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Uma entrevista com Lucia Helena Soares Cevidanes

ENTREVISTA

Uma entrevista com Lucia Helena Soares Cevidanes

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucia Cevidanes - 201 Brauer Hall School of Dentistry, UNC Chapel Hill - Orthodontics - CB #7450 Chapel Hill, NC 27599-7450 Email: cevidanl@dentistry.unc.edu

• Graduada em Odontologia pela Universidade Federal de Goiás, 1989.

• Mestre em Ortodontia pelo Instituto Metodista de Ensino Superior, 1994.

• PhD em Biologia Oral, University of North Carolina at Chapel Hill, 2003.

• Professora Assistente, Departamento de Ortodontia, University of North Carolina at Chapel Hill.

• Diplomada pelo American Board of Orthodontics.

• Revisora do American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, Angle Orthodontist, Journal of Dental Research, European Journal of Oral Sciences, World Journal of Orthodontics, Orthodontics and Craniofacial Research, International Journal of Oral Maxillofacial Surgery, e Dentomaxillofacial Radiology.

• Recebeu o Thomas M. Graber Award of Special Merit pela American Association of Orthodontists, 2004.

• Recebeu, em 2006, o B. F. and Helen Dewel Award pelo melhor artigo clínico publicado em 2005 no American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics.

• Recebeu o Teaching Award da American Association of Orthodontics Foundation em 2008 e 2009.

Foi com grande satisfação que recebi o convite para coordenar a entrevista com a professora Lucia Cevidanes, exemplo de humildade, coragem e determinação. Nascida em Caratinga, Minas Gerais, cursou Odontologia na Universidade Federal de Goiás e mestrado em Ortodontia na UMESP, onde lecionou por 4 anos. Após estabelecer clínica privada em Santo André/SP, decidiu buscar seu sonho de realizar um PhD no exterior, seguindo para um dos mais respeitados centros de pesquisa em Ortodontia e Cirurgia Ortognática no mundo. A partir de uma amostra clínica reunida com persistência no Brasil, lançou-se no universo do diagnóstico por imagens, o que resultaria em uma pesquisa premiada. Todo trabalho e brilhantismo a levaram a conseguir a posição de Professora no Departamento de Ortodontia da UNC, onde realiza algumas das pesquisas mais interessantes da literatura ortodôntica atual. Coordenadora de um grupo de pesquisa envolvendo colaboradores americanos, europeus e brasileiros em experimentos utilizando diagnóstico tridimensional, a professora divide seu tempo entre palestras em diferentes países, atividades docentes clínicas e teóricas no mestrado e na graduação em Ortodontia, e a participação em um grupo interdisciplinar para o tratamento das anomalias craniofaciais; e ainda mantém sua prática clínica em pacientes ortodônticos na instituição. Casada com Larry, também professor da UNC na área de Psicologia, tem duas filhas, Teresa e Angelina, com quem gosta de passear pela Franklin Street, nos fins de semana em Chapel Hill, e viajar de férias para visitar amigos em Connecticut ou a família na fazenda em Minas Gerais.

Alexandre Trindade Motta

Na sua avaliação, qual é a perspectiva quanto à difusão da tomografia Cone-Beam (CBCT) entre os clínicos e quais os conhecimentos e equipamentos necessários para que ela possa ser utilizada de forma rotineira no diagnóstico, planejamento e avaliação dos tratamentos ortodônticos, ortopédicos e cirúrgicos? Ary dos Santos-Pinto

Várias barreiras devem ser vencidas antes que a CBCT seja utilizada de forma rotineira na clínica ortodôntica:

a) Estabelecimento de um guia de indicação de quais casos se beneficiam da informação clínica adicional que justifique o maior custo e a maior dose de radiação para os pacientes. O Board of Trustees da AAO (American Association of Orthodontists) e da AAOMR (American Academy of Oral and Maxillofacial Radiology) aprovou uma junta para trabalhar nesse guia até o final de 2010, que inclui como ortodontistas a Dra. Carla Evans (Univ. of Chicago), Dr. Martin Palomo (Case Western University), Dr. Kirt Simmons (Arkansas Children's Hospital) e Dra. Lucia Cevidanes. Os radiologistas no grupo são liderados pelo Dr. William Scarfe (Univ. of Louisville), Dr. Mansur Ahmad (Univ. of Minnesota) e Dr. John Ludlow (Univ. of North Carolina). A proposta do guia é ser revisado a cada 3 anos, à medida que mais evidência científica for publicada na literatura1.

b) Validação e desenvolvimento de softwares de análise tridimensional. As atuais versões dos softwares comerciais ainda têm limitações e estão sendo atualizadas a cada mês. Além disso, ainda não foi validada cientificamente a precisão das ferramentas presentes nos softwares.

c) Ausência de dados normativos populacionais para análise diagnóstica. Problemas na identificação de pontos anatômicos durante as análises cefalométricas tradicionais têm sido considerados uma fonte significativa de erros na determinação de importantes medições craniofaciais. Em 3D, esse problema fica ainda mais evidente porque muitos pontos anatômicos têm falhas de definição em um dos três planos do espaço. Por exemplo, o ponto Gônio está localizado ao longo de uma curvatura, e a definição de sua localização no plano vertical é sujeita a erros.

Com o aumento do uso de imagens 3D a partir da CBCT, surge uma pergunta recorrente: utilizá-las em todos os casos ou apenas em casos selecionados? Alexandre Motta

Acredito que tais imagens devem ser utilizadas em casos selecionados. Por exemplo, em pacientes com má oclusão de Classe I sem impacções dentárias não justifica-se o uso de tomografia Cone-Beam.

Em quais procedimentos clínicos, ou casos clínicos, você consideraria indispensável a solicitação de tomografia computadorizada (TC) no consultório de Ortodontia? Liliana Maltagliati

O guia de indicação de quais casos se beneficiam da informação clínica da CBCT será definido pelo trabalho conjunto da AAO e da AAOMR. Não somente quais casos se beneficiam da tomografia, mas também em que época ou com qual frequência de acompanhamento radiográfico esse procedimento está indicado. Comparações com normas populacionais padronizadas e representações cefalométricas bidimensionais (2D) não podem responder muitas questões relacionadas ao diagnóstico e mecanismos de resposta ao tratamento e crescimento. Particularmente, o planejamento dos seguintes problemas ortodônticos se beneficia potencialmente de informação diagnóstica em 3D: ancoragem esquelética com miniplacas (Fig. 1), impacção dentária ou falha de erupção, pacientes com discrepância maxilomandibular em qualquer um dos três planos do espaço (transversal: assimetrias; vertical: mordida aberta/profunda; anteroposterior: Classes II e III esquelética) e desordens temporomandibulares (DTMs).


Com relação à obtenção das imagens, você acha que diferentes aparelhos, tais como o NewTom e o i-CAT, forneceriam imagens comparáveis, ou as diferenças impossibilitariam a realização de superposições seriadas longitudinais? A diferença na tomada com o paciente deitado ou sentado poderia interferir nessas avaliações, especialmente aquelas das vias aéreas com a finalidade de diagnóstico das obstruções nasais, nasofaringeanas e bucofaringeanas? Ary dos Santos-Pinto

Dependendo do software utilizado para visualização, o tamanho do voxel das imagens necessita ser normatizado para que as aquisições de diferentes equipamentos, tais como o NewTom e o i-CAT, sejam comparáveis. A diferença na tomada com o paciente deitado ou sentado poderia interferir especialmente na avaliação das vias aéreas e tecidos moles da face, mas também na postura mandibular, se cuidados não forem tomados ao se realizar a CBCT em oclusão cêntrica. Atualmente, todas nossas tomadas são realizadas com uma fina mordida em cera em oclusão cêntrica. Além disso, nas tomadas com o NewTom, especialmente na periferia da imagem, observa-se mais ruído, comprometendo frequentemente a qualidade dos modelos 3D de superfície (Fig. 2).


Após anos estudando imaginologia, inicialmente com ressonância magnética verificando efeitos na ATM dos aparelhos funcionais, e depois com tomografia computadorizada, qual a real importância que você atribuiria a esses métodos de diagnóstico por imagem no tratamento das DTMs? Liliana Maltagliati

Diagnóstico por imagem e tratamento das DTMs são, a meu ver, áreas em que muita pesquisa ainda é necessária. O tratamento da DTM continua limitado a alternativas visando a minimizar o desconforto e a dor dos pacientes. A etiologia da DTM, apesar de muitas teorias além do campo da Ortodontia e Reabilitação Oral, envolve mialgias e neuralgias faciais para as quais o diagnóstico por imagem de CBCT não estaria indicado. Um diagnóstico clínico utilizando os parâmetros definidos pelos Critérios de Diagnóstico para DTM (RDC/TMD criteria)2 está indicado antes de se indicar o paciente para realizar uma tomografia Cone-Beam (Fig. 3)3.


A remodelação óssea superficial (reabsorção e aposição) constituiria uma limitação para a metodologia de sobreposição de imagens 3D? Daniela Garib

De forma alguma. Todavia, as técnicas de sobreposição de imagens 3D para avaliar remodelação óssea superficial (reabsorção e aposição) não devem utilizar como referência uma estrutura adjacente, mas sim sobreposições regionais (Fig. 4). O estudo da remodelação óssea na mandíbula, por exemplo, deve utilizar estruturas estáveis no crescimento mandibular, como nos estudos de Bjork em 2D. Em casos de cirurgia mandibular, isso é complicado porque a forma da mandíbula se modifica com a cirurgia; então, qualquer técnica de "best fit" tem um viés para avaliar remodelação pós-cirúrgica.


O exame de modelos de estudo em Ortodontia pode ser realizado diretamente nas imagens das arcadas dentárias, eliminando assim a necessidade de obtenção de moldes dessas arcadas? Ary dos Santos-Pinto

A melhor referência em Ortodontia sobre modelos de estudo realizados diretamente nas imagens das arcadas dentárias é o trabalho publicado pelo Dr. Gwenn Swennen et al.4: requer mais de um scan e um aparelho bem calibrado, como explicado em detalhe no artigo, visando corrigir defeitos de artefatos na região dos braquetes e restaurações.

Quais as principais diferenças entre os softwares comerciais e públicos para análises tridimensionais? Alexandre Motta

Softwares comerciais têm uma plataforma de uso mais fácil para os clínicos. A maior dificuldade é o custo, além do fato já mencionado na primeira resposta dessa entrevista: apesar do apelo de marketing das imagens diagnósticas impressionantes, a precisão da maioria das ferramentas em softwares comerciais ainda não foi validada cientificamente. Os softwares de domínio público também continuam sendo desenvolvidos por incentivo do Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos, mas - como não têm finalidade comercial, e sim de pesquisa - o enfoque é melhorar a qualidade da análise de imagem, em vez de fazer softwares de fácil uso para rotina clínica. Dessa forma, esses softwares rodam melhor em sistema operacional Linux do que em Windows ou Mac, devido à configuração de computação gráfica em Linux.

Como você prevê que ocorra a transição da metodologia de sobreposição 3D da pesquisa para a utilização na rotina clínica? Daniela Garib

Inicialmente, as barreiras para utilização da CBCT de forma rotineira na clínica ortodôntica, já mencionadas na primeira resposta dessa entrevista, precisam ser vencidas. Quanto à metodologia de sobreposição 3D para pesquisas, essa deve sofrer marcado desenvolvimento até que chegue à rotina clínica, motivado principalmente por recente plataforma desenvolvida pelo Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos, que incorpora diversas funcionalidades de diferentes modalidades de imagem, incluindo CBCT, tomografia espiral, ressonância magnética e ultrassom, assim como diversos procedimentos de análise para construção de modelos 3D, superposição, visualização e quantificação para o diagnóstico e avaliação de resultados de tratamento.

Com a intensificação do uso dos exames de TC nas metodologias de pesquisas clínicas, podemos verificar a potencial introdução de erros que podem comprometer o resultado, principalmente em estudos "antes e depois", pela dificuldade de reprodução do corte em exames sucessivos. Que cuidados você recomendaria aos pesquisadores para evitar erros de metodologia? Liliana Maltagliati

Concordo que esse é um risco sério que iremos enfrentar, principalmente pela falta de conhecimento e treinamento adequado em análises 3D. Análises que não se baseiam em pontos anatômicos são matematicamente mais complexas e de difícil compreensão para os clínicos. Em novembro de 2009, realizou-se o segundo encontro de um grupo de professores americanos liderados pelos Drs. Mark Hans e Martin Palomo, da Case Western University, no qual foi discutida a padronização de técnicas de sobreposição de imagens; e essas discussões irão prosseguir em novembro de 2010.

Em sua experiência acadêmica ao redor do mundo como pesquisadora e palestrante, quais as principais tendências e perspectivas futuras observadas na aplicação da tecnologia 3D em Ortodontia? Alexandre Motta

A aplicação de imagens 3D para diagnóstico, planejamento de tratamento, simulação cirúrgica, avaliação de resultados de tratamento e biomecânica ortodôntica tem despertado grande interesse e levado ao desenvolvimento de pesquisas em todo o mundo.

Como ortodontista brasileira, desempenhando um brilhante papel de pesquisadora em um dos centros mais respeitados no país berço da Ortodontia, como você definiria a Ortodontia brasileira na atualidade? Daniela Garib

A Ortodontia brasileira vem se desenvolvendo e se mantendo atualizada e dinâmica, devido principalmente a esforços de excelentes pesquisadores. Tenho tido também o prazer e a oportunidade de manter contato e colaborar com professores e alunos de diversas instituições brasileiras no desenvolvimento de importantes pesquisas.

Alexandre Trindade Motta

- Professor Adjunto de Ortodontia, Universidade Federal Fluminense (UFF).

- Doutor, Mestre e Especialista em Ortodontia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

- Subcoordenador do Curso de Especialização em Ortodontia da UFF.

- Membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Ortodontia (SBO).

- Fellow-researcher, University of North Carolina at Chapel Hill (UNC).

Ary dos Santos-Pinto

- Professor Adjunto do Departamento de Clínica Infantil-Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Araraquara (UNESP).

- Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

- Pós-doutorado na Baylor Colege of Dentistry, Dallas/Texas, EUA.

- Professor Efetivo dos cursos de pós-graduação em Ciências Odontológicas-Ortodontia nos níveis de Mestrado e Doutorado (UNESP).

- Consultor científico do Dental Press Journal of Orthodontics e da Revista Clínica de Ortodontia Dental Press.

Daniela Gamba Garib

- Professora Doutora de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru e do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo.

- Editora Adjunta do Dental Press Journal of Orthodontics.

- Mestre e Doutora em Ortodontia pela FOB-USP.

- Pós-doutorado na Harvard School of Dental Medicine, Boston, EUA.

Liliana Maltagliati

- Mestre e Doutora em Ortodontia pela FOB-USP.

- Coordenadora do Curso de Especialização em Ortodontia da ABCD-SP.

- Coordenadora do Curso de Tratamento Ortodôntico em Adultos do CETAO - SP.

  • 1. Atkins D, Eccles M, Flottorp S, Guyatt GH, Henry D, Hill S, et al. Systems for grading the quality of evidence and the strength of recommendations I: Critical appraisal of existing approaches. BMC Health Serv Res. 2004 Dec 22;4(1):38.
  • 2. Ahmad M, Hollender L, Anderson Q, Kartha K, Ohrbach R, Truelove EL, et al. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD): development of image analysis criteria and examiner reliability for image analysis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2009 Jun;107(6):844-60.
  • 3. Cevidanes LH, Hajati AK, Paniagua B, Lim PF, Walker DG, Palconet G, et al. Quantification of condylar resorption in temporomandibular joint osteoarthritis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2010 Jul;110(1):110-7.
  • 4. Swennen GR, Mollemans W, De Clercq C, Abeloos J, Lamoral P, Lippens F, et al. A cone-beam computed tomography triple scan procedure to obtain a three-dimensional augmented virtual skull model appropriate for orthognathic surgery planning. J Craniofac Surg. 2009 Mar;20(2):297-307.
  • Endereço para correspondência:

    Lucia Cevidanes - 201 Brauer Hall
    School of Dentistry, UNC Chapel Hill - Orthodontics - CB #7450
    Chapel Hill, NC 27599-7450
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010
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