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Consenso brasileiro de ronco e apneia do sono: aspectos de interesse aos ortodontistas

Resumos

O objetivo deste artigo é explicitar o posicionamento das sociedades médicas que, reunidas, estabeleceram consenso sobre os parâmetros clínico-laboratoriais que envolvem os distúrbios respiratórios do sono, em especial o ronco e a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS). Os ortodontistas, que vêm ocupando gradativamente seu espaço em equipes multidisciplinares que atuam na área do sono humano, pouco conhecem sobre essa uniformização coordenada pela Associação Brasileira de Sono. Os trabalhos clínicos e as pesquisas científicas oriundos da Odontologia, e em particular da Ortodontia, também devem observar e seguir esses critérios de diagnóstico e tratamento estabelecidos pela comunidade médica brasileira.

Apneia do sono tipo obstrutiva; Ronco; Polissonografia


The objective of this article is to clarify the positions of the medical societies that have worked together to establish a consensus regarding the clinical and laboratory parameters involved in sleep-disordered breathing, particularly snoring and obstructive sleep apnea syndrome (OSAS). Orthodontists have gradually come to take part in multidisciplinary teams that act in the area of human sleep, but few know about the uniformity coordinated by the Brazilian Association of Sleep. Clinical and scientific studies from the field of dentistry (particularly orthodontics) also must observe and follow these diagnosis and treatment criteria established by the Brazilian medical community.

Sleep apnea, Obstructive; Snoring; Polysomnography


ARTIGO INÉDITO

Consenso brasileiro de ronco e apneia do sono - aspectos de interesse aos ortodontistas

Cauby Maia Chaves JuniorI; Cibele Dal-FabbroII; Veralice Meireles Sales de BruinIII; Sergio TufikIV; Lia Rita Azeredo BittencourtV

IProfessor Associado I - Disciplina de Ortodontia - Depto. Clínica Odontológica - Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-Doutorando em Medicina e Biologia do Sono - Depto. Psicobiologia - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM)

IIMestre em Reabilitação Oral (FOB-USP). Doutoranda em Medicina e Biologia do Sono - Depto. Psicobiologia - UNIFESP-EPM

IIIProfessora Associada - Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-Doutoranda em Medicina e Biologia do Sono - Depto. Psicobiologia - Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM)

IVProfessor Titular - Depto. Psicobiologia - UNIFESP-EPM

VProfessora Adjunto - Livre Docente - Depto. Psicobiologia - UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cauby Maia Chaves Junior Rua Leonardo Mota - 460 - Apto. 1002 CEP: 60.170-040 - Fortaleza / CE E-mail: cmcjr@uol.com.br

RESUMO

O objetivo deste artigo é explicitar o posicionamento das sociedades médicas que, reunidas, estabeleceram consenso sobre os parâmetros clínico-laboratoriais que envolvem os distúrbios respiratórios do sono, em especial o ronco e a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS). Os ortodontistas, que vêm ocupando gradativamente seu espaço em equipes multidisciplinares que atuam na área do sono humano, pouco conhecem sobre essa uniformização coordenada pela Associação Brasileira de Sono. Os trabalhos clínicos e as pesquisas científicas oriundos da Odontologia, e em particular da Ortodontia, também devem observar e seguir esses critérios de diagnóstico e tratamento estabelecidos pela comunidade médica brasileira.

Palavras-chave: Apneia do sono tipo obstrutiva. Ronco. Polissonografia.

INTRODUÇÃO

Os distúrbios do sono podem ser agrupados e classificados de diversas formas. Já foram realizadas três classificações e, atualmente, segue-se o manual da classificação internacional dos distúrbios do sono da Academia Americana de Medicina do Sono publicado em 2005 (ICSD-2, 2005)1. Duas outras classificações precederam essa, a de 19792 e a de 19903; sendo essa última revisada em 19974. Os distúrbios do sono são classificados em oito grupos, sendo a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) classificada dentro do grupo II, como um distúrbio respiratório relacionado ao sono, ao lado da síndrome da apneia central do sono, e das síndromes de hipoventilação/hipóxia relacionadas ao sono1.

Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono são prevalentes, mas nem sempre diagnosticados ou tratados adequadamente5,6. A SAOS é uma das entidades clínicas mais encontradas na população e suas consequências envolvem sonolência excessiva e risco de acidentes de trabalho e de trânsito, além de déficits cognitivos e doenças cardiovasculares7,8,9.

No ano de 2007, por iniciativa da Associação Brasileira do Sono, juntamente com a Academia Brasileira de Neurologia, a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e a Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica, buscou-se uniformizar no Brasil o diagnóstico e tratamento da SAOS em adultos, crianças e adolescentes. A Odontologia foi representada por três cirurgiões-dentistas pesquisadores da área de sono convidados pela Associação Brasileira de Sono.

Várias reuniões entre os membros das referidas sociedades e investigações em estudos da literatura médica nortearam as recomendações deste consenso. O documento final teve por base os níveis de evidências de I a V detalhados no Quadro 1.


O intuito do presente artigo é esclarecer as orientações das sociedades médicas quanto ao diagnóstico e condutas terapêuticas dos distúrbios respiratórios do sono, delimitando a área de atuação dos ortodontistas com base nos consensos médicos e nos níveis de evidência que nortearam os critérios estabelecidos.

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO

Os distúrbios respiratórios relacionados ao sono são classificados em: Síndrome da Apneia Central do Sono (SACS), Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), Síndromes de Hipoventilação/Hipóxia relacionadas ao sono, Síndromes de Hipoventilação/Hipóxia relacionadas ao sono devido a condições médicas, e outros Distúrbios Respiratórios do Sono (Quadro 2). Alguns desses distúrbios, como a SACS e as Síndromes de Hipoventilação, possuem subtipos que não são o foco desse texto, além disso, são entidades clínicas em que o ortodontista não tem atuação. Sendo assim, a ênfase maior será dada à SAOS e aos distúrbios respiratórios nos quais o ortodontista tem atuação efetiva.


O ronco primário é definido, segundo a Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD-2), como a presença de ruído característico de ronco durante o sono, na ausência de alterações na saturação da oxi-hemoglobina, nas variáveis das medidas ventilatórias e no eletroencefalograma4. O ronco, assim como a presença de apneias, pode ser exacerbado após a ingestão de álcool ou do aumento de peso.

A Síndrome da Resistência Aumentada da Via Aérea Superior (SRVAS) é uma condição em que ocorre limitação ao fluxo aéreo e aumento da resistência da via aérea superior (VAS), associados à microdespertares, levando à fragmentação do sono e sonolência excessiva. Por definição, essas alterações ocorrem na ausência de apneias, hipopneias e/ou dessaturação significativa da oxi-hemoglobina11. O aumento da resistência da VAS é avaliado pelo aumento do esforço respiratório (medido, mais precisamente, através da pressão esofágica ou indiretamente através da cânula nasal/ transdutor de pressão). A SRVAS para a maioria dos pesquisadores é considerada um estágio inicial da SAOS, com as mesmas características fisiopatológicas.

A SAOS é uma doença de causa multifatorial não totalmente esclarecida, decorrente, em parte, de alterações anatômicas da via aérea superior e do esqueleto craniofacial associadas a alterações neuromusculares da faringe. É caracterizada por eventos recorrentes de obstrução da via aérea superior durante o sono, associados a sinais e sintomas clínicos. A obstrução manifesta-se de forma contínua, envolvendo um despertar relacionado ao esforço respiratório aumentado, uma limitação, redução (hipopneia) ou cessação completa (apneia) do fluxo aéreo na presença dos movimentos respiratórios. A interrupção da ventilação resulta, em geral, em dessaturação da oxi-hemoglobina e, ocasionalmente, em hipercapnia. Os eventos são frequentemente finalizados por microdespertares12.

SÍNDROME DA APNEIA CENTRAL DO SONO (SACS)

É um distúrbio respiratório do sono no qual o esforço respiratório está reduzido ou ausente, de forma intermitente ou cíclica, devido à disfunção cardíaca ou do sistema nervoso central1. Não é uma entidade clínica que o ortodontista possa intervir, mas que precisa conhecer, principalmente quando necessita estabelecer diagnóstico diferencial entre distúrbios do sono.

Possui seis subtipos: Apneia do Sono Central Primária; Apneia do Sono Central devida ao Padrão Respiratório de Cheyne-Stokes; Apneia do Sono Central devida à respiração periódica de alta altitude; Apneia do Sono Central devido à condição médica não Cheyne-Stokes; Apneia do Sono Central devida a drogas ou substâncias; e Apneia do Sono Primária da Infância (Apneia do Sono Primária do recém-nascido) (Quadro 2).

As Síndromes de Hipoventilação/Hipóxia relacionadas ao sono (causadas ou não por condições médicas) constituem-se num capítulo específico dentro dos distúrbios respiratórios do sono, não menos importante, mas que serão apenas mencionadas (Quadro 2). Seu estudo necessita de uma abordagem específica para que seja possível conhecê-las em profundidade.

SÍNDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAOS)

Na SAOS, a obstrução na via aérea ocorre concomitantemente ao esforço respiratório contínuo com inadequada ventilação. As formas do adulto e da criança são identificadas separadamente por possuírem diferentes formas de diagnóstico e tratamento. A abordagem do presente texto será direcionada para a SAOS em adultos, onde a síndrome é mais prevalente.

SAOS NO ADULTO

É caracterizada por episódios repetidos de obstrução completa ou parcial da via aérea durante o sono. Esses eventos, frequentemente, resultam em reduções na saturação sanguínea de oxigênio e despertares associados ao seu término. Por definição, esses eventos devem durar pelo menos 10 segundos e podem ocorrer em qualquer estágio do sono, porém são mais comuns nos estágios N1 (estágio 1 do sono não REM), N2 (estágio 2 do sono não REM), R (sono REM) do que no N3 (estágio 3 do sono não REM, ou sono de ondas lentas). Quando ocorrem no sono REM, em geral são mais longos e associados à dessaturação mais grave. A saturação de oxihemoglobina geralmente volta aos valores de normalidade após o retorno da respiração normal13.

Os sintomas mais comuns são o cansaço ao acordar e a sensação de sono não reparador (independentemente da duração do sono), sonolência excessiva durante o dia e piora na qualidade de vida13. O companheiro de quarto relata ronco, episódios de engasgo ou parada respiratória, além de movimentos frequentes que interrompem o sono14.

FATORES PREDISPONENTES E ASSOCIADOS

Os fatores predisponentes são: obesidade, principalmente central; sexo masculino; anormalidades craniofaciais, como hipoplasia maxilomandibular; aumento do tecido mole e do tecido linfoide da faringe; obstrução nasal; anormalidades endócrinas, como hipotireoidismo; acromegalia; e história familiar. Os fatores associados são: hipertensão arterial sistêmica (HAS), hipertensão pulmonar, arritmias cardíacas relacionadas ao sono, angina noturna, refluxo gastroesofágico, prejuízo na cognição e na qualidade de vida e insônia12.

EXAME FÍSICO GERAL

As variáveis antropométricas (peso e altura), a circunferência do pescoço e a pressão arterial devem ser mensuradas. Dentre essas variáveis do exame físico, destacam-se como tendo maior valor preditivo, a circunferência do pescoço, o índice de massa corpórea e a presença de hipertensão arterial15,16.

AVALIAÇÃO CRANIOFACIAL E DA VIA AÉREA SUPERIOR

É fundamental avaliar a morfologia craniofacial de cada indivíduo, detectando alterações do desenvolvimento da maxila (hipoplasia) e da mandíbula (deficiência ou retroposição mandibular) (Fig. 1). Pacientes obesos com concentração de gordura no nível do tronco comumente apresentam pescoço curto, circunferência cervical alargada, excesso de gordura na região submentoniana e osso hioide deslocado inferiormente17,18.


Más oclusões sagitais (ex.: Classe II com envolvimento mandibular), verticais (mordidas abertas) ou mesmo transversais (mordida cruzada, presença de palato ogival e atresia da maxila) podem estar relacionadas a um crescimento inadequado das bases ósseas maxilar e/ou mandibular, devendo ser avaliado, principalmente, o envolvimento esquelético dessas.

Uma anatomia desproporcional da cavidade bucal, seja por aumento de tecidos moles (principalmente do volume da língua) ou por hipodesenvolvimento da estrutura óssea maxilomandibular, pode ser identificada aplicando-se a Classificação de Mallampati modificada. O paciente é colocado em posição sentada, com a boca em abertura máxima e com a língua relaxada, observando a dimensão com que a orofaringe está exposta, sendo então classificado de I a IV, de acordo com a visualização maior ou menor do bordo livre do palato mole em relação à base da língua (Fig. 2). Deve-se avaliar, também, o tamanho das tonsilas palatinas (Fig. 3); o aspecto dos pilares, que podem ser volumosos e medianizados; da úvula e do palato mole, que podem contribuir com a diminuição do espaço retropalatal, principalmente se forem espessos e alongados17,18. Tanto o exame que verifica a proporção entre os tecidos moles da cavidade bucal com a orofaringe (classificação de Mallampati), bem como a avaliação das tonsilas palatinas são realizados preferencialmente e rotineiramente por otorrinolaringologistas, mas podem ser realizados também em cadeiras odontológicas.



A nasofaringolaringoscopia e a cefalometria são exames complementares, recomendados para a avaliação da via aérea superior. O primeiro é realizado exclusivamente por profissionais médicos e trata-se da avaliação endoscópia da via aérea superior (VAS), devendo ser realizado para identificar obstruções que possam contribuir para a fisiopatologia da SAOS ou prejudicar a adaptação ao CPAP (aparelho de pressão positiva na via aérea). Com o endoscópio flexível avalia-se a relação espacial do palato mole e da base da língua com a parede posterior da faringe, e as alterações anatômicas das estruturas da faringe. Além dos fatores anatômicos, pode-se avaliar a tendência de colapso e flacidez do tecido mole da faringe através da inspiração forçada com oclusão da boca e das narinas, criando uma pressão negativa dentro da VAS (Manobra de Müller).

No entanto, a detecção do ponto de colapso da VAS é bastante subjetiva e inespecífica, e a importância da Manobra de Müller na avaliação do paciente com SAOS tem sido questionada19. A cefalometria pode auxiliar na identificação de sítios obstrutivos faríngeos, assim como contribuir para a avaliação do espaço posterior da VAS, do comprimento do palato mole, posição do osso hioide, e na verificação do padrão de crescimento e posicionamento espacial da maxila e da mandíbula. O presente consenso estabeleceu que a cefalometria não deve ser um exame de rotina para avaliação do paciente com SAOS. Isso significa que não é obrigatória a solicitação de telerradiografia cefalométrica. Porém, indica que nos casos de suspeita de dismorfismo craniofacial (anormalidades morfológicas craniofaciais), o método preferencial de avaliação é a cefalometria19. Devemos lembrar que a SAOS possui etiologia multifatorial, e que a cefalometria não é um método capaz de predizer a gravidade ou a presença da doença. É um exame importante nos casos que envolvem cirurgia ortognática e para acompanhamento de possíveis alterações na posição de estruturas dentoesqueléticas provocadas pelos aparelhos intra-orais. Outros exames de imagem, como as tomografias computadorizadas e a ressonância magnética, também são usados como métodos complementares na visualização de estruturas da via aérea de pacientes com distúrbios respiratórios do sono.

DIAGNÓSTICO

O estudo polissonográfico (PSG) de noite inteira, realizado no laboratório sob supervisão de um técnico habilitado em polissonografia, constitui o método diagnóstico padrão para a avaliação dos distúrbios respiratórios do sono (nível de evidência I)20. Recomenda-se um registro de pelo menos 6 horas, com a monitorização mínima dos seguintes parâmetros:

• eletroencefalograma: eletrodos F3, C3, O1 e com referência na mastoide contralateral;

• eletro-oculograma esquerdo e direito;

• eletromiograma da região mentoniana;

• eletromiograma de membros inferiores (músculo tibial anterior bilateralmente);

• fluxo aéreo nasal e oral registrado por sensores do tipo termístor ou termopar;

• registro de pressão nasal obtido por transdutor de pressão;

• registro do movimento torácico e abdominal por meio de cintas de indutância e piezo-elétricas;

• eletrocardiograma;

• oximetria digital;

• registro de ronco com microfone traqueal;

• registro de posição corporal.

Os principais critérios de diagnóstico e de gravidade das SAOS se encontram nos Quadros 3 e 41,12: o diagnóstico da SAOS no adulto requer a presença dos critérios A+B+D ou C+D (Quadro 3).



TRATAMENTO COM APARELHOS INTRA-ORAIS

Os aparelhos intra-orais (AIO) se constituem em uma opção, com altos níveis de evidência, para tratamento dos distúrbios respiratórios do sono. Os tratamentos com aparelhos de pressão positiva na via aérea (como o CPAP), tratamentos cirúrgicos de tecidos moles faríngeos e/ou esqueléticos faciais também fazem parte do arsenal terapêutico para os distúrbios respiratórios que acontecem durante o sono. Essas modalidades de tratamento não serão abordadas aqui, pois os ortodontistas utilizam como ferramenta terapêutica principalmente os aparelhos intra-orais.

Os parâmetros utilizados atualmente na condução do tratamento com AIOs são os sugeridos pela literatura mais recente e pelos consensos e forças-tarefa21-26. Caso seja indicado o tratamento com AIO, é feito o encaminhamento médico por escrito ao cirurgião-dentista. Fazem parte da abordagem odontológica a anamnese, o exame físico, a indicação do tratamento (ou contraindicação e retorno do paciente para o médico), a confecção e instalação do AIO, o retorno e manutenção do tratamento, além do acompanhamento e tratamento de possíveis efeitos colaterais, modificações no AIO e retorno ao médico para verificação da eficácia do tratamento. Para os casos em que houve sucesso com o tratamento, o acompanhamento em longo prazo se torna essencial19,26.

Dessa forma, fica bem definido o papel do cirurgião-dentista para:

>> Reconhecer um possível distúrbio do sono e/ou fatores de risco associados, orientar e recomendar apropriadamente o paciente e encaminhar ao médico.

>> Solicitar exame polissonográfico quando julgar necessário.

>> Iniciar e monitorar o tratamento com AIO como parte da conduta conjunta com o médico.

>> Monitorar e tratar potenciais efeitos colaterais dos AIOs.

>> Realizar o acompanhamento em longo prazo do paciente em tratamento com AIO.

>> Estar envolvido em equipes multidisciplinares no manejo cirúrgico dos pacientes com distúrbios respiratórios do sono, em especial quando houver necessidade de cirurgia ortognática.

>> Trabalhar em crianças ou adolescentes de forma preventiva ou interceptora, promovendo crescimento ósseo adequado para minimizar os componentes anatômicos de um quadro futuro de ronco e SAOS; ou em crianças já diagnosticadas com ronco ou SAOS, realizando tratamento ortodôntico-ortopédico facial indicado.

» Pré-requisitos

Estabelecer a condição basal, ou seja, a presença e gravidade da SAOS, suas complicações e os pacientes de risco. Essa avaliação inicial deve ser obtida pelo médico através da consulta clínica e do exame de polissonografia. Havendo indicação médica para o tratamento com AIO, o paciente será encaminhado ao cirurgião-dentista, o qual, por sua vez, verificará se o paciente possui adequadas condições odontológicas para terapia com AIO14,19,21-24,26.

» Adaptação do AIO

A indicação, confecção e adaptação do AIO mais adequado a cada paciente devem ser conduzidas por um cirurgião-dentista com treinamento no tratamento e acompanhamento dos distúrbios respiratórios do sono (nível de evidência l). Esse profissional deve estar apto a conduzir o caso, sendo capaz de avaliar as complicações e efeitos colaterais a que esses pacientes podem estar expostos, como: alterações oclusais, disfunções temporomandibulares e eventuais danos a estruturas associadas. É importante ressaltar que a obtenção da posição final terapêutica do AIO constitui um delicado equilíbrio entre eficácia e efeitos colaterais21,22,26.

» Indicações do AIO

» Primárias

Pacientes com Ronco primário, SRVAS e SAOS leve a moderada (nível de evidência I) 21-24.

» Secundárias (nível de evidência II e III)

Pacientes com SAOS moderada a grave:

1. que não aceitam o CPAP;

2. que são incapazes de tolerar o tratamento com CPAP;

3. em que houve falência no tratamento com CPAP ou comportamental;

4. coadjuvante ao tratamento cirúrgico.

Sendo confirmada a indicação do AIO, devemos optar entre um aparelho reposicionador mandibular (ARM) e um retentor lingual (ARL), que são as duas categorias disponíveis atualmente (Fig. 4, 5). Os ARMs de ajuste progressivo apresentam, atualmente, evidência científica tanto para uso no tratamento do ronco como da SAOS, enquanto os ARLs possuem evidência somente para ronco, especialmente em condições de edentulismo21-24,26.



» Contraindicações do AIO (níveis de evidência II e III)21-24

• quadro de apneia do sono predominantemente central;

• doença periodontal ativa ou perda óssea acentuada;

• disfunção temporomandibular grave.

» Objetivos do AIO (nível de evidência I)

Em pacientes com ronco primário sem SAOS ou SRVAS: reduzir o ronco a um nível subjetivamente aceitável.

Em pacientes com SAOS: resolução dos sinais e sintomas clínicos e normalização do IAH, da saturação de oxi-hemoglobina e fragmentação do sono.

» Acompanhamento (nível de evidência I)21-24,26

É importante ficar claro que os AIOs se constituem em uma forma de tratamento contínuo e por tempo indefinido.

Pacientes com ronco primário: é recomendado o acompanhamento clínico odontológico, sem necessidade de acompanhamento polissonográfico.

Pacientes com SRVAS ou SAOS (qualquer gravidade): a polissonografia com o AIO na posição final é indicada para assegurar benefício terapêutico satisfatório.

• Após ajustes finais e comprovação da eficácia com a polissonografia:

» Acompanhamento odontológico: a cada seis meses no primeiro ano e, depois, anualmente. O intuito é monitorar a adesão, avaliar a deterioração ou o desajuste do AIO, avaliar a saúde das estruturas orais e a integridade da oclusão, e abordar os sinais e sintomas da SAOS.

» Acompanhamento médico: reavaliação clínica periódica e polissonográfica quando o médico julgar necessário.

CONCLUSÕES

O ortodontista que atua ou pretende atuar na área de sono precisa, fundamentalmente, conhecer em profundidade os parâmetros de diagnóstico clínico-laboratoriais adotados, as definições estabelecidas e os limites de sua área de atuação junto às equipes multidisciplinares que acompanham e tratam distúrbios respiratórios do sono.

O ortodontista pode solicitar avaliação polissonográfica quando julgá-la necessária, sendo o diagnóstico definitivo dos distúrbios do sono, de sua gravidade e a avaliação das comorbidades atribuições do médico, com base nos achados polissonográficos. O ortodontista é muito importante na identificação de sítios obstrutivos faríngeos, na avaliação e tratamento ortopédico e/ou cirúrgico das desarmonias maxilomandibulares, bem como na terapia da SAOS com aparelhos intra-orais.

Enviado em: abril de 2010

Revisado e aceito: outubro de 2010

[Material suplementar]

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  • Endereço para correspondência:
    Cauby Maia Chaves Junior
    Rua Leonardo Mota - 460 - Apto. 1002
    CEP: 60.170-040 - Fortaleza / CE
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2010
    • Revisado
      Out 2010
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