovem abordagens voltadas às lides pragmáticas com a linguagem e o conhecimento, buscamos defender neste artigo que a formação escolar, e a etapa de alfabetização como componente medular dela, deve estar voltada não para o atendimento às necessidades imediatas do estudante empírico, mas sim para a máxima potência já alcançada pela humanidade, e diante disso é crucial a escolha de objetos culturais do campo da arte, da ciência e da filosofia para os currículos (Duarte, 2016Duarte, N. (2016). Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: Contribuição à teoria histórico-crítica do currículo. Autores Associados.). Para tanto, é parte inalienável do processo o reconhecimento, via compreensão crítica da historicidade da vida humana, das necessidades do estudante concreto, entendido o concreto como “a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso” (Marx, 2008Marx, K. (2008 [1859]). Contribuição à crítica da economia política. 2. ed. Expressão Popular. [1859], p. 258). Essa responsabilidade está, sublinhamos, nos profissionais que têm diante de si a tarefa de (i) estabelecer objetivos para a ação educativa e (ii) definir os meios mais adequados para a realização de tais objetivos (Saviani, 2013bSaviani, D. (2013b [1980]). Introdução. In D. Saviani (Ed.), Educação: Do senso comum à consciência filosófica (pp. 2-9). 19. ed. Autores Associados. [1973]).

Ressaltamos, assim, o que é prioridade no âmbito da formação inicial e continuada de professores: a passagem do senso comum à consciência filosófica (Saviani, 2013bSaviani, D. (2013b [1980]). Introdução. In D. Saviani (Ed.), Educação: Do senso comum à consciência filosófica (pp. 2-9). 19. ed. Autores Associados. [1980]), no que está necessariamente implicada a superação da pseudoconcreticidade (Kosik, 1976Kosik, K. (1976 [1969]). Dialética do concreto. Paz e Terra.), sendo possível pela apropriação teórica permanente das determinações sociais, as quais, na sociabilidade capitalista, estão dadas a partir da luta de classes.

Impõe-se, então, a superação do que ainda é dualismo no contexto educacional, a relação entre teoria e prática, entendendo-a como necessariamente indissociável, tendo em vista que “a teoria é não apenas retratadora da realidade, não apenas explicitadora, não apenas constatadora do existente, mas é também orientadora de uma ação que permita mudar o existente” (Saviani, 2013bSaviani, D. (2013b [1980]). Introdução. In D. Saviani (Ed.), Educação: Do senso comum à consciência filosófica (pp. 2-9). 19. ed. Autores Associados. [1979], p. 212). Nesta superação está, ao nosso ver, as possibilidades de superar, também, algumas das condições alienantes dos profissionais da educação, os quais têm sido historicamente convertidos em trabalhadores manuais, destituídos da dimensão intelectual do trabalho pedagógico (Martins, 2010Martins, L. M. (2010). O legado do século XX para a formação de professores. In L. M. Martins, & N. Duarte (Eds.), Formação de professores: Limites contemporâneos (pp. 13-31). Cultura Acadêmica.; Freitas, 2012Freitas, L. C. de. (2012). Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educação & Sociedade, 33(119), 379-404. https://www.scielo.br/j/es/a/PMP4Lw4BRRX4k8q9W7xKxVy/?format=pdf⟨=pt
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; 2014Freitas, L. C. de. (2014). Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, 35(129), 1085-1114. https://www.scielo.br/j/es/a/xm7bSyCfyKm64zWGNbdy4Gx/?format=pdf⟨=pt
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). Para a determinação, pois, do que e como ensinar - e por que ensinar - é fulcral que os docentes tenham conhecimento sobre a prática social; isso requer

apropriar-se do modo como está estruturada a sociedade em que vivem os alunos e o próprio professor, captar seus fundamentos lógico-históricos, sua gênese e desenvolvimento, sua dinâmica estrutural e suas tendências de desenvolvimento ulterior (GALVÃO, LAVOURA e MARTINS, 2019Galvão, A. C., Lavoura, T. N., & Martins, L. M. (2019). Fundamentos da didática histórico-crítica. Autores Associados., p. 60).

Para que não se tornem reféns de teorias pedagógicas escamoteadoras do projeto de formação ao qual atendem, importa apropriação teórica, estando a prática docente amparada pela própria consciência filosófica dos professores, sempre em desenvolvimento, dado o movimento da práxis. A partir disso, vislumbra-se o desenvolvimento da oralidade nos estudantes através da relação entre apropriação e objetivação. Para além de proposições pragmáticas e espontaneístas, que visam a formação de sujeitos comunicativos, tendo em vista os ditames do mercado de trabalho, defendemos uma elaboração didático-pedagógica empenhada em garantir que, mediante a apropriação do conhecimento sistematizado, os sujeitos se objetivem através dos gêneros do discurso secundários, alguns dos quais têm a oralidade como modalidade fundamental, ainda que na indissociabilidade com a modalidade escrita da língua.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2021
  • Aceito
    27 Nov 2021
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