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Heye, J. (org.) (1995) Flores Verbais: uma homenagem lingüística e literária para Eneida do Rego Monteiro Bomfim no seu 70o aniversário

RESENHA

HEYE, J. (org.) (1995) Flores Verbais: uma homenagem lingüística e literária para Eneida do Rego Monteiro Bomfim no seu 70o aniversário. Rio de Janeiro: Editora 34 - Associada à Editora Nova Fronteira, 414 p.

Resenhado por: Maria Eugênia Lamoglia Duarte

(Universidade Federal do Rio de janeiro)

Key Words: Portuguese Language; Linguistics; Portuguese Literature.

Palavras-Chave: Língua Portuguesa; Lingüística; Literatura Portuguesa.

Se preparar uma edição temática não é tarefa simples, imagine-se a preparação de uma edição dedicada a uma ilustre lingüista, professora e pesquisadora, que conta com um sem-número de seguidores e admiradores entre alunos, ex-alunos e colaboradores, todos desejosos de homenageá-la através de um trabalho para cuja elaboração ela, sem dúvida, contribuiu, direta ou indiretamente. Essa foi a missão que Jürgen Heye assumiu ao organizar Flores Verbais, cujo subtítulo revela a homegeada - uma homenagem lingüística e literária a Eneida do Rego Monteiro Bomfim, no seu 70o. aniversário - e consiste numa coletânea de trabalhos que cobrem áreas diversas de estudos lingüísticos e literários que se desenvolvem particularmente, mas não somente, na área do Rio de Janeiro.

O volume conta com uma apresentação feita pelo organizador, seguida de um perfil biográfico elaborado por Cristina Bomfim e 30 artigos - 23 sobre língua portuguesa e lingüística e 7 sobre literatura portuguesa. Embora os textos não se encontrem reunidos por área de conhecimento ou tema tratado - o que seria de fato complicado, dada a variedade de tópicos abordados - o leitor poderá ver revisitados, em alguns deles, antigos temas sempre discutidos na descrição do português, como a questão do complemento nominal (Meyer), o estatuto das palavras denotativas (Gonçalves Pereira), além de uma hipótese sobre conectivos subordinativos (Sena). Ainda nesse terreno, perseguindo a trilha do trabalho da homenageada sobre advérbios, Dias revê as locuções prepositivas, no âmbito da semântica conceitual, Lobato discute advérbios e sintagmas adverbiais, preposições e sintagmas preposicionais, dentro do quadro teórico da gramática gerativa, enquanto Leitão focaliza, sob uma perspectiva funcional-cognitiva, o processo de mudança em direção a uma especialização de formas, empreendido pelas preposições, conjunções e advérbios que codificam as noções de tempo em português, e lança as bases de um projeto de pesquisa.

Os que se interessam particularmente pelo léxico e semântica, encontrarão vários artigos: os resultados do levantamento, realizado por Marques, do léxico de alta freqüência na fala carioca, com base no corpus do Projeto NURC, seguido de uma comparação com a fala portuguesa, a partir das unidades listadas nos Inquéritos de Freqüência do Português Fundamental; um estudo de Melo sobre a formação de palavras em -eiro à luz da hipótese lexicalista; a proposta de Basílio para uma descrição semântica do fenômeno da flutuação substantivo/adjetivo em português; e, num âmbito discursivo, um artigo de Santos sobre os empréstimos estrangeiros em textos sobre cinema, mostrando a dinâmica dos acontecimentos como motivadores de sua busca e abandono. Há ainda um passeio etimológico pelas diversas denominações para "carnaval", oferecido por Bechara, que traz à tona aspectos culturais reveladores de um constante misto de penitência e prazer, pecado e absolvição, inferno e céu, através dos tempos.

O artigo de Cabral Bastos se coloca na interface discurso-gramática, analisando as funções expressiva e modalizadora exercidas pelo adjetivo predicativo no discurso. E na linha discursiva propriamente dita, o livro apresenta o trabalho de Braga sobre a relação entre a escolha das variantes "clivadas" usuais no discurso oral carioca e o status informacional do referente. O uso de marcadores em comunicações apresentadas num congresso de lingüística e seu papel de diminuir a distância imposta pela simples leitura, de Dias Pereira, fica no limiar entre o discurso oral e o escrito, enquanto o texto escrito é abordado por Paredes Silva, num trabalho sobre a organização tópica em cartas pessoais, realizado sob uma perspectiva funcionalista. Oliveira focaliza atos de fala diretivos em cartas empresariais de pedidos e a forma pela qual se neutraliza seu possível teor de imposição.

Outras áreas de estudo são ainda visitadas. Mollica representa a linha de pesquisa sociolingüística com os resultados de um trabalho que ratifica o efeito de fatores estruturais e sociais na percepção e avaliação de variáveis já estudadas. Marcondes oferece um panorama do percurso dos estudos relativos à linguagem e Elia traça a trajetória da ortografia portuguesa, com o objetivo de discutir a questão do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, buscando as razões das insatisfações lá e cá e argumentando a favor de sua implementação. Pacheco também discute a questão ortográfica, mas com objetivos pedagógicos, alertando para a importância de tratar a aprendizagem da ortografia numa base conceitual/cognitiva. A mesma preocupação com o ensino está presente no artigo de Travaglia, que apresenta uma proposta de ensino integrado da leitura, redação e gramática, com o objetivo de desenvolver a competência comunicativa do aluno.

A questão da legitimidade da norma e os caminhos encontrados por nossos primeiros gramáticos na sua adoção é o tema do artigo de Quental. A hipótese de haver uma proposta de uma base universal para todas as línguas num manual sobre a língua de Angola, escrito por um Jesuíta na Bahia e publicado em Lisboa em 1697, é levantada por Rosa.

Finalmente, o livro traz uma seção de trabalhos voltados para a literatura. Caputo Gomes trata dos rumos e tendências da poesia africana de língua portuguesa e Scliar-Cabral relata os fundamentos da tradução literária do cancioneiro sefardita, que vem realizando para o português. Dois trabalhos tratam da obra de Gil Vicente: o de Pereira de Souza, que investiga os mistérios de Maria e Mofina na peça Os Mistérios da Virgem, mais conhecida como Auto da Mofina Mendes; e o de Maia, que analisa personagens femininas nos autos vicentinos, entre as quais encontramos a mesma Mofina Mendes e Inês Pereira. As cartas de Mariana Alcoforado, desvendando uma emocionante história de amor proibido, são analisadas por Demétrio dos Santos. O último visitado, fonte inesgotável de inspiração, é Fernando Pessoa. Numa visita inusitada, Rector busca no Pessoa prosador a feição e a identidade portuguesas. Numa visita habitual, mas sempre bem-vinda porque cheia de novas reflexões, Berardinelli retorna à sua tese de livre docência - Poesia e Poética de Fernando Pessoa - e apresenta argumentos para sua afirmação de então sobre o que constitui o cerne do poeta: "sua febre de Além".

Como se vê, trata-se de obra um tanto eclética, e não poderia ser de outra forma, se se tem em mente o seu propósito. Longe de constituir uma restrição, tal ecletismo é, antes de tudo, revelador do amplo desenvolvimento da pesquisa lingüística e literária entre nós, o que deve ter deixado feliz e orgulhosa a homenageada. Ao leitor, iniciante ou não, cabe colher nesse jardim a flor que mais lhe interessar no momento ou, talvez, aproveitar a oportunidade para experimentar novos perfumes.

(Recebido em 20/12/96. Aprovado em 09/06/97)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 1998
  • Data do Fascículo
    Fev 1998
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