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Valmy Pangrazio Kulbersh

ENTREVISTA

Valmy Pangrazio Kulbersh

A mim coube o privilégio e a honra de convidar-lhes à leitura da entrevista da professora Valmy Pangrazio Kulbersh.

A professora Valmy concluiu a graduação como cirurgiã-dentista em Assunción, Paraguay. Em 1974, foi para os Estados Unidos com o objetivo de cursar o mestrado em Ortodontia na University of Detroit Mercy. Ao final do curso, em 1977, laureada por seus méritos acadêmicos, foi convidada a ingressar como docente na referida universidade. Atualmente desenvolve suas atividades docentes nas disciplinas de Clínica Infantil e Cirurgia Ortognática e, paralelamente, possui sua clínica privada. Isto lhe confere o equilíbrio e uma visão abrangente destes dois mundos que se completam. A professora Valmy é uma líder indiscutível. Sua personalidade, seu caráter e sua energia fizeram-na se impor em ambientes de difícil acesso a estrangeiros e predominantemente masculinos. Cada pessoa que a conhece poderia citar uma entre tantas características. Conhecendo a professora Valmy de perto, tendo convivido com ela no seu ambiente de trabalho e pessoal, destaco o seu lado humano, a mãe atenta e disponível, e o seu sorriso cativante a todos que se aproximam. Antes minha professora, hoje minha amiga e para sempre minha mestra. Espero que a todos possa ser valiosa a leitura da entrevista desta mulher, mãe, clínica, professora e pesquisadora. A professora Valmy foi uma das palestrantes presentes no 6º Encontro da ABOR em outubro de 2007 em Gramado/RS.

Luciane Q. Closs

1) Qual é a melhor época para iniciar o tratamento da má oclusão de Classe II e qual a abordagem de tratamento mais adotada? Luiz G. Gandini Jr.

O melhor período para se começar o tratamento das más oclusões de Classe II é no estágio de desenvolvimento da dentadura mista. De acordo com McNamara, 75% da população americana apresenta uma Classe II esquelética caracterizada por um retrognatismo mandibular. Portanto, a modalidade mais comum de tratamento seria a utilização de aparelhos funcionais para melhorar ou estimular o crescimento mandibular. Ao longo dos meus anos de experiência clínica, observei que, se o tratamento destes casos for iniciado antes da erupção dos caninos inferiores, melhor desenvolvimento alveolar poderá ser obtido pela remoção de musculatura que atuaria de forma deletéria nos arcos, causando constrição e apinhamento nos arcos dentoalveolares.

Aparelhos extrabucais com forças ortopédicas deveriam ser usados em casos com protrusão maxilar. Distalizadores de molares estão indicados para os casos com má oclusão Classe II dentária e não nos com problemas esqueléticos.

Para os indivíduos que exibem um bom padrão de crescimento, a remoção de interferências dentárias ou musculares, que alterariam o crescimento, pode normalizar a relação da maxila com a mandíbula, permitindo que a mandíbula expresse o seu potencial normal de crescimento (por exemplo: correção de mordidas cruzadas e mordidas profundas).

2) Qual o protocolo de tratamento com o aparelho reposicionador da mandíbula MARA? Quanto de avanço mandibular você indica na confecção deste aparelho? Por quê? Cristina Ortolani

O aparelho reposicionador mandibular (MARA) é uma aparelho funcional fixo que é mais utilizado durante a dentadura permanente jovem (antes da erupção dos 2os molares) para melhorar ou estimular o crescimento mandibular. O aparelho MARA pode ser construído com um parafuso expansor, com a finalidade de corrigir a constrição maxilar presente na maioria dos pacientes Classe II com retrognatismo mandibular. O aparelho é construído com coroas de aço inoxidável ¾ nos primeiros molares permanentes superiores e inferiores. As coroas superiores têm um amplo tubo retangular, que suporta a extensão do aparelho; as coroas inferiores têm braços horizontais que se encaixam com os cotovelos, fazendo a propulsão mandibular. A cimentação das coroas é feita com ionômero de vidro (Band Lok-Relliance). Os ¾ de coroa devem ser contornados ao redor da margem gengival para proporcionar a retenção do aparelho. Os cotovelos devem ser angulados ou torqueados corretamente para prevenir contato com o tubo retangular das coroas inferiores, evitando fraturas. O avanço deve ser feito gradualmente, adicionando-se stops de 2-3mm aos cotovelos a cada 3-4 meses, quando boa resposta muscular estiver presente. Um avanço muito grande de uma vez só produzirá compensações dentárias excessivas (projeção dos incisivos inferiores e distalização dos molares) e limitará a quantidade de correção esquelética. Se expansão for necessária, os cotovelos não deverão ser colocados inicialmente. A expansão deve ser realizada primeiramente e, então, colocados os cotovelos para avançar a mandíbula. O tratamento com este aparelho pode ser realizado no período do surto do crescimento circumpuberal para correção mais rápida da Classe II (12 meses). A vantagem do aparelho MARA é que pode-se utilizar aparelho fixo completo para alinhar os dentes durante a correção esquelética. Após a obtenção de uma relação molar/caninos de Classe I, o aparelho MARA pode ser deixado em posição como contenção por, no mínimo, 6 meses, para prevenir recidivas (Fig. 1-5)1,2.


3) Com base em sua experiência clínica, qual aparelho é mais efetivo nos tratamentos precoces das Classes III? Cristina Ortolani

O aparelho mais efetivo para o tratamento da Classe III é o disjuntor maxilar colado, seguido de máscara facial, utilizado para o tratamento da Classe III esquelética causada por retrusão maxilar. O tratamento é mais efetivo no início da dentadura mista ou ainda na dentadura decídua. Correções esqueléticas são mais rapidamente conseguidas quando as suturas circum-maxilares ainda estão imaturas.

A quantidade de força utilizada é de 450g por lado, na dentadura decídua, e 600-800g por lado, no início ou final da dentadura mista. A maxila deve ser protraída até que um overjet mínimo de 5mm seja obtido. A contenção do tratamento com máscara facial deve ser feita com o aparelho Frankel III, até que a oclusão esteja estabilizada. Uma mentoneira poderá ser adicionada durante a fase de contenção, se houver um componente de prognatismo mandibular.

4) A senhora indica cirurgia ortognática para pacientes em fase de crescimento? Se sim, em que circunstâncias e como controla a possibilidade de recidiva pós-tratamento? Luiz G. Gandini Jr.

Cirurgia ortognática está indicada para pacientes sem crescimento. Pacientes Classe III não deveriam sofrer cirurgia ortognática antes do término do crescimento. Análises cefalométricas seqüenciais acompanhadas por um determinado período de tempo podem ser utilizadas para avaliação do término do crescimento.

Pacientes Classe II que requeiram apenas um procedimento de avanço mandibular podem ser tratados cirurgicamete após o término do pico do crescimento circumpuberal, quando a avaliação da quantidade de crescimento remanescente é mais previsível.

A cirurgia maxilar deveria ser prorrogada até o término do crescimento, para evitar-se interferências com o crescimento do septo nasal na maxila.

Cirurgias precoces podem ser indicadas em deformidades dentoesqueletais severas, onde a condição psicológica do paciente está sendo comprometida pela deformidade facial. Os pais e o paciente devem ser advertidos da necessidade de mais procedimentos cirúrgicos, à medida que o paciente for crescendo, alterando assim a correção prévia.

Casos com deformidades como anquilose condilar, microssomia hemifacial ou outras síndromes podem ser beneficiados por cirurgias precoces ou por distração osteogênica, evitando compensações esqueléticas e dentoalveolares associadas com estas deformidades severas.

5) Qual é a sua abordagem no tratamento de pacientes, em fase de crescimento, com excesso vertical de face e mordida aberta anterior? Luiz G. Gandini Jr.

A abordagem de tratamento para correção de altura facial anterior excessiva ou dimensão vertical aumentada varia de acordo com os componentes específicos desta morfologia facial. Um diagnóstico adequado irá determinar a modalidade apropriada de tratamento, a qual poderia incluir Ortopedia Funcional dos Maxilares, forças ortopédicas ou uma combinação de ambas. Pacientes que apresentam um aumento na altura facial ântero-inferior podem ter ou não uma mordida aberta anterior. A natureza da mordida aberta esquelética ou dimensão vertical aumentada deveria ser corretamente diagnosticada, de forma a se planejar o tratamento apropriado.

A dimensão vertical da face aumentada pode resultar de excesso maxilar vertical total, excesso maxilar vertical posterior, altura curta do ramo mandibular, em associação a planos mandibulares abertos. Uma combinação de excesso maxilar vertical e ângulo mandibular aberto é, freqüentemente, encontrada. A angulação do planos oclusal e palatal, bem como as características esqueléticas do paciente irão ditar a modalidade de tratamento a ser selecionada.

Pacientes que apresentarem um excesso vertical maxilar total podem ser tratados com forças ortopédicas empregadas ao longo do centro de resistência da maxila, por meio de arco facial com extrabucal de tração alta, para restringir o crescimento vertical do complexo maxilar. Se houver somente um excesso vertical posterior da maxila e a relação dente/gengiva/lábio for favorável, o emprego do aparelho extrabucal pode ser modificado, de forma a distribuir a força direcionada para mudar a angulação dos planos palatais/oclusais, restringindo, assim, o crescimento vertical posterior da maxila. A maioria dos pacientes que apresentam esta desarmonia, também apresenta mordida aberta anterior, a qual deve ser tratada com uma grade lingual e terapia miofacial. Um arco transpalatino baixo com uma "esfera" para reeducar a função da língua e produzir, via pressão lingual, forças intrusivas aos molares, irá ajudar com o controle alveolar vertical posterior.

Quando o problema for na mandíbula - por exemplo: altura curta do ramo e plano mandibular aberto - blocos de mordida posterior são utilizados para deslocar o côndilo verticalmente da fossa glenóide, associados a uma mentoneira de tração vertical com força direcionada à frente do côndilo, permitindo um crescimento mais vertical do ramo, concomitantemente com um remodelamento do ângulo goníaco e plano mandibular. Casos com discrepância vertical severa, que envolvam tanto a maxila como a mandíbula, podem obter mais benefícios da cirurgia ortognática após o término do crescimento.

6) Quais são as chaves do sucesso para a satisfação de pacientes durante e após o tratamento ortodôntico? Luciane Q. Closs

As chaves do sucesso para a satisfação dos pacientes, na minha opinião, são baseadas na relação estabelecida no início do tratamento entre o ortodontista, o paciente e seus familares.

O ortodontista recebe o desafio de não somente oferecer tratamentos de excelência, que deverão resistir ao teste do tempo, mas também depende, para o sucesso do tratamento, da cooperação do paciente e do apoio familiar.

O ganho da confiança do paciente e dos pais, através de uma relação honesta e sincera com eles, é a chave do sucesso. O ortodontista deve ser atensioso e gentil para conduzir o paciente durante o tratamento. A motivação do paciente com elogios pelo seu trabalho bem feito - ao invés de represálias pela sua falta de cooperação, reforço positivo, boa comunicação e excelente trabalho técnico darão ao paciente oclusão e sorriso saudáveis que perdurarão pelo resto da vida.

7) Fale-nos um pouco de sua contribuição, enquanto pesquisadora, para as ciências da saúde e o que considera seu legado, até este momento, para a comunidade científica. Edela Puricelli

O meu legado para a comunidade científica são as centenas de ortodontistas que eu ajudei a formar durante a minha carreira de professora. Considero estes profissionais como uma extensão minha. Eu os preparei não somente para serem melhores profissionais, mas também melhores indivíduos. Eles estão agora tanto ensinando como praticando Ortodontia, aproveitando as coisas boas da nossa profissão e servindo suas comunidades com capacidades distintas.

Como pesquisadora, tenho demonstrado que a pesquisa clínica, quando feita honestamente, nos dá respostas para muitos questionamentos que nos deparamos em nossas clínicas. A coleta correta e sistemática de dados de documentações ortodônticas e a análise sem viés dos resultados dos nossos tratamentos podem beneficiar os clínicos ao longo de suas carreiras.

Orgulho-me de ser professora, de ser uma clínica que não se acomoda com nada menos do que a excelência, perguntando sempre o que e porquê. Tenho me dedicado despretensiosamente à profissão, estando envolvida na participação de decisões para as nossas associações profissionais. Acima de tudo, sou uma esposa e uma mãe com uma carreira profissional que exige que nossos exemplos sejam aqueles que guiem outros.

Luiz Gonzaga Gandini Junior

- Livre–docência pela UNESP.

- Pós-doutorado – Baylor College of Dentistry – Dallas TX USA.

- Doutorado em Ortodontia - FOAr – UNESP.

- Mestrado em Ortodontia - FOAr – UNESP.

- Especialização em Ortodontia - FOAr – UNESP.

- Professor Livre-docente/Adjunto FOAr-UNESP.

- Assistant Adjunct Clinical Professor – Department of Orthodontic at Baylor College of Dentistry and Saint Louis University.

- Revisor do American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics e da Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial.

- Clínico em Ortodontia.

Cristina Ortolani

- Mestre e Doutora - Fousp.

- Especialista em Ortodontia - Unip.

- Especialista Ortopedia Funcional dos Maxilares - CRO.

- Professora do Mestrado em Ortodontia - Unip.

- Professora Titular da Disciplina de Ortodontia - Unip.

- Coordenadora do Curso de Especialização em Ortodontia-Unip Campinas.

Luciane Q. Closs

- Doutora em Ortodontia – UNESP/Araraquara.

- Mestre em Ortodontia – University of Detroit Mercy - EUA.

- Especialista em Ortopedia Funcional dos Maxilares - CRO.

- Diplomada pelo American Board of Orthodontists.

- Coordenadora do Curso de Especialização e Mestrado da ULBRA-Canoas.

- Professora Adjunta de Ortodontia ULBRA-Canoas.

Edela Puricelli

- Doutora, Universidade de Düsseldorf, Düsseldorf, Alemanha.

- Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial e em Disfunção da Articulação Têmporo-mandibular e Dor Orofacial - Conselho Federal de Odontologia-CFO.

- Presidente da Asociación Latinoamericana de Cirurgía Buco Maxilo Facial-ALACIBU, 2006-2009;

- Coordenadora, Curso de Mestrado e Doutorado, em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do RGS-UFRGS, Porto Alegre, RS.

- Chefe da Unidade de Cirurgia Bucomaxilofacial, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do RGS-UFRGS, Porto Alegre, RS.

- Chefe do Serviço de Cirurgia Bucomaxilofcial, Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS.

  • 1
    ALLEN-NOBLE, Paula S. Clinical management of the MARA: a manual for orthodontists and staff. Mandeville, L.A.: Allesee Orthodontic Appliances/Pro Lab, 2002.
  • 2
    PANGRAZIO-KULBERSH, V.; BERGER, J. L.; CHERMAK, D. S.; KACZYN-SKI, R.; SIMON, E. S.; HAERIAN, A. Treatment effects of the mandibular anterior repositioning appliance on patients with Class II malocclusion, Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 123, no. 3, p. 286-295, mar. 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2008
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