Acessibilidade / Reportar erro

Translinguagem e seus atravessamentos: da história, dos entendimentos e das possibilidades para decolonizar a educação linguística contemporânea

Translanguaging and boundary crossings: about conceptual understandings and possibilities towards decolonizing contemporary language education

RESUMO

Este artigo se propõe a discutir o conceito de translinguagem, explorando a multiplicidade de entendimentos frente ao termo e buscando tecer ligações entre as principais características da orientação translíngue e as bases de uma educação linguística crítica e decolonial na sociedade contemporânea. Inicialmente, o histórico do referido termo é brevemente apresentado, na medida em que são também tensionados entendimentos acerca da translinguagem e de seus traços constitutivos. A fim de expandir possibilidades de conceituação, toma-se como foco o processo de construção de sentidos, ressaltando-se sua natureza historicamente situada e complexa, além de suas marcas heterodiscursivas, plurissemióticas e multissensoriais. Nesse contexto, as noções de assemblagem e repertórios, entre outras, são discutidas, a partir de uma orientação espacial e temporalmente marcada. Por fim, tomando-se a translinguagem como uma prática de resistência, em um mundo constituído por discursos opressores e diferenças abissais, são apresentados princípios de uma educação translíngue e possíveis desafios para pedagogias de cunho transformador e decolonial.

Palavras-chaves:
Translinguagem; Pedagogia translíngue; Educação linguística crítica; Educação linguística decolonial

ABSTRACT

This article aims at discussing the concept of translinguaging and, in order to do so, it explores the multiplicity of understandings regarding the term and also articulates aspects between the main characteristics of the translingual orientation and the framework of a critical and decolonial linguistic education in the contemporary society. Firstly, the history of the named term is briefly presented. Next, perspectives about translanguaging and its constitutive features are debated. In order to expand possibilities of conceptualization, the process of meaning making is brought to light, and the discussions emphasize its complex and historically situated nature, in addition to its heterodiscursive, plurisemiotic and multisensory constitutive elements. The notions of assembly and repertoires, among others, are discussed from a spatio-temporal orientation. Finally, taking translanguaging as a resistance practice, in a world which is deeply affected by oppressive discourses and abyssal differences, some principles of a translingual education and possible challenges concerning transformative and decolonial pedagogies are presented.

Keywords:
Translanguaging; Translingual pedagogy; Critical language education; Decolonial language education

1. Introdução

Há muito tempo, a realidade plurilíngue e multicultural do mundo tem sido reconhecida e estudada sob uma variedade de perspectivas e nos mais diversos campos do conhecimento. No âmbito dos estudos da linguagem, em sua interface com áreas afins, a virada multilíngue (May, 2014May, S. (Ed.). (2014). The multilingual turn: implications for SLA, TESOL and bilingual education. Routledge.) salientou a urgência de desafiarmos o pensamento predominantemente estruturante, linear, redutor e homogeneizante perante a pluralidade linguística e cultural que contraditoriamente, ainda impera na sociedade contemporânea.

Nesse contexto, o entendimento de língua nomeada3 3 A compreensão da translinguagem requer um retorno à noção de que as línguas nomeadas são objetos sociais e não linguísticos (Heller 2007; Jørgensen et al. 2011; Makoni e Pennycook, 2010). Blommaert e Ramptom (2011, p. 4) explicam que as línguas nomeadas são construções ideológicas historicamente relacionadas à instauração, no século XIX, dos Estados nacionais. Elas constituíram “um artefato ideológico com poder muito considerável” que foram utilizadas para sustentar o modelo de estado emergente. Nessa direção, uma língua nomeada, segundo Otheguy, García e Reid (2015), é definida pela afiliação social, política e étnica de seus falantes. Os autores explicam que as duas línguas nomeadas de um sujeito bilíngue existem apenas em uma visão externa de seu multilinguismo. Do ponto de vista interno do falante, há apenas seu repertório, que pertence apenas ao falante, não a qualquer língua nomeada) Otheguy, García e Reid, 2015). como um sistema autônomo, estático e vinculado a uma comunidade (nacional) tem sido desafiado, dando espaço para uma compreensão mais aberta, situada e interessada em sua dimensão ideológica e histórica. O reconhecimento do caráter multimodal e multissemiótico do processo comunicativo, bem como da intrínseca relação entre língua nomeada, linguagem4 4 Compreendemos, neste estudo, a linguagem, a partir de Bakhtin (2004), como prática social, sempre interacional e não individual, uma vez que estamos em constante processo de construção de sentidos, constituído por vozes que dialogam em um contexto sócio-histórico determinado. e poder, possibilitou a emergência de perspectivas voltadas para a prática e ressaltou o caráter dinâmico, processual, semiótico, culturalmente híbrido e axiologicamente marcado das práticas linguísticas. Mais recentemente, como pontuam Blackledge, Creese e Takhi (2013), têm emergido noções que refutam separações diglóssicas funcionais, em favor da compreensão de que o processo comunicativo envolve a emergência de um complexo amálgama de recursos (linguísticos, semióticos, identitários, culturais) em contextos espaço-temporalmente situados. Nesse horizonte, a translinguagem surge como um dos conceitos que atende à necessidade de explicar, sob um enfoque mais amplo, a produção de sentidos sociais, inscrevendo as práticas linguísticas nos jogos de poder e levando em conta toda a diversidade social indexada nessas práticas.

Os ganhos oferecidos por abordagens contemporâneas dessa natureza para a educação linguística, em seus mais variados contextos, parecem ser tão grandes quanto os desafios colocados. São ainda bastante recentes e escassos os estudos nesse campo (Poza, 2017Poza, L. (2017). Translanguaging: Definitions, implications, and further needs in burgeoning inquiry. Berkley Review of Education, v. 6, n. 2, 101-128. Disponível em: Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp . Access on: 10 nov. 2020.
https://escholarship.org/uc/item/8k26h2t...
), principalmente no que se refere a países em que o monolinguismo é oficializado, como é o caso do Brasil. Assim sendo, neste artigo, propomos a discussão sobre a noção de translinguagem (García, 2009García, O. (2009). Bilingual education in the 21st century: A global perspective. Wiley-Blackwell.; García & Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.; Wei, 2011Wei, Li. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, 1222-1235. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/1171773/Moment_analysis_and_translanguaging_space . Acesso em 14 jun. 2021.
https://www.academia.edu/1171773/Moment_...
, 2018Wei, Li. (2018). Translanguaging as a practical theory of language. Applied Linguistics, vol. 39, n.1, 9-3., entre outros), a qual alinhamos à ideia de prática translíngue (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.). De forma abrangente, essas noções se contrapõem à orientação ou ideologia monolíngue, que estabiliza a premissa de que as línguas nomeadas, compreendidas como um conjunto autossuficiente de signos e como um símbolo da identidade nacional, devem manter-se livres da contaminação pela mistura com outras línguas, a fim de que a homogeneidade linguística e cultural possa ser mantida e que a comunicação seja bem sucedida (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.).

Ao discutir a relação entre linguagem, poder e práticas ideológicas, McKinney (2017McKinney, C. (2017). Language and Power in post-colonial schooling: ideologies in practice. Routledge. ) explicita diversos aspectos que demonstram os efeitos da ideologia monolíngue nas relações sociais. Para essa autora, esses efeitos exercem uma força opressora e centralizadora perante a diversidade linguística, identitária e cultural, visando à manutenção do status quo. De modo geral, a ideologia monolíngue encontra-se vinculada aos seguintes pontos, que mantêm uma relação dinâmica entre si: a) imposição do monolinguismo como regra, fazendo prevalecer a ideia de línguas nomeadas ou individuais; b) reprodução de noções estabilizadoras de proficiência linguística, estabelecidas individualmente para cada língua nomeada; c) perpetuação da ideia de nação como estreitamente ligada a um determinado povo, língua nomeada e território geográfico; d) ênfase no purismo linguístico; e) caracterização do bi e/ou do multilinguismo como um conjunto de monolinguismos; f) prescrição de uma visão monolítica e essencialista de cultura, a partir da qual a mistura é percebida como um problema a ser evitado; e, por fim, g) perpetuação da noção de língua como um sistema autossuficiente, fechado e destituído de sua natureza ideológica.

Não é difícil perceber as implicações nocivas da orientação monolíngue para as práticas de linguagem, que ocorrem nos mais diversos campos de atividade social na atualidade e que são marcadas por uma natureza plural e híbrida cada vez mais evidente. Para Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), o paradigma translíngue confronta a ideologia monolíngue a partir de dois pressupostos básicos: 1) A comunicação não se conforma à imposição da estabilidade e de limites rígidos, transcendendo, portanto, línguas individuais; 2) A comunicação transcende o texto escrito ou verbal, envolvendo um conjunto multifacetado de recursos semióticos e ecológicos ou contextuais.

Por sua vez, ao discutir a translinguagem, Poza (2017Poza, L. (2017). Translanguaging: Definitions, implications, and further needs in burgeoning inquiry. Berkley Review of Education, v. 6, n. 2, 101-128. Disponível em: Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp . Access on: 10 nov. 2020.
https://escholarship.org/uc/item/8k26h2t...
) reconhece o caráter político do conceito ao destacar o compromisso do paradigma translíngue de minar as concepções reducionistas de língua e cultura impostas pelas ideologias monolíngues, bem como de enfrentar as ideologias linguísticas que, devido aos seus fundamentos de ordem colonial, racista, sexista e classista, perpetuam a marginalização de certas pessoas e grupos. O referido autor enfatiza a necessidade de mantermos uma postura crítica, a fim de evitar a redução do conceito, silenciando contradições e disparidades que mantêm o movimento e as possibilidades de desestabilização e transformação social. Nessa vertente, Poza (2017Poza, L. (2017). Translanguaging: Definitions, implications, and further needs in burgeoning inquiry. Berkley Review of Education, v. 6, n. 2, 101-128. Disponível em: Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp . Access on: 10 nov. 2020.
https://escholarship.org/uc/item/8k26h2t...
) chama nossa atenção para a importância de buscarmos potencializar os movimentos de ruptura possibilitados pela orientação translíngue, fortalecer sua força distintiva, que emerge de seu compromisso de luta contra a desigualdade linguística e a justiça social, como também enfatizam muitos outros autores (García & Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.; García, 2000aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. , 2000bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
; García & Alvis, 2019García, O., & Alvis, J. (2019). The decoloniality of language and translanguaging: Latinx knowledge-production. Journal of Postcolonial Linguistics, 1, 26-40. Disponível em: Disponível em: https://iacpl.net/journal-of-postcolonial-linguistics-12019/the-decoloniality-of-language-and-translanguaging-latinx-knowledge-production/ . Acesso em 18 jun. 2021.
https://iacpl.net/journal-of-postcolonia...
, somente para citar alguns).

Assim sendo, neste trabalho, à discussão sobre o conceito de translinguagem, atrelamos o desenvolvimento de reflexões sobre suas possíveis potencialidades para a realização de práticas (educativas) decoloniais e, assim, de bases críticas, libertárias e emancipatórias (Freire, 1976Freire, P. (1976). Educação como prática da liberdade. 6. ed. Paz e Terra., 2004Freire, P. (2004 [1996]). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra., 2013Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra., 2014Freire, P. (2014 [1992]). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. Paz e Terra.). Nesse horizonte, este artigo subdivide-se em temáticas que pretendem explorar, inicialmente, o histórico e o entendimento da noção de translinguagem, e seguem ampliando o foco da discussão para certas particularidades do enfoque translíngue, em sua interface com outros conceitos que dialogam com essa perspectiva. Por fim, são explorados alguns princípios que podem favorecer a realização de uma educação linguística de bases translíngues e decoloniais na contemporaneidade.

2. Tessituras sobre translinguagem e suas diferentes compreensões

Os entendimentos sobre translinguagem são múltiplos e, em grande parte, não consensuais (Poza, 2017Poza, L. (2017). Translanguaging: Definitions, implications, and further needs in burgeoning inquiry. Berkley Review of Education, v. 6, n. 2, 101-128. Disponível em: Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp . Access on: 10 nov. 2020.
https://escholarship.org/uc/item/8k26h2t...
), haja vista a existência de uma profusão de termos que têm sido, se não totalmente equiparados, ao menos relativamente alinhados à ideia de translinguagem - translingualismo, translinguismo, prática translíngue, prática transidiomática, polilingualismo, metrolingualismo, entre tantos outros, como discutem García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.). Nesse sentido, Mazak (2017Mazak, C. M. (2017). Introduction: theorizing translanguaging practices in higher education. In C. M. Makak, & K. S. Carroll (Eds.), Translanguaging in Higher Education: beyond monolingual ideologies. Multilingual Matters, Kindle Edition.) vem reiterar as discussões desenvolvidas por García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.) e Poza (2017Poza, L. (2017). Translanguaging: Definitions, implications, and further needs in burgeoning inquiry. Berkley Review of Education, v. 6, n. 2, 101-128. Disponível em: Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp . Access on: 10 nov. 2020.
https://escholarship.org/uc/item/8k26h2t...
), entre outros, e afirma que, em meio à diversidade de compreensões acerca da translinguagem, o termo pode ser caracterizado como polissêmico e controverso. Para a autora, é importante situar a translinguagem em meio aos movimentos da ruptura paradigmática pós-estruturalista e da virada Trans, no campo da Linguística Aplicada, que busca subverter as perspectivas orientadas pela homogeneidade, estabilidade e unidade, em favor de formas mais complexas, dinâmicas, indisciplinares e politicamente preocupadas com a ruptura perante ideologias hegemônicas. Para compreendermos a amplitude desse conceito, nos parece importante recuperar o histórico do termo. Conforme explica Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.), Mazak (2017Mazak, C. M. (2017). Introduction: theorizing translanguaging practices in higher education. In C. M. Makak, & K. S. Carroll (Eds.), Translanguaging in Higher Education: beyond monolingual ideologies. Multilingual Matters, Kindle Edition.), entre outros autores, o conceito de translinguagem foi cunhado em galês - trawsieithu - por Cen William, na década de 1990, e tem suas raízes no campo da educação bilíngue, a fim de caracterizar, a grosso modo, um processo de integração entre atividades produtivas e receptivas em diferentes línguas nomeadas. Nesse contexto, como também esclarece Mazzaferro (2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition. ), a conceituação original contribuiu muito para a nossa percepção e compreensão de como os falantes bi/multilíngues construíam suas práticas cotidianas de linguagens de forma dinâmica, dentro e fora das salas de aula. O foco, naquele momento, como afirma esse autor, recaiu no trânsito entre línguas nomeadas, compreendidas como entidades autônomas e autossuficientes, ou seja, tudo o que percebíamos parecia ser, ainda, os idiomas, em sua completude e separação.

Mais adiante, ao investigar contextos de educação bilíngue, García (2009García, O. (2009). Bilingual education in the 21st century: A global perspective. Wiley-Blackwell.) expandiu esse entendimento e, confrontando compreensões mais simplistas e reducionistas de bilinguismo, abordou a linguagem como uma prática dinâmica - e, portanto, impossível de ser pensada como substantivo, mas sim como um verbo - languaging. Becker (1988Becker, A. (1988). Language in Particular: A Lecture. In D. Tannen (ed.), Linguistics in Context (pp. 17-35). Ablex.) explica que languaging é a noção mais apropriada para capturar um processo contínuo que está sempre em criação conforme interagimos com o mundo por meio da linguagem. Baseados nesse autor, García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.) argumentam que aprender uma nova forma de languaging não é apenas aprender um novo código, é, na verdade, entrar em uma outra história de interações e práticas culturais e aprender “uma nova maneira de estar no mundo” (Becker, 1995Becker, A. (1995). Beyond Translation: Essays toward a Modern Philosophy. University of Michigan Press., p. 227)5 5 Todas as traduções apresentadas neste texto são livres e de nossa inteira responsabilidade. . Nesse sentido, os autores salientam que “o termo languaging é necessário para se referir ao processo simultâneo de contínuo devir de nós mesmos e de nossas práticas de linguagem, conforme interagimos e produzimos significado no mundo” (García & Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan., p. 8).

García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.) passaram, então, a referir-se à translinguagem como as múltiplas práticas discursivas vivenciadas pelos falantes, com o propósito de construir sentidos, compreender e exprimir seus mundos bilíngues. Nesse horizonte, podemos perceber o distanciamento da compreensão de língua nomeada como um conjunto fechado e autossuficiente de signos, que funciona como um instrumento de comunicação e que carrega mensagens em meio a comunidades homogêneas e estáticas de falantes e, assim, como algo que podemos usar, possuir e controlar. A linguagem, na perspectiva translíngue, passa a ser percebida como algo que fazemos, de modo situado, glocalizado e singularizado. Como enfatiza Mazzaferro (2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition. , s/p), nessa perspectiva, a linguagem é compreendida como “prática e ação performada por indivíduos de forma reflexiva, relacional e dialógica”.

Com base nessa visão de linguagem, Megale e Liberali (2020Megale, A., Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue, Revista X, v.15, n.1, 55-74. Disponível em: file:///Users/claudiahilsdorfrocha/Downloads/69979-289571-1-PB.pdf. Acesso em 03 de nov. 2020.) desenvolvem o conceito de patrimônio vivencial, que pode ser compreendido como o conjunto de recursos acumulados pelos sujeitos a partir de eventos dramáticos vividos com o outro, que se materializam (ou não) nos “meios de falar” (Blommaert & Backus, 2012Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual. Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-georges, & J-J, Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality (pp. 11-32). Sense., p. 3). Em outras palavras, são todos os modos pelos quais os sujeitos interagem com o mundo, compreendem e vivem aspectos linguísticos, culturais, emocionais e sociais. Nesse contexto, os patrimônios vivenciais, longe de representar algo estático do qual podemos tomar posse, referem-se a modos de expressão, experiência e existência, em toda sua complexidade linguística, semiótica, sociocultural, afetiva, estética e ética.

Para García (2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. ), a orientação translíngue, nessa vertente, mostra-se potencialmente desestabilizadora e, portanto, transformativa, uma vez que a noção de linguagem não se resume ao linguístico, mas também se refere ao amálgama social que permite ao corpo agir juntamente com a mente, integrando ações e possibilitando que nossa existência seja singularizada na e pela prática situada de linguagem. Em uma sociedade profundamente desigual, fundada no racismo estrutural e também em outras formas de silenciamento e exclusão, impostos por fatores ligados ao gênero, classe social e etnias, o conceito de patrimônio vivencial pode contribuir para o fortalecimento de uma concepção corporificada de linguagem e, assim, para a uma percepção mais aguçada sobre a impossibilidade de apartar a linguagem de nossos corpos e de nossas formas de sentir e de existir no mundo. Por sua vez, essa abordagem parece-nos uma forma interessante de nutrir as bases de uma educação linguística comprometida com a decolonização do pensamento e com a transformação social, na medida em que fomenta a desnaturalização de percepções redutoras e opressoras diante da linguagem, da educação e da vida (GARCÍA, 2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. , 2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
).

Diante dessas premissas, podemos dizer que, nas últimas décadas, a ideia de translinguagem tem suscitado crescente interesse na academia e fora dela. No entanto, Masak (2017), ecoando o pensamento de outros autores (Canagarajah, 2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.; García & Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan., somente para citar alguns), argumenta que a translinguagem não se revela um conceito totalmente novo e, da mesma forma, não diz respeito a algo nunca antes pensado. Partimos do entendimento de que a translinguagem não se fecha em definições rígidas e que a definição do termo, nesse contexto, apresentará sempre um alinhamento temporário, que emerge na e pela prática. Diante disso, em consonância com alguns pesquisadores (Lu & Horner, 2013Lu, M.-Z., & Horner, B. (2013). Translingual literacy and matters of agency. In S. Canagarajah. Literacy as translingual practice: between communities and classrooms (pp. 26-35). Routledge., entre outros), acatamos a ideia de que, ao nos depararmos com um conceito ou processo multifacetado e complexo, como é o caso da translinguagem, uma forma mais interessante de abordá-lo é buscar compreender como esse fenômeno se manifesta e como ele tem sido explicado, em vez de tentarmos fechá-lo em uma definição. Muitas vezes, também, podemos compreender melhor um conceito quando pensamos sobre o que ele pretende refutar.

Assim sendo, é relevante mencionar que concordamos com Wei (2018Wei, Li. (2018). Translanguaging as a practical theory of language. Applied Linguistics, vol. 39, n.1, 9-3.) quando esse autor enfaticamente argumenta que a translinguagem não pode ser reduzida a um rótulo que diz respeito a uma abordagem descritiva de práticas comunicativas contemporâneas. Compreendemos a translinguagem como uma filosofia, que pode oferecer condições para entendermos práticas e experiências de linguagens de natureza complexa, ou seja, que emergem de modo espaço-temporalmente situado e com base na pluralidade linguística, semiótica, sensorial e multimodal que singularmente marca os modos de vida e de comunicação humana ao longo de sua história. Nesse viés, ao discutirem a comunicação no mundo contemporâneo, Blackledge e Creese (2017Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of Multilingualism, vol. 14, n. 3, 250-268. Disponível em: Disponível em: https://dspace.stir.ac.uk/retrieve/4cdc24c3-6bcc-4982-9b3c-5b38ff5ba6b1/Blackledge-Creese%202017.pdf . Acesso em 14 jun. 2021.
https://dspace.stir.ac.uk/retrieve/4cdc2...
, p. 250) exploram as múltiplas dimensões dos repertórios semióticos no processo de construção de sentido e apresentam a seguinte compreensão sobre a translinguagem:

A translinguagem refere-se a práticas comunicativas nas quais as pessoas se engajam conforme elas colocam em contato diferentes biografias, histórias e experiências linguísticas. A translinguagem tem o potencial de ser transformativa e criativa, uma vez que ela transcende a diferença aparente, permitindo que as pessoas se comuniquem com quaisquer recursos disponíveis a elas, em vez de restringi-las a limites prescritos. A translinguagem, portanto, possui uma dimensão espacial, na medida em que ela se realiza em um “espaço translíngue” (Wei, 2011Wei, Li. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, 1222-1235. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/1171773/Moment_analysis_and_translanguaging_space . Acesso em 14 jun. 2021.
https://www.academia.edu/1171773/Moment_...
), ou em uma “zona translíngue” (Blackledge, Creese & Hu, 2016Blackledge, A., Creese, A., & Hu, R. (2016). Protean heritage, everyday superdiversity. Working Papers in Translanguaging and Translation (WP. 13).). A translinguagem também apresenta uma dimensão ideológica, na medida em que ela se mostra contingente em meio a atitudes locais e a crenças perante a prática comunicativa.

Segundo Rocha (2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
), a orientação translíngue permite-nos abraçar a complexidade do processo de produção de sentidos nas relações sociais contemporâneas, oferecendo-nos, ainda, uma sensibilidade de mundo (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, vol. 1, n. 1, 12-32. Disponível em: Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645 . Acesso em 15 jun. 2021.
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
) sempre pautado pela ideia de expansão e ruptura, que nos leva a questionar noções estabilizadas em termos de língua nomeada e linguagem, de conhecimento, de sujeito e de mundo, entre outros, sob um enfoque transformativo, interessado na (re)construção da coletividade e do bem comum.

Nessas bases, quando pensada em termos de desdobramentos no campo da educação, a ideia de translinguagem distancia-se de algo que podemos acoplar e desacoplar de nossa prática educativa. Isto porque ela é constitutiva; uma forma de ver e de viver (a linguagem) no mundo e com o mundo, a fim de reinventar, tanto a linguagem quanto a vida, sob égides mais libertárias e democratizadoras (Freire, 1976Freire, P. (1976). Educação como prática da liberdade. 6. ed. Paz e Terra., 2004Freire, P. (2004 [1996]). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra., 2013Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra., 2014Freire, P. (2014 [1992]). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. Paz e Terra.). Nessa linha, de acordo com García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.), a translinguagem pode ser compreendida tanto como uma orientação (filosofia) ou teoria quanto como uma prática (educativa) de linguagem. Nesse horizonte, a translinguagem mostra-se naturalmente como um conceito que nasce e renasce na indisciplina da transdisciplinaridade, movimentando-se principalmente por entre conhecimentos ligados à linguística sócio-antropológica e etnográfica, à linguística interacional e aos estudos discursivos e semióticos, em sua interface com a educação em linguagem.

Para Masak (2017), a translinguagem simboliza uma ruptura paradigmática, porque faz emergir uma compreensão renovada e mais ampla sobre as práticas de linguagem em nossa sociedade, impregnada por discursos preconceituosos, racistas e colonizadores. Como já brevemente aventado, segundo essa autora, a Virada Trans está intimamente ligada a um posicionamento pós-estruturalista no campo da Linguística Aplicada, ao distanciar-se de ideias como homogeneidade, estabilidade, completude, linearidade e dualidade, em favor de uma orientação cujos princípios se voltam à mobilidade, à situacionalidade histórica e à dinamicidade social, linguística, cultural e política. Assim sendo, a orientação translíngue demonstra sua potencialidade de ruptura ao necessariamente unir tais ideias à luta em favor da justiça social (Fraser, 2008Fraser, N. (2008). Scales of justice reimagining political space in a globalized world. Polity Press.) e cognitiva (Santos, 2007Santos, B. de S. (2007). Para além do pensamento abissal: das linhas globais e uma ecologias de saberes. Novos Estudos, n. 79, 71-94. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/nec/n79/04.pdf . Acesso em 04 nov. 2020.
https://www.scielo.br/pdf/nec/n79/04.pdf...
, 2008). É nas zonas de contato entre o necessário enfrentamento a concepções reducionais em termos de linguagem, comunicação, identidade, cultura e sujeito, e o incessante questionamento perante a discursos e práticas que estruturam e mantêm as desigualdades abissais no mundo, que o apelo transformativo da translinguagem dinamicamente se realiza. Desse modo, a orientação translíngue incorpora, também, a luta travada pela decolonialidade.

Como problematizam García e Alvis (2019García, O., & Alvis, J. (2019). The decoloniality of language and translanguaging: Latinx knowledge-production. Journal of Postcolonial Linguistics, 1, 26-40. Disponível em: Disponível em: https://iacpl.net/journal-of-postcolonial-linguistics-12019/the-decoloniality-of-language-and-translanguaging-latinx-knowledge-production/ . Acesso em 18 jun. 2021.
https://iacpl.net/journal-of-postcolonia...
), embasados no pensamento de Mignolo (2002Mignolo, W. (2002). The geopolitics of knowledge and the colonial difference. The South Atlantic Quarterly, vol. 101, n.1, 57-96. Disponível em: Disponível em: http://www.unice.fr/crookall-cours/iup_geopoli/docs/Geopolitics.pdf . Acesso em 15 jun. 2021.
http://www.unice.fr/crookall-cours/iup_g...
) e Grosfoguel (2007Grosfoguel, R. (2007). The Epistemic decolonial turn. Beyond political-economy paradigms. Cultural Studies, vol. 21, n. 2-3, 211-223.), teorias decoloniais contestam a produção de conhecimento e de subjetividades vivenciadas e produzidas sob a lógica da matriz colonial e de suas dimensões e efeitos, que favorecem a hierarquização e subalternização das relações sociais e que perduram em nosso tempos, estruturando nossa sociedade, mesmo após o processo de colonização histórica ter acabado. Desse modo, a translinguagem, imbuída da atitude decolonial, enfrenta o pensamento abissal e mina os limites impostos por epistemologias coloniais e permite a emergência de um pensamento alternativo e de uma outra língua, que não perpetuem o poder imperial e outras formas de opressão, silenciamento e aniquilamento. A translinguagem (re)nasce nesses espaços de conflito e confronto, uma vez que “é precisamente esse outro pensamento o centro do conceito de translinguagem, uma teoria que simultaneamente põe em movimento epistemologias linguísticas previamente silenciadas” (García & Alvis, 2019García, O., & Alvis, J. (2019). The decoloniality of language and translanguaging: Latinx knowledge-production. Journal of Postcolonial Linguistics, 1, 26-40. Disponível em: Disponível em: https://iacpl.net/journal-of-postcolonial-linguistics-12019/the-decoloniality-of-language-and-translanguaging-latinx-knowledge-production/ . Acesso em 18 jun. 2021.
https://iacpl.net/journal-of-postcolonia...
, p. 31).

Conforme discute Rocha (2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
), amparada em vários autores, entre eles Canagarajah (2017aCanagarajah, S. (2017a). Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. Springer. Kindle edition), Makalela (2015Makalela, L. (2015). Translanguaging as a vehicle of epistemic access: cases for reading comprehension and multilingual interactions. Per Linguam, v. 31, n. 1, 15-29.), Ríos e Seltzer (2017Ríos, C. V., & Seltzer, K. (2017). Translanguaging, coloniality, and English classrooms: An exploration of two bicoastal urban classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, 55-76.) e Veronelli (2016Veronelli, G. A. (2016). Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl . Acesso em: 21 jul 2019.
http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh8...
), um enfoque translíngue decolonial pode contribuir muito para o enfrentamento do pensamento hegemônico em um mundo profundamente desigual e marcado pelo capitalismo dadocêntrico e destrutivo (Morozov, 2018Morozov, E. (2018). Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. UBU.; Han, 2017Han, B.-C. (2017). Sociedade do Cansaço. Vozes.), uma vez que questiona os discursos dominantes e as forças ideológicas opressoras que estruturam nossa sociedade (Chun, 2017Chun, C. W. (2017). The discourses of capitalism: everyday economists and the production of common sense. Routledge.). O movimento decolonial translíngue mostra-se interessante e transformativo porque desnuda todo nosso preconceito linguístico e desestabiliza a postura colonizadora que destitui as pessoas de seu direito inequívoco a seus patrimônios vivenciais e de seu direito de existência plural (García, 2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
; Megale & Liberali, 2020Megale, A., Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue, Revista X, v.15, n.1, 55-74. Disponível em: file:///Users/claudiahilsdorfrocha/Downloads/69979-289571-1-PB.pdf. Acesso em 03 de nov. 2020.).

Nesse contexto, a orientação translíngue desafia o sentido estabilizado de língua nomeada, ao mesmo tempo em que questiona a perpetuação do preconceito e do sofrimento causado a grupos subalternizados por meio de ideologias monolíngues. Nesse viés, a translinguagem visa minar nossa postura corretiva, que enxerga a falta, que silencia e mata. Assim, reveste-se de um projeto ontológico que denuncia uma lógica ou sensibilidade de mundo (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, vol. 1, n. 1, 12-32. Disponível em: Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645 . Acesso em 15 jun. 2021.
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
) opressora perante a modos plurais de expressão e de produção de conhecimentos e que possibilita a criação de modos alternativos de vida (García, 2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. , 2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
). Portanto, a translinguagem revela-se como prática cotidiana (Mazzaferro, 2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition. ) de resistência (García & Alvis, 2019García, O., & Alvis, J. (2019). The decoloniality of language and translanguaging: Latinx knowledge-production. Journal of Postcolonial Linguistics, 1, 26-40. Disponível em: Disponível em: https://iacpl.net/journal-of-postcolonial-linguistics-12019/the-decoloniality-of-language-and-translanguaging-latinx-knowledge-production/ . Acesso em 18 jun. 2021.
https://iacpl.net/journal-of-postcolonia...
) e de re-existência (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, vol. 1, n. 1, 12-32. Disponível em: Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645 . Acesso em 15 jun. 2021.
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
; Souza, 2011Souza, A. L. S. (2011). Letramentos de Reexistência - Poesia, grafite, música, dança: Hip Hop. Parábola.).

Por sua vez, para Li Wei e García (2014), a translinguagem reflete um incessante processo de tornar-se pela linguagem, que nos leva a fazer, a ser e a sentir em meio a um conjunto complexo, multifacetado, multimodal de recursos que encontram-se situados política, sociocultural e historicamente e que dinamicamente se transformam e, assim, potencializam a criação de novas subjetividades, identidades e ideologias. Sendo assim, alertam Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.), García (2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. ) e também Wei (2017), a translinguagem não pode ser reduzida e/ou confundida com interlíngua ou alternância de códigos, conforme pensada por Selinker (1972Selinker, L. (1972). Interlanguage. International Review of Applied Linguistics, n. 10, 209-231.). O foco translíngue não reside na estrutura/sistema ou na ideia de dois sistemas linguísticos separados. Nesse horizonte, com base em Mignolo (2017Mignolo, W. (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, vol. 1, n. 1, 12-32. Disponível em: Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645 . Acesso em 15 jun. 2021.
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
), García (2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. , 2000bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
), Rocha (2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
), entre outros, defendemos que a translinguagem é prática (estrategicamente) performada/vivenciada/experimentada, com o intuito de criar algo novo, que resiste e (re)existe, crítica e criativamente, a partir de uma outra lógica, menos estrutural e mais complexa, distributiva, horizontalizada, decolonizada.

Em outras palavras, a orientação translíngue representa uma forma crítica e criativa de transgressão e transformação que se realiza como um ininterrupto processo de ativismo político, desafiando não somente um pensamento conservador - leia-se colonizador, preconceituoso e racista - diante da linguagem, mas também diante de nós mesmos, de tudo e de todos. Em síntese, ao mesmo tempo em que, nesse horizonte, buscamos subverter fronteiras e desestabilizar discursos autoritários, comprometemo-nos, ainda, a anunciar possibilidades de ação e intervenção criativas no mundo, permitindo-nos reinventá-lo, sob bases mais plurais, igualitárias, comunais e descentralizadoras no que diz respeito aos processos de expressão de sentidos e também no que se refere às relações que travamos com as pessoas e demais seres e elementos que coexistem e integram a vida neste planeta.

3. A translinguagem e a transcendência de seus movimentos

Com base nas discussões já tecidas, a translinguagem pode ser concebida como uma orientação ou filosofia que desafia o pensamento hegemônico e, portanto, no que diz respeito à linguagem e à educação linguística, enfrenta a ideologia monolíngue, de modo intrinsecamente relacionado a movimentos emancipatórios e libertários. A ideologia monolíngue, de acordo com Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), corrobora os elementos fundantes do racionalismo, da modernidade, do Estado-Nação, do estruturalismo e do pensamento colonizador, evidenciando, dessa forma, uma postura discriminatória, corretiva e opressora perante saberes e modos de expressão que escapam aos padrões normalizados, autoritariamente impostos na sociedade. A ideologia monolíngue estabiliza, por consequência, a lógica opressora e violenta da falta e da inferioridade.

A esse respeito, McKinney (2017McKinney, C. (2017). Language and Power in post-colonial schooling: ideologies in practice. Routledge. ), ao discutir práticas educativas sob um enfoque pós-colonial, alinha-se ao pensamento de Mazzaferro (2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition. ), de Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.; 2017aCanagarajah, S. (2017a). Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. Springer. Kindle edition; 2017bCanagarajah, S. (2017b). Translingual Practice as Spatial Repertoires: Expanding the Paradigm beyond Structuralist Orientations. Applied Linguistics, 1-25. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amx041 >. Accesso em: 10 nov. 2019.
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
) e também de García e Li Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.), e explica que ideologias monolíngues são extremamente redutoras e opressoras porque reproduzem o pensamento colonizado, ou seja, aquele que essencializa e objetifica o outro, impondo como menor, menos importante e menos válido tudo o que possa integrar sua existência: seus repertórios, seus conhecimentos, seus traços identitários, sua língua nomeada. Em nossa sociedade, hipercapitalista, esse movimento de subalternização é sempre estruturado com o apoio do racismo (linguístico), como discutido por Nascimento (2019Nascimento, G. (2019). Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo. Letramento.). O pensamento hegemônico colonizador, portanto, pode ser visto como um movimento que, para estabilizar as relações sociais, culturais e político-econômicas, de modo centralizador e autoritário, invalida qualquer traço que escape à ideologia dominante e, consequentemente, perpetua subalternizações relativas a aspectos que dizem respeito as nossas formas de existência e comunicação no mundo. Nessa lógica, a língua encontra-se circunscrita em um sistema de poder, revelando-se um potente instrumento de controle, opressão e subalternização, que tem se perpetuado historicamente.

Berenblum (2003Berenblum, A. (2003). A invenção da palavra oficial: identidade, língua nacional e escola em tempos de globalização. Autêntica. ), por sua vez, explica que a ideologia monolíngue se fundamenta e se mantém a partir da imposição e da normalização da noção de língua como símbolo de identidade nacional. A autora argumenta que essa ideologia é instaurada a partir do apagamento de nossa memória histórica, pois precisa do silenciamento das vozes plurais e dissonantes e da invisibilização de suas lutas, para normalizar uma perspectiva uniforme e homogeneizante diante da língua. Nessa lógica, a língua pré-existe às práticas sociais e, nessa condição, deve manter-se pura e protegida de possíveis misturas.

Recuperamos, neste momento, a ideia de língua nacional como uma abstração, uma invenção, um construto ideológico (Makoni & Pennycook, 2007Makoni, S., & Pennycook, A. (2007). Disinventing and reconstituting languages. In S. Makoni, & A. Pennycook (eds.), Disinventing and reconstituting languages (pp. 1-41). Multilingual Matters.) que, em sua força unificadora, marginaliza as diversidades linguísticas, culturais e sociais, visando à manutenção do estado-nação. Como discutem Yip e García (2018Yip, J., & García, O. (2018). Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, 164-177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/translinguagens-recomendacoes-educadores/ >. Accesso em: 21 Jul. 2019.
https://iberoamericasocial.com/transling...
), as línguas, pensadas em um viés monolíngue e monolítico, podem ser caracterizadas como línguas nomeadas - inglês, português, espanhol, italiano etc. Nesse prisma, como já discutido, é importante analisar criticamente o efeito dessa ideologia nas relações humanas, em seus mais diversos domínios, a fim de que possamos minar forças centralizadoras que mantêm as desigualdades abissais em nossa sociedade e pensar em maneiras alternativas de praticar a educação linguística na atualidade. Para enfrentar a ideologia monolíngue, a orientação translíngue pressupõe a inter-relação dinâmica e sobreposta de variados campos (Wei; Zhu Hua, 2013Wei, Li, & Zhu Hua. (2013). Translanguaging identities and ideologies: Creating transnational space through flexible multilingual practices amongst Chinese university students in the UK, Applied Linguistics, n. 34, 516-35.; Canagarajah, 2017bCanagarajah, S. (2017b). Translingual Practice as Spatial Repertoires: Expanding the Paradigm beyond Structuralist Orientations. Applied Linguistics, 1-25. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amx041 >. Accesso em: 10 nov. 2019.
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
), conforme seguimos discutindo.

Em nossa interpretação, o primeiro campo encontra-se ligado à importância de transgredirmos os limites, contornos e divisas impostas rigidamente por visões monolíngues, ou seja, de desafiarmos o entendimento das línguas como entidades fechadas e independentes. Como afirma Canagarajah (2017bCanagarajah, S. (2017b). Translingual Practice as Spatial Repertoires: Expanding the Paradigm beyond Structuralist Orientations. Applied Linguistics, 1-25. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amx041 >. Accesso em: 10 nov. 2019.
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
, p. 3), em um de seus possíveis campos característicos, o prefixo trans, quando discutimos os entendimentos sobre translinguagem, indica “uma maneira de olhar para as práticas comunicativas como transcendentes à ideia de língua nomeada”. Essa compreensão não implica ignorar a existência dos idiomas nomeados, mas pensar para além deles, para atravessá-los. Assim, conforme explicam García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan., p. 21), embasados no pensamento de Mignolo (2000Mignolo, W. (2000). Local histories/Global designs: Coloniality, global knowledges, and border thinking. Princeton University press. ), a translinguagem busca romper com formas rígidas de pensamento e delimitação do que sejam as línguas/linguagens, dizendo respeito a “práticas novas de linguagens que tornam visíveis a complexidade das trocas linguísticas entre pessoas com histórias diferentes”.

Nesse viés, podemos considerar que a noção de língua esteja sendo expandida, de modo a abranger a ideia de repertórios (Busch, 2012Busch, B. (2012). The Linguistic Repertoire Revisited. Applied Linguistics, v. 33, n. 5, 503-523. Disponível em: Disponível em: https://www.heteroglossia.net/fileadmin/user_upload/publication/2012-Busch-Applied_Ling.pdf . Acesso em 15 jun. 2021.
https://www.heteroglossia.net/fileadmin/...
) ou patrimônios vivenciais (Megale & Liberali, 2020Megale, A., Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue, Revista X, v.15, n.1, 55-74. Disponível em: file:///Users/claudiahilsdorfrocha/Downloads/69979-289571-1-PB.pdf. Acesso em 03 de nov. 2020.), os quais são mobilizados pelos falantes para produzir sentidos e indexar suas identidades e vozes sociais nas práticas comunicativas. De modo amplo, de acordo com Mazzaferro (2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition. ), repertórios podem ser vistos como a organização sincronizada entre línguas, linguagens ou modos, gestos, formas de olhar e outros signos criados em interações situadas no espaço-tempo. Por sua vez, em uma visão ecológica, expandida e descentralizada (Pennycook, 2018aPennycook, A. (2018a). Posthumanist Applied Linguistics. Routledge, Kindle editon.; 2018bPennycook, A. (2018b). Critical Applied Linguistics Commons. In R. F. Maciel et al. (orgs.), Linguística aplicada para além das fronteiras (pp. 37-56). Pontes.), mostra-se fundamental que os repertórios sejam pensados para além do indivíduo, totalmente consciente no controle de seu pensamento, a fim de abranger tanto repertórios multissensoriais e expressões afetivas, como também os agenciamentos da distribuição espacial, como argumentam Otsuji e Pennycook (2010Otsuji, E., & Pennycook, A. (2010). Metrolingualism: fixity, fluidity and language in flux. International Journal of Multilingualism , v.7, n.3, 240-254. Disponível em: <Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/249025313_Metrolingualism_Fixity_Fluidit y_and_Language_in_Flux >. Acesso em: 20 maio 2017.
https://www.researchgate.net/publication...
).

Nesse horizonte, com base nos trabalhos de Rocha e Maciel (2015Rocha, C. H., & Maciel, R. F. (2015). Ensino de língua estrangeira como prática translíngue: articulações com teorias bakhtinianas. D.E.L.T.A. , 31-2, 411-445. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/26388/18933 . Acesso em 15 jun. 2021.
https://revistas.pucsp.br/index.php/delt...
), Rocha (2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
), Maciel e Rocha (2020Maciel, R. F., & Rocha, C. H. (2020). Dialogues on translingual research and practice: weaving threads with Suresh Canagarajah’s views. REVISTA X, v.15, n.1, 07-31. Disponível em Disponível em https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/71807 . Acesso em 04 nov., 2020.
https://revistas.ufpr.br/revistax/articl...
), entre outros, corroboramos a ideia de que esses referenciais nos ajudam, por um lado, a compreender os enunciados - desde sempre translíngues e imbricados no tecido heteroglóssico ou heterodiscursivo (Bakhtin, 2015Bakhtin, M. (2015). Teoria do romance I. A estilística / Mikhail Bakhtin. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra. Organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. Editora 34.) que atravessa as práticas de linguagem - como “um novo todo” de sentido (García; Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan., p. 20). Ou seja, nossos enunciados, como elementos constitutivos de práticas translíngues, são vistos como uma unidade mínima de sentido ou como uma unidade real da comunicação discursiva, que não pode ser reduzida à articulação entre partes de um sistema fechado e tampouco ser abstraída do tempo-espaço. Assim, os enunciados que constituem os repertórios translíngues revelam-se um (novo) todo de sentido - concreto, único e irrepetível (Bakhtin, 2004Bakhtin, M. (2004). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de M. Lahud, & Y. F. Vieira. 11. ed. Hucitec. (Trabalho original publicado em 1929).; Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.) que não pode ser visto de maneira segmentada. Para Yip e García (2018Yip, J., & García, O. (2018). Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, 164-177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/translinguagens-recomendacoes-educadores/ >. Accesso em: 21 Jul. 2019.
https://iberoamericasocial.com/transling...
), a translinguagem não deve ser confundida com alternância de códigos, uma vez que o foco em um todo indissociável de sentido nos impede de abordar essa prática como a simples adição ou combinação de elementos (ou seja, como a mistura de palavras vinculadas a línguas nomeadas distintas) separados por fronteiras rígidas.

Nessa direção, apoiado em Bennet (2010), Pennycook (2017Pennycook, A. (2017). Translanguaging and semiotic assemblages. International Journal of Multilingualism , v. 14, n. 3, 269-282. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1315810 >. Accesso em: 15 jan. 2020.
https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1...
) compreende o processo (translíngue) de construção de sentidos como uma assemblagem. Citando Appadurari (2015, p. 221), Pennycook (2017Pennycook, A. (2017). Translanguaging and semiotic assemblages. International Journal of Multilingualism , v. 14, n. 3, 269-282. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1315810 >. Accesso em: 15 jan. 2020.
https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1...
) define as assemblagens como arranjos dinamicamente complexos e constituídos por uma gama variada e heterogênea de elementos, que ganham forma de maneira única e temporária, em uma lógica não hierárquica, nos processos de produção de sentidos. Sob o viés da orientação translíngue, Canagarajah (2017bCanagarajah, S. (2017b). Translingual Practice as Spatial Repertoires: Expanding the Paradigm beyond Structuralist Orientations. Applied Linguistics, 1-25. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amx041 >. Accesso em: 10 nov. 2019.
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
) enfatiza que a noção de assemblagem oferece condições para que evitemos a compreensão da multimodalidade como a organização estruturada de modos semióticos separados, permitindo, em contrapartida, que abordemos as línguas nomeadas, bem como a multiplicidade de modos e recursos semióticos em sua dinâmica e dialógica relação de mútua constitutividade no processo comunicativo. Segundo Canagarajah (2017bCanagarajah, S. (2017b). Translingual Practice as Spatial Repertoires: Expanding the Paradigm beyond Structuralist Orientations. Applied Linguistics, 1-25. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amx041 >. Accesso em: 10 nov. 2019.
https://doi.org/10.1093/applin/amx041...
, p. 9), “recursos semióticos podem ser agentivos, dando forma à cognição humana e à comunicação”. Para Pennycook (2017Pennycook, A. (2017). Translanguaging and semiotic assemblages. International Journal of Multilingualism , v. 14, n. 3, 269-282. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1315810 >. Accesso em: 15 jan. 2020.
https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1...
), os repertórios translíngues correspondem a uma assemblagem multimodal, bem como multissensorial. Nesse raciocínio, “nem a agência, nem a linguagem, nem a cognição são entendidas como uma propriedade do indivíduo, como algo localizado na mente humana ou ligado à ação pessoal, individual, mas como algo distribuído” (Pennycook, 2017Pennycook, A. (2017). Translanguaging and semiotic assemblages. International Journal of Multilingualism , v. 14, n. 3, 269-282. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1315810 >. Accesso em: 15 jan. 2020.
https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1...
, p. 278). Essa é uma perspectiva interessante porque desestabiliza a centralidade do indivíduo e das línguas nomeadas no processo comunicativo (Rocha & Maciel, 2019Rocha, C. H., & Maciel, R. F. (2019). Multimodalidade, letramentos e translinguagem: Diálogos para a educação linguística contemporânea. In L. Santos, & R. Maciel (Orgs.), Formação e prática docente em língua portuguesa e literatura (pp. 117-144). Pontes.), dando maior visibilidade a outras sensibilidades de mundo (Mignolo, 2017Mignolo, W. (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, vol. 1, n. 1, 12-32. Disponível em: Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645 . Acesso em 15 jun. 2021.
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
).

Por sua vez, o segundo campo translíngue diz respeito à sua natureza transformativa. De modo geral, conforme destaca García (2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. ), a translinguagem, nesse âmbito, pode ser percebida como a energia que promove a experiência (enativa-performativa) entre mundos/entre vidas. Nesse horizonte, é importante perceber que a realidade é sempre marcada por valores, línguas, culturas e conhecimentos não legitimados e que são, assim, socialmente determinados como ilegítimos, incompletos, menores. Essa energia transformadora permite, segundo García (2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. ), enfrentar esse viés hegemônico e, assim, minar os muros que dividem esses mundos, criando fissuras em suas estruturas e permitindo que a esperança de vidas melhores para todas as pessoas possa ser sentida e acreditada, conforme também postula Freire (1976Freire, P. (1976). Educação como prática da liberdade. 6. ed. Paz e Terra., 2004Freire, P. (2004 [1996]). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra., 2013Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra., 2014Freire, P. (2014 [1992]). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. Paz e Terra.).

Em nosso entendimento, esse segundo campo é aquele que nos impele a viver e a realizar a translinguagem como prática cotidiana de resistência e transformação (Mazzaferro, 2018Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition. ), o que pressupõe um movimento estratégico, interessado no enfrentamento das hegemonias. Tal prática requer de nós coragem, criticidade, criatividade e resiliência para viver em um mundo de abismos profundos e opressões cruéis, provocando desestabilizações em favor de formas de vida mais justas e coletivas. Além disso, a prática translíngue transformadora demanda a crença de que a mudança é possível. A energia translíngue nos inspira a acreditar na possibilidade de reinvenção do mundo. Segundo Gallo (2013Gallo, S. (2013). Deleuze & a educação. Autêntica.), Deleuze, em uma entrevista dada a Antonio Negri em 1990, nos incita a acreditar no mundo. Para Deleuze (2013Deleuze, G. (2013). Controle e Devir. In G. Deleuze. Conversações (pp. 213-222). 3. ed. Trad. Peter Pál Pelbart. Editora 34., p. 218), como explica Gallo (2013Gallo, S. (2013). Deleuze & a educação. Autêntica., p. 90), acreditar no mundo significa “suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou, ainda, engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos”. Entendemos, portanto, que seja por entre esses imperceptíveis enfrentamentos que resistimos a qualquer tipo de submissão ou controle em nossas vivências cotidianas.

Por fim, o terceiro campo translíngue engloba o caráter transdisciplinar das práticas de linguagens. Para Moraes (2015Moraes, M. C. (2015). Transdisciplinaridade, criatividade e educação: fundamentos ontológicos e epistemológicos. Colaboração de Juan Miguel Batalloso Navas. Papirus.), a condição transdisciplinar nos permite pensar estrategicamente modos de promover práticas educativas nutridas por uma pluralidade de perspectivas, linguagens, compreensões e percepções da realidade que, nesse horizonte, revelam-se transculturais e potencialmente capazes de minar todo e qualquer dogmatismo, fundamentalismo e pensamento unívoco. Em suma, o caráter transdisciplinar da abordagem translíngue revela suas forças críticas e criativas (García & Li Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.), com base nos princípios da expansão de realidades, da convivência coletiva e da incompletude, permitindo, assim, que oportunizemos o inédito possível ou viável (Freire, 2014Freire, P. (2014 [1992]). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. Paz e Terra.), como bem discutem Liberali (2020Liberali, F. (2020). Construir o inédito viável em meio a crise do coronavírus - lições que aprendemos, vivemos e propomos. In F. C. Liberali, V. P. Fuga, U. C. C. Diegues, & M. P. Carvalho (Orgs.), Brincando em tempos de pandemia: brincando com um mundo possível (pp. 13-21). Pontes. ) e Liberali e Swanwick (2020Liberali, F., & Swanwick, R. (2020). Translanguaging as a tool for decolonizing interactions in a space for confronting inequalities, D.E.L.T.A., v. 36, n. 3, 1-26. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502020000300401&lng=en&nrm=iso > . Acesso em: 10 Nov. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
). Nesse viés, a translinguagem cria possibilidades da vivência da utopia como crítica (Gardiner, 2010Gardiner, M. (2010). O carnaval de Bakhtin: a utopia como crítica. In A. P. G. Ribeiro, & I. Sacramento (Orgs.). Mikhail Bakhtin: linguagem, cultura e mídia (pp. 211-256). Pedro e João.). Assim sendo, a prática (seja ela educativa ou não) translíngue, transformativa e transdisciplinar manifesta-se em meio a um processo ininterrupto de construção, desconstrução e reconstrução de discursos e saberes, que responde, em um ato responsivo e responsável (Bakhtin, 2017Bakhtin, M. (2017). Para uma filosofia do ato responsável. [Traducão aos cuidados de Valdemir Miotelo & Carlos Alberto Faraco]. Pedro e João. ; Sobral, 2009Sobral, A. (2009). Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin. Mercado das Letras.), às contingências e às urgências do mundo.

No âmbito educativo, mais especificamente, a translinguagem emerge da relação dinâmica entre esses campos, tensionando, portanto, de forma criativa e crítica, elementos ligados à expansão desobediente do que pode ser compreendido como linguagem em meio ao processo de produção de sentidos; às marcas que indiciam identidades, vozes e discursos; bem como o compromisso da educação transformadora de promover o empoderamento dos sujeitos e a transformação social.

Além disso, em nossa percepção, na medida em que a (trans)linguagem é prática social, situada e ideologicamente marcada, seria importante reconhecê-la em toda sua pluralidade e, portanto, em seus diferentes tipos. Translinguamos desde sempre e, como prática (cotidiana e situada), a translinguagem realiza-se de diferentes formas e com diferentes propósitos, nos diversos campos sociais que organizam nossas relações. Nesse sentido, Yip e García (2018Yip, J., & García, O. (2018). Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, 164-177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/translinguagens-recomendacoes-educadores/ >. Accesso em: 21 Jul. 2019.
https://iberoamericasocial.com/transling...
) argumentam em favor de que pensemos o conceito em toda sua complexidade e amplitude, a partir da ideia de translinguagens. Mostra-se, então, importante que aprofundemos nossas análises e compreensões acerca de como as práticas translíngues são vivenciadas nos mais diversos contextos, e quais os efeitos das relações de poder estabelecidas nesses espaços, para que possamos pensar criativa e criticamente nas possibilidades de reconstruí-los em um horizonte mais libertário e emancipatório, também em contextos educativos.

4. Pedagogias translíngues: práticas estrategicamente orientadas com propósito decolonialmente transformador

Com apoio em García (2020aGarcía, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters. ), podemos dizer que as pedagogias translíngues são construídas como projetos ontológicos. A base, então, é o reconhecimento de nossos discursos e do que fazemos por meio da e na(s) (trans)linguagem(gens) e de outros recursos multissemióticos e multissensoriais que se tornam parte de nossa existência. Nos tornamos eternamente por meio das e nas formas de produção de sentidos, em sua relação com nossas histórias de vida e experiências. A proposição é, portanto, promover uma educação ampliada, como já nos propunha Cavalcanti (2013Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (org.), Linguística aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola.), que nos permita um constante movimento de questionamento diante de nossos entendimentos de língua e também proporcione a expansão de nossas possibilidades de existência no mundo.

Em nossa percepção, a educação translíngue está intimamente ligada a uma educação libertariamente transformadora e emancipatória (Freire, 1976Freire, P. (1976). Educação como prática da liberdade. 6. ed. Paz e Terra., 2004Freire, P. (2004 [1996]). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra., 2013Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra., 2014Freire, P. (2014 [1992]). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. Paz e Terra.), que se realiza pela ideia de solidariedade e de justiça social e cognitiva. Essa educação translíngue libertária se compromete a criar espaços de dissenso (de conflito criativo) e também de convívio para que possamos renovar nossas posturas, desenvolver nossa sensibilidade diante das diferenças e fortalecer nossa predisposição cooperativa para possibilitar relações de bases comunais e coletivas, em um esforço redistributivo de poder (Fraser, 2008Fraser, N. (2008). Scales of justice reimagining political space in a globalized world. Polity Press.). Além disso, a prática pedagógica translíngue mostra-se ocupada dos dramas humanos e, assim, nos leva a desenvolver projetos coletivos que possibilitem a intervenção e a transformação social, com base nos problemas sociais vividos pelos coletivos diversos, estejam eles direta ou indiretamente vinculados à comunidade escolar.

Para Canagarajah (2013Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.), o espaço educativo translíngue deve ser construído e vivenciado de modo dialógico, com o intuito de desenvolver uma competência estratégica que permita ao estudante lidar com adversidades e instabilidades. Na compreensão do autor, é importante, desse modo, que as práticas pedagógicas sejam realizadas como espaços de socialização, que permitam a manifestação de propiciamentos ecológicos (possibilidades de expressão de todo o patrimônio vivencial e expansão para além dele) e de aprendizagem situada. Assim sendo, o foco volta-se ao desenvolvimento de uma competência translíngue, a partir do trabalho com estratégias diversas de negociação de sentido, de conscientização translíngue e de reflexão crítica. Essas estratégias devem amparar-se em uma atitude favorável à desestabilização do status quo, à colaboração, à abertura ao diálogo e à subversão da colonialidade do poder6 6 A colonialidade do poder é um padrão de dominação e exploração que opera a partir da classificação étnico-racial da população mundial (Grosfoguel, 2009). Essa dominação atinge a vida em todas suas dimensões, como, a sexualidade, a autoridade, o mundo do trabalho, a subjetividade e nossa compreensão de conhecimento. , as quais devem ser incentivadas, para o engajamento e entendimento mútuo nas práticas comunicativas propostas, em um enfoque que desafie noções estabilizadas de erro e de proficiência.

Por sua vez, como discutido em Rocha, Liberali e Megale (2021Rocha, C. H., Liberali, F., & Megale, A. (2021). Bilinguismo e translinguagem na educação linguística para crianças. In C. H. Rocha, & E. Basso (orgs.), Ensinar e aprender língua estrangeira/língua adicional nas diferentes idades: reflexões para professores e formadores (pp. 25-58). Vol. II. Pontes. ) e García, Johnson e Seltzer (2017García, O., Johnson, S. I., & Seltzer, K. (2017). The translanguaging classroom: leveraging student bilingualism for learning. Caslon.), as salas de aula translíngues podem ser entendidas a partir de uma corriente. Essa metáfora é utilizada como alusão à dinamicidade e à fluidez das correntes dos rios. Essa fluida e pulsante corrente potencializa a criação de novos práticas de linguagem, porque tensiona perspectivas, vozes, histórias, saberes, interesses, entre tantos outros fatores que afetam nossas vidas, também em contextos educativos, com o propósito de promover uma vivência transformativa, crítica e criativa nesses espaços translíngues. Essa metáfora nos ajuda a compreender que, assim como o rio tem suas margens, o processo educativo translíngue é também fluído, ao mesmo tempo que estrategicamente planejado. Esse planejamento, entretanto, não é fixo e deve seguir com a corrente, ou seja, deve ser maleável o suficiente para mudar e se readaptar quantas vezes forem necessárias, sem deixar de considerar a importância de se manter ativa a atitude questionadora diante de limites prescritos e, assim, agir a partir de uma postura orientada para a justiça social e o bem comum. Nesse viés, os estudantes, por sua vez, ao mobilizarem todo seu repertório translíngue, mostram-se mais livres para engajarem-se na fluidez da corrente e para ampliarem seus patrimônios vivenciais.

No entendimento de García, Johnson e Seltzer (2017García, O., Johnson, S. I., & Seltzer, K. (2017). The translanguaging classroom: leveraging student bilingualism for learning. Caslon.), corroborado por García (2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
), é importante desafiarmos concepções estáticas e lineares, como a de proficiência linguística, questionando a noção já tão estabilizada de possibilidade de mensuração do conhecimento de linguagem. Desse modo, as autoras propõem que pensemos as salas de aula translíngues a partir de duas dimensões, que coexistem e se retroalimentam dinamicamente. Uma dessas dimensões diz respeito às pedagogias translíngues e abarca o processo de ensino com base nas percepções docentes, em seu planejamento e nas microdecisões que dinamicamente redirecionam o fluxo das interações e atividades. As performances discentes estão relacionadas, por sua vez, à ideia de uma prática situada, que se realiza tanto pela dinamicidade e especificidades do translinguajar nas diversas práticas vivenciadas, como pela inter-relação entre um desempenho (trans)linguístico geral e um específico. De forma dinâmica e sobreposta, essas dimensões do desempenho possibilitam a expansão de repertórios e vivências. O desempenho geral diz respeito ao trabalho com o repertório vivencial do/da estudante, enquanto o desempenho (trans)linguístico específico, refere-se a práticas envolvendo linguagens, gêneros e conhecimentos de natureza mais particular ou específica, como, a oralidade, a linguagem acadêmica, etc. Nesse contexto, García e Wei (2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.) explicam que, no processo educativo, podemos observar processos translíngues oficiais (direcionados pelo professor) e naturais (que ocorrem sem direcionamento).

Nesse horizonte, é importante não deixar de considerar o apelo decolonial e transformativo da prática translíngue. Por si só, a translinguagem não garante um movimento radicalmente desestabilizador. Movimentos transformadores são potencializados na e pela prática social e educativa, sendo importante alimentarmos continuamente o posicionamento questionador e socialmente engajado nos espaços em que nos encontramos. Achamos relevante salientar que, em uma perspectiva pós-colonial, as práticas translíngues podem ser caracterizadas como expansivas ou restritivas, a depender de seu potencial mobilizador de transformação (Canagarajah, 2017aCanagarajah, S. (2017a). Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. Springer. Kindle edition). Como já discutido por Rocha (2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
), segundo Canagarajah (2017aCanagarajah, S. (2017a). Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. Springer. Kindle edition, s/p), a translinguagem redutivo é geralmente tonalizado pelo pensamento neoliberal, com a finalidade de limitar a natureza transformativa das práticas translíngues, redirecionando-as para que representem “propósitos funcionais ligados à eficiência e ao acúmulo de lucro”. Por sua vez, o translinguismo expansivo, conforme teorizado no campo da linguística aplicada crítica, revela o poder subversivo e decolonial da translinguagem como prática cotidiana (Lazzaratto, 2018) e, assim, “resiste e renegocia qualquer movimento, instituição ou ideologia que tente comprometer” sua orientação transformadora (Canagarajah, 2017aCanagarajah, S. (2017a). Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. Springer. Kindle edition, s/p). Desse modo, as práticas (educativas) translíngues, em sua vertente expansiva, favorecem a criticidade criativa, construída por meio de uma abordagem descentrada, indisciplinar e desobediente, bem como socialmente situada, ideologicamente estratégica e ecologicamente orientada (Rocha, 2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
).

Nesse prisma, as práticas de sala de aula podem, por conseguinte, organizar-se estrategicamente para potencializar as possibilidades de manifestações translíngues, a partir de um conjunto diverso e multifacetado de agenciamentos, entre os quais podemos citar:

  1. A promoção de acesso crítico e criativo dos alunos a um potente e diverso acervo de recursos, de experiências e práticas de linguagens e letramentos, sob enfoques plurais; descentralizadas e democratizadoras.

  2. O reconhecimento e a validação de recursos e repertórios (multissemióticos, multissensoriais, linguísticos e culturais) marginalizados e, a partir disso, o fortalecimento de uma sensibilidade de mundo ampliada, com base em uma disposição empática e solidária.

  3. O desenvolvimento da capacidade de desafiar relações de poder e de pensar e/ou de envolver-se em práticas (situadas), que partam de problemas sociais vinculados às demandas e urgências de uma ampla gama de coletivos, incluindo-se a comunidade escolar, em toda sua heterogeneidade.

  4. O fortalecimento de capacidades que possibilitem ao estudante assumir posições de maior representatividade política, aliado à ampliação de oportunidades de intervenção social.

É importante manter em mente que um ponto fundamental para uma prática transgressiva recai na produção de projetos pedagógicos coletivos, que assumam-se socialmente responsáveis, em uma lógica decolonial, ecologicamente solidária, transdisciplinar, horizontalizada, participatória e colaborativa. Nesse contexto, como bem argumenta Berenblum (2003Berenblum, A. (2003). A invenção da palavra oficial: identidade, língua nacional e escola em tempos de globalização. Autêntica. ), mostra-se urgente re-acreditarmos na educação e na potencialidade de nossas salas de aula promoverem a recuperação de memória silenciada desde muitos e muitos anos.

A prática educativa translíngue pode, portanto, ser compreendida como um exercício de tradução (cultural), em seu sentido amplo, que atenda, sob uma égide libertária e transformadora, às urgências das comunidades e dos coletivos sociais.

5. Apontamentos finais: translinguagem como possibilidade para decolonizar a educação

A educação linguística, segundo García (2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
), tem historicamente servido como um meio de perpetuar os processos de minoritarização, racialização e colonização. O enfrentamento do pensamento colonizador e das práticas opressoras que estruturam as relações em uma sociedade rendida à subalternização é um movimento extremamente complexo. Como argumentam Bernardino-Costa, Maldonato-Torres e Grosfoguel (2020Bernardino-Costa, J., Maldonato-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2020). Introdução: decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. In J. Bernardino-costa, N. Maldonato-torres, & R. Grosfoguel (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico (pp. 9-26). Autêntica. ), há todo um conjunto de momentos, ações, eventos e movimentos que recebe a denominação decolonial por desafiar as lógicas que têm sido impostas pelo projeto modernidade/colonialidade desde o século XVI e, assim, por representarem formas de resistência política e epistêmica diante de sistemas hegemônicos.

O potencial decolonial de uma prática educativa advém, conforme discutido em Lima (2013Lima, J. G. S. A. (2013). O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/ view/4309 >. Acesso em: 16 jul. 2019.
https://periodicos.ufrn.br/interlegere/a...
, p. 214), de sua força no sentido de promover rupturas em relação “à produção monocultural da mente, à violência epistêmica e à produção simbólica da inferioridade”. Para discutir os fundamentos de uma educação nessas bases, o referido autor apoia-se nos trabalhos de Shiva (2003Shiva, V. (2003). Monoculturas da Mente: perspectiva da biodiversidade e da biotecnologia. Gaia.), Santos (2008Santos, B. de S. (2008). A gramática do tempo: para uma nova cultura política. v. 4. 2. ed. Cortez. (Coleção para um novo senso comum).), Spivak (2010Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Editora UFMG.) e Germano (2008Germano, J. W. (2008). A produção simbólica da inferioridade. In W. N. B. Coelho et al. (Org.). Cultura e Educação: reflexões para a prática docente. EDUFP.), e defende a estreita ligação entre os postulados freireanos e a postura pós-colonial.

Segundo Queiroz (2020Queiroz, L. (2020). Decolonialidade e concepções de língua: uma crítica linguística e educacional. Pontes.), a decolonialidade pode oferecer condições para a produção de uma potente crítica linguística e educacional em um mundo marcado por desigualdades profundas e por violências (simbólicas) avassaladoras. Embasado em Mignolo (2010Mignolo, W. (2010). Desobediência epistémica: retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Ediciones del signo.) e Walsh (2013Walsh, C. (Ed). (2013). Pedagogias decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Ediciones Abya-Yala.; 2017Walsh, C. (2017). Gritos, grietas y siembras de vida: entrejeres de lo pedagógico y lo decolonial. In C. Walsh (Ed). Pedagogias decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo II. Ediciones Abya-Yala.), o autor defende a construção de um pensamento decolonial que desafie as concepções de línguas inventadas em uma sociedade estruturada com base na matriz colonial de poder e que, assim, viabilize a realização de pedagogias decoloniais. Nesse horizonte, como defende García (2020, s/p), as práticas educativas translíngues, em uma perspectiva decolonial, oportunizam a emergência de outras lógicas de existência e de construção de saber, uma vez que nos incitam a “desaprender, para que possamos reaprender em uma nova maneira”.

A translinguagem, nessa linha, não pode ser compreendida apenas como uma pedagogia pela qual uma língua nomeada pode servir de amparo ou suporte na aprendizagem de certos tipos de falares impostos pelas classes dominantes. A prática translíngue é uma maneira de possibilitar que comunidades linguística, cultural e socialmente oprimidas e minoritarizadas finalmente encontrem forças para se enxergarem e se ouvirem como eles realmente são, como pessoas que têm o direito inequívoco às suas práticas de linguagens, às suas histórias e repertórios, sem o peso do julgamento e imposições cruéis de um grupo que se entende como sujeitos brancos, monolíngues e detentores dos conhecimentos válidos nesse mundo - o caminho é o movimento de e para a reconstrução de novas realidades linguísticas e de outros mundos ou modos de existência (García, 2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
).

Nessa vertente, a translinguagem é uma abordagem (linguística, educativa e pedagógica) que rompe com o pensamento autoritário, a fim de criar condições favoráveis à emergência de movimentos não-hegemônicos, ou seja, à presença de “alternativas frente ao parâmetro hegemônico de pensar, de sentir e de viver a realidade” (Lima, 2013Lima, J. G. S. A. (2013). O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/ view/4309 >. Acesso em: 16 jul. 2019.
https://periodicos.ufrn.br/interlegere/a...
, p. 205). Associamos, desse modo, a translinguagem a possibilidades de ampliação do mundo e de dilatação do presente, como postula Santos (2002Santos, B. de S. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, out. 2002, 237-280.) ao designar a sociologia das ausências. Para o autor (2002, p. 246), as ausências são “fragmentos da experiência social não socializados pela totalidade metonímica”. Sousa Santos exemplifica esse conceito ao questionar:

O que é que existe no Sul que escapa à dicotomia Norte? Sul? O que é que existe na medicina tradicional que escapa à dicotomia medicina moderna/medicina tradicional? O que é que existe na mulher que é independente da sua relação com o homem? É possível ver o que é subalterno sem olhar à relação de subalternidade? (Santos, 2002Santos, B. de S. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, out. 2002, 237-280., p. 246).

De acordo com o autor, o objetivo da sociologia das ausências “é transformar objetos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças”. Compreendemos, portanto, a translinguagem como uma possibilidade de enfrentarmos e desafiarmos as políticas de não-existência e seus modos de produção. Trabalhar para que essas ausências se transformem em presenças implica considerar formas alternativas às práticas hegemônicas. Nessa direção, a translinguagem passa a ter o potencial de criar condições de ampliação “das experiências credíveis existentes” e, consequentemente, é ela própria uma alternativa epistemológica, necessariamente transgressiva, às relações coloniais as quais estamos subjugados (Santos, 2002Santos, B. de S. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, out. 2002, 237-280., p. 246).

Conforme discutido em Rocha (2019Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350...
), ao acatarem as noções propostas por Mignolo (2000Mignolo, W. (2000). Local histories/Global designs: Coloniality, global knowledges, and border thinking. Princeton University press. ) de pensamento fronteiriço e de paradigma outro, Ríos e Seltzer (2017Ríos, C. V., & Seltzer, K. (2017). Translanguaging, coloniality, and English classrooms: An exploration of two bicoastal urban classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, 55-76.) buscam criar espaços translíngues (Wei, 2011Wei, Li. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, 1222-1235. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/1171773/Moment_analysis_and_translanguaging_space . Acesso em 14 jun. 2021.
https://www.academia.edu/1171773/Moment_...
; García; Wei, 2014García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.) nas salas de aula. Nesse enfoque, as autoras procuram viabilizar modos alternativos de tratar as línguas/linguagens e o conhecimento, em uma tentativa de “desinventar” o inglês nos contextos em que essa língua impõe seu caráter hegemônico e perpetua narrativas coloniais (Ríos & Seltzer, 2017Ríos, C. V., & Seltzer, K. (2017). Translanguaging, coloniality, and English classrooms: An exploration of two bicoastal urban classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, 55-76.). Em suas reflexões, Ríos e Seltzer (2017Ríos, C. V., & Seltzer, K. (2017). Translanguaging, coloniality, and English classrooms: An exploration of two bicoastal urban classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, 55-76.) argumentam que a orientação translíngue pode efetivamente contribuir para o desenvolvimento da consciência metalinguística e para a reflexão crítica acerca das identidades linguístico-culturais dos estudantes, ao mesmo tempo em que promove rupturas diante de ideologias colonialistas. Nesse viés, a translinguagem, como prática e como pedagogia, apresenta um forte potencial de permitir a emergência e o reconhecimento de modos subalternizados de ser e dizer na sociedade moderna e colonial (García, Flores & Woodley, 2012García, O., Flores, N., & Woodely, H. (2012). Transgressing monolingualism and bilingual dualities: Translanguaging pedagogies. In A. Yiakoumetti (Ed.), Harnessing linguistic variation to improve education (pp. 45-75). Lang.) e podem auxiliar abordagens transformativas, no que diz respeito ao jogo de poder nos quais as línguas nomeadas e a linguagem encontram-se circunscritas, nos mais diversos contextos sociais.

Retomando nossa proposta com este artigo, primeiramente, ampliamos a noção de translinguagem a qual alinhamos à ideia de prática translíngue para, por fim, concebê-la como possibilidade para decolonizar a educação linguística contemporânea. Ao argumentarmos em favor do potencial da translinguagem em colaborar para a decolonização da educação linguística e, portanto, para a reinvenção de realidades (García, 2020bGarcía, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
http://minnetesoljournal.org/journal-arc...
), reconhecemos a fragilidade de qualquer pensamento ou orientação no sentido de, por si só, resolver os problemas sociais e os dramas humanos. São necessárias, e sempre urgentes, políticas públicas que primem pela transformação radical e pela justiça e equidade sociais, para que, assim, garantam oportunidades e a dignidade para todas as pessoas. A nós, cabe uma postura sempre alerta, a fim de denunciar o que oprime e, coletiva e comunalmente, anunciar possibilidades de transformação radical. Cabe-nos, também, entre tantas outras urgências, lutar pela educação libertária, porque sem ela pouco ou “nada se faz” (Freire, 2013Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra., p. 234). Junto ao pensamento freireano, buscamos também na translinguagem uma força vital de luta e enfrentamento. Que a prática educativa translíngue possa ser transdisciplinarmente transformativa (Aden & Eschenauer, 2020Aden, J., & Eschenauer, S. (2020). Translanguaging: an enactive-performative approach to language education. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (eds.), Tranlanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (102-117). Multilingual Matters.) e que, da mesma forma, a orientação translíngue possa nos inspirar e, com isso, fortalecer nossas possibilidades de esperançar, ou seja, de expandir e viabilizar nossa necessidade existencial de resistir, de romper e de transformar (Freire, 2013Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra.). A partir de uma escuta corporificada (Keating, 2007Keating, A. L. (2007). Teaching transformation: transcultural classroom dialogues. Palgrave/Macmillan.; Rocha, 2020Rocha, C. H. (2020). “Escute com seu corpo”: o potencial subversivo do afeto em tempos sombrios, Revista X , v. 15, n. 4, 115-125. Disponivel em: <Disponivel em: https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/76202/41649 >. Accesso em 12 Nov. 2020.
https://revistas.ufpr.br/revistax/articl...
), empaticamente interessada e comprometida com os coletivos minoritários e minoritarizados, que sigamos exercitando e incitando o poder da linguagem de (re)criar mundos.

Referências

  • Aden, J., & Eschenauer, S. (2020). Translanguaging: an enactive-performative approach to language education. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (eds.), Tranlanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (102-117). Multilingual Matters.
  • Bakhtin, M. (2004). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de M. Lahud, & Y. F. Vieira. 11. ed. Hucitec. (Trabalho original publicado em 1929).
  • Bakhtin, M. (2015). Teoria do romance I. A estilística / Mikhail Bakhtin. Tradução, prefácio, notas e glossário de Paulo Bezerra. Organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. Editora 34.
  • Bakhtin, M. (2017). Para uma filosofia do ato responsável. [Traducão aos cuidados de Valdemir Miotelo & Carlos Alberto Faraco]. Pedro e João.
  • Becker, A. (1988). Language in Particular: A Lecture. In D. Tannen (ed.), Linguistics in Context (pp. 17-35). Ablex.
  • Becker, A. (1995). Beyond Translation: Essays toward a Modern Philosophy. University of Michigan Press.
  • Bennett, J. (2010). Vibrant matter: A political ecology of things. Duke University Press.
  • Berenblum, A. (2003). A invenção da palavra oficial: identidade, língua nacional e escola em tempos de globalização. Autêntica.
  • Bernardino-Costa, J., Maldonato-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2020). Introdução: decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. In J. Bernardino-costa, N. Maldonato-torres, & R. Grosfoguel (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico (pp. 9-26). Autêntica.
  • Blackledge, A., & Creese, A. (2017). Translanguaging and the body. International Journal of Multilingualism, vol. 14, n. 3, 250-268. Disponível em: Disponível em: https://dspace.stir.ac.uk/retrieve/4cdc24c3-6bcc-4982-9b3c-5b38ff5ba6b1/Blackledge-Creese%202017.pdf Acesso em 14 jun. 2021.
    » https://dspace.stir.ac.uk/retrieve/4cdc24c3-6bcc-4982-9b3c-5b38ff5ba6b1/Blackledge-Creese%202017.pdf
  • Blackledge, A., Creese, A., & Takhi, J. K. (2014). Language, superdiversity and education. In S. May (Ed.), The multilingual turn: implications for SLA, TESOL and bilingual education (pp. 59-80). Routledge.
  • Blackledge, A., Creese, A., & Hu, R. (2016). Protean heritage, everyday superdiversity. Working Papers in Translanguaging and Translation (WP. 13).
  • Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual. Current Challenges for Educational Studies. In I. Saint-georges, & J-J, Weber (Eds.), Multilingualism and Multimodality (pp. 11-32). Sense.
  • Blommaert, J., & Rampton, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, v.13, n.2. Disponível em: <Disponível em: http://www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art1 >. Acesso em: 17 jul 2018.
    » http://www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art1
  • Busch, B. (2012). The Linguistic Repertoire Revisited. Applied Linguistics, v. 33, n. 5, 503-523. Disponível em: Disponível em: https://www.heteroglossia.net/fileadmin/user_upload/publication/2012-Busch-Applied_Ling.pdf . Acesso em 15 jun. 2021.
    » https://www.heteroglossia.net/fileadmin/user_upload/publication/2012-Busch-Applied_Ling.pdf
  • Canagarajah, S. (2013). Translingual practice: Global Englishes and cosmopolitan relations. Routledge.
  • Canagarajah, S. (2017a). Translingual practices and neoliberal policies: attitudes and strategies of African skilled migrants in Anglophone workplaces. Springer. Kindle edition
  • Canagarajah, S. (2017b). Translingual Practice as Spatial Repertoires: Expanding the Paradigm beyond Structuralist Orientations. Applied Linguistics, 1-25. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1093/applin/amx041 >. Accesso em: 10 nov. 2019.
    » https://doi.org/10.1093/applin/amx041
  • Cavalcanti, M. C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L. P. Moita Lopes (org.), Linguística aplicada na modernidade recente (pp. 211-226). Parábola.
  • Chun, C. W. (2017). The discourses of capitalism: everyday economists and the production of common sense. Routledge.
  • Deleuze, G. (2013). Controle e Devir. In G. Deleuze. Conversações (pp. 213-222). 3. ed. Trad. Peter Pál Pelbart. Editora 34.
  • Fraser, N. (2008). Scales of justice reimagining political space in a globalized world. Polity Press.
  • Freire, P. (1976). Educação como prática da liberdade. 6. ed. Paz e Terra.
  • Freire, P. (2004 [1996]). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra.
  • Freire, P. (2013[1995]). Pedagogia da tolerância. 2. ed. Paz e Terra.
  • Freire, P. (2014 [1992]). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 21. ed. Paz e Terra.
  • Gallo, S. (2013). Deleuze & a educação. Autêntica.
  • García, O. (2009). Bilingual education in the 21st century: A global perspective. Wiley-Blackwell.
  • García, O. (2020a). Foreword: co-labor and re-performances. In E. Moore, J. Bradley, & J. Simpson (Eds.), Translanguaging as transformation: the collaborative construction of new linguistic realities (pp. xvii-xxii). Multilingual Matters.
  • García, O. (2020b). The education of Latinxs bilingual children in times of isolation: unlearning and relearning. Minne TESOL Journal, vol. 36, n. 1. Disponível em: Disponível em: http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/ . Acesso em 18 jun. 2021.
    » http://minnetesoljournal.org/journal-archive/mtj-2020-1/the-education-of-latinx-bilingual-children-in-times-of-isolation-unlearning-and-relearning/
  • García, O., & Wei, L. (2014). Translanguaging: language, bilingualism, and education. Palgrave Macmillan.
  • García, O., Johnson, S. I., & Seltzer, K. (2017). The translanguaging classroom: leveraging student bilingualism for learning. Caslon.
  • García, O., Flores, N., & Woodely, H. (2012). Transgressing monolingualism and bilingual dualities: Translanguaging pedagogies. In A. Yiakoumetti (Ed.), Harnessing linguistic variation to improve education (pp. 45-75). Lang.
  • García, O., & Alvis, J. (2019). The decoloniality of language and translanguaging: Latinx knowledge-production. Journal of Postcolonial Linguistics, 1, 26-40. Disponível em: Disponível em: https://iacpl.net/journal-of-postcolonial-linguistics-12019/the-decoloniality-of-language-and-translanguaging-latinx-knowledge-production/ . Acesso em 18 jun. 2021.
    » https://iacpl.net/journal-of-postcolonial-linguistics-12019/the-decoloniality-of-language-and-translanguaging-latinx-knowledge-production/
  • Gardiner, M. (2010). O carnaval de Bakhtin: a utopia como crítica. In A. P. G. Ribeiro, & I. Sacramento (Orgs.). Mikhail Bakhtin: linguagem, cultura e mídia (pp. 211-256). Pedro e João.
  • Germano, J. W. (2008). A produção simbólica da inferioridade. In W. N. B. Coelho et al. (Org.). Cultura e Educação: reflexões para a prática docente. EDUFP.
  • Grosfoguel, R. (2007). The Epistemic decolonial turn. Beyond political-economy paradigms. Cultural Studies, vol. 21, n. 2-3, 211-223.
  • Grosfoguel, R. (2009). Presentación: Teoria Crítica Decolonial. In R. Grosfoguel, & J. R. Lossaco (orgs.), Pensar Decolonial. Fondo Editorial la urbana.
  • Han, B.-C. (2017). Sociedade do Cansaço. Vozes.
  • Heller, M. (ed.). (2007). Bilingualism: A social approach. Palgrave Macmillan.
  • Jørgensen, N., Karrebæk, M., Madsen, L., & Møller, J. (2011). Polylanguaging in superdiversity. Diversities, 13, 24-37.
  • Keating, A. L. (2007). Teaching transformation: transcultural classroom dialogues. Palgrave/Macmillan.
  • Liberali, F. (2020). Construir o inédito viável em meio a crise do coronavírus - lições que aprendemos, vivemos e propomos. In F. C. Liberali, V. P. Fuga, U. C. C. Diegues, & M. P. Carvalho (Orgs.), Brincando em tempos de pandemia: brincando com um mundo possível (pp. 13-21). Pontes.
  • Liberali, F., & Swanwick, R. (2020). Translanguaging as a tool for decolonizing interactions in a space for confronting inequalities, D.E.L.T.A., v. 36, n. 3, 1-26. Disponível em: < Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502020000300401&lng=en&nrm=iso > . Acesso em: 10 Nov. 2020.
    » https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502020000300401&lng=en&nrm=iso
  • Lima, J. G. S. A. (2013). O pós-colonialismo e a pedagogia de Paulo Freire. Revista Inter-Legere, v. 1, n. 11. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/ view/4309 >. Acesso em: 16 jul. 2019.
    » https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/ view/4309
  • Lu, M.-Z., & Horner, B. (2013). Translingual literacy and matters of agency. In S. Canagarajah. Literacy as translingual practice: between communities and classrooms (pp. 26-35). Routledge.
  • Maciel, R. F., & Rocha, C. H. (2020). Dialogues on translingual research and practice: weaving threads with Suresh Canagarajah’s views. REVISTA X, v.15, n.1, 07-31. Disponível em Disponível em https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/71807 Acesso em 04 nov., 2020.
    » https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/71807
  • Makalela, L. (2015). Translanguaging as a vehicle of epistemic access: cases for reading comprehension and multilingual interactions. Per Linguam, v. 31, n. 1, 15-29.
  • Makoni, S., & Pennycook, A. (2007). Disinventing and reconstituting languages. In S. Makoni, & A. Pennycook (eds.), Disinventing and reconstituting languages (pp. 1-41). Multilingual Matters.
  • Makoni, S., Pennycook, A. (eds.). (2007). Disinventing and reconstituting languages. Multilingual Matters.
  • Mazak, C. M. (2017). Introduction: theorizing translanguaging practices in higher education. In C. M. Makak, & K. S. Carroll (Eds.), Translanguaging in Higher Education: beyond monolingual ideologies. Multilingual Matters, Kindle Edition.
  • Mazzaferro, G. (2018). Translanguaging as everyday practice. An introduction. In G. Mazzaferro (ed.), Translanguaging as everyday practice. Springer. Kindle edition.
  • May, S. (Ed.). (2014). The multilingual turn: implications for SLA, TESOL and bilingual education. Routledge.
  • McKinney, C. (2017). Language and Power in post-colonial schooling: ideologies in practice. Routledge.
  • Megale, A., Liberali, F. C. (2020). As implicações do conceito de patrimônio vivencial como uma alternativa para a educação multilíngue, Revista X, v.15, n.1, 55-74. Disponível em: file:///Users/claudiahilsdorfrocha/Downloads/69979-289571-1-PB.pdf. Acesso em 03 de nov. 2020.
  • Mignolo, W. (2000). Local histories/Global designs: Coloniality, global knowledges, and border thinking. Princeton University press.
  • Mignolo, W. (2002). The geopolitics of knowledge and the colonial difference. The South Atlantic Quarterly, vol. 101, n.1, 57-96. Disponível em: Disponível em: http://www.unice.fr/crookall-cours/iup_geopoli/docs/Geopolitics.pdf Acesso em 15 jun. 2021.
    » http://www.unice.fr/crookall-cours/iup_geopoli/docs/Geopolitics.pdf
  • Mignolo, W. (2010). Desobediência epistémica: retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Ediciones del signo.
  • Mignolo, W. (2017). Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, vol. 1, n. 1, 12-32. Disponível em: Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645 Acesso em 15 jun. 2021.
    » https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772/645
  • Mills, K. A. (2017). Literacy theories for the digital age: social, critical, multimodal, spatial, material e sensorial lenses. Multilingual Matters.
  • Moraes, M. C. (2015). Transdisciplinaridade, criatividade e educação: fundamentos ontológicos e epistemológicos. Colaboração de Juan Miguel Batalloso Navas. Papirus.
  • Morozov, E. (2018). Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política. UBU.
  • Nascimento, G. (2019). Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo. Letramento.
  • Otheguy, R., García, O., & Reid, W. (2015). Clarifying translanguaging and deconstructing named languages: A perspective from linguistics. Applied Linguistics Review, vol. 6, n. 3, 281-307. Disponível em: Disponível em: https://ofeliagarciadotorg.files.wordpress.com/2011/02/otheguyreidgarcia.pdf Acesso em: 13 jun. 2021. Acesso em 13 jun. 2021.
    » https://ofeliagarciadotorg.files.wordpress.com/2011/02/otheguyreidgarcia.pdf
  • Otsuji, E., & Pennycook, A. (2010). Metrolingualism: fixity, fluidity and language in flux. International Journal of Multilingualism , v.7, n.3, 240-254. Disponível em: <Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/249025313_Metrolingualism_Fixity_Fluidit y_and_Language_in_Flux >. Acesso em: 20 maio 2017.
    » https://www.researchgate.net/publication/249025313_Metrolingualism_Fixity_Fluidit y_and_Language_in_Flux
  • Pennycook, A. (2017). Translanguaging and semiotic assemblages. International Journal of Multilingualism , v. 14, n. 3, 269-282. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1315810 >. Accesso em: 15 jan. 2020.
    » https://doi.org/ 10.1080/14790718.2017.1315810
  • Pennycook, A. (2018a). Posthumanist Applied Linguistics. Routledge, Kindle editon.
  • Pennycook, A. (2018b). Critical Applied Linguistics Commons. In R. F. Maciel et al. (orgs.), Linguística aplicada para além das fronteiras (pp. 37-56). Pontes.
  • Poza, L. (2017). Translanguaging: Definitions, implications, and further needs in burgeoning inquiry. Berkley Review of Education, v. 6, n. 2, 101-128. Disponível em: Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp Access on: 10 nov. 2020.
    » https://escholarship.org/uc/item/8k26h2tp
  • Queiroz, L. (2020). Decolonialidade e concepções de língua: uma crítica linguística e educacional. Pontes.
  • Ríos, C. V., & Seltzer, K. (2017). Translanguaging, coloniality, and English classrooms: An exploration of two bicoastal urban classrooms. Research in the teaching of English, v. 52, n. 1, 55-76.
  • Rocha, C. H. (2019). Educação linguística na liquidez da sociedade do cansaço: o potencial decolonial da perspectiva translíngue, D.E.L.T.A. , v. 35, n. 4, 1-39. Available at: <Available at: https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403 >. Access on: 15 Jan. 2020.
    » https://doi.org/10.1590/1678-460x2019350403
  • Rocha, C. H., Liberali, F., & Megale, A. (2021). Bilinguismo e translinguagem na educação linguística para crianças. In C. H. Rocha, & E. Basso (orgs.), Ensinar e aprender língua estrangeira/língua adicional nas diferentes idades: reflexões para professores e formadores (pp. 25-58). Vol. II. Pontes.
  • Rocha, C. H. (2020). “Escute com seu corpo”: o potencial subversivo do afeto em tempos sombrios, Revista X , v. 15, n. 4, 115-125. Disponivel em: <Disponivel em: https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/76202/41649 >. Accesso em 12 Nov. 2020.
    » https://revistas.ufpr.br/revistax/article/view/76202/41649
  • Rocha, C. H., & Maciel, R. F. (2015). Ensino de língua estrangeira como prática translíngue: articulações com teorias bakhtinianas. D.E.L.T.A. , 31-2, 411-445. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/26388/18933 Acesso em 15 jun. 2021.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/26388/18933
  • Rocha, C. H., & Maciel, R. F. (2019). Multimodalidade, letramentos e translinguagem: Diálogos para a educação linguística contemporânea. In L. Santos, & R. Maciel (Orgs.), Formação e prática docente em língua portuguesa e literatura (pp. 117-144). Pontes.
  • Santos, B. de S. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, out. 2002, 237-280.
  • Santos, B. de S. (2007). Para além do pensamento abissal: das linhas globais e uma ecologias de saberes. Novos Estudos, n. 79, 71-94. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/nec/n79/04.pdf Acesso em 04 nov. 2020.
    » https://www.scielo.br/pdf/nec/n79/04.pdf
  • Santos, B. de S. (2008). A gramática do tempo: para uma nova cultura política. v. 4. 2. ed. Cortez. (Coleção para um novo senso comum).
  • Selinker, L. (1972). Interlanguage. International Review of Applied Linguistics, n. 10, 209-231.
  • Shiva, V. (2003). Monoculturas da Mente: perspectiva da biodiversidade e da biotecnologia. Gaia.
  • Sobral, A. (2009). Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo de Bakhtin. Mercado das Letras.
  • Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Editora UFMG.
  • Souza, A. L. S. (2011). Letramentos de Reexistência - Poesia, grafite, música, dança: Hip Hop. Parábola.
  • Veronelli, G. A. (2016). Sobre la colonialidad del linguaje. Universitas Humanística, n. 81, 33-58. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl Acesso em: 21 jul 2019.
    » http://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.uh81.scdl
  • Volóchinov, V. (2017). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Editora 34.
  • Walsh, C. (Ed). (2013). Pedagogias decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Ediciones Abya-Yala.
  • Walsh, C. (2017). Gritos, grietas y siembras de vida: entrejeres de lo pedagógico y lo decolonial. In C. Walsh (Ed). Pedagogias decoloniales: práticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo II. Ediciones Abya-Yala.
  • Wei, Li. (2011). Moment analysis and translanguaging space: discursive construction of identities by multilingual Chinese youth in Britain. Journal of Pragmatics, n. 43, 1222-1235. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/1171773/Moment_analysis_and_translanguaging_space Acesso em 14 jun. 2021.
    » https://www.academia.edu/1171773/Moment_analysis_and_translanguaging_space
  • Wei, Li. (2018). Translanguaging as a practical theory of language. Applied Linguistics, vol. 39, n.1, 9-3.
  • Wei, Li, & Zhu Hua. (2013). Translanguaging identities and ideologies: Creating transnational space through flexible multilingual practices amongst Chinese university students in the UK, Applied Linguistics, n. 34, 516-35.
  • Yip, J., & García, O. (2018). Translinguagens: recomendações para educadores. Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales IX, 164-177. Disponível em: <Disponível em: https://iberoamericasocial.com/translinguagens-recomendacoes-educadores/ >. Accesso em: 21 Jul. 2019.
    » https://iberoamericasocial.com/translinguagens-recomendacoes-educadores/
  • 3
    A compreensão da translinguagem requer um retorno à noção de que as línguas nomeadas são objetos sociais e não linguísticos (Heller 2007Heller, M. (ed.). (2007). Bilingualism: A social approach. Palgrave Macmillan.; Jørgensen et al. 2011Jørgensen, N., Karrebæk, M., Madsen, L., & Møller, J. (2011). Polylanguaging in superdiversity. Diversities, 13, 24-37.; Makoni e Pennycook, 2010Makoni, S., Pennycook, A. (eds.). (2007). Disinventing and reconstituting languages. Multilingual Matters.). Blommaert e Ramptom (2011Blommaert, J., & Rampton, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, v.13, n.2. Disponível em: <Disponível em: http://www.unesco.org/shs/diversities/vol13/issue2/art1 >. Acesso em: 17 jul 2018.
    http://www.unesco.org/shs/diversities/vo...
    , p. 4) explicam que as línguas nomeadas são construções ideológicas historicamente relacionadas à instauração, no século XIX, dos Estados nacionais. Elas constituíram “um artefato ideológico com poder muito considerável” que foram utilizadas para sustentar o modelo de estado emergente. Nessa direção, uma língua nomeada, segundo Otheguy, García e Reid (2015Otheguy, R., García, O., & Reid, W. (2015). Clarifying translanguaging and deconstructing named languages: A perspective from linguistics. Applied Linguistics Review, vol. 6, n. 3, 281-307. Disponível em: Disponível em: https://ofeliagarciadotorg.files.wordpress.com/2011/02/otheguyreidgarcia.pdf . Acesso em: 13 jun. 2021. Acesso em 13 jun. 2021.
    https://ofeliagarciadotorg.files.wordpre...
    ), é definida pela afiliação social, política e étnica de seus falantes. Os autores explicam que as duas línguas nomeadas de um sujeito bilíngue existem apenas em uma visão externa de seu multilinguismo. Do ponto de vista interno do falante, há apenas seu repertório, que pertence apenas ao falante, não a qualquer língua nomeada) Otheguy, García e Reid, 2015Otheguy, R., García, O., & Reid, W. (2015). Clarifying translanguaging and deconstructing named languages: A perspective from linguistics. Applied Linguistics Review, vol. 6, n. 3, 281-307. Disponível em: Disponível em: https://ofeliagarciadotorg.files.wordpress.com/2011/02/otheguyreidgarcia.pdf . Acesso em: 13 jun. 2021. Acesso em 13 jun. 2021.
    https://ofeliagarciadotorg.files.wordpre...
    ).
  • 4
    Compreendemos, neste estudo, a linguagem, a partir de Bakhtin (2004Bakhtin, M. (2004). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de M. Lahud, & Y. F. Vieira. 11. ed. Hucitec. (Trabalho original publicado em 1929).), como prática social, sempre interacional e não individual, uma vez que estamos em constante processo de construção de sentidos, constituído por vozes que dialogam em um contexto sócio-histórico determinado.
  • 5
    Todas as traduções apresentadas neste texto são livres e de nossa inteira responsabilidade.
  • 6
    A colonialidade do poder é um padrão de dominação e exploração que opera a partir da classificação étnico-racial da população mundial (Grosfoguel, 2009Grosfoguel, R. (2009). Presentación: Teoria Crítica Decolonial. In R. Grosfoguel, & J. R. Lossaco (orgs.), Pensar Decolonial. Fondo Editorial la urbana.). Essa dominação atinge a vida em todas suas dimensões, como, a sexualidade, a autoridade, o mundo do trabalho, a subjetividade e nossa compreensão de conhecimento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2020
  • Aceito
    02 Jun 2021
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP PUC-SP - LAEL, Rua Monte Alegre 984, 4B-02, São Paulo, SP 05014-001, Brasil, Tel.: +55 11 3670-8374 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: delta@pucsp.br