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VERBOS PSICOLÓGICOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO E A ANÁLISE INACUSATIVA DE BELLETTI & RIZZI: INDÍCIOS PARA UMA PROPOSTA SEMÂNTICA

The Psych-Verbs of Brazilian Portuguese and Belletti & Rizzi's Unaccusative Analysis: Indications for a Semantic Proposal

Resumos

Os verbos chamados psicológicos apresentam um comportamento anômalo em relação a outros transitivos. Esses verbos podem ser divididos em dois grupos: um primeiro que tem o Experienciador na posição de sujeito e um Tema na posição de objeto (verbos do tipo temer); e um segundo que o Tema aparece na posição de sujeito e o Experienciador na Posição de objeto (verbos do tipo preocupar). Os verbos do tipo preocupar também apresentam um comportamento diferente em relação à ligação de anáforas: é permitido a uma anáfora colocada no sujeito ser ligada a um antecedente colocado no objeto. O objetivo deste artigo é apresentar evidências para uma análise semântica dos problemas apresentados pelos verbos psicológicos e também propor uma nova classificação para esses verbos. Isso será feito através da análise da aplicação da proposta inacusativa de Belletti & Rizzi aos verbos psicológicos do Português brasileiro.

Verbos psicológicos; Estrutura argumental; Hipótese inacusativa; Papéis temáticos; Indícios semânticos


Psychological verbs differ from Agent-Patient verbs in two known ways. The first classical problem raised by these verbs is that those verbs have an Experiencer and a Theme that can be projected onto different syntactic configurations, apparently, in an arbitrary way: in the first class, the fear class, the subject of the verb is the Experiencer and the Theme is the object of the verb; the second class, the frighten class, these relationships are reversed. The second issue raised by psych-verbs is that an anaphor inside the subject of a verb that has as first argument a Theme can take the object of the verb as its antecedent. The aim of this paper is to provide evidence for a semantic proposal concerning those problems of psychological verbs. Building on it, I will also propose a new classification for these verbs, by applying Belletti & Rizzi's unaccusative proposal to psychological verbs in Brazilian Portuguese.

Psychological verbs; Argument structure; Unaccusative hypothesis; Thematic roles; Semantic clues


DEBATE

VERBOS PSICOLÓGICOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO E A ANÁLISE INACUSATIVA DE BELLETTI & RIZZI: INDÍCIOS PARA UMA PROPOSTA SEMÂNTICA* * Agradeço a Carlos Franchi pelas valiosas discussões que possibilitaram este artigo e ao apoio financeiro do CNPq.

(The Psych-Verbs of Brazilian Portuguese and Belletti & Rizzi's Unaccusative Analysis: Indications for a Semantic Proposal)

Márcia CANÇADO

(Universidade Federal de Minas Gerais)

ABSTRACT: Psychological verbs differ from Agent-Patient verbs in two known ways. The first classical problem raised by these verbs is that those verbs have an Experiencer and a Theme that can be projected onto different syntactic configurations, apparently, in an arbitrary way: in the first class, the fear class, the subject of the verb is the Experiencer and the Theme is the object of the verb; the second class, the frighten class, these relationships are reversed. The second issue raised by psych-verbs is that an anaphor inside the subject of a verb that has as first argument a Theme can take the object of the verb as its antecedent. The aim of this paper is to provide evidence for a semantic proposal concerning those problems of psychological verbs. Building on it, I will also propose a new classification for these verbs, by applying Belletti & Rizzi's unaccusative proposal to psychological verbs in Brazilian Portuguese.

RESUMO: Os verbos chamados psicológicos apresentam um comportamento anômalo em relação a outros transitivos. Esses verbos podem ser divididos em dois grupos: um primeiro que tem o Experienciador na posição de sujeito e um Tema na posição de objeto (verbos do tipo temer); e um segundo que o Tema aparece na posição de sujeito e o Experienciador na Posição de objeto (verbos do tipo preocupar). Os verbos do tipo preocupar também apresentam um comportamento diferente em relação à ligação de anáforas: é permitido a uma anáfora colocada no sujeito ser ligada a um antecedente colocado no objeto. O objetivo deste artigo é apresentar evidências para uma análise semântica dos problemas apresentados pelos verbos psicológicos e também propor uma nova classificação para esses verbos. Isso será feito através da análise da aplicação da proposta inacusativa de Belletti & Rizzi aos verbos psicológicos do Português brasileiro.

Key words: Psychological verbs; Argument structure; Unaccusative hypothesis; Thematic roles; Semantic clues.

Palavras-chave: Verbos psicológicos; Estrutura argumental; Hipótese inacusativa; Papéis temáticos; Indícios semânticos.

0. Introdução

Os verbos chamados psicológicos, aqueles que têm como um argumento o papel temático de Experienciador, apresentam um comportamento anômalo em relação a outros transitivos. Segundo a literatura na área, esses verbos podem ser divididos em dois grupos: um primeiro que tem o Experienciador na posição de sujeito e um Tema na posição de objeto (verbos do tipo temer); e um segundo que apresenta uma estruturação sintática inversa: o Tema aparece na posição de sujeito e o Experienciador na posição de objeto (verbos do tipo preocupar). Os verbos do segundo grupo, os do tipo preocupar, também apresentam um comportamento diferente em relação à ligação de anáforas: é permitido a uma anáfora localizada no sujeito ser ligada a um antecedente localizado no objeto, parecendo ocorrer uma violação da condição de c-comando exigida pelo Princípio A da Teoria da Regência e Ligação (Government and Binding). É devido a esse diferente comportamento que esses verbos têm sido freqüentemente objeto de estudo da sintaxe e semântica.

Este artigo tem a intenção de mostrar que a classificação dos verbos psicológicos e a proposta inacusativa de Belletti & Rizzi (1988) para os fenômenos apresentados por esses verbos não são adequadas, pelo menos, para os dados do português brasileiro (se não forem inadequadas também para algumas outras línguas). Apesar de existirem algumas críticas a pontos específicos do trabalho de Belletti & Rizzi (Stowell, 1991), Zubizarreta, 1992), Grimshaw, 1990), essa proposta, e, principalmente, a classificação temática dada aos verbos psicológicos ainda são bem aceitas e citadas na literatura; daí a importância de serem revistas.

Um segundo objetivo deste artigo é mostrar que na aplicação da proposta de Belletti & Rizzi aos verbos psicológicos do português brasileiro surgiram vários indícios que me levam a acreditar que uma solução adequada para esses problemáticos verbos pode estar em uma análise mais fina de uma teoria de estrutura argumental em que os papéis temáticos e seu conteúdo particular são relevantes para certas configurações sintáticas, isto é, uma proposta de análise semântico-representacional1 1 Ver essa proposta em Cançado (1995a). 2 2 Corroborando também essa hipótese, tem-se em Cançado (1995b) um estudo da proposta temático-aspectual de Grimshaw (1990) e van Voorst (1992), aplicada aos verbos psicológicos do português brasileiro, que apresentam indícios nessa mesma direção. .

O artigo será apresentado da seguinte maneira: em uma primeira seção, apresentarei brevemente a proposta de Belletti & Rizzi para os verbos psicológicos do italiano. Em uma segunda seção, apresentarei um quadro com os dados encontrados na pesquisa empírica sobre o português brasileiro: esses dados foram divididos em quatro classes segundo suas propriedades semânticas e sintáticas. Na seção 3, farei uma análise da proposta de B&R aplicada às quatro classes respectivamente. E em 4, apresento as considerações finais.

1. Hipótese geral de Belletti & Rizzi

Belletti & Rizzi (daqui para frente B&R), dentro do quadro de não - interferência do conteúdo semântico na estruturação sintática proposto pela Government and Binding (daqui para frente GB), utilizam-se dos verbos italianos temere, preoccupare e piacere para demonstrar sua hipótese sintático-lexical sobre os verbos psicológicos, ou "psico-verbos" (tomando o termo como empréstimo do inglês). A hipótese dos autores é de que as configurações da estrutura profunda desses verbos diferem, mas não de uma maneira drástica, e que as representações lexicais desses verbos são quase idênticas, exceto por um parâmetro lexical envolvendo a seleção de um caso inerente diferente. O que se tem então é uma simples variação em estrutura-P, derivada da representação lexical, em que o verbo temere apresenta uma configuração transitiva simples e os verbos preoccupare e piacere apresentam uma configuração inacusativa, de duplo objeto, com a posição do sujeito não-temática, como em (1) acima.

1.1. Evidências empíricas

B&R apontam várias evidências empíricas que sustentam a hipótese proposta. Uma delas é que o sujeito de preoccupare possui um feixe de propriedades típicas de sujeito derivado. Para provar esse fato, aplicaram quatro tipos de testes:

a) aceitação de clíticos anafóricos; se a sentença envolver um sujeito derivado, será mal formada, pois o argumento que preenche a posição theta-barra do sujeito não pode ser conectado ao seu vestígio, devido à intervenção do clítico coindexado que vincula o traço localmente:

(2) a. Gianni si teme. ‘Gianni se teme.’ b. *Gianni si preoccupa. ‘Gianni se preocupa.’

b) aceitação de um pro arbitrário na posição de sujeito; essa propriedade só é licenciada através de theta-marcação, portanto só possível com sujeitos profundos:

(3) a. pro hanno temuto il terremoto. ‘temiam o terremoto’ b. *pro hanno preoccupato il governo. ‘preocupavam o governo’

c) aceitação de construções causativas encabeçadas simples e com o auxiliar fazer + complementos VPs infinitivos; Burzio (1986) mostrou para o italiano que estruturas contendo sujeito derivado não podem ser encabeçadas por construções causativas:

(4) a. Questo lo ha fatto temere ancora di più a Mario.
‘Isto o fez temer ainda mais a Mario.’ b. *Questo lo ha fatto preoccupare ancora di più a Mario.
‘Isto o fez preocupar ainda mais a Mario.’

d) aceitação da passivização sintática, que não é aceita por sujeitos não-temáticos; por outro lado, aceita passivização adjetiva. Esse comportamento pode ser medido por alguns testes. Um deles seria o de verbos que têm sujeito derivado que não permitem uma forma regular de particípio, mas têm a forma correspondente adjetival:

(5) a. Le sue idee mi stufano.
‘Suas idéias me cansam.’ b. *Sono stufato dalle sue idee.
‘Eu estou cansado por suas idéias.’

c. Sono stufo delle sue idee.

‘Eu estou cansado das suas idéias.’

Em conclusão, a não-aceitação dessas quatro propriedades, como é o caso dos psico-verbos do tipo preoccupare, indica que a posição do sujeito é não-temática, e o sujeito superficial é movido daí para uma posição interna à VP.

Os diferentes comportamentos de ligação de anáfora que ocorrem nesta classe3 3 O sujeito superficial desses verbos pode conter uma anáfora local ligada ao antecedente localizado no objeto superficial; e também é permitido que o objeto superficial ligue o pronome anafórico de longa distância próprio localizado no sujeito superficial. sugerem que o sujeito superficial é c-comandado pelo objeto superficial em algum outro nível, e que o Exp., neste nível, deve estar em uma posição mais alta que o Tema, portanto, em uma posição deslocada dentro de VP.

Embora se tenham algumas evidências para a posição deslocada do objeto-Exp., ele ainda se comporta como um objeto canônico em relação à marcação de caso. Entretanto, B&R argumentam que esse acusativo não é um caso estrutural, e sim um caso inerente, marcado no léxico. Como suporte empírico para essas argumentações, mostram que o objeto dos verbos tipo preoccupare não apresenta propriedades de objetos canônicos, como transparência para processos de extração.

1.2. Representação Lexical

As representações lexicais das três classes diferem minimamente. Os autores assumem que a teoria do léxico tem: a) um Theta-Grid (lista não-ordenada de papéis-theta) e um Case-Grid (a especificação de casos inerentes idiossincraticamente selecionados pelo verbo), e b) princípios condutores do mapeamento das representações lexicais nas configurações sintáticas profundas. Especificam, ainda, esse princípio como: "Dado um Theta-Grid [Exp, Tema], o Exp. é projetado numa posição mais alta que o Tema (assimetricamente c-comandado)". Tem-se, assim, as seguintes representações lexicais das três classes de psico-verbos:

(6) temere: theta-grid [Exp., Tema] case-grid [ - - ] (7) preoccupare: theta-grid [Exp., Tema] case-grid [Acc. - ] (8) piacere: theta-grid [Exp., Tema] case-grid [Dat. - ]

Em termos gerais, a proposta assumida por B&R é a seguinte: com apenas certos princípios gramaticais restritivos da GB podem-se explicar os aparentes fenômenos dos verbos psicológicos, não sendo necessário envolver o conteúdo dos papéis temáticos para compreender tais fenômenos. Essas distinções têm um papel crucial entre a interface da gramática formal e outros sistemas cognitivos, mas são irrelevantes dentro do próprio formalismo gramatical. Essa posição é exatamente oposta à hipótese levantada na introdução do artigo.

2. Os dados do Português brasileiro

Como nos verbos psicológicos os problemas relacionados à seleção argumental colocam-se em bastante evidência, utilizei para a investigação desses verbos o estudo da diátese verbal e o exame das propriedades e fatores que envolvem a seleção argumental de trezentos psico-verbos do português brasileiro. Apresentarei aqui somente os resultados descritivos dessa pesquisa (Cançado, 1995a) e indicarei como alguns desses resultados são evidências favoráveis a uma proposta semântica, no âmbito das relações temáticas, e evidências contrárias à proposta inacusativa de B&R (1988).

Foram encontradas não somente duas, como assume a literatura na área, mas quatro classes obtidas pelas distintas propriedades sintáticas apresentadas e por distintas redes temáticas. A escolha das propriedades a serem analisadas foi feita a partir de estudos sobre os psico-verbos já existentes na literatura lingüística. Quanto ao estudo da rede temática, optei por uma classificação mais fina dos papéis temáticos4 4 Neste artigo, utilizarei os papéis temáticos apenas como etiquetas encontradas normalmente na literatura. A definição formal, baseada em considerações de natureza teórica, encontra-se em (Cançado, 1995a). Devo observar que uma discussão formal sobre os papéis temáticos não é o objetivo e nem caberia em um debate dessa natureza. por não achar que a redução localista se possa sustentar, diferentemente do que é encontrado em grande parte da literatura. E, opostamente à GB, por acreditar (e ter encontrado evidências) na relevância do conteúdo de diferenciados papéis temáticos na estruturação sintática.

Brevemente, mostrarei como foi elaborado o quadro (9 (9) ) que apresenta as classes e as respectivas propriedades: a) localização do Exp. na estrutura sintática superficial; b) se é permitida a ligação de anáforas com o antecedente na posição de sujeito; c) se o verbo aceita construções ergativas; d) se o verbo aceita construções causativas; e) se o verbo aceita a passivização sintática ou adjetiva; f) se o verbo possui uma interpretação arbitrária quando se tem pro como sujeito da oração; e g) se o verbo permite orações causativas encabeçadas:

Classe 1

Classe 2

Classe 3

Classe 4

temer

preocupar

acalmar

animar

Exp.-suj. Exp.-obj. Exp.-obj. Exp.-obj.

-anaf.

+anaf.

+anaf.

+anaf.

-erg.

+erg.

+erg.

+erg.

-caus.

+caus.

+caus.

+caus.

+p.sin.

+p.adj.

+p.sin.

+p.sin. e adj.

+pro

-pro

+pro

+pro

+c.enc.

-c.enc.

+c.enc.

+c.enc.

Vejamos agora a aplicação da proposta de B&R às quatro classes dos psico-verbos do português brasileiro. Não discutirei os outros testes diferentes dos propostos por B&R mostrados no quadro em (9 (9) ), por não serem pertinentes para o propósito deste artigo.

3. Aplicação da Proposta de B&R às Classes dos Psico-Verbos

3.1. Classe 1 do Português

A Classe 1, que representa 16% do total dos verbos estudados, apresenta o Exp. na posição de sujeito, e, segundo a classificação mais fina dos papéis temáticos adotada, no segundo argumento o papel temático Objetivo. O Objetivo pode ser considerado como um papel claramente estativo, no sentido de que entra em uma relação com o predicador que não implica mudança de estado:

(10) José teme o cachorro. Exp. Objetivo

No caso da Classe 1, a análise de B&R não apresenta grandes diferenças em relação à minha análise. A única observação que se pode fazer é quanto ao teste da aceitação do clítico como anáfora, que não mostrou ser um bom teste para o português, pois, apesar de ser aceito por alguns verbos desta classe, não é aceito por todos:

(11) José se teme. (12) ?José se deseja. (13) *Maria se ambiciona.

Como B&R, assumo para esses verbos uma configuração transitiva simples. Assi m, passemos à análise das outras classes.

3.2. Classe 2 do Português

A Classe 2 representa 43% dos verbos estudados e, segundo a classificação utilizada por B&R, esse tipo de verbo apresenta, em estrutura superficial, o Tema na posição de sujeito e o Exp. na posição de objeto. De acordo com os testes para a constatação do tipo de sujeito, a Classe 2 pode apresentar o tipo de configuração inacusativa, proposta pelos autores, em que se tem um sujeito derivado5 5 Entretanto, existem autores como Grimshaw (1990), Stowell (1991) e Zubizarreta (1992) que apresentam evidências de que o sujeito de verbos do tipo preoccupare em italiano, ou frighten em inglês ou amuser em francês não possuem sujeito derivado, e sim profundo. Mostrarei algumas dessas afirmações com maiores detalhes mais à frente. . Mas, quanto à posição deslocada do objeto, não posso aceitá-la por não existirem evidências de que essa configuração seja a representação mais adequada para essa classe. Além disso, não concordo que o sujeito superficial dessa classe seja um Tema. Segundo Pesetsky (in prep.), os verbos dessa classe têm predicado causativo; evidência disso seria o fato de que o exemplo em (14 (14) ) pode ser parafraseado por (15 (15) ):

The article in the Times angered Bill greatly. ‘O artigo no Times aborreceu Bill enormemente.’ The article in the Times caused Bill to be angry. ‘O artigo no Times causou Bill ficar aborrecido.’

Outra evidência dada por Pesetsky é que, em japonês, os verbos psicológicos desse tipo apresentam uma marca morfológica atribuída somente a verbos causativos. Também Chomsky (1970) e Ruwet (1972) atribuem um sentido causativo a esses verbos. Concordando com essas posições, a minha proposta é que o sujeito dos verbos dessa classe tem uma Causa como papel temático. Pode-se definir um papel temático Causa para um argumento x , sempre que, dentre as propriedades acarretadas pela relação de x com um predicado a, estiver a propriedade de ter um papel no desencadeamento do processo ou na manutenção de um estado:

(16) A arrogância de Rosa preocupava a mãe.

Causa Exp.

Apresentarei a seguir a aplicação dos testes empíricos propostos por B&R, analisando a adequação ou não desses testes ao português, e mostrando as evidências que me levaram a discordar da configuração proposta pelos autores.

3.2.1. Verificação do tipo de sujeito

Para a Classe 2, poder-se-ia dizer que o sujeito é derivado por não possuir propriedades típicas de sujeito profundo, se considerarmos que o resultado dos testes propostos por B&R é decisivo para tal classificação: a) a Classe 2 não aceita o clítico como anáfora; essa afirmação confirma-se em todos os exemplos catalogados na Classe 2; b) não aceita o pro arbitrário como sujeito; c) não aceita construções causativas encabeçadas; d) não aceita passivização sintática, aceitando a adjetiva. Vejamos os exemplos relativos às propriedades:

(17) *A mãe se preocupa66 Esse se tem que ser um argumento, e não o se ergativo que não tem uma função semântica na frase. O segundo se evidentemente é aceito por todos os verbos que aceitam construções ergativas: (i). preocupa a mãe. (ii).A mãe se preocupa com Rosa. . (18) *Preocupam a mãe com aquela arrogância. (19) a. *O pai fez Rosa preocupar a mãe. b. *Isto fará preocupar ainda mais a mãe. (20) a. *A mãe foi preocupada pela arrogância de Rosa. b. A mãe ficou preocupada com a arrogância de Rosa.

Porém, o resultado negativo desses testes não parece indicar se o sujeito é profundo ou derivado. Mas sim, se se trata de um Agente ou não; mais à frente darei evidências para tal afirmação.

3.2.2. Sobre a posição de objeto superficial deslocado

Existem várias evidências contrárias à hipótese de B&R de que o objeto superficial do verbo preoccupare está em uma posição deslocada dentro de VP, cedendo sua posição para o sujeito superficial desse verbo. Os autores alegam que, como essa classe apresenta o fato já descrito de ligação de anáforas, em algum nível, o sujeito-Exp. está mais alto que o objeto-Tema para que possa ocorrer essa ligação, com respeito à condição de c-comando. Essa seria uma explicação para a afirmação de que o objeto superficial do verbo está em uma posição deslocada. Outra explicação de natureza teórica é baseada na hipótese de que o caso acusativo apresentado por esse tipo de verbo não é um caso estrutural, e, sim, inerente. Finalmente, uma evidência empírica é que esse objeto superficial não possui as propriedades de extração típicas dos objetos canônicos. Vejamos essas afirmações e os dados do português.

Quanto à ligação de anáfora local77 Em relação à ligação de anáfora de longa distância com o possessivo próprio, não me parece que essa estrutura ocorra em português; sentenças que parecem boas em italiano soam como agramaticais para nós. Por isso, não trabalhei com essa ocorrência como um possível teste: (i) a. *Joãoi teme aqueles que querem sustentar a própriai candidatura. b.Giannii teme coloro che vogliono sostenere la propriai candidatura. (ii) a. *Quem quer que duvide da própriai boa fé preocupa Joãoi. b.Chiunque dubiti della propriai buona fede preoccupa Giannii. , a Classe 2 comporta-se como a classe de preoccupare em italiano. Ela permite ao antecedente estar localizado no sujeito, parecendo corroborar assim a hipótese de que o sujeito-Tema está em uma posição mais baixa que o objeto-Exp.:

(21) Rumores sobre sii preocupam Rosai. (22) Retratos de si mesmai aborrecem Mariai.

A explicação de B&R é que o sujeito superficial, de acordo com a configuração sintática profunda proposta, está em uma posição mais baixa que o objeto superficial. Esse fato satisfaz, pelo menos em um nível, a condição de c-comando, e permite ao sujeito superficial conter a anáfora. Esse tipo de ocorrência é normalmente atribuído somente aos verbos psicológicos. Entretanto, a ligação de anáforas com o antecedente no objeto do verbo pode aparecer em outros tipos de verbos que não são psicológicos, como é o caso dos causativos, verbos genuinamente transitivos:

(23) A confiança excessiva em sii mesma matou Mariai. (24) A imagem que tinha de si mesmai não deixava Maria progredir.

Martin (1986) também aponta exemplos em inglês em que se vêem construções transitivo-causativas com as mesmas propriedades de ligação de anáforas creditadas somente aos psico-verbos:

(25) Stuffing himselfi night and day eventually killed Johni. (26) Allowing himselfi time for exercise each day made Johni grow strong.

Não há razão, portanto, para pressupor uma estrutura específica para esta classe dos verbos psicológicos. Nessa direção, ter-se-ia que propor a mesma estrutura para verbos como matar, deixar, e todos os verbos causativos, o que não faz sentido; para esses verbos não se pode falar em sujeito derivado8 8 Sobre ligação excepcional de anáforas, ver Cançado & Franchi (1996). .

A segunda evidência para a posição deslocada do objeto é a hipótese do caso inerente9 9 Sobre caso inerente, ver, por exemplo, Baker (1988). . Primeiramente, vejamos o critério utilizado por B&R para a atribuição de caso inerente ao objeto do verbo preoccupare:

(27) Questo lo preoccupa. ‘Isto o preocupa.’

Essa frase em italiano possui a marcação de caso acusativo, que, segundo B&R, é um caso inerente, atribuído ao verbo idiossincraticamente na sua grelha temática. Isso é explicado a partir da interpretação de B&R da Generalização de Burzio (1986):

(28) V é um atribuidor de caso estrutural se, e somente se, tiver um argumento externo

Segundo essa generalização, o verbo preoccupare, como não possui argumento externo, não pode ser um atribuidor de caso estrutural, admitida a configuração proposta pelos autores. Conseqüentemente, o caso acusativo, tornado visível em (27), não pode ser estrutural: o Tema é que estaria na posição de objeto canônico, onde não receberia caso, e o Exp. receberia um caso acusativo inerente, relacionando-se diretamente com o Tema em uma posição pós-verbal.

Há várias inconveniências nessa proposta. Seria preferível ter-se uma proposta sem estipulações adicionais, considerando o acusativo como estrutural, com o Exp. na posição do objeto. Grimshaw (1990) aponta que a proposta de B&R é uma estipulação lexical arbitrária. Existem diferenças sistemáticas entre as duas classes (frighten=preoccupare, fear=temere), que não podem, de maneira nenhuma, estar conectadas com o traço de caso que recebe o verbo frighten. Uma dessas diferenças é, por exemplo, o caráter estativo de fear e o caráter causativo de frighten.

Outra constatação é que a Generalização de Burzio, decisiva nessa proposta, dificilmente pode ser mantida. Há inúmeros contra-exemplos em russo e islandês (Rothstein, 1983), em latim (Franchi, apud Whitaker-Franchi, 1989) e em português (Everett, 1986). Falseada a Generalização de Burzio, a hipótese de B&R deixa de ter suporte teórico.

Everett (1986)10 10 Ver sobre a análise de Everett em Whitaker-Franchi (1989:55). Também para os contra-exemplos da Generalização de Burzio em russo, islandês e latim, ver Whitaker-Franchi (1989:55). aponta que, em português, existem frases, com leitura não-agentiva, sem argumento externo, com marcação de caso estrutural no objeto:

(29) a. Pedro furou o pneu do carro. b. Furou o pneu do carro de Pedro. c. Lhe furou o pneu quando vinha de Santos. (30) a. Pedro operou o pé. b. Dr. João operou o pé de Pedro. c. O pé lhe foi operado.

Na interpretação de (29) e (30), a função temática agentiva desaparece, estando a posição de sujeito vazia na estrutura profunda; entretanto, o objeto continua a receber caso acusativo. Há vários outros exemplos em português, em que ocorre o objeto com caso acusativo, e o sujeito gramatical, antes existente, transforma-se em locativo, isto é, ocorre a detematização da posição de sujeito11 11 Estes exemplos não seriam contra-exemplos, se está correta a hipótese de Nascimento e Kato (1995) para a estrutura dos verbos existenciais e inacusativos. Continuam contra-exemplos, na proposta de Franchi, Negrão & Viotti (1995). :

(31) a. Não tinha uma nuvem no céu. b. Nuvens? Não as tinha no céu. (32) a. No sítio tinha vacas e um cavalo. b. Vacas e cavalos? Sim, lá os tinha. (33) a. Dá muita traça nesse armário. b. Traças? Como as dá nesse armário.

Os exemplos acima contrariam (28). Portanto, não há motivos para pensar que o caso acusativo do verbo preocupar seja inerente. Fica-se, então, com a hipótese mais natural de que o caso acusativo da Classe 2 é estrutural.

Estando a hipótese de objeto deslocado já bastante enfraquecida com as contra-evidências apresentadas, não creio que a constatação da transparência para processos de extração no objeto seja uma evidência suficientemente forte para que a hipótese seja mantida. Ainda assim, essa propriedade não se mostrou nos dados do português, mesmo com verbos que supostamente deveriam tê-la:

(34) *João de quem a falta de dinheiro preocupa a mãe. (35) a. ??A namorada de quem João teme o pai. b. ??De quem João teme o pai?

Em contrapartida, Levin (1987) argumenta que existem instâncias para os verbos psicológicos do tipo da Classe 2, em que o Exp. age como um objeto direto. Exemplo disso seria a formação medial, onde ocorre a alternância do objeto de um verbo transitivo em sujeito de um verbo intransitivo, aliás, como em português:

(36) a. She frightens easily. b. Ela assusta facilmente.

3.2.3. Conclusão sobre a Classe 2

Foi constatado, pois, que a hipótese de que o objeto superficial do verbo preocupar (e até mesmo do verbo preoccupare em italiano) está em uma posição deslocada, não se mantém por falta de evidências: é um objeto canônico. Os testes propostos por B&R parecem valer, porém, para a hipótese do sujeito derivado. Mas, concordando com os autores citados na nota 5, não me parece que essa afirmação possa se manter. Apresentarei algumas evidências de que o sujeito dessa classe de verbos é profundo (mostrando, inclusive, que esses testes não são bons para tal classificação).

Zubizarreta (1992) apresenta evidências de que o sujeito de predicados psicológicos está em uma posição-theta. Em francês, o pronome ça aparece como um argumento, enquanto o il aparece como um expletivo. Se a posição de sujeito dos verbos do tipo da classe de preoccupare (por exemplo, amuser em francês) é uma posição não-temática, deveria ser ocupada por il quando o verbo tem um complemento sentencial; e isto não acontece:

(37) a. Ça m'amuse (que Marie ait peur des mouches). ‘Isto me diverte (que Maria tenha medo de moscas)' b. *Il m'amuse que Marie ait peur de mouches.

Os exemplos acima são evidências para a hipótese de que os verbos psicológicos do tipo preoccupare ou preocupar possuem sujeito profundo. A diferença entre as Classe 1 e 2 não está no nível configuracional12 12 Em van Voorst (1992) e em Cançado (1995b), é mostrado que, para o inglês e português, respectivamente, a diferença entre essas duas classes também não é aspectual, pois nesse nível elas se igualam. ; veremos que é de natureza semântica, isto é, são as redes temáticas, que as caracterizam, que diferem:

(38) TEMER: <Exp. <Obj.>> (39) PREOCUPAR: <Cau. <Exp.>>

Dessa rede temática distinta vem a explicação da diferente estruturação sintática das duas classes em nível superficial; não se trata de uma mesma rede temática variando as posições sintáticas, mas se trata de diferentes projeções para diferentes redes temáticas. Quanto ao motivo pelo qual em uma classe o Exp. se projeta como sujeito e em outra projeta-se como objeto, posso adiantar que é um problema que advém do princípio de hierarquia temática13 13 Para uma proposta sobre a hierarquia temática do português brasileiro, ver Franchi e Cançado (em prep.). entre os papéis envolvidos, mas que não atinge o escopo deste artigo. Essa proposta é explicada detalhadamente em Cançado (1995a).

A ocorrência da ligação excepcional de anáfora com esse tipo de verbo não pode ser explicada pela configuração proposta, pois se viu que outros verbos, não psicológicos, permitem essa ligação. Com os dados apresentados, mostrou-se que a hipótese inacusativa não é adequada para os verbos psicológicos, e que se tem indícios de que a solução para os problemas apresentados por esses verbos está em nível das relações temáticas. Porém, os dados do português ainda mostram outros fatos que esclarecem a natureza dos testes propostos por B&R, e dão mais indícios na direção de uma análise semântica.

3.3. Classe 3 do Português

A uma primeira vista, os verbos listados nessa classe, que representam 12% do total dos verbos, pela rede temática apresentada, poderiam fazer parte da Classe 2:

(40) As ameaças da polícia acalmam a multidão. Cau. Exp.

Mas, quando aplicados os testes propostos para o sujeito, eles comportaram-se de uma maneira diferente dos verbos da Classe 2: a) aceitam o clítico como anáfora; nem todos os verbos dessa classe admitem essa propriedade, seguindo assim o comportamento da Classe 1; b) aceitam o pro arbitrário como sujeito; c) aceitam construções causativas encabeçadas e construções causativas com o auxiliar fazer; e d) aceitam passivização sintática e não aceitam a adjetiva. Vejamos os exemplos:

(41) a. A multidão se acalma. b. *Rosa se conquista. (42) Acalmaram a multidão. (43) a. O delegado fez a polícia acalmar a multidão. b. Isto fará acalmar a multidão. (44) a. A multidão foi acalmada pelas ameaças da polícia. b. *A multidão ficou acalmada com as ameaças da polícia.

Existe, assim, uma diferença entre as duas classes, pois apesar de parecer que elas tenham a mesma rede temática, as propriedades sintáticas licenciadas por esses verbos são distintas. Inclusive, segundo os próprios testes propostos por B&R, o sujeito dessa classe é profundo, contrariamente ao que seria esperado pelos autores. Minha hipótese é de que essas duas classes diferem em nível temático, e por isso a Classe 3 apresenta essas propriedades: a Classe 3, além de aceitar uma Causa como sujeito, também aceita um Agente, diferentemente do que ocorre na Classe 2 que não permite leitura agentiva. Pode-se definir um papel temático Agente para um argumento x, sempre que dentre as propriedades acarretadas pela relação de x com um predicado a, estiverem as de ter algum papel no desencadeamento do processo e fazê-lo intencionalmente (intenção no sentido de Davidson, 1981)14 14 Segundo Davidson (1981): se um evento é uma ação, sob alguma descrição, é uma" ação primitiva" e "intencional". E um elemento é um agente se, sob alguma descrição, seja direta, seja pelas suas conseqüências, ele é responsável intencionalmente por essa ação mesmo quando não o seja pelas suas conseqüências. Ver explicação mais detalhada em Cançado (1995a). :

(45) João acalma Maria com um chá. (A ação intencional de João sobre Maria faz Maria acalmar-se.) (46) João preocupa Maria com sua chegada. (*A ação intencional de João sobre Maria faz Maria preocupar-se.)

Uma observação importante a ser feita é que não se pode confundir a natureza agentiva de um verbo relacionada à intenção com o traço [+intenção] relacionado às conseqüências da ação praticada. Segundo B&R, "com alguns verbos da classe de preoccupare, um sujeito humano pode ser interpretado como indutor voluntário do processo ou estado do Exp., pragmaticamente mais natural quando está envolvida alguma reciprocidade ajudada por advérbios como voluntariamente, intencionalmente. Nesses casos, o sujeito é um simples sujeito agentivo profundo, e alguns dos testes propostos serão aceitos pelo sujeito". Isso não é verdade; os verbos da Classe 2 podem ter uma leitura implicando a intencionalidade no resultado do processo com sujeitos humanos, e ainda nessas condições, não têm uma leitura agentiva; e continuam a não aceitar os testes propostos por B&R. Vejamos os exemplos abaixo:

(47) a. Maria, intencionalmente, preocupa a mãe com suas saídas. b. *A ação intencional de Maria diretamente sobre a mãe a preocupa. c. O fato de Maria sair preocupa a mãe; e Maria o faz intencionalmente.

Foi mostrado, portanto, que a Classe 3, além da rede temática proposta em (40), também aceita a rede temática em (48 (48) ), e que essa possibilidade lhe proporciona propriedades sintáticas diferentes das propriedades da Classe 21515 Para uma possível evidência em inglês da hipótese de que existe uma terceira classe de psico-verbos, encontrei alguns exemplos em Zubizarreta (1992). Esses exemplos têm o Tema (segundo a autora) na posição de sujeito e aceitam passivização com o adjunto by, podendo levar-nos à conclusão de que esses verbos aceitam passivização sintática, propriedade que não seria típica da Classe 2, mas sim da Classe 3: (i)Mary was humiliated by John's remarks. 'Mary foi humilhada pelas observações de John.' (ii)Mary was inspired by the sunset. ‘Mary foi inspirada pelo sol.' Mas para se fazer tal afirmação, seria necessário uma listagem mais significativa dos psico-verbos em inglês. :

João acalma Maria. Ag. Exp.

O que também se conclui com esses fatos é que os testes propostos por B&R, como sendo indicadores da natureza derivada ou profunda do sujeito, são, na verdade, indicadores da natureza agentiva ou não do sujeito. E é por isso que eles não são aceitos na Classe 2, pois se trata de uma classe com sujeito não-agentivo.

3.4. Classe 4 do Português

Para finalizar, tem-se a Classe 4, que é uma classe que não apresenta novidades, tendo em vista que são verbos que partilham propriedades tanto da Classe 2 quanto da Classe 3, apresentando, portanto, todas as propriedades atribuídas a essas duas classes:

(49) Maria animou José com sua beleza. Cau.i Exp. Cau.i (50) Maria animou José com uma bebida forte. Ag. Exp. Ins.

Enfatizando mais uma vez, tem-se que a diferença entre a Classe 3 e a Classe 4 é que a Classe 3 aceita duas redes temáticas, mas é a sua característica agentiva que determina as propriedades sintáticas. E a Classe 4 aceita as duas redes temáticas e todas as propriedades das duas classes; por isso é que se diz que ela pode fazer parte tanto de uma classe quanto de outra. São suas propriedades:

(51) a. José se animou. b. *Rosa se intimidou. (52) a. Animaram José com uma bebida forte. b. *Animaram José com aquela beleza. (53) a. João fez Maria animar José com uma bebida. b. *João fez Maria animar José com sua beleza. c. A bebida fará animar ainda mais José. d. *A beleza de Maria fará animar ainda mais José. (54) a. José foi animado por Maria. b. José ficou animado com a beleza de Maria.

4. Considerações finais

Os dados do português brasileiro mostram que a proposta inacusativa de Belletti & Rizzi é inadequada como solução aos problemas apresentados pelos verbos psicológicos e, também, é inadequada em relação à classificação dos mesmos. Concluiu-se que a hipótese inacusativa dos autores não pode ser sustentada por falta de evidências, pois, como foi visto, não se conseguiu provar a natureza derivada dos sujeitos e nem a natureza não-canônica dos objetos da classe dos verbos de preoccupare. Portanto, não existe motivo para se pensar que essa classe tenha estrutura profunda diferente da de um verbo transitivo simples. E com isso, igualam-se as classes dos psico-verbos em nível configuracional, atribuindo-se às quatro classes uma mesma estrutura transitiva.

Não se comprovando diferenças em nível da configuração sintática entre as classes dos verbos psicológicos, (e nem aspectuais como foi provado para o inglês por van Voorst (1992) e para o português por Cançado (1995b)), deve-se buscar a solução para os problemas apresentados por esses verbos em um outro plano. A adoção de uma classificação mais fina dos papéis temáticos levou a diferentes redes temáticas para as classes dos psico-verbos. Parte da classificação apresentada é sustentada por evidências em Pesetsky (in prep.), por evidências empíricas do japonês e, também, pela análise da proposta de Grimshaw feita em Cançado (1995b). É plausível supor que os diferentes comportamentos e propriedades apresentados por esses verbos têm sua origem em suas diferenças semânticas. Observa-se, aliás, que os testes de B&R utilizados não constatam a natureza profunda ou derivada dos "sujeitos", mas sim os traços semânticos a eles associados.

Portanto, os indícios semânticos detectados na análise aqui apresentada são suficientemente fortes para se propor que certos aspectos semânticos são relevantes para a sintaxe das expressões envolvendo os verbos psicológicos. Essa suposição foi avaliada por um exame mais teórico e detalhado em Cançado (1995a), que se utiliza do modelo de semântica representacional proposto por Franchi (1975) e Franchi (apud Cançado, 1995a) para apresentar uma solução de natureza semântica para alguns dos problemas apresentados pelos verbos psicológicos.

(Recebido em 22/12/1994. Aprovado em 15 /02/1996)

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  • (9)
  • (14)

  • (15)

  • (48)

  • *
    Agradeço a Carlos Franchi pelas valiosas discussões que possibilitaram este artigo e ao apoio financeiro do CNPq.
  • 1
    Ver essa proposta em Cançado (1995a).
  • 2
    Corroborando também essa hipótese, tem-se em Cançado (1995b) um estudo da proposta temático-aspectual de Grimshaw (1990) e van Voorst (1992), aplicada aos verbos psicológicos do português brasileiro, que apresentam indícios nessa mesma direção.
  • 3
    O sujeito superficial desses verbos pode conter uma anáfora local ligada ao antecedente localizado no objeto superficial; e também é permitido que o objeto superficial ligue o pronome anafórico de longa distância
    próprio localizado no sujeito superficial.
  • 4
    Neste artigo, utilizarei os papéis temáticos apenas como etiquetas encontradas normalmente na literatura. A definição formal, baseada em considerações de natureza teórica, encontra-se em (Cançado, 1995a). Devo observar que uma discussão formal sobre os papéis temáticos não é o objetivo e nem caberia em um debate dessa natureza.
  • 5
    Entretanto, existem autores como Grimshaw (1990), Stowell (1991) e Zubizarreta (1992) que apresentam evidências de que o sujeito de verbos do tipo
    preoccupare em italiano, ou
    frighten em inglês ou
    amuser em francês não possuem sujeito derivado, e sim profundo. Mostrarei algumas dessas afirmações com maiores detalhes mais à frente.
  • 6 Esse
    se
    tem que ser um argumento, e não o
    se
    ergativo que não tem uma função semântica na frase. O segundo
    se
    evidentemente é aceito por todos os verbos que aceitam construções ergativas:
    (i). preocupa a mãe.
    (ii).A mãe se preocupa com Rosa.
  • 7 Em relação à ligação de anáfora de longa distância com o possessivo
    próprio
    , não me parece que essa estrutura ocorra em português; sentenças que parecem boas em italiano soam como agramaticais para nós. Por isso, não trabalhei com essa ocorrência como um possível teste:
    (i) a. *Joãoi teme aqueles que querem sustentar a própriai candidatura.
    b.Giannii teme coloro che vogliono sostenere la propriai candidatura.
    (ii) a. *Quem quer que duvide da própriai boa fé preocupa Joãoi.
    b.Chiunque dubiti della propriai buona fede preoccupa Giannii.
  • 8
    Sobre ligação excepcional de anáforas, ver Cançado & Franchi (1996).
  • 9
    Sobre caso inerente, ver, por exemplo, Baker (1988).
  • 10
    Ver sobre a análise de Everett em Whitaker-Franchi (1989:55). Também para os contra-exemplos da Generalização de Burzio em russo, islandês e latim, ver Whitaker-Franchi (1989:55).
  • 11
    Estes exemplos não seriam contra-exemplos, se está correta a hipótese de Nascimento e Kato (1995) para a estrutura dos verbos existenciais e inacusativos. Continuam contra-exemplos, na proposta de Franchi, Negrão & Viotti (1995).
  • 12
    Em van Voorst (1992) e em Cançado (1995b), é mostrado que, para o inglês e português, respectivamente, a diferença entre essas duas classes também não é aspectual, pois nesse nível elas se igualam.
  • 13
    Para uma proposta sobre a hierarquia temática do português brasileiro, ver Franchi e Cançado (em prep.).
  • 14
    Segundo Davidson (1981): se um evento é uma ação, sob alguma descrição, é uma" ação primitiva" e "intencional". E um elemento é um agente se, sob alguma descrição, seja direta, seja pelas suas conseqüências, ele é responsável intencionalmente por essa ação mesmo quando não o seja pelas suas conseqüências. Ver explicação mais detalhada em Cançado (1995a).
  • 15 Para uma possível evidência em inglês da hipótese de que existe uma terceira classe de psico-verbos, encontrei alguns exemplos em Zubizarreta (1992). Esses exemplos têm o Tema (segundo a autora) na posição de sujeito e aceitam passivização com o adjunto
    by
    , podendo levar-nos à conclusão de que esses verbos aceitam passivização sintática, propriedade que não seria típica da Classe 2, mas sim da Classe 3:
    (i)Mary was humiliated by John's remarks.
    'Mary foi humilhada pelas observações de John.'
    (ii)Mary was inspired by the sunset.
    ‘Mary foi inspirada pelo sol.'
    Mas para se fazer tal afirmação, seria necessário uma listagem mais significativa dos psico-verbos em inglês.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 1998
    • Data do Fascículo
      Fev 1997

    Histórico

    • Recebido
      22 Dez 1994
    • Aceito
      15 Fev 1996
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