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O traficante de animais silvestres no estado de São Paulo: Mitos e verdades de seu contexto socioeconômico

The wild animals trader in the state of São Paulo: Myths and truths about its socioeconomic context

Resumos

O tráfico de animais silvestres é uma das maiores causas de perda de biodiversidade no mundo. Este artigo descritivo, utilizando-se do método hipotético-dedutivo, identificou as normativas do tema e as características socioeconômicas de traficantes de animais silvestres no estado de São Paulo nos anos 2018 e 2019. Após análise de 5.005 casos ocorridos, os traficantes foram identificados como sendo do sexo masculino, brancos, casados, nativos, com idade entre cinquenta e 59 anos, com renda adequada para o pagamento da multa, ensino primário completo e instruído, o que contrapõe as constatações empíricas presentes na literatura mundial, possibilitando a quebra de paradigmas consolidados.

Palavras-chave:
Animais silvestres; características socioeconômicas; comércio ilegal de animais; direito ambiental; traficante de animais


The trafficking of wild animals is one of the biggest causes of loss of biodiversity in the world. This descriptive article, using the hypothetical-deductive method, identified the regulations on the subject and the socioeconomic characteristics of wild animal traders in the state of São Paulo in 2018 and 2019. After analyzing 5,005 cases, the traders were identified as male, white, married, native, aged between fifty and 59 years old, with adequate income to pay the fine, with complete elementary education and educated, which opposes empirical findings present in the world literature, enabling the break of consolidated paradigms.

Keywords:
Wild animals; socioeconomic characteristics; illegal animal trade; environmental law; animal trader


Introdução

Tratando-se de meio ambiente sustentável, ou de sustentabilidade, verifica-se claramente seu caráter multidisciplinar (KATES, 2001KATES, Robert et al. “Sustainability Science”. Science, Washington, DC, vol. 292. n. 5517, pp. 641-642, 2001. Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/292/5517/641. Acesso em: 18 nov. 2021.
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) com base na constatação de que o desenvolvimento não engloba apenas questões econômicas, mas também questões relacionadas às condições de vida, incluindo saúde, educação, expectativa de vida, alcançando o conceito de índice de desenvolvimento humano (IDH), demonstrando que uma questão essencial é a diminuição da pobreza e da concentração de renda (VEIGA, 2005VEIGA, José Eli da. “Como pode ser entendido o desenvolvimento”. In: VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. pp. 17-82.).

Sendo assim, identifica-se a necessidade de implementar uma análise da sustentabilidade sob os pontos de vista social, ambiental e econômico, sabendo que não há uma relação direta entre crescimento - que tem mais um caráter quantitativo do que qualitativo -, verificando-se que é necessário um pensamento de sustentabilidade inter e intrageracional. Ou seja, que tenha uma condição de desenvolvimento para as gerações presentes, e as futuras, em qualidade e quantidades similares às atuais (GOODLAND, 1995GOODLAND, Robert. “The Concept of Environmental Sustainability”. Annual Review of Ecology and Systematics, San Mateo, CA, vol. 26, n. 1, pp. 1-24, 1995.), devendo-se considerar para isso tanto as questões locais quanto as de escala, de aumento da densidade demográfica. E ainda, suas relações entre nascimentos, expectativas de vida e o tamanho da população impactada na utilização de recursos naturais (EHRLICH, 2009EHRLICH, Paul; EHRLICH, Anne. “The Population Bomb Revisited”. The Electronic Journal of Sustainable Development, Brighton, vol. 1, n. 3, pp. 63-71, 2009.; MORAN, 2011MORAN, Emilio Frederico. Meio ambiente e ciências sociais: Interações homem-ambiente e sustentabilidade. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. cap. 2-3.).

O crescimento populacional e o consumo desenfreado de recursos naturais não são sustentados na mesma escala. Considere-se que estes recursos antes eram disponíveis em abundância, e considerando o intenso tráfico de animais silvestres já identificado nos primeiros períodos coloniais do Brasil com o aumento populacional, a oferta já não é mais a mesma. Há também os limites dos ecossistemas, como a biodiversidade, os quais podem estar próximos do colapso, ou seja, quando não é mais possível sua recuperação na mesma velocidade e dimensão em que são consumidos (DIAMOND, 2005DIAMOND, Jared. Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed. London: Penguin, 2005.; STEFFEN, 2015STEFFEN, Will et al. “Planetary Boundaries: Guiding Human Development on a Changing Planet. Science, Washington, DC, vol. 347, n. 6223, 2015. DOI: 10.1126/science.1259855.
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).

Salientando que, tratar a fauna como um recurso natural introduzido no eixo da biodiversidade, é imperioso mencionar que não são só as questões vinculadas ao bem estar animal que se visa indicar, mas também a importância da proteção dos serviços ecossistêmicos realizados por ela, a exemplo das funções de dispersão de sementes, controle de pragas, diversidade genética, movimentação de solo, entre outros que, muitas vezes, não são considerados nas decisões políticas ou em sua precificação, sendo contabilizado para fins de comércio e de valoração ambiental só o espécime, sem considerar os serviços ecossistêmicos desenvolvidos e as externalidades positivas, os quais, sob manutenção adequada, podem melhorar a qualidade ambiental global (DAILY, 1997DAILY, Gretchen Cara (ed.). Nature’s Services. Washington, DC: Island, 1997. cap. 1-2, pp. 1-19.; BRAAT; DE GROOT, 2012BRAAT, Leon. C.; DE GROOT, Rudolf. “The Ecosystem Services Agenda: Bridging the Worlds of Natural Science and Economics, Conservation and Development, and Public and Private Policy”. Ecosystem Services, Amsterdam, vol. 1, n. 1, pp. 4-15, 2012.).

O tráfico mundial de animais silvestres movimenta mais de 20 bilhões de dólares ao ano. Incluído nesse valor tanto os grandes traficantes internacionais quanto os pequenos traficantes locais (BARBER-MEYER, 2010BARBER-MEYER, Shannon M. “Dealing with the Clandestine Nature of Wildlife-Trade Market Surveys”. Conservation Biology, Hoboken, NJ, vol. 24, n 4, pp. 918-923, 2010.). No ranking de tráficos, o de animais silvestres é o terceiro mais praticado no mundo, atrás do de armas, em primeiro lugar, e de drogas, em segundo (DESTRO, 2012DESTRO, Guilherme Fernando Gomes; PIMENTEL, Tatiana Lucena; SABAINI, Raquel Monti; BORGES, Roberto Cabral; BARRETO, Raquel. “Esforços para o combate ao tráfico de animais silvestres no Brasil”. In: Biodiversity. [S. l.: s. n.], 2012. livro 1, cap. 20. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/periodico/esforcosparaocombateaotraficodeanimais.pdf. Acesso em: 15 nov. 2023.
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), o que demonstra o grande interesse econômico que envolve essa atividade ilícita.

Embora ainda não exista definição consolidada na literatura nacional e estrangeira, entende-se por tráfico de animais silvestres todas as ações, direta ou indiretamente, relacionadas com o comércio irregular de animais silvestres, que são aquelas espécies as quais, por características próprias, são consideradas de vida livre, ou seja, que não podem ser mantidas em cativeiro, salvo por autorização do órgão ambiental competente.

Note-se, ao contrário do que acontece em países africanos, como África do Sul, Angola, Botsuana e Moçambique, o tráfico de animais se dá pela procura de partes de animal (como o corno de rinoceronte, o marfim de elefante, e, atualmente, as patas de leão, os quais têm como destino primordial a Ásia). No Brasil, os animais são capturados para serem mantidos vivos e domesticados, sobretudo no estado de São Paulo.

Estudo baseado em entrevistas com 129 pessoas autuadas por tráfico de animais no estado de São Paulo concluiu que o principal motivo desse crime é cultural, e tem aceitação velada da sociedade. Ademais, a facilidade de obter o animal não é um dos fatores predominantes para sua aquisição (SILVA, 2014SILVA, David de Sousa. Identificação dos fatores determinantes para a manutenção ilegal de animais silvestres no estado de São Paulo. 2014. Dissertação (Mestrado Profissional em Ciências Políticas de Segurança e Ordem Pública) - Centro de Altos Estudos de Segurança, São Paulo, 2014.).

Traçar um perfil socioeconômico do traficante de animais silvestres para combater o tráfico é uma ação fundamental para manter o alinhamento com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), em seu objetivo 15, meta 7, que diz serem necessárias “medidas urgentes para acabar com a caça ilegal e o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas” (ONU, 2015ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “Agenda 30”. Nações Unidas, Brasil, 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 20 jul. 2021.
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).

O traficante surge como um ator indesejado, embora elementar na cadeia do tráfico, por estar envolvido em todas as etapas do crime. Conhecer suas características servirá para entender as circunstâncias que facilitarão, ou desestimularão, essa prática. Em alguns casos, o conhecimento poderá se tornar uma peça indispensável para a manutenção desse recurso natural, como ocorre em alguns países africanos, como Botswana, onde os caçadores de animais passaram por cursos de qualificação e receberam propostas de emprego em unidades de conservação, nas quais exercem funções de guarda parques.

Outro ponto essencial e justificador desta pesquisa está na caracterização do traficante de animais silvestres para viabilizar uma ampliação da discussão do tema no âmbito social da sustentabilidade.

Atualmente, não há uma definição de tráfico de animais, o que aparenta não ser um tema essencial, ainda que seja uma das maiores causas de perda de biodiversidade no mundo. De modo subsidiário, este artigo contribuirá para a evolução das legislações nacionais e internacionais, uma vez que poderão trabalhar de forma direcionadas, diminuindo os gastos de recursos e tornando o combate a essa atividade mais efetivo e assertivo.

Dessa forma, o objetivo principal aqui é identificar e descrever as características socioeconômicas do traficante, o responsável direto pela retirada de animais da natureza, bem como pelo transporte e pela manutenção deles em cativeiro.

Visando atender o objetivo deste artigo, estruturaram-se hipóteses, que são “uma expressão verbal suscetível ser declarada verdadeira ou falsa”. As hipóteses podem ser casuísticas, referentes à frequência de acontecimentos e algumas que estabelecem relação de independência ou até mesmo associação entre variáveis, conforme o problema de pesquisa e a metodologia adotada na investigação (GIL, 2002GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.).

Cabe salientar que o levantamento de hipóteses é “a proposição testável que pode vir a ser a solução de um problema” (GIL, 2002GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.). Assim, formularam-se hipóteses, descritas no parágrafo seguinte, para serem testadas visando os objetivos desta pesquisa.

Sendo a primeira hipótese que os documentos internacionais relacionados ao tema não conseguem ser efetivos no combate ao tráfico de animais, supondo-se que os traficantes são pessoas de baixa renda e realizam o tráfico para subsistência ou complementação de renda (MCEVOY et al., 2019MCEVOY, John; CONNETTE, Grant; HUANG, Qiongyu; SOE, Paing; PYONE, Khin Htet Htet; VALITUTTO, Marc; HTUN, Yan Lin; LIN, Aung Naing; THANT, Aung Lwin; HTUN, Wai Yan; PAING, Kaung Htet; SWE, Khine Khine; AUNG, Mying; MIN, Sapai; SONGER, Melissa; LEIMGRUBER, Peter. “Two Sides of the Same Coin: Wildmeat Consumption and Illegal Wildlife Trade at the Crossroads of Asia”. Biological Conservation, Amsterdam, vol. 238, 108197, Oct. 2019. DOI: 10.1016/j.biocon.2019.108197. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0006320719307050?via%3Dihub. Acesso em: 15 nov. 2023.
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), e realizam suas ações por desconhecimento da lei ou de seu baixo grau de estudo (CARVALHO, 2013CARVALHO, Antônio César Leite de. Comentários à Lei Penal Ambiental: Parte geral e especial: Artigo por artigo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2013.; COSTA et al., 2018COSTA, Fábio José Viana; RIBEIRO, Renata Esteves; SOUZA, Carla Albuquerque; NAVARRO, Rodrigo Diana. “Espécies de aves traficadas no Brasil: Uma meta-análise com ênfase nas espécies ameaçadas”. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, Anápolis, GO, vol.7. n. 2, pp. 324-346, maio/ago. 2018. DOI: 10.21664/2238-8869.2018v7i2.p324-346. ISSN: 2238-8869.
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; MARQUES; PALLU, 2018MARQUES, Dimas; PALLU, Renato. Em pauta, o tráfico de animais silvestres: A cobertura da Folha de S.Paulo e O Globo (2010-2014). 2018. Dissertação (Mestrado em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.; SILVA, 2014SILVA, David de Sousa. Identificação dos fatores determinantes para a manutenção ilegal de animais silvestres no estado de São Paulo. 2014. Dissertação (Mestrado Profissional em Ciências Políticas de Segurança e Ordem Pública) - Centro de Altos Estudos de Segurança, São Paulo, 2014.; SUGIEDA, 2018SUGIEDA, Angélica Midori. Avaliação da destinação de indivíduos de aves silvestres apreendidas no estado de São Paulo. 2018. Dissertação (Mestrado em Conservação da Fauna) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 2018.). A segunda hipótese diz que as condições socioeconômicas do traficante de animais silvestres diferem das condições socioeconômicas da sociedade.

Metodologia

Para este artigo, utilizou-se o método hipotético-dedutivo, partindo-se de uma problemática conhecida, descrita na introdução, seguindo os requisitos metodológicos rígidos de critérios comprovados (GIL, 2002GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.), e do tipo qualitativa quantitativa por buscar a compreensão das motivações, percepções, valores e interpretações das pessoas, além de procurar extrair novos conhecimentos (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, Maxwell Ferreira. Metodologia científica: Um manual para a realização de pesquisas em administração. Catalão, GO: UFG, 2011. Disponível em: https://adm.catalao.ufg.br/up/567/o/Manual_de_metodologia_cientifica_-_Prof_Maxwell.pdf. Acesso em: 9 jun. 2021.
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).

Área de estudo

Utilizou-se o estado de São Paulo, que tem 248.219,481 km2 de extensão, subdividido em 645 municípios. Segundo o Censo de 2010, a população estimada é de 41.262.199 pessoas, o mais populoso da nação, abrigando cerca de 19,64% dos habitantes de todo o país. Apresenta também o maior IDH: 0,783 (IBGE, 2011IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Informações sobre cidades. Rio de Janeiro: IBGE, 24 maio 2011. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/panorama. Acesso em: 9 fev. 2021.
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).

Levantamento bibliográfico

Realizou-se levantamento bibliográfico acerca do tema, tráfico de animais silvestres na literatura nacional e internacional, e busca de informações sobre legislações, ações, definições e como essa atividade lucrativa é entendida e combatida no Brasil e em outros locais do mundo, em especial no estado de São Paulo.

Para isso, realizaram-se buscas no Banco de Dados Bibliográficos da Universidade de São Paulo (Dedalus), no Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (Sibi), site Scientific Electronic Library Online (SciELO) e no Scopus Preview (Scopus). Em todos esses bancos de dados e nos sites de buscas, utilizou-se as seguintes combinações de palavras nas ferramentas de pesquisa: “tráfico de animais”, “tráfico de fauna”, “comércio de animais”, “comércio de fauna”, “comércio ilegal de animais”, “comércio ilegal de fauna”, “tráfico + animais”, “tráfico + fauna”, “tráfico + animais”, “tráfico + fauna”, “tráfico + animais”, “tráfico + fauna”, “animal trafficking”, “illegal animal trafficking”, “wildlife trafficking”, “illegal wildlife”, salientando que, em todas as buscas, analisaram-se as cinco primeiras listas de resultados por relevância, considerando que, na quinta lista, não foram encontrados informações relevantes, levantamento similar ao realizado por Marques (2018).

Coleta de dados

Com relação à técnica de coleta de dados, empregou-se a do tipo dados secundários por ser de informações coletadas pela Polícia Militar Ambiental (PM Ambiental) em suas apreensões de animais silvestres, e lançadas em seu banco de dados digital, SIOPM WEBAIA, e pela Secretaria de Infraestrutura de Meio Ambiente do estado de São Paulo em suas atas de atendimento ambiental. Entre os tipos de dados secundários, o estudo é baseado em dados secundários do tipo documental por se referirem a documentos de instituições públicas, como formulários, relatórios, atas de reunião, entre outros (SAUNDERS; LEWIS; THORNHILL, 2007SAUNDERS, Mark; LEWIS, Philip; THORNHILL, Adrian. Research Methods for Business Students. 4. ed. Edinburgh: Financial Times Prentice Hall, 2007.). Os documentos-alvo para o desenvolvimento da pesquisa foram os boletins de ocorrência ambiental e as atas de atendimento ambiental dos anos de 2018 e 2019.

A extração de dados do SIOPM WEBAIA permitiu acesso às informações, gerando arquivos de extensão .xls (documento de planilha do Microsoft Excel)

Os dados extraídos foram:

  1. o sexo do autuado;

  2. a idade do autuado;

  3. a profissão do autuado;

  4. a cútis do autuado;

  5. a unidade federativa (UF) de nascimento do autuado;

  6. o estado civil do autuado.

Considerou-se também os dados públicos dos boletins de ocorrência ambientais nos quais houve apreensão de animais silvestres entre 2018 e 2019, os anos em que se iniciou a implantação do sistema eletrônico de preenchimento de ocorrências pela PM Ambiental, e o acesso a essas informações foi autorizado pelo comandante de policiamento ambiental, uma vez que não se fornecem dados sigilosos das pessoas (CPAMB, 2021CPAMB - COMANDO DE POLICIAMENTO AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Banco de Dados SIOPM, 2018-2019. São Paulo: CPAmb, 2021.).

Outras fontes dos dados são as informações públicas do banco de dados das atas dos atendimentos ambientais, as quais não exibem dados pessoais dos participantes e que foram realizadas em 2018 e 2019. Esses documentos contêm as informações de concessão de descontos dos autos de infração ambientais relacionados ao baixo grau de instrução, insuficiência econômica, primariedade, todos devendo ser comprovados no momento do atendimento ambiental, além da informação com relação à reincidência no crime de tráfico de animais.

Processamento dos dados dos boletins de ocorrência

Em posse das informações dos boletins de ocorrência, (1) sexo, (2) estado civil, (3) cútis, (4) UF, (5) idade, (6) profissão e (7) número da ocorrência, elas foram planilhadas em arquivo .xls para que fosse possível a realização de filtros, assim como planilhas dinâmicas para o cruzamento ou especificação dos itens.

Com os dados de “sexo”, identificou-se qual gênero tem maior número em ocorrências de tráfico de animais e sua comparação com os dados nacionais, verificando se há correlação entre essas informações. Com a informação de “estado civil”, identificou-se qual sua distribuição com relação ao tráfico de animais. A “idade” permitiu a gradação da faixa etária distribuída de dez em dez anos e seu percentual correspondente. Quando se analisou o dado “UF”, identificou-se a característica do tráfico com relação à origem dos autuados, se são naturais do estado de São Paulo ou se de outros estados da Federação, e relacioná-los às informações disponíveis de migração nacional. Com a informação autodeclaratória “cútis”, identificou-se qual sua relação com os dados nacionais. Por fim, a informação “profissão” permitiu conhecer se há alguma profissão, ou a ausência dela, como em “desempregado”, na qual esse tipo de ocorrência é mais frequente, visando assim descrever os parâmetros do universo de maneira mais adequada possível (BOLFARINE, 2004BOLFARINE, Heleno; BUSSAB, Wilton de O. Elementos de amostragem. São Paulo: Instituto de Matemática e Estatística (USP), 2004.).

Com o cruzamento dessas informações através da ferramenta tabela dinâmica do Microsoft Excel 2010 (versão 14.0.4760.1000), verificou-se como as variáveis se comportam quando correlacionadas entre elas: “cor” e “estado civil; “sexo” e “estado civil”, “sexo” e “UF de origem”, e outras correlações para auxiliar na caracterização das pessoas vinculadas ao tráfico de animais silvestres.

Processamento das informações das atas de atendimento ambiental

Com base nas informações das atas de atendimento ambiental planilhadas em .xls, contendo as informações “número da ata”, “número do AIA”, “tipo de infração”, “enquadramento legal da infração”, “atenuante de baixo grau de escolaridade”, “atenuante de bons antecedentes ambientais (não reincidente)”, “atenuante em virtude da situação financeira do autuado” e as “agravantes de reincidência genérica e específica”, foi possível, com o apoio do Microsoft Excel 2010 (versão 14.0.4760.1000), identificar quantos atendimentos ambientais se realizaram associados a infrações ambientais com base no artigo 25 da Resolução SMA nº 48/2014 (resolução substituída pela SIMA nº 5/2021), a qual permite a marcação das ocorrências em que houve a apreensão de animais silvestres por ações relacionadas ao tráfico. Para as ações que não sejam por tráfico, utilizam-se outros artigos da lei.

A relação humano-fauna no contexto global em relação ao tráfico de animais

Remontando que o comércio de animais silvestres e a aproximação da relação humano-fauna remetem a tempos remotos, como na Roma Antiga, quando leões e tigres eram trazidos da África e da Ásia para serem utilizados em arenas, como o Coliseu, para o entretenimento da população (MARQUES; PALLU, 2018MARQUES, Dimas; PALLU, Renato. Em pauta, o tráfico de animais silvestres: A cobertura da Folha de S.Paulo e O Globo (2010-2014). 2018. Dissertação (Mestrado em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.), verificamos a dificuldade de identificar quando essa atividade passa a ser uma que necessite de regulamentação ou proteção no âmbito internacional, entendendo essa situação como um problema para a biodiversidade global, e como os países poderiam contribuir para a sua proteção. A partir desse momento, iniciou-se as tratativas internacionais para combater essa atividade, primeiro pela União Internacional para a Conservação da Natureza (International Union for the Conservation of Nature [IUCN]).

União Internacional para a Conservação da Natureza

Em 5 de outubro de 1948, em Fontainebleau, França, fundou-se a IUCN, reconhecida como a primeira união ambiental global, tendo por objetivo “incentivar a cooperação internacional e fornecer conhecimento científico e ferramentas para orientar as ações de conservação”. Os primeiros anos de sua atuação foram de exame dos impactos humanos na natureza, destacando-se o impacto do uso dos pesticidas e a necessidade do uso de avaliações de impacto ambiental (IUCN, 2023IUCN - INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE. “IUCN History”. IUCN, Gland, 2023. Disponível em: https://www.iucn.org/about-iucn/history. Acesso em: 11 dez. 2023.
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).

Em relação à atividade de proteção da fauna, a IUCN foi fundamental em 1964, quando publicou a Lista vermelha de espécies ameaçadas, obra que, com o passar dos anos, se tornou a fonte de dados mais abrangente sobre o risco de extinção das espécies. Atualmente, há mais de 116 mil espécies na Lista vermelha, com mais de 31 mil ameaçadas de extinção: 41% de anfíbios, 34% de coníferas, 33% de corais construtores de recifes, 25% de mamíferos e 14% de aves (IUCN, 2023IUCN - INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE. “IUCN History”. IUCN, Gland, 2023. Disponível em: https://www.iucn.org/about-iucn/history. Acesso em: 11 dez. 2023.
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).

Importante salientar que a IUCN fomenta debates sobre a necessidade da proteção da biodiversidade em convenções internacionais, como a Convenção de Estocolmo, realizada em 1972.

Estocolmo 1972

Embora seja conhecida com a primeira grande conferência mundial de meio ambiente, a Conferência de Estocolmo não teve a proteção da fauna como foco principal - lembrando que ela ocorre durante a Guerra Fria, logo após obras importantes sobre os limites de recursos naturais, como Silent Spring (1962), de Rachel Carson, This Endangered Planet (1971), de Richard Falk, e os ensaios e livros de Garrett Hardin, “The Tragedy of Commons” (1968) e Exploring New Ethics for Survival (1972), reforçando que, mesmo sem ter atingido o impacto político internacional esperado pelos encontros do Clube de Roma, fundado em 1968, sobre limites de crescimento, foi fundamental para a discussão do ambientalismo em todo o mundo.

Sendo assim, verificou-se que o mote da Conferência estava associado à forma de crescimento, que deveria diminuir as emissões de poluentes ou reduzir a utilização de recursos, assim como a relação de aumento da natalidade e sua pressão nos recursos naturais, havendo divergências entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, pois cada um deles tinha realidades e demandas econômicas e sociais distintas, como o nível de industrialização e as formas de utilização dos recursos naturais (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2010. pp. 107-147.).

Importante também citar a situação política brasileira durante a Conferência. À época, o Brasil estava sob estado de exceção (Ditadura de 1964), e, em Estocolmo, sustentou uma posição retrógrada, preferindo uma “riqueza suja”, isto é, apresentou indiferença para com o consumo irresponsável dos recursos naturais, visando o crescimento econômico a qualquer custo, em vez de advogar uma “pobreza limpa” por meio da diminuição de emissões de gases de efeito estufa (GEE), então associada à diminuição do crescimento econômico (AMADO, 2012AMADO, Frederico Augusto Di Tri. Direito ambiental esquematizado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.).

Os impactos na biodiversidade causados pelo tráfico ilegal de animais silvestres apareceram na Declaração de Estocolmo, de 1972. Nela, a necessidade de proteção da fauna só aparece no Princípio 2:

Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, a terra, a flora e fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento (ONU, 1972ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo. Estocolmo: ONU, 1972. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Declaracao%20de%20Estocolmo%201972.pdf. Acesso em: 11 dez. 2023.
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).

Esse princípio é complementado pelo Princípio 4:

O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu hábitat, que se encontram em grave perigo devido à combinação de fatores adversos. Consequentemente, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve-se atribuir importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres (ONU, 1972ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Estocolmo. Estocolmo: ONU, 1972. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Declaracao%20de%20Estocolmo%201972.pdf. Acesso em: 11 dez. 2023.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfin...
).

Diante desse quadro, a IUCN, visando aplicar os princípios assinalados em Estocolmo, concebeu a Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES).

Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora

A CITES, celebrada em Washington em 1973, foi ratificada no Brasil pelo Decreto legislativo nº 54, de 1975, no Congresso Nacional, e promulgada pelo Decreto presidencial de 17 de novembro de 1975. A Convenção regulamentou o comércio internacional de espécies da fauna e flora selvagens com ameaça de extinção (AMADO, 2012AMADO, Frederico Augusto Di Tri. Direito ambiental esquematizado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.).

Inicialmente, 175 países aderiram à CITES. Atualmente são 177 nações. Identificando as ameaças do tráfico de animais silvestres para a conservação da biodiversidade, a Convenção buscou a proteção de cerca de 34 mil espécies, embora hoje esse número seja maior, chegando a 35,6 mil, entre animais e vegetais (CITES, 2020CITES. “Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora, 2020”. CITES Species Database, Geneva, 2020. Disponível em: http://www.cites.org/eng/resources/species.html. Acesso em: 11 fev. 2022.
http://www.cites.org/eng/resources/speci...
).

A CITES não tinha por foco só a conservação de espécies visando a proteção animal, mas também buscava regulamentar o comércio de animais silvestres que movimentava grandes valores monetários anualmente, e que, criando regras para o comércio de animais e graus de vulnerabilidade para a extinção, tornava o mercado mais rentável e com possibilidade de taxá-lo (RIBEIRO, 2001).

A Convenção descreve três níveis (anexos) distintos de ameaça: o Anexo I inclui todas as espécies ameaçadas de extinção que são ou podem ser afetadas pelo comércio; o II inclui todas as espécies que, embora ainda não estejam ameaçadas de extinção, correm risco de ser, a menos que o comércio delas esteja sujeito à regulamentação estrita a fim de evitar a utilização incompatível com sua sobrevivência; e o III, que inclui todas as espécies que, por qualquer Parte, sejam identificadas como sujeitas à regulamentação dentro de sua jurisdição e com o objetivo de impedir, ou restringir, a exploração, necessitando da cooperação das Partes no controle do comércio (CITES, 2023CITES. “What is CITES?”. CITES, Geneva, 2023. Disponível em: https://cites.org/eng/disc/what.php. Acesso em: 11 dez. 2023.
https://cites.org/eng/disc/what.php...
).

Mesmo que não tenha sido o foco principal da Convenção, a discussão sobre a disponibilidade da espécie e a possibilidade da regulamentação do comércio permitiu ver animais silvestres como instrumentos econômicos, ou seja, disporem de importância para agentes econômicos. Com isso, o recurso natural genético da fauna passa a ser considerado. Assim, evitar o comércio ilegal fomentaria a atividade comercial, o que trouxe, de forma indireta, uma visão protetiva para os animais silvestres.

Entre as discussões da Convenção, observou-se que, ao contrário dos países desenvolvidos, onde há ações conservacionistas, e, em muitos deles, a atividade comercial de animais já é restringida pela legislação, muitos países em desenvolvimento criticaram a categorização de animais como ameaçados em extinção, proibindo assim seu comércio, pois, alguns deles perderiam uma atividade comercial sem que houvesse qualquer tipo de compensação financeira por parte dos países desenvolvidos (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2010. pp. 107-147.).

As adesões à CITES não foram imediatas, uma vez que muitos países entenderam que ela seria uma interferência em suas soberanias. Entretanto, como a própria Convenção previu, os países teriam autonomia para regular internamente as atividades comerciais, o que gerou adesões contínuas. Hoje, a CITES conta com 183 nações signatárias (CITES, 2020CITES. “Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora, 2020”. CITES Species Database, Geneva, 2020. Disponível em: http://www.cites.org/eng/resources/species.html. Acesso em: 11 fev. 2022.
http://www.cites.org/eng/resources/speci...
).

Outro ponto relevante na Convenção foi a criação das Conferências das Partes (Conference of Parties [CoP]), que segundo a própria Convenção, em seu artigo 11, deveria ocorrer pelo menos uma vez a cada dois anos, ou a qualquer momento, mediante a solicitação escrita e tendo como objetivos:

(a) tomar as disposições necessárias para permitir ao Secretariado desempenhar suas funções e adotar disposições financeiras; (b) considerar e adotar emendas aos apêndices I e II; (c) revisar os progressos realizados em direção à restauração e conservação das espécies incluídas nos apêndices I, II e III; (d) receber e considerar quaisquer relatórios apresentados pelo Secretariado ou por qualquer Parte; e (e) quando apropriado, fazer recomendações para melhorar a eficácia da presente Convenção de pelo menos um terço das Partes (CITES, 2020CITES. “Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora, 2020”. CITES Species Database, Geneva, 2020. Disponível em: http://www.cites.org/eng/resources/species.html. Acesso em: 11 fev. 2022.
http://www.cites.org/eng/resources/speci...
).

Salientando que já foram realizadas, desde a CITES, dezoito encontros da CoP, a última entre 17 e 28 de agosto de 2019, em Genebra, ocasião em que o Brasil enviou três participantes, havendo as alterações nos anexos conforme prevê os objetivos da Conferência, como a introdução da girafa (Giraffa camelopardalis) no Anexo II

Na evolução das discussões internacionais para a conservação da biodiversidade, ocorreu, em 1992, no Rio de Janeiro, a Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), a Eco-92, ou Cúpula da Terra. Embora não tendo uma natureza jurídica de tratado, ela criou 27 princípios a serem incorporados, de modo gradual, nas legislações dos países membros, visando alcançar o desenvolvimento sustentável, inclusive colocando a proteção ambiental como parte integrante desse processo (ONU, 1992ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasil: ONU, 1992. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2013/12/declaracao_rio_ma.pdf. Acesso em: 11 dez. 2023.
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).

Convenção sobre Diversidade Biológica

A Convenção sobre Diversidade Biológica (Convention on Biological Diversity [CBD]), apresentada na Rio-92, foi ratificada pelo Congresso Nacional através do Decreto legislativo nº 2, de 4 de fevereiro de 1994, e promulgada pelo Decreto presidencial nº 2.519, de 16 de março de 1998 (BRASIL, 1998BRASIL. “Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 fev. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 11 fev. 2022.
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). A CBD surge para discutir as questões associadas à experimentação genética de fauna e flora. A seleção de sementes e a seleção artificial para melhoramentos na criação de animais já existe desde as primeiras civilizações, mas o avanço da tecnologia e o domínio da genética permitia agora a recombinação de genes e o desenvolvimento da transgenia (indivíduos modificados geneticamente). Para isso, iniciaram-se discussões visando definir de quem seria a titularidade das patentes e dos lucros resultantes dessas pesquisas: o país titular da pesquisa ou o do recurso natural pesquisado (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2010. pp. 107-147.).

A discussão principal ficou dividida entre os países detentores das principais pesquisas desenvolvidas utilizando recursos naturais, como os Estados Unidos, e aqueles países que detinham grande biodiversidade ainda preservada, mas incipientes em relação às pesquisas, como o Brasil.

A CBD criou alguns regramentos. Para os países pesquisadores, estabeleceu-se a transferência de tecnologias com os países detentores dos recursos, os quais deveriam ter acesso à parte dos lucros resultantes das pesquisas desenvolvidas. Os países pesquisadores também deveriam respeitar a soberania nacional dos países detentores dos recursos. Como contrapartida, os países detentores dos recursos deveriam trabalhar na manutenção de sua fauna e flora (CBD, 2023CBD - CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. CBD, Montreal, 2023. Disponível em: https://www.cbd.int/. Acesso em: 23 jul. 2021.
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).

Os países detentores de recursos naturais viam muitas pesquisas serem desenvolvidas em seu território e muitas patentes sendo criadas nos países detentores de conhecimento e tecnologia, mas pouco retorno financeiro que justificasse o custo de manutenção de recursos naturais e a não utilização desses recursos para outros usos, como agricultura e pastagem (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2010. pp. 107-147.).

A CBD entrou em vigor em 29 de dezembro de 1993. Em 1999, havia 175 países signatários, dos quais 168 ratificaram a convenção. Importante salientar que, em 2020, a CBD tem 196 partes, exceto os Estados Unidos, o Japão e a União Europeia (CBD, 2023CBD - CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. CBD, Montreal, 2023. Disponível em: https://www.cbd.int/. Acesso em: 23 jul. 2021.
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).

Assim como a CITES, a CBD também constituiu a estrutura das CoP, que são bianuais e já realizaram catorze encontros, a última em Sharm el-Sheikh, Egito, entre 17 e 29 de novembro de 2018. A CoP 15 estava marcada para 2020, em Kunming, China, mas foi adiada devido à pandemia da covid-19 (CBD, 2023CBD - CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. CBD, Montreal, 2023. Disponível em: https://www.cbd.int/. Acesso em: 23 jul. 2021.
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).

Em 2000, durante a CoP 5, foi aberto para assinatura o Protocolo de Cartagena de Biossegurança, o qual busca proteger a diversidade biológica dos riscos potenciais colocados pelos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna. O Protocolo entrou em vigor em 11 de setembro de 2003.

Em 12 de outubro de 2014, entrou em vigor o Protocolo de Nagoya, assinado em 2010. Esse protocolo visa garantir a segurança jurídica aos benefícios propostos na CBD, ou seja, ele fornece uma estrutura legal para a implementação eficaz dos três objetivos da Convenção: a partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos (CBD, 2023CBD - CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. CBD, Montreal, 2023. Disponível em: https://www.cbd.int/. Acesso em: 23 jul. 2021.
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).

O Protocolo de Nagoya apresenta 123 Partes, tendo 124 ratificações, o que ainda não abrange todos os países signatários da CBD, o que facilita suas aplicabilidades nos seus objetivos, ou seja, uma maior distribuição de tecnologia e dos lucros auferidos com as pesquisas envolvendo recursos naturais, incluindo o conhecimento tradicional, permitindo a concessão dos benefícios das pesquisas científicas aos povos indígenas protetores e desenvolvedores de conhecimentos tradicionais.

Atualmente, é necessário ampliar o Access and Benefit-Sharing Clearing-House (ABSCH), ferramenta essencial para facilitar a implementação do Protocolo de Nagoya, aprimorando a segurança jurídica e a transparência nos procedimentos de acesso e compartilhamento de benefícios e no monitoramento da utilização dos recursos genéticos ao longo da cadeia de valor, inclusive por meio do reconhecimento internacional, facilitando as oportunidades para usuários e provedores de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados se conectarem e criarem acordos justos e equitativos de ABSCH (CBD, 2023CBD - CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. CBD, Montreal, 2023. Disponível em: https://www.cbd.int/. Acesso em: 23 jul. 2021.
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).

Os direitos dos animais silvestres no contexto do tráfico

Publicada em 27 de janeiro de 1978, em Bruxelas, a Declaração universal dos direitos dos animais traz, em seu preâmbulo e catorze artigos aqueles que, à época, eram consagrados os direitos mínimos que deveriam ser considerados pelos signatários para serem incorporados em seus ordenamentos jurídicos, assim como em suas políticas públicas, visando dar aos animais um status de proteção aceito para a sociedade, diminuindo as ações maus tratos e crueldade, sendo essa declaração motivada sobretudo pela publicação de estudos que retratavam o tema, tendo como um dos principais expoentes, como Peter Singer (2004)SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004., autor de Libertação animal, de 1975, considerado um divisor de águas para o discussão dos direito dos animais.

Discutir direitos dos animais se mostrou muito mais abrangente do que talvez se parecesse à época, pois, de fato, o tema estava ancorado em uma discussão maior: qual seria a função animal e humana no mundo; se nossos conceitos, legislações e políticas estavam voltados para uma visão antropocêntrica de mundo, ou seja, quando se considera o homem como o eixo central do usufruto dos recursos planetários, como defende Fiorillo (2009)FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.:

Os animais são bens sobre os quais incide a ação do homem. Com isso, deve-se frisar que animais e vegetais não são sujeitos de direitos, porquanto a proteção do meio ambiente existe para favorecer o próprio homem e somente por via reflexa para proteger as demais espécies.

Ou estamos em um momento de transição para uma visão biocêntrica do mundo, na qual somos corresponsáveis pelo uso e manutenção dos recursos, tanto animais humanos e não humanos, como já defendia Singer, defensor da criação de direitos para os animais não pela forma que poderiam servir ao homem, mas pela singularidade de sua vida e condição de coabitação no meio ambiente (SINGER, 2004SINGER, Peter. Libertação animal. Tradução Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004.).

Mesmo após a publicação e a assinatura como membro parte da Declaração universal dos direitos dos animais, o Brasil pouco alterou sua forma de lidar com eles, uma vez que ainda está em vigor o Código de Caça, a Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que “dispõe sobre a proteção da fauna” (BRASIL, 1967BRASIL. “Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jan. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5197compilado.htm. Acesso em: 18 abr. 2022.
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), permitindo a caça no território nacional, desde que não seja a profissional, assim como o comércio de animais silvestres, desde que o criador buscasse o registro nos órgãos competentes, e que os animais fossem de origem comprovada, muito embora, para a época, fosse muito difícil a rastreabilidade da origem lícita do animal.

De efeitos práticos no Brasil tivemos a publicação da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente, que pouco acrescentou à proteção da fauna em termos legais, mas regulamentou-a como um recurso natural (art. 3º, V) passível de ser comercializada e criada para as finalidades de exploração (art. 17, II) (BRASIL, 1981BRASIL. “Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm. Acesso em: 22 abr. 2022.
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), o que, de certa forma, conflitou com os interesses da própria Declaração:

Art. 4º

1. Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático, e tem o direito de se reproduzir.

2. Toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito (ONU, 1978ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal dos direitos dos animais. Bruxelas: ONU, 1978. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/direitosdosanimais/files/2018/10/DeclaracaoUniversaldosDireitosdosAnimaisBruxelas1978.pdf. Acesso em: 18 out. 2021.
https://wp.ufpel.edu.br/direitosdosanima...
).

Desse modo, observa-se que, mesmo sendo signatário da Declaração, o Brasil manteve sua posição de possibilitar a criação comercial de animais, inclusive os silvestres, regulamentando a atividade e abrindo margem para o comércio ilegal, associado ao tráfico, uma vez que a manutenção em cativeiro ser uma atividade lícita ou ilícita dependeria da origem do animal, se nascido em cativeiro ou retirado da natureza.

Ainda que o comércio de animais silvestres tenha permanecido possível no Brasil, outros instrumentos normativos foram criados, em especial a previsão constitucional trazida em 1988, no seu inciso VII do §1º do artigo 225. Segundo esse inciso, é um dever do Estado “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jan. 2022.
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), o que se alinha ao artigo 3º da Declaração, mas com a ressalva da possibilidade de que se for considerada uma manifestação cultural, poderão algumas dessas práticas ocorrer.

Em 12 de fevereiro de 1998, ou seja, apenas dez anos após a publicação da Constituição Federal, publicou-se a Lei nº 9.605, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, criminalizando condutas contra a fauna, como as ações relacionadas ao tráfico de animais, entre elas a compra, venda, depósito e manutenção de animais silvestres, reforçando que só aqueles animais não adquiridos em criadores autorizados, além de atividades como os maus tratos a animais, a pesca irregular e outras atividades relacionadas à fauna. Entretanto, todas as condutas aparecem ressalvadas com os dizeres “sem autorização da autoridade competente”, deixando claro que essas condutas podem ser permitidas caso sejam cumpridos os requisitos legais (BRASIL, 1998BRASIL. “Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 fev. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 11 fev. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Em evolução normativa, visando coibir o tráfico ilegal de animais silvestres, e em regulamentação do artigo 70 da Lei nº 9.605/1998, publicou-se o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, criando a sanção de multa para a conduta, como descrito no artigo 24, penalizando-se o infrator em valores que variam de quinhentos a 5 mil reais por animal, sendo aplicada multa no valor de quinhentos aos não ameaçados de extinção e de 5 mil àqueles listados como ameaçados pela CITES.

Enquanto o Brasil discutia a relação humano-fauna, atendendo, mesmo que parcialmente, os princípios previstos na Declaração, ampliou-se a discussão sobre as ações voltadas ao meio ambiente em geral, alavancados pelas conferências mundiais, que tiveram como marco fundador a Convenção de Estocolmo, na qual o Brasil teve participação apática, propondo poucas mudanças em sua forma de lidar com as questões ambientais e mantendo clara a intenção de incentivar o desenvolvimento econômico associado ao uso não sustentável dos recursos naturais (AMADO, 2012AMADO, Frederico Augusto Di Tri. Direito ambiental esquematizado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.; RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2010. pp. 107-147.).

Resultados

Em análise às informações inseridas nos boletins de ocorrência em relação às pessoas surpreendidas em situação de tráfico de animais, foram contabilizadas, nos dois anos de análise, 5.005 pessoas.

É necessário reforçar que todos os dados abaixo, exceto UF de origem e idade, são autodeclaratórios, isto é, quando há resposta espontânea em relação às condições que melhor se enquadram o autuado, o qual, em alguns casos, pode não querer responder. Nesses casos, os dados de resposta são informados como “nulo”.

Sexo

No campo “sexo”, as pessoas foram esclarecidas sobre a possibilidade de informar entre as opções “masculino” e “feminino”, e que ainda poderiam adicionar a informação adicional de “gênero”, campo texto não obrigatório (Tabela 1).

Tabela 1
Sexo das pessoas autuadas por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Com base nas informações verificadas na Tabela 1, identificou-se que 81% das pessoas declararam, no momento da autuação, que eram do sexo masculino. A parte que se declarou pertencente ao sexo feminino representou pouco menos de 20%.

Estado civil

Em relação à declaração do estado civil do autuado, havia como respostas disponíveis: “casado(a)”, “solteiro(a)”, “amasiado(a)”, “divorciado(a)”, “separado(a)”, “viúvo(a)” e “nenhum” (Tabela 2).

Tabela 2
Estado civil das pessoas autuadas por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Ao verificar os dados relacionados ao estado civil, verifica-se que 56% declararam-se casados(as) e, se somados ao que se declararam amasiados(as), que são aqueles que vivem como se casados(as) fossem, mas sem registro oficial, esse percentual chega a quase 70% das ocorrências; ou seja, identificaram-se ações relacionadas ao tráfico de animais em casas de coabitação familiar.

Outro dado que chamou a atenção foram os casos dos que se declararam viúvos(as): 219 casos, ou 4,4%. Mesmo tendo um percentual menor que os(as) casados(as) e os(as) amasiados(as), os(as) viúvos(as) superam ainda os(as) divorciados(as) e separados(as).

Cútis

A cútis é a forma que a pessoa descreve a cor de sua pele, sendo para esse item as opções disponíveis para indicação: “amarela”, “branca”, “parda”, “preta”, “indígena” e “não quer declarar” (Tabela 3).

Tabela 3
Cútis das pessoas autuadas por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Com as informações obtidas, identificou-se que 60,3% das pessoas autuadas pelas ações associadas ao tráfico se autodeclararam brancas, seguida pelas que se autodeclararam pardas (35%), e as pretas que não correspondem nem a 3%.

Mesmo com 82 autuados que decidiram não declarar essa informação, seja por questões pessoais, ou por não encontrarem uma definição que se encaixe, esse valor é de apenas 1,6%, o que não torna a amostra significativa para o universo dos autuados.

Unidade federativa de nascimento

Em relação à UF de origem, utilizou-se, como referência, as informações obtidas pela Certidão de Registro Geral (RG) do autuado, que compõem as informações do auto de infração ambiental associado ao tráfico de animais silvestres. Embora todas estas sejam identificadas no estado de São Paulo, com essa informação é possível verificar o perfil endógeno ou exógeno do tráfico de animais naquele estado.

Para fins deste item, utilizaram-se todas as UF estaduais (Tabela 4).

Tabela 4
UF de nascimento das pessoas autuadas por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Com base nos dados acima, identificou-se que o paulista, ou seja, a população nativa, nascida no estado de São Paulo, foi identificado como o autor de mais de 68% dos casos associados ao tráfico de animais silvestres no estado; Em segundo lugar aparece o estado da Bahia, com menos que 10% do identificado em São Paulo, isto é, 6,2% do total.

Minas Gerais, que aparece em terceiro, com 5,2%, é um dos estados com maior extensão de fronteira terrestre com São Paulo, o que pode ter contribuído para essa posição e após verifica-se uma distribuição gradativa pelo Brasil com pessoas de todas as regiões do país.

Idade

Realizando a gradação da idade dos autuados distribuídos em grupo a cada dez anos, iniciando naqueles menores de vinte anos, até a idade de setenta anos ou mais, criou-se um gráfico de barras com a respectiva distribuição (Gráfico 1).

Gráfico 1
Quantidade de pessoas autuadas por tráfico de animais por faixa de idade

Com as informações relacionadas à idade do autuado, identificou-se que as faixas etárias de quarenta a 59 anos de idade concentram 2.149 autuados, totalizando 43% dos autuados, havendo um decréscimo sensível tanto nas faixas de idade maiores e menores, demonstrando uma maior concentração de autuados nas idades adultas e dentro da faixa da população economicamente ativa.

Profissão

Ao analisar as informações relacionadas à profissão, identificaram-se 5.005 ocorrências de um total de 202 indicações de profissão, ou seja, há uma grande diversidade de indicações. As quinze mais indicadas que correspondem a 3.297 autuados, ou seja, a 66% ou ⅔ do total de profissões indicadas (Tabela 5).

Tabela 5
15 Profissões mais indicadas pelos autuados por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Em análise aos dados, verifica-se que a profissão mais indicada é “aposentado(a)”, que está associado diretamente à idade dos autuados, pois muitos aposentados poderiam ter outra profissão durante a vida e agora se enquadram nessa nova ocupação.

A indicação “desempregado(a)” só aparece na nona indicação, com 103 autuados, o que representa apenas 2% das indicações de profissões, o que pode indicar que não há ligação direta entre falta de emprego e o tráfico de animais.

Em relação às profissões mais indicadas pelo autuados, a maioria delas são profissões que exigem baixo grau de instrução, ou nenhuma formação acadêmica específica. Entre aquelas que chamam a atenção, mas não configuram entre as mais indicadas foram: “professor” (17), “veterinário” (5), “biólogo” (4) e “advogado” (3), que, em teoria, são pessoas com alto grau de instrução e que têm o trato com animais e a defesa de seus direitos e saúde como profissão.

Cor e estado civil

Ao correlacionarmos as informações “cor” e “estado civil” dos autuados, produziu-se a Tabela 6. Em sua coluna 1 temos as informações do estado civil dos autuados e, na linha 1, a cor autodeclarada das pessoas surpreendidas nos atos de tráficos de animais.

Tabela 6
Correlação entre estado civil e cor dos autuados por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Em análise cruzada entre as informações, identificou-se uma similaridade na distribuição em relação ao estado civil e a informação “cor”, na qual a pessoa que se declarou casada apareceu como a maioria em todas as declarações de cor, seguido dos solteiros e dos que se declararam amasiados.

Sexo e estado civil

Outro cruzamento possível de trazer informações importantes sobre o traficante de animais silvestres em São Paulo é correlacionando as informações atinentes ao sexo do autuado e seu estado civil, visando identificar parâmetros, desenvolvidos conforme Tabela 7.

Tabela 7
Correlação entre estado civil e sexo dos autuados por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Correlacionando as informações “sexo” e “estado civil”, verifica-se que, embora a quantidade de pessoas do sexo masculino equivaler a pouco mais de 80%, as proporções entre estado civil se mantêm, tendo como ponto de atenção apenas o tipo de estado civil “viúvo(a)”, pois, se entre os do sexo masculino corresponde a 2,6% com seus 108 autuados, no feminino correspondeu a pouco mais de 12%, com seus 111 autuados, sem ter uma razão definida para essa diferença: se as mulheres viúvas tem uma tendência seis vezes maior em ter animais em cativeiro, ou se herdaram animais do tráfico dos companheiros(as) falecidos(as).

Sexo e UF de origem

Em relação aos dados socioeconômicos outro cruzamento passível de análise é a relação de “UF de origem” e “sexo”, visando identificar se há padrão entre os gêneros e sua relação com a origem do autuado, ou se há alterações de comportamento (Tabela 8).

Quando verificado a relação “UF de origem” e “sexo”, verifica-se uma proporção similar em relação às cinco primeiras UF de origem. Dessa forma, os dados não apresentam o sexo como fator que altera a relação entre o tráfico de animais e a UF de origem do traficante.

Salientando que as únicas UF em que pessoas do sexo feminino superaram as do sexo masculino foram no Pará, sete contra cinco, e em Rondônia, dois contra um.

Tabela 8
Correlação entre sexo e unidade federativa de origem dos autuados por tráfico de animais entre 2018 e 2019 no estado de São Paulo

Das informações das atas de atendimento ambiental

O atendimento ambiental, regulado pelo Decreto estadual nº 64.456/2019, é o momento considerado como a conciliação ambiental, quando o autuado apresenta os argumentos de sua defesa para o cometimento da infração ambiental, visando o cancelamento desta, mas também é quando se apresenta as condições de atenuantes e agravantes da autuação - lembrando que ambas necessitam de comprovações a serem homologadas pelas autoridades ambientais presentes, tornando assim as informações constantes nessas atas uma fonte de consulta e análise.

Frisa-se que elas não coincidem diretamente com os Autos de Infração Ambiental (AIA) lavrados nos anos de 2018 e 2019, pois o atendimento ambiental tem previsão legal de ocorrer após dez dias de sua lavratura, mas tendo seu prazo máximo a depender da disponibilidade de agenda do órgão ambiental, o que pode levar o AIA de um ano ser realizado no ano seguinte.

Foram identificados, entre 2018 e 2019, um total de 9.461 atendimentos ambientais, nos quais a aplicação da sanção foi a um AIA aplicado com base no artigo 25 da Res SMA 48, de 2014, que são as ações relacionadas ao tráfico de animais.

Outro ponto é que o comparecimento no atendimento ambiental é uma concessão ao autuado, podendo ele renunciar desse direito protocolando diretamente um recurso administrativo, mas, dessa forma, estaria abdicando o direito a alguns benefícios, como o parcelamento do valor do AIA em 36 vezes.

Em relação às atenuantes e agravantes identificadas nos atendimentos ambientais, para este trabalho serão analisadas as atenuantes: condições financeiras, bons antecedentes ambientais e baixo grau de instrução; e as agravantes: reincidência genérica e específica.

Condições financeiras

Ao processar as informações relacionadas às condições financeiras do autuado, ou seja, identificando aqueles que obtiveram o desconto considerando sua situação de hipossuficiência econômica, comprovadas no atendimento ambiental que não teriam condições de arcar com o valor da multa aplicada com base em seus rendimentos e custos. Identificou-se que, dos 9.461 atendimentos realizados, em 4.221 dos casos, ou seja, em pouco mais de 47%, comprovou-se que o autuado não tinha condições financeiras mínimas para manutenção de seu sustento e ainda assim realizar a quitação integral do auto de infração lavrado.

Gráfico 2
Identificação da atenuante hipossuficiência econômica

Bons antecedentes ambientais

Outra informação essencial trazida pelas atas de atendimento ambiental é com relação aos bons antecedentes ambientais do autuado, ou seja, a pessoa autuada nunca foi autuada por infrações ambientais, assim como não está com nenhum processo em andamento.

Os dados apresentaram que dos 9.461 atendimentos realizados relacionados com ações que envolvem o tráfico de animais, em 8.666 dos casos o autuado recebeu o benefício dos bons antecedentes ambientais, mais de 91% do total.

Gráfico 3
Identificação da atenuante de bons antecedentes ambientais

Baixo grau de instrução

Em relação à atenuante baixo grau de instrução, o atendente ambiental analisa o grau de compreensão do autuado em entender o caráter ilícito de sua ação, ou seja, é perguntado ao autuado se ele tem conhecimento que sua atitude é criminosa, assim como se é alfabetizado. Dos 9.461 atendimentos ambientais realizados, aplicaram-se essa atenuante em 2.171 deles, o que representa pouco menos que 23% dos casos. Em 77% dos atendimentos, o autuado foi considerado instruído para conhecer o caráter ilícito de seu ato, assim como sabia ao menos ler e escrever.

Gráfico 4
Identificação da atenuante baixo grau de instrução

Reincidência genérica e específica

Ao analisar a reincidência no crime ambiental, ou seja, aquelas pessoas que já haviam sido autuadas pela prática de infrações ambientais nos últimos cinco anos, verificam-se que há dois tipos, a chamada “genérica”, na qual a pessoa foi autuada naquele período por qualquer infração ambiental, e a chamada “específica”, quando o infrator foi autuado pelo mesmo tipo infracional, que, no trabalho em análise, significa outra infração relacionada ao tráfico de animais.

Em relação aos dados de reincidência, verificou-se que dos 9.461 atendimentos ambientais realizados, identificaram-se 89 casos de reincidência genérica, o que representa 0,94%. Os casos de reincidência específica foram registrados em 261 casos, representando 2,75% do total de casos, mais que o dobro da reincidência genérica, demonstrando que a primariedade correspondeu a mais de 96% dos casos.

Gráfico 5
Identificação da agravante reincidência genérica e específica

Discussão

Em relação à evolução jurídica mundial e nacional, verifica-se que, de fato, as menções de proteção à fauna silvestre ainda são incipientes para uma efetiva proteção, uma vez que ainda têm forte apelo a preservação da fauna com um viés de recurso natural, ainda sendo muito novas as discussões associadas aos direitos dos animais, deixando assim lapsos jurídicos para a continuidade da exploração da fauna no âmbito local, nacional e mundial.

Já as informações dos boletins de ocorrência e das atas dos atendimentos ambientais trouxeram em cada um de seus campos analisados aspectos relevantes da pessoa surpreendida nas ações relacionadas ao tráfico de animais no estado de São Paulo, e, se fosse montar um perfil só com as informações obtidas, o perfil do traficante poderia ser definido como: do sexo masculino, autodeclarado branco, casado, do estado de São Paulo, com idade entre cinquenta a 59 anos, com uma fonte de renda que o permitiria pagar a multa aplicada, primário e com instrução adequada para entender o caráter ilícito de sua ação. Entretanto, é necessário correlacionar essas informações com dados socioeconômicos disponíveis e a literatura pesquisada.

No primeiro quesito analisado, o “sexo” do autuado, em relação ao Censo de 2010 (IBGE, 2010), verifica-se que, em São Paulo, a população de pessoas do sexo masculino representa 49%, e, no caso das pessoas autuadas pelo tráfico de animais, esse valor representa 81% do total.

No caso da informação “estado civil”, em comparação com os dados do Censo de 2010 referentes ao estado de São Paulo, verificou-se que 49,5% se autodeclararam solteiros(as), enquanto os casados(as) totalizavam 38,96%, e os viúvos(as) 5,34%. Trata-se de uma característica peculiar encontrada nos dados dos boletins de ocorrência, pois apresentaram um percentual de 70% entre casados(as) e amasiados(as), dessa forma quase que o dobro dos dados gerais do estado.

Em relação à informação de cor, não se observou alteração considerável em relação aos dados estaduais publicados no último censo porque as pessoas autuadas por tráfico de animais se autodeclaram brancas em 60,3% dos casos no contexto estadual, isto é, 63% do total de paulistas.

Ao analisar os dados de migração, para ser possível correlacionar a origem das pessoas autuadas por tráfico de animais, o estado de São Paulo, em 2010, tinha 8 milhões de pessoas de origem de outro estado, de um total de 41,2 milhões de habitantes, o que representa 19,4% destes, enquanto os dados dos boletins de ocorrência apresentaram que 32% dos autuados tinham origem em estado, o que sugere uma maior tendência dos não paulista cometerem infrações ambientais.

Realizando a comparação da idade média dos autuados com a pirâmide etária do Brasil de 2020, segundo o IBGE, identifica-se uma semelhança em seu desenho, em que a maior faixa está concentrada nas pessoas de vinte a quarenta, e, desse modo, sem uma caracterização significativa para essa informação.

Em pesquisa as informações do Censo de 2010 referente aos dados de São Paulo, verifica-se que 15,8% dos paulistas teriam receita média mensal de até um salário mínimo, e, correlacionando com as informações de hipossuficiência econômica, eles representaram 44% dos autuados, um pouco menos de três vezes a média estadual. Mas, mesmo assim, não representa a maioria das pessoas relacionadas às ações do tráfico de animais, contradizendo as afirmações de que a grande motivação para o tráfico são os ganhos econômicos (RENCTAS, 2014RENCTAS - REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS. Primeiro relatório nacional sobre o tráfico de fauna silvestre. Brasília, DF: Renctas, 2014. 108 pp. Disponível em: http://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf. Acesso em: 10 jan. 2022.
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).

Já ao tratarmos da questão de alfabetização e grau de instrução, verifica-se que, segundo o Censo de 2010, 94% dos paulistas são alfabetizados, alinhado com os resultados obtidos no levantamento dos autuados em que mais de 77%, além de alfabetizados, tinham conhecimento do caráter de ilicitude da atividade, contrariando as afirmações que tráfico de animais tem ligação direta com o baixo grau de instrução do autuado, ou seja, não é uma questão de desconhecimento que leva as pessoas ao envolvimento com a conduta ilícita.

Em relação a literatura pesquisada, verifica-se que não foi possível traçar uma diferença clássica das pessoas relacionadas ao tráfico entre fornecedores, intermediários e consumidores finais, pois esses papéis se aglutinam e, dessa forma, podemos ter, ao mesmo tempo, a pessoa que retira o animal da natureza o mantendo como animal doméstico, sem que haja qualquer envolvimento com as questões financeiras, ou até mesmo pessoas que reproduzem animais silvestres em suas residências, contrariando em parte essa definição trazida pelo Renctas (2014)RENCTAS - REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS. Primeiro relatório nacional sobre o tráfico de fauna silvestre. Brasília, DF: Renctas, 2014. 108 pp. Disponível em: http://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf. Acesso em: 10 jan. 2022.
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.

Ao verificar as informações socioeconômicas dos autuados, nas quais muitas características se assemelham às da sociedade em geral, ou seja, não é visto alterações de perfil, reforça-se a teoria trazida por Cruz-Antía e Gomes (2010)CRUZ-ANTÍA, Daniel; GOMES, Juan Ricardo. “Wildlife Use and Traffic in Puerto Carreño, Vichada-Colombia: An Overview”. Ambiente y Desarrollo, Bogotá, vol. 14, n. 26, jan./jun. 2010. ISSN: 2346-2876. Disponível em: https://revistas.javeriana.edu.co/index.php/ambienteydesarrollo/article/view/1094. Acesso em: 15 out. 2021.
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. Segundo eles, o tráfico de animais tem como principal destino a manutenção deles como domésticos, e, dessa forma, apresenta um forte apelo às questões culturais, o que fomenta a busca de animais em feiras do rolo, por exemplo.

Com base nas informações e contrapondo-as com os dados oficiais e a literatura estudada, verifica-se que, em relação as informações “sexo”, “estado civil”, “profissão”, “condições financeiras”, “bons antecedentes”, e “grau de instrução” auxiliam na criação de um perfil de traficantes de animais silvestres. As informações “idade” e “cor” não apresentaram alterações em relação à média estadual, não possibilitando uma diferenciação da sociedade paulista.

Utilizando os dados que apresentaram alterações em relação ao universo dos paulistas, a informação “sexo” apresenta o traficante como, em sua maioria, do sexo masculino. O “estado civil” apresentou as pessoas casadas como sendo as mais propensas a manutenção de animais em situação de tráfico, o que reforça outra característica: a situação do baixo grau de reprovação social (CARVALHO, 2013CARVALHO, Antônio César Leite de. Comentários à Lei Penal Ambiental: Parte geral e especial: Artigo por artigo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2013.; COSTA et al., 2018COSTA, Fábio José Viana; RIBEIRO, Renata Esteves; SOUZA, Carla Albuquerque; NAVARRO, Rodrigo Diana. “Espécies de aves traficadas no Brasil: Uma meta-análise com ênfase nas espécies ameaçadas”. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, Anápolis, GO, vol.7. n. 2, pp. 324-346, maio/ago. 2018. DOI: 10.21664/2238-8869.2018v7i2.p324-346. ISSN: 2238-8869.
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; MARQUES; PALLU, 2018MARQUES, Dimas; PALLU, Renato. Em pauta, o tráfico de animais silvestres: A cobertura da Folha de S.Paulo e O Globo (2010-2014). 2018. Dissertação (Mestrado em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.; SILVA, 2014SILVA, David de Sousa. Identificação dos fatores determinantes para a manutenção ilegal de animais silvestres no estado de São Paulo. 2014. Dissertação (Mestrado Profissional em Ciências Políticas de Segurança e Ordem Pública) - Centro de Altos Estudos de Segurança, São Paulo, 2014.; SUGIEDA, 2018SUGIEDA, Angélica Midori. Avaliação da destinação de indivíduos de aves silvestres apreendidas no estado de São Paulo. 2018. Dissertação (Mestrado em Conservação da Fauna) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 2018.) uma vez que as pessoas mantenham a atividade ilícita, mesmo no seio familiar, e não de forma oculta.

Outro paradigma que os dados quebraram foi em relação à informação de falta de renda das pessoas surpreendidas na situação de tráfico de animais, em que os desempregados somam 2% do total dos autuados, quando a média nacional é de 13,1%, o que representa quase sete vezes menos que a média nacional (IBGE, 2020), somando-se ao fato de que somente 44% dos autuados conseguiram o benefício do desconto por não ter condições financeiras para arcar com o custo do auto de infração, contrariando as afirmações de hipossuficiência econômica (MCEVOY et al., 2019MCEVOY, John; CONNETTE, Grant; HUANG, Qiongyu; SOE, Paing; PYONE, Khin Htet Htet; VALITUTTO, Marc; HTUN, Yan Lin; LIN, Aung Naing; THANT, Aung Lwin; HTUN, Wai Yan; PAING, Kaung Htet; SWE, Khine Khine; AUNG, Mying; MIN, Sapai; SONGER, Melissa; LEIMGRUBER, Peter. “Two Sides of the Same Coin: Wildmeat Consumption and Illegal Wildlife Trade at the Crossroads of Asia”. Biological Conservation, Amsterdam, vol. 238, 108197, Oct. 2019. DOI: 10.1016/j.biocon.2019.108197. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0006320719307050?via%3Dihub. Acesso em: 15 nov. 2023.
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; RENCTAS, 2014RENCTAS - REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS. Primeiro relatório nacional sobre o tráfico de fauna silvestre. Brasília, DF: Renctas, 2014. 108 pp. Disponível em: http://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf. Acesso em: 10 jan. 2022.
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).

Os outros dados que aglutinados ajudam a entender o perfil do traficante de animais silvestre em São Paulo são as informações de “reincidência” e “baixo grau de instrução”. Ambas não demonstraram serem marcantes nos casos analisados, pois em 96% dos casos tivemos autuados primários, ou seja, que não fazem do tráfico de animais algo corriqueiro, como se fosse uma atividade profissional, e em somente 23% foram considerados com grau de instrução de não compreender o caráter ilícito das ações do tráfico, ou seja, sabiam que estavam incorrendo em uma ilegalidade, contrariando alguns autores que colocam a falta de instrução como algo preponderante para o cometimento da atividade ilegal (VALADA, 2019VALADA, Daniela Cristina; SANTOS, José Eduardo Lourenço dos. A intervenção do direito penal no crime de tráfico de animais e a educação ambiental. Revista do Direito Público, Londrina, vol. 14, n. 1, pp. 103-120, abr. 2019. DOI: 10.5433/1980-511X2019v14n1p103. ISSN: 1980-511X.
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).

Destaca-se que há outras metodologias que poderiam ser empregadas para fortalecer a discussão, como o emprego de entrevistas e questionários. Entretanto, mesmo propostos para o estudo, não foram possíveis devido à recusa dos envolvidos na atividade por estarem ainda em fase de processo administrativo e penal.

Conclusão

Embora exista um arcabouço jurídico internacional que regulamente o comércio de fauna legalizado, ele ainda não é ser capaz de desestimular o tráfico de animais silvestres, que persiste em larga escala e se valendo de brechas normativas para continuar prosperando enquanto não houver alterações sensíveis na relação humano-fauna, incluindo os princípios dos direitos dos animais.

Este trabalho identificou as características socioeconômicas de traficantes de animais silvestres no estado de São Paulo e concluiu, com base nas informações descritas na metodologia, ou seja, aplicando os resultados objetivos dos atendimentos ambientais e dos boletins de ocorrência, que o traficante de animais silvestres é do sexo masculino, autodeclarado branco, casado, nativo do estado, com idade entre cinquenta a 59 anos, com uma fonte de renda que o permitiria pagar a multa aplicada, primário e com instrução adequada para entender o caráter ilícito de sua ação, salientando que os resultados de cor e idade estão dentro das proporções estaduais.

Embora trazido na literatura, ao menos em São Paulo, considerando o período de análise, e as pessoas surpreendidas pela PM Ambiental nessa atividade, não se confirmou que a maioria das pessoas autuadas por tráfico de animais no estado foram consideradas de baixa renda, ou realizaram suas ações por desconhecimento da lei, ou que tinham um baixo grau de estudo, considerando as questões objetivas descritas nos documentos analisados, sem que se estendesse essa pesquisa a uma análise metodológica de entrevistas ou questionários direto aos autuados

Não se confirmou, com base nos dados utilizados, que as condições financeiras, e alfabetização dos autuados por tráfico de animais, com resultado dos descontos fornecidos nos atendimentos ambientais, diferem da população paulista, demonstrando que não há uma predominância dessas duas características com o tráfico de animais.

Verificou-se não ter sido comprovado que as condições econômicas sejam um fator preponderante para o cometimento desta infração, e nem mesmo o baixo grau de instrução, conforme análise objetiva dos atendimentos ambientais realizados, mas reforça que as políticas públicas devem avançar no campo da educação ambiental, mas não acerca de informar que a tráfico de animais é um crime, mas das consequências ambientais que a retirada de animais da natureza podem causar em relação ao desequilíbrio de uma ecossistema, e tentar quebrar esse ciclo que mantém essa que é a terceira maior causa de tráfico ilegal no mundo.

Embora tenha-se obtido resultados relevantes com a pesquisa realizada, sabe-se que não foi possível medir todos os aspectos sociais por limites trazidos pelas informações disponíveis nos boletins de ocorrência, os quais permitem identificar algumas informações sociais, mas não as motivações específicas de cada pessoa surpreendida na ação do tráfico de animais, o que impede uma análise pormenorizada das razões do traficante.

Embora tenha atingido os objetivos propostos, é importante prosseguir com os estudos sobre a pessoa do traficante de animais, sobretudo para entender suas motivações e tentar atuar para diminuir e até mesmo impedir essa que é a segunda maior causa de extinção de espécies no planeta Terra.

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Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2022
  • Aceito
    29 Jul 2023
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