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Pragmatics: an introduction

MEY, Jabob L. Pragmatics: An Introduction. 2ª. Ed. Mass., EUA e Oxford, Reino Unido: Blackwell Publishers. 2001. ISBN 0-631-21131-4 (capa dura), ISBN 0-631-21132-2 (brochura). xiv + 392.

Resenhado por: Kanavillil RAJAGOPALAN

(Universidade Estadual de Campinas)

Este é a segunda edição de um livro que já foi um grande sucesso editorial. Na qualidade de editor da revista Journal of Pragmatics, desde seu início em 1977, Jacob Mey é um dos pioneiros dessa sub-área da lingüística e responsável pelo crescente reconhecimento da importância desse campo do saber. A presente edição traz uma série de acréscimos, revisões e esclarecimentos. O resultado mais visível é que a nova edição ficou umas 40-50 páginas mais gorda e ninguém deve reclamar dos quilinhos extras. Ou seja, trata-se de um livro novo em muitos sentidos, embora em termos de concepção geral e organização se mantenha fiel ao seu antecessor, publicado em 1993 pela mesma editora.

A nova edição também traz, na forma de um epílogo, uma nota de esclarecimento sobre a razão da escolha de uma pintura pouco conhecida como parte da diagramação da capa da primeira edição e mantida na segunda. A pintura, intitulada "Pegwell Bay", é de um artista inglês chamado William Dyce, um ilustre desconhecido da segunda metade do século XIX, e tem como sub-título "Uma recordação do dia 5 de outubro de 1858". Retrata uma baía no sul da Inglaterra, com um penhasco no fundo e algumas pessoas locais caminhando nas areia, aproveitando o que restava do sol, apanhando conchas, e assim por diante. Mey confessa que começou a se interessar pela pintura por um acidente. Em 1986, quando passava uns dias em Londres, cheio de idéias sobre questões pragmáticas que iam fazer parte de um livro semelhante que o autor estava escrevendo na época em Dinamarquês (a sua língua materna), teve contato com a romance The Bird of Night, de uma autora inglesa chamada Susan Hill. O protagonista da romance era um poeta avoado que, de vez em quando, largava tudo para entrar na Tate Gallery com o único motivo de contemplar a pintura por horas a fio. Ao avistar a pintura pela primeira vez numa vista à Tate, Mey diz ter ficado perplexo após verificar o extremo cuidado do pintor com todos os detalhes, deixando nada para a imaginação do espectador ¾ tornando assim um verdadeiro mistério a curiosidade insaciável do poeta por um objeto tão inexpressivo.

Mey descobre que a chave para desvendar o mistério está no próprio sub-título da pintura, pois a data mencionada tem uma importância astronômica. Foi justamente naquele dia que boa parte do sul da Inglaterra pôde ver a olho nu a passagem de um certo cometa conhecido como Donati. Aparentemente, as pessoas estavam ali para testemunhar o fenômeno. Porém, para a surpresa de Mey, nenhuma das pessoas, com exceção de uma única, estava de fato prestando atenção à passagem do cometa, visível mesmo na luz do dia, isto é, para aqueles que estavam dispostos a apreciar sua beleza. Ou seja, as pessoas retratadas na pintura pareciam estar de fato muito mais interessadas em suas próprias vidas do que qualquer outra coisa.

Mas a relação entre a pintura e o livro de Mey se revela ainda mais emaranhada. Para complicar as coisas ainda mais, diz Mey, as primeiras tiragens do livro apresentaram um outro fator complicador. O artista que fez o "layout" da capa ¾ que aparentemente não se preocupou em saber do que se tratava ¾ omitiu parte da pintura, a parte que justamente mostrava o cometa de passagem e o único homem que estava apreciando a passagem do corpo celeste. O erro só foi descoberto muito mais tarde porque, segundo Mey, ele mesmo estava tão acostumado com pintura a ponto de não mais estranhar o fato de as pessoas não estarem olhando para um cometa tornado invisível (graças ao artista que desenhou a capa). Ao refletir sobre todo isso, Mey lança mão da hipótese de que talvez haja uma interessante alegoria em todo esse episódio envolvendo a reprodução da pintura. Para Mey, a pintura retrata a condição da lingüística após a entrada em cena da pragmática. Da mesma forma que as pessoas comuns que se encontravam naquele local mostrado na pintura não davam a devida importância ao acontecimento espetacular em curso, uma parcela significativa dos lingüistas de hoje, segundo Mey, ainda não se deu conta de que há no horizonte uma nova estrela em ascensão e que essa estrela se chama 'pragmática". A única pessoa que de fato notou a presença, assim como o próprio cometa, foi deixada fora pelo artista que fez a capa. Para Mey, trata-se de uma outra alegoria que fala da condição do pragmatista no começo, isto é, antes da consolidação da subárea.

Como se vê, Mey não esconde seu espírito de proselitismo. Embora, como em toda alegoria, nem todos pontos de semelhança possam ser ativados com igual proveito (alguns, por exemplo, vão de encontro ao efeito desejado: como é o detalhe incômodo de que o aparecimento de um cometa é um fenômeno passageiro, algo sem dúvida sensacional, porém efêmero), a intenção do Mey é inconfundível. Para ele, a pragmática está aí para compensar uma certa falha na forma como as investigações no campo da Lingüística têm sido conduzidas ao longo do tempo.

O livro de Mey é ao mesmo tempo um livro introdutório com a finalidade de propiciar ao leitor uma visão panorâmica do campo e um convite para repensar a forma como a linguagem tem sido trabalhada historicamente. É preciso, segundo o autor, que a pesquisa pragmática seja conduzida com um espírito crítico. Ou seja, a pragmática não pode ser pensada como simplesmente como mais um componente para, como ainda acreditam muitos, cuidar das sobras dos outros componentes da teoria lingüística. Em suas próprias palavras:

A palavra 'crítica' é freqüentemente usada para designar uma postura refletiva e examinadora em relação aos fenômenos de vida. Na tradição das ciências sociais, o termo foi introduzido pela Escola de Frankfurt na década de 1930 (Horkheimer, Adorno, Benjamin) e seus herdeiros pós-Guerra, os 'neo-Frankfurtianos', entre os quais Jürgen Habermas seja talvez o mais bem conhecido. O que une todos esses pensadores é que todos eles examinam a vida social, enfim a própria sociedade, a partir de uma perspectiva que eu chamaria 'subjetividade refletida'. Eles não acreditam em 'fatos nus' de qualquer ciência, sobretudo quando a ciência em questão lida com os seres humanos. O ponto de vista do observador, e os seus interesses em observar o que quer que seja, têm de ser levados em conta. (p. 315)

O próprio Mey tem sido um dos primeiros a reivindicar para a pragmática um papel mais atuante, politicamente compromissado e eticamente responsável (cf. Mey, 1985). E, neste livro, ele declara suas afinidades com a corrente inglesa dentro da análise de discurso, representada pelos grupos de pesquisadores das universidades de East Anglia (Roger Fowler e outros) e de Lancaster (Norman Faircough e seu grupo). Para esses e outros pesquisadores, o trabalho do pesquisador não pode simplesmente estar restrito a uma constatação dos fatos e sua minuciosa descrição ¾ mesmo porque acreditar em 'fatos nus', prontos para serem revestidos de uma descrição neutra, é acreditar que haja duendes dançando em círculos no quintal da casa. Não há como se esquivar da importante questão da relevância social e utilidade concreta da pesquisa que fazemos, sob pena de transformar os nossos esforços em mero exercício mental a fim de solucionar quebra-cabeças criados pelas nossas próprias teorias inconseqüentes.

O crescente interesse pela pragmática enquanto uma ciência da linguagem orientada para seus usuários naturalmente nos leva a pergunta: de que forma a pragmática será útil aos usuários? Em particular, posto que uma parcela significativa dos usuários de qualquer língua se encontra em situação desvantajosa em relação à língua e está nessa condição devido à sua posição desvantajosa na sociedade, um olhar mais profundo para as causas da marginalização social pode despertar uma visão nova do papel da linguagem em processos sociais; e. inversamente, uma consciência renovada da linguagem enquanto um dos fatores responsáveis pelas desigualdades sociais pode nos conduzir um uso mais libertador, mais emancipatório, da linguagem. (p. 310)

A organização do livro em sua segunda edição, como já disse, mantém-se fiel à da primeira edição. Os capítulos são agrupados em três partes: Noções básicas (Parte 1), Micropragmática (Parte 2), e Macropragmática (Parte 3). Os 14 capítulos que compunham o livro em sua primeira edição foram redestribuídos em 11 que ganharam sub-capítulos e, em alguns casos, sub-divisões dentro desses sub-capítulos.

A Parte 1 consiste de dois capítulos: Definição da Pragmática e Alguns temas da Pragmática. Em rápidas pinceladas, Mey traça a história e as origens do pensamento pragmático, destacando alguns temas centrais, como a questão do pressuposto lingüístico, que são reivindicados como pragmáticos por excelência, seguindo uma tradição já consagrada (Rajagopalan, no prelo).

A Parte 2 é composta por 4 capítulos: 'Contexto, implicatura, e referência', 'Princípios pragmáticos', 'Atos de fala', e "Análise conversacional'. Mey sintetiza os trabalhos feitos nos últimos 20-30 anos, propiciando ao leitor principiante uma visão geral das idéias de Grice, Austin, Searle e outros. Embora de forma leve e não contenciosa (o que não caberia num livro introdutório), Mey também não poupa críticas a tendências que julga mal fadadas. Um exemplo disso é a posição que assume diante do conceito dos 'atos de fala indiretos'. Seguindo um raciocínio singelo, porém pouco explorado na literatura (cf. Rajagopalan, 1984), Mey diz o seguinte:

Começando pela observação de que os atos de fala indiretos (a despeito do seu nome) são em muitos casos os mais comuns, manifestações `diretas' daquilo que conhecemos como a 'força ilocucionária', poder-se-ia perguntar se não seria mais sensato concentrar-se nos aspectos pragmáticos daquela força, ao invés de procurar estabelecer critérios semânticos e sintáticos precisos para cada um dos atos de fala e cada verbo utilizado. (p. 114)

Estranhamente, no entanto, Mey sugere que tal mudança de enfoque nos distanciaria ainda mais do espírito original das indagações austinianas. Há, no entender do presente resenhador, formas de ler Austin que mostrariam que o pensamento de Austin é um tanto vago nesses momentos e que, muitas vezes, tendemos a ler o texto austiniano, com as lentes fornecidas pela intervenção por parte do seu discípulo, John Searle (Rajagopalan, 2000).

De todas as 3 partes do livro, talvez tenha sido a Parte 3 que mais sofreu modificações na segunda edição do livro de Mey. Dos 5 capítulos que compõem a Parte 3, 3 são novos: 'Atos pragmáticos', 'A pragmática literária', e 'A pragmática através das culturas'. No último capítulo intitulado 'Os aspectos sociais da pragmática', Mey discute a importante questão de transformar a pesquisa pragmática em um instrumento de mudanças sociais. Os leitores brasileiros mais interessados em analisar obras literárias com os recursos da pragmática contemporânea vão encontrar uma breve, porém interessante análise do enredo da romance A República dos Sonhos, da escritora brasileira Nélida Piñon.

Um aspecto do livro que merece ser destacado é a seção de exercícios e perguntas abertas no final de cada capítulo (também presente na primeira edição do livro). Através dessas perguntas, o autor convida o leitor a compartilhar com ele a tarefa de levar adiante as questões discutidas em cada um dos capítulos, mostrando, dessa forma, que muitas das questões são ainda abertas a futuras intervenções e passando para o leitor um pouco da sensação da efervescência que sempre foi a marca registrada do campo da pragmática.

Referências Bibliográficas

MEY, J. L. (1985) Whose Language? A Study in Linguistic Pragmatics. Amsterdam: John Benjamins.

RAJAGOPALAN, K. (1984) Posso fazer uma pergunta? Estudos Lingüísticos, IX (Anais do XXVII GEL): 83-87.

¾¾¾¾¾¾ (2000) On Searle [on Austin] on language. Language & Communication, 20.4: 347-391.

¾¾¾¾¾¾ (no prelo) Reference. A sair em P. STRAZNY (org.) Fitzroy-Dearborn Encyclopedia of Linguistics. Chicago: Fitzroy-Dearborn Publishers.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2002
  • Data do Fascículo
    2001
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