Acessibilidade / Reportar erro

Do aldeamento de Mboy à formação do Museu de Arte Sacra dos Jesuítas em Embu das Artes (SP)

RESUMO

A antiga igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada na cidade de Embu das Artes (SP), é um dos mais importantes documentos artísticos e arquitetônicos remanescentes da atuação da Companhia de Jesus no Brasil colônia. O prédio e seu acervo foram tombados em 1938 pelo então recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) e, apesar de sua relevância, ainda são poucos os trabalhos que se dedicaram à formação da localidade e do acervo da antiga igreja, hoje exposto no Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, instalado no local. Este texto, portanto, pretende traçar brevemente o histórico de formação do aldeamento jesuítico de Mboy, enquanto um espaço de missão da Companhia de Jesus, e trazer alguns elementos importantes acerca da história de constituição e preservação deste patrimônio cultural ao longo do tempo.

PALAVRAS-CHAVE:
Aldeamento; Companhia de Jesus; Patrimônio; Museu; Igreja de Nossa Senhora do Rosário

ABSTRACT

The old church of Our Lady of the Rosary in the city of Embu das Artes (SP) is one of the most important artistic and architectural documents remaining from the activities of the Society of Jesus in colonial Brazil. The building and its collection were listed in 1938 by the Historical and Artistic Heritage Service (Sphan) and, despite its relevance, few works have been dedicated to forming the site and the collection of the church, now on exhibition at the Jesuit Museum of Sacred Art. This text intends to trace the history Jesuit settlement of Mboy as part of a mission of the Society of Jesus, and provide some elements on the constitution and preservation of this cultural heritage.

KEYWORDS:
Jesuit mission; Society of Jesus; Cultural heritage; Museum; Church of Our Lady of the Rosary

Introdução

A antiga igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada na cidade de Embu das Artes, Região Metropolitana de São Paulo, juntamente com a Capela de São Miguel Paulista foram tombadas em 1938 pelo então recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), tornando-se assim os primeiros bens de natureza histórica e artística a serem preservados no estado de São Paulo. A igrejinha do Embu, no entanto, para além da arquitetura monumental de seu edifício e sua relevância histórica, destaca-se também nesse cenário pelo seu significativo acervo artístico.

Com obras que datam do século XVII ao XX, o acervo é composto tanto por arte integrada à arquitetura, com retábulos, oratórios e caixotões, quanto por acervo móvel, com destaque para as setecentistas imagens de terracota, imagens de vestir, de roca, alfaias, telas, mobiliário e um órgão positivo, único instrumento remanescente do trabalho musical desenvolvido pelos inacianos no Brasil, de cuja preservação se tem notícia. Não por acaso, há um esforço não só por parte do Sphan, mas também de outros grupos, para que ali fosse criado um museu de arte sacra, projeto que é posto em prática.

De modo geral, no entanto, observamos que os estudos, que até então se dedicaram à localidade, concentraram-se mais nos aspectos históricos, acerca do surgimento do antigo aldeamento jesuítico; nos aspectos formais do acervo de arte integrada à arquitetura, com predominância de estudos sobre os altares da igreja; e os aspectos arquitetônicos, em particular pesquisas voltadas a discussões sobre as técnicas e o arcabouço teórico empregado pelo Sphan no restauro da igreja, ocorrido entre 1939-1940, sob a direção do engenheiro Luís Saia. Existe, portanto, uma grande lacuna ainda a ser preenchida, no que diz respeito ao acervo móvel e o processo de criação do museu.

Isso posto, o presente artigo pretende contextualizar historicamente o surgimento da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e o processo de musealização pelo qual esse monumento e seu acervo passaram. Daremos ênfase, sobretudo, à história de criação do museu, problematizando sua musealização, visando assim esclarecer um pouco dos caminhos percorridos por estes objetos até o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas (MASJ) na atualidade.

Figura 1
Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e residência anexa, em Embu das Artes, Região Metropolitana de São Paulo.

A igreja do aldeamento jesuítico de Mboy

A igreja de Nossa Senhora do Rosário foi construída na virada do século XVII para o XVIII no aldeamento jesuítico de Mboy. No entanto, a presença da Companhia de Jesus na localidade antecede essa data, com o estabelecimento de uma missão nas terras que haviam pertencido ao casal Fernão Dias Pais Leme e Catarina Camacho.

Em 1624, o casal em questão, por uma série de conflitos entre Fernão Dias e outros colonos, opta por entregar aos padres do Colégio de São Paulo uma grande quantidade de índios recém-descidos do sertão, provenientes de uma expedição organizada pelo bandeirante que, à época, era capitão dos índios e diretor do aldeamento régio de Barueri, região oeste de São Paulo. Na ocasião, o bandeirante ainda prometeu continuar beneficiando a ordem após sua morte, com a entrega de todos os seus bens móveis e imóveis a Companhia de Jesus.1 1 1624, fevereiro, 5. Carta de doação que fez Fernão Dias Paes e Catarina Camacha aos padres do Colégio de Santo Inácio. Cota: Secretaria do Patrimônio da União (SPU/SP), Setor de Incorporações, pasta Aldeamento 5. Em 1632, no entanto, Fernão Dias se arrepende da promessa e confecciona uma nova certidão pública cancelando-a. Segundo o doador, os jesuítas vinham desrespeitando os acordos preestabelecidos, buscando usurpar suas propriedades, agindo por meio de ações difamatórias, mediante demandas judiciais e, por essas razões, anulava a promessa.

Apesar de cortadas as relações com os jesuítas, o bandeirante não deixa de buscar um modo de aliviar sua consciência, por isso, em seu leito de morte, em 1651, redige juntamente com a esposa um novo testamento, no qual deixava todo seu patrimônio a ela, excluída uma terceira parte a ser entregue aos padres do convento de Nossa Senhora do Carmo. Essa doação consistia em índios, uma légua de terras em Mboy, onde o casal tinha sua fazenda, e um pedido aos carmelitas para que: “[...] façaõ na dita terra huma igreia donde mais comodamente os possam apasentar com espiritual”.2 2 1653, junho, 30. Treslado de uma carta de destrato feita por Fernão Dias Pais em 1632, revogando uma carta de doação que havia feito aos jesuítas do Colégio de São Paulo em 1624. Seguido do treslado do testamento de Fernão Dias de 1651. Cota: Museu de Arte Sacra de São Paulo, no 1634-Mitra, fl. 2v.

Apesar de não mencionar o orago ao qual a igreja deveria ser dedicada, no mesmo documento, a Confraria de Nossa Senhora do Rosário também é beneficiada com propriedades, demonstrando assim a existência de uma predileção, por parte do casal, a essa representação Mariana. Isso posto, também podemos inferir que, antes de 1651, não havia ainda na fazenda da família uma igreja. Também fica implícito que os jesuítas, até então, não teriam se estabelecido na localidade. No entanto, o leitor deve estar se perguntando: se Fernão Dias lega seu patrimônio ao convento de Nossa Senhora do Carmo, de que modo os jesuítas conseguem constituir o aldeamento de Mboy na fazenda do bandeirante?

A mudança nos planos de Fernão Dias, e com isso o próprio curso dessa história, deve-se à atuação de sua esposa e à influência exercida pelo filho dela, o padre jesuíta Francisco de Morais que, em 1653, retorna com os companheiros ao Colégio de São Paulo, após o exílio de treze anos imposto aos inacianos pelos paulistas.

Ao retornar ao planalto, Francisco de Morais passa a usufruir da propriedade da mãe juntamente aos demais membros da ordem. Não por acaso, em menos de um mês após o retorno dos jesuítas, o prior do convento do Carmo solicita a cópia dos documentos que atestavam o cancelamento da doação de 1624 e o benefício concedido aos carmelitas em 1651, indicando assim uma certa preocupação a respeito da matéria. Por fim, a situação seria ainda agravada quando, em 1655, Catarina Camacho redige um novo testamento, mas dessa vez deixando todos os seus bens aos jesuítas, lembrando que era ela a principal herdeira de Fernão Dias e da remanescente de sua terça, que em parte havia sido prometida aos carmelitas.

O impasse entre as duas ordens só seria solucionado em 1662, por meio da realização de um acordo entre as partes, mediado por Catarina. Para que os carmelitas desistissem do pleito, os jesuítas tiveram que realizar o pagamento de cem mil réis em dinheiro e a entrega de um curral de gado acompanhado de seu vaqueiro. É a partir desse instante que os jesuítas assumem oficialmente a condição de únicos beneficiários do espólio do casal, podendo usufruí-lo sem qualquer tipo de impedimento, apesar de haver, como dito anteriormente, indícios de que mesmo antes dessa data já estariam usufruindo da propriedade, haja vista o conflito com os carmelitas.

Contextualizado o processo de inserção dos jesuítas em Mboy, acerca da Igreja de Nossa Senhora do Rosário é importante destacar que na localidade existiram ao menos duas igrejas, sendo a atual, onde funciona o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, uma construção posterior empreendida pelos inacianos por volta de 1700.

Como foi apontado anteriormente, o casal chegou a registrar por escrito, em 1651, o desejo que se construísse em sua propriedade uma igreja. Em 1668, por sua vez, ao realizar a confirmação de seu testamento, Catarina declarou que “[...] na sua fazenda de Bohy tinha hua Igreja da Virgem do Rozario muito bem aparamentada pedia e rogava a seos herdeiros a conservem e augmentem solemnizando o seo dia quanto for possível” (DI, 1915, v.44, p.370). Dessa forma, fica patente que, entre os anos 1651 e 1668, foi construída uma igreja em suas terras, questão confirmada por meio de outro relato, fornecido no ano de 1699 pelo padre João Gonçalves.

O padre João Gonçalves relatou que quando tinha cerca de oito anos de idade, ou seja, por volta de 1671, teria visitado a fazenda de Mboy, acompanhando o padre Francisco de Morais. Quando voltavam para a vila, teriam passado por um local onde “[...] se viu [...] hum oratorio donde os padres disiao missa [...] que toda a vida ouviu dizer que a dita fazenda hera da mai do dito padre francisco de morais [...]”.3 3 1699, Maio, 19. Processo contra Antonio Rodrigues de Arzão. Cota: Superintendência do Patrimônio da União/SP, Setor de Incorporações, Aldeamento pasta 3, fl. 6v. Isso posto, temos a confirmação da existência de uma igreja ricamente paramentada, construída ainda em vida da doadora em sua propriedade entre Mboy e Itapecerica. Também fica posto que os jesuítas já realizavam ofícios religiosos na propriedade em meados de 1670. No entanto, permanece ainda a dúvida se, eventualmente, essa construção teria sido executada pelos religiosos do Carmo, caso eles tenham chegado a tomar posse do espólio que lhes cabia, quando da morte de Fernão Dias, ou se trata-se de um empreendimento realizado já sob a chancela dos jesuítas, tendo em vista os indícios já mencionados.

Por fim, essa igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário, construída ainda em vida da doadora Catarina Camacho, teria sido substituída por uma nova, a igreja do Rosário que conhecemos na atualidade. Segundo o padre Manuel da Fonseca (1703-1772), essa segunda construção foi empreendida pela Companhia de Jesus em local próximo ao templo anterior. A motivação se deu pela localização da antiga aldeia que ficava em uma ladeira, próximo a um despenhadeiro e com pouca visão do entorno. Desse lugar, o padre jesuíta Belchior de Pontes (1644-1719) a teria mudado para um platô cercado por rios, facilitando assim a alimentação e obtenção de água dos moradores, onde pôde construir uma igreja maior, mais ampla e confortável para o atendimento dos índios e dos vizinhos da aldeia (Fonseca, 1932, p.142).

O momento exato dessa construção ainda não é possível precisar, mas acreditamos que tenha se dado na virada do século XVII para o XVIII, com base nos dados fornecidos pela biografia do padre Belchior de Pontes, publicada originalmente em 1752, e com o cruzamento de informações presentes nos catálogos da ordem e outras fontes documentais. Dessa forma, levando em conta, sobretudo, o que é relatado na biografia, onde é dito que o Pe. Pontes atuou em Mboy somente após as missões de Carapicuíba e Itaquaquecetuba, é possível inferir que isto tenha se dado somente após 1695.4 4 Segundo os catálogos da Companhia de Jesus a que temos acesso, o Pe. Pontes foi superior do aldeamento de Carapicuíba no período de 1692-1694, lembrando que o arco temporal pode ser maior, tendo em vista que nem todos os catálogos da ordem foram preservados, existindo lacunas para o período em questão. Cf. Arsi, Bras. 5(2), Fl. 88v e 151. Na biografia (1752) também é dito que, estando em Carapicuíba, foi designado para a aldeia de Itaquaquecetuba, momento em que teria “previsto” a morte de Pedro Vaz de Barros, ocorrida em 1695, mesmo ano da mudança. Dessa feita, inferimos que Belchior tenha atuado em Itaquaquecetuba por pelo menos um ano. Somente após este período, iria a Mboy como seu superior. Cf. IT, v.24, p.11-67.

A título de informação, no entanto, descobrimos recentemente registros que apontam para a atuação pontual do religioso no aldeamento de Mboy em período anterior, no ano 1687. De acordo com o livro de batismos de Santo Amaro (ACMSP, n.4-4-25, Fl. 4v): “A dezenove de Março de mil seiscentos e oitenta e sete bautizou, e poz os Santos óleos a Braz filho de Gonçalo, e de sua mulher [...]. Padre Belxior de Pontes da Companhia de Jezuz na Igreja de Nossa Senhora do Rozario cita em Boi [...]”.

Nesse período, é possível que o religioso não fosse o superior do aldeamento, e que estivesse realizando apenas uma missão volante, tendo em vista que, nessa época, o local tratava-se de uma aldeia de visita. De acordo com Serafim Leite (1945LEITE, A. S. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1945, t.VI., p.357), em 1689, o padre Diogo Machado, citando a aldeia de N. S. do Rosário (Mboy) e N. S. dos Prazeres (Itapecerica), informava que juntas teriam mais de 900 almas “[...] às quais assistiam, ora numa, ora noutra, dois Religiosos”. Em 1693, Embu aparece novamente na documentação jesuítica como aldeia de visita, o que ocorria somente aos domingos (Leite, 1945, p.359). É desse período, por exemplo, outro registro de batismo realizado pelo Pe. Pontes na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, e à época ele era registrado nos catálogos da ordem como superior em Carapicuíba.5 5 No registro consta o seguinte: “Aos vinte e sinco de Dezembro de mil seiscentos e noventa e quatro bautizou [...] o Padre Belxior de Pontes com minha licença na Igreja de Nossa Senhora do Rozario a Paulo filho de Manoel Fernandez [...]” (Fonte: ACMSP, n.4-4-25, Fl. 27v.).

O autor da biografia também indica que Pe. Pontes, quando superior do aldeamento de Mboy - período em que se dedicaria à construção da nova igreja do Rosário -, estaria na mesma época à frente do aldeamento vizinho de Itapecerica. Ao consultarmos o livro de batismos de Santo Amaro, observamos a presença simultânea de Belchior nas duas localidades a partir de 1703, reforçando a hipótese que tenha sido esse o período de abandono da antiga igreja e a construção da nova.6 6 Consta que em 1703, “Na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres bautizou [...] o Reverendo Padre Belxior de Pontes dois adultos do gentio de Guiné, e duas adultas da mesma nação [...]”. Não fica explícito, no assento, se os batizados eram escravos da aldeia de Itapecerica, ou de outra localidade. Apesar disso, trata-se de dado relevante e que necessita de averiguação, a fim de determinar se escravos africanos coexistiram nestas aldeias, confirmação que ainda não temos (Fonte: ACMSP, n.4-4-25, Fl. 51).

A igreja de Nossa Senhora do Rosário e seu acervo

No interior da igreja do Rosário, construída sob orientação do padre Pontes, é possível observar o belo retábulo da capela-mor e dois altares laterais ao arco-cruzeiro que completam a arquitetura da igreja. Segundo Manuel da Fonseca (1932, p.142-3), o padre Belchior de Pontes não pode à época decorá-la, tarefa desempenhada por seus sucessores, que a executaram com empenho, já estando o templo ornado e dourado quando de sua estada na região, entre 1738-1751.7 7 A primeira estada do autor em São Paulo ocorreu por volta de 1738, quando assumiu a direção do aldeamento de Itapecerica. De acordo com os catálogos da ordem, em 1739 já estaria no Colégio do Espírito Santo, atuando como catequista, permanecendo no local nos anos seguintes. Em 1742 retorna para o colégio de São Paulo, período que inicia a coleta de informações acerca do Pe. Pontes e redação da biografia. Permanece nesse colégio nos anos seguintes, desempenhando diversas funções, dentre elas de professor de Filosofia e Teologia Moral. A partir de tais dados, podemos inferir que a Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes foi escrita no Colégio de São Paulo entre 1743 e 1750, pois as aprovações da mesa censória, em Portugal, datam do segundo semestre de 1751 (Cf. Arsi, Bras. 6, Fl. 246v, 253v, 312v, 324v, 330v, 374, 380v, 385, 398v.).

A igreja é composta por uma capela-mor, duas capelas colaterais e um belo púlpito localizado na nave. A ornamentação interna, por sua vez, concentra-se nesses locais, não havendo informações, por ora, se em algum momento existiram pinturas na nave do templo.

Os altares colaterais possuem um esquema estrutural e ornamental comum ao estilo nacional português, e destaca-se na ornamentação a presença de pássaros e videiras por todo o retábulo, desde as colunas até o coroamento. Composto por quatro colunas pseudossalomônicas, o conjunto é rematado por arquivoltas espiraladas e ao centro temos a representação de uma águia bicéfala.

Estilisticamente falando, os altares laterais se diferenciam em diversos aspectos em relação ao altar-mor, levando muitos pesquisadores a acreditarem se tratar de um retábulo proveniente de outro local ou até mesmo anterior ao período de construção da igreja. Essa teoria é reforçada pelo fato de esses retábulos não estarem completamente encaixados na parede, fornecendo a impressão de um encaixe posterior, um reaproveitamento. Ainda não há consenso sobre sua origem, podendo ser da igreja que havia na fazenda de Catarina Camacho ou até mesmo de outras missões da Companhia de Jesus, como o aldeamento de Carapicuíba, que à época havia sido extinto e sua população distribuída entre outras aldeias (Silva, 2018SILVA, A. O aldeamento jesuítico de Mboy: administração temporal (séc. XVII-XVIII). São Paulo, 2018. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo., p.116), ou do próprio Colégio de São Paulo, tendo em vista que esta igreja foi totalmente remodelada entre os anos 1667 e 1694 (Martins, 2018MARTINS, R. M. de A. Vestigios cifrados: Destrucción, dispersión y reconstitución del patrimonio jesuítico en los Estados de Río de Janeiro y São Paulo. H-ART, n.3, p.215-52, julio-diciembre 2018., p.232).

O retábulo da capela-mor, por sua vez, com características comuns ao perío- do joanino, possui uma estrutura horizontal tripartida, com nichos para santos, separados por pilastras e colunas em espiral. Ao centro, no plano mais alto, há uma camarinha encimada por dossel, dedicado à padroeira. Abaixo temos um trono para o crucifixo também arrematado por dossel. O arremate do retábulo-mor, por sua vez, difere da solução adotada nos altares colaterais. Na capela-mor também se destaca o forro do templo, composto por caixotões delimitados por molduras, ricamente ornamentados com pinturas de padrões fitomórficos.

Segundo Tirapeli (2003TIRAPELI, P. Igrejas paulistas: barroco e rococó. São Paulo: Editora Unesp; Imprensa Oficial do Estado, 2003., p.53 e 232), o retábulo-mor em estilo joanino seria obra do padre Belchior de Pontes, atribuindo também a ele a confecção da imagem da padroeira. Como dito anteriormente, a decoração da igreja não foi empreendida pelo religioso, cuja informação aparece de forma clara em sua biografia (Fonseca, 1932, p.142-3):

Fabricou-lhes Igreja com sufficiente capacidade, para que os Indios, e vizinhos pudessem commodamente observar os preceitos, a que estaõ obrigados. Dedicou-a a Nossa Senhora do Rozario, collocando nella huma formoza Imagem [...]. Vê-se hoje este Templo ornado de hum formoso retabolo de talha primorozamente lavrado, e ja dourado: [...] porque ainda que naquelles tempos naõ pode o Padre orná-lo, naõ faltaraõ com tudo sucessores, os quaes levados da devoçaõ, que tinhaõ á Senhora, fizeraõ todo o possivel, para que naquelle ainda que pequeno palacio estivesse com a decencia, que se lhe devia como a Rainha.

Essa hipótese de que o padre Pontes teria sido o responsável pela ornamentação e produção da imagem aparece pela primeira vez na obra de Leonardo Arroyo (1954ARROYO, L. Nossa Senhora do Rosário do Embu (O Mboy das Lendas). In: Igrejas de São Paulo. Introdução ao estudo dos templos mais característicos de São Paulo nas suas relações com a crônica da cidade. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954., p.133), interpretação com a qual não concordamos. Pelo trecho citado, fica evidente que o padre não atuou na produção do retábulo, assim como não há indícios de que teria sido o responsável pelo projeto. Outro ponto a se destacar é acerca da imagem de Nossa Senhora do Rosário. No texto é dito que ele “a colocou no altar”, não que a esculpiu. Portanto, não há por parte do biógrafo qualquer tipo de atribuição, algo que provavelmente teria sido mencionado caso fosse a situação, tendo em vista o empenho do autor na construção da imagem e no registro dos feitos memoráveis do religioso.

Figura 2
Capela-mor e altares colaterais da Igreja de Nossa Senhora do Rosario.

Figura 3
Capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosario. Em destaque, as imagens de N. S. do Rosario, Santo Inacio de Loyola, Sao Francisco Xavier e, sob a mesa de comunhao, o Cristo morto.

Até o presente momento, o indício mais próximo que há em relação a uma possível datação e autoria do retábulo-mor é fornecido pelo historiador jesuíta Antonio Serafim Leite (1945LEITE, A. S. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1945, t.VI., p.359-60), segundo o qual, em relação aos altares do Embu, “[...] a Ânua de 1735 traz uma indicação precisa [...] que se fês de novo a Capela-mor e a Capela colateral, obra na verdade, bem esculpida, e artisticamente dourada. A esta data era Superior da Aldeia de Embu o P. José de Moura [...]”.

O destaque dado por Serafim Leite ao fato de o padre Moura ser o superior não se trata de mera formalidade. Esse religioso foi o responsável pela construção de uma grande ponte sobre o Rio Tietê, obra complexa e que contou com o trabalho de indígenas dos aldeamentos do colégio, demonstrando assim o seu conhecimento e envolvimento em obras de engenharia e arquitetura (Actas da Câmara, 1915, p.361-3, 377, 385-7). Para além disso, a construção da ponte se deu em 1734, período em que estava à frente do aldeamento de Mboy, dado fornecido pelos catálogos da ordem que o referenciam como seu superior entre os anos de 1732 e 1735 (ARSI, Bras. 6, 161v e 194v).

A esses indícios soma-se outra informação encontrada durante nossas pesquisas. Há uma carta, de 1733, em que um indivíduo agradece ao padre José de Moura pelas “[...] Santas Imagens por virem tão singolares, que basta ser couza feita pello Senhor Irmão de Vossa R. [...].” (ACMSP, doc. avulsos, Ig. N.ª S.ª do Rosário), ou seja, outro indicativo da participação do religioso na produção e comercialização de obras, sejam elas de grande porte, como a construção de uma ponte, seja de imaginária sacra.

Em relação ao acervo móvel da igreja, em particular o de imaginária, diferentemente do que ocorre a respeito do acervo de arte integrada, praticamente não existem pesquisas, não estando claro ainda o motivo para tal lacuna. Não há um estudo, por exemplo, que pudesse esclarecer quais obras seriam do período dito “jesuítico”, ou seja, anterior a 1759, ano da expulsão da ordem do Brasil, e o que teria sido incorporado posteriormente. Também não há estudos acerca do que teria sido produzido in loco, nas oficinas mantidas pelo colégio, e aquilo que seria proveniente de outros locais. É importante destacar a questão, pois o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas preserva uma parte significativa da história da arte produzida em São Paulo durante o período colonial, merecendo o seu acervo, portanto, um pouco mais da atenção dos pesquisadores.

O museu

Pesquisando a história do Museu de Arte Sacra dos Jesuítas (MASJ) em jornais publicados entre os anos 1940 e 1970, constatamos a existência de um pequeno museu na Igreja de Nossa Senhora do Rosário desde pelo menos 1942, indicando assim sua antiguidade. No entanto, curiosamente, o museu é referenciado em várias reportagens, mas sempre com diferentes nomes, dentre eles: Museu Histórico do Embu, Museu do Embu, Museu Sacro, Museu do Convento, Museu Histórico Sacro, Museu anexo, Museu Histórico e Religioso dos Jesuítas, Museu do Convento do Embu, entre outros. A confusão dos nomes, algo que ainda encontra reminiscências na atualidade, diga-se de passagem, expõe de certo modo o longo e conflituoso processo de musealização pelo qual esse patrimônio cultural passou, cuja criação foi marcada por disputas e a ausência de uma definição institucional clara visando sua perenidade. Assim, em 2020, o MASJ comemora 50 anos de sua reabertura, sendo ainda pouco conhecido pelo grande público.

A referência mais antiga a respeito do projeto de implementação de um museu na Igreja do Embu nos é fornecida pelo intelectual Paulo Duarte (1899-1984). Segundo Duarte (1972),

Numa entrevista que, em 1937, tive com o arcebispo metropolitano, d. Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938), [...] disse-lhes da minha ideia de instalar no Embu um pequeno museu jesuítico, cuja direção poderia ser confiada a um padre jesuíta afeiçoado às coisas históricas. [...]. Afinal ele concordou comigo e ficou firme que em Embu seria instalado o pequeno museu.

À época, estava em discussão o tombamento (1938) da igreja que culminaria no restauro da edificação (1939-1940). É possível observar, portanto, que no tombamento já havia o embrião da criação de um museu, desejo alimentado pelos técnicos do Sphan e seus apoiadores. No entanto, em um primeiro momento, havia a intenção de devolver o monumento aos jesuítas, ficando a cargo desses a implementação do projeto. Mário de Andrade (1992ANDRADE, M. de. Será o Benedito! - Artigos publicados no Suplemento em Rotogravura de O Estado de S. Paulo. São Paulo: Educ; Giordano; Ag. Estado, 1992., p.90), inclusive, registrou de modo eufórico em um de seus artigos a notícia: “Dentro de poucos meses, a igreja e convento viverão renascidos num aspecto mais tradicional, protegidos da ruína definitiva e habitados pelos mesmos jesuítas que os fizeram”. Mas, infelizmente, os planos não saíram bem como o planejado.

Os inacianos pretendiam instalar na antiga residência uma comunidade, formada particularmente por padres idosos, sendo portanto necessária a adaptação do prédio, e é nesse ponto que começam a surgir conflitos. A Companhia de Jesus fez algumas exigências ao Sphan, dentre elas que no piso térreo, de terra batida, fosse colocado um assoalho de madeira, uma cozinha e instalações sanitárias, pedidos atendidos pelo instituto e custeados pelos inacianos. Também exigiram que, no primeiro andar, houvesse forro e vidro nas janelas, e nesse ponto houve muita resistência por parte dos técnicos. Eles julgavam que as soluções pedidas interferiam muito na estética do monumento, o que buscavam evitar ao máximo (Antonio Andrade, 1992ANDRADE, M. de. Será o Benedito! - Artigos publicados no Suplemento em Rotogravura de O Estado de S. Paulo. São Paulo: Educ; Giordano; Ag. Estado, 1992., p.13). Não havendo acordo, os jesuítas desistiram de assumir o prédio, ficando a gestão do monumento, por ora, confiada ao instituto do patrimônio.

São os técnicos do Sphan, portanto, os responsáveis por implementar no local o primeiro esboço do que viria a se tornar o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, e para tal empreitada temos a participação do músico e folclorista Oswaldo Câmara de Souza (1904-1995).

Oswaldo de Souza chega à então vila do Embu por volta de 1940 e passa a residir na casa do pintor e amigo Cássio Mboy (1903-1986). Em razão da necessidade de o Sphan manter um zelador no convento, Oswaldo é contratado e se muda para a edificação, dando início ao primeiro esforço de musealização daquele acervo, no ano 1942.

Após um trabalhoso processo de limpeza e organização das peças, com a ajuda de um amigo, o Sr. Salim Neme Bassith, comerciante que disponibiliza gratuitamente caixotes, Oswaldo improvisa peanhas, revestindo-os com tecidos de damascos encontrados na sacristia, dando assim origem à primeira exposição do museu. Segundo Galvão (1988GALVÃO, C. A. P. Oswaldo de Souza: o canto do nordeste. Rio de Janeiro: Funarte, 1988., p.52)

Aberta a exposição, as imagens dispostas por todo o recinto do convento devolveram vida e dinamismo de que se ressentia o velho monumento. O povo da vila recebeu a exposição com muito contentamento e aos superiores hierárquicos do Sphan pareceu que muito apreciou o trabalho, o que se comprovava pelas constantes visitas que para ali convergiam, às vezes até em horário impróprios e feriados. A vila do Embu transformava-se assim em atração turística.

Em 1946, em ofício enviado por Rodrigo Melo Franco a Luís Saia, eram discutidas questões levantadas pelo Sr. Oswaldo acerca da necessidade de se estabelecer um horário fixo de visitação, criação de fichas de registro das peças, a contratação de auxiliares para ajudá-lo no desenvolvimento do trabalho e a aquisição de mostruários para expor peças pequenas, devido ao risco de furtos e atos de vandalismo. Ou seja, era posto em curso a tentativa de profissionalizar o museu, ampliando seu escopo e funcionamento. No entanto, mais uma vez, o projeto passaria por reveses, com o aparecimento da figura de Odette de Souza Carvalho (1898-1973), religiosa responsável pela Fundação Maria Auxiliadora.

Em 1946, madre Odette, nome pelo qual será popularmente conhecida, recebe do monsenhor José Maria Monteiro, então vigário geral da Arquidiocese de São Paulo, o convite para assumir o monumento. Os motivos seriam a ausência, há mais de 80 anos, de religiosos no local, e o uso que o senhor Oswaldo vinha fazendo do espaço em questão, promovendo festas e eventos no edifício, algo considerado inadequado pela Igreja. Assim, o arcebispado de São Paulo, por meio de uma escritura pública, entregou à Fundação Maria Auxiliadora o direito de uso perpétuo do monumento.8 8 Madre Odette assume o edifício em 1947. A escritura de aforamento perpétuo, por sua vez, foi registrada em 11 de maio de 1948. Cf. 1971, julho, 30. Carta ao Arcebispo Metropolitano de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, enviada por Madre Odette de Sousa Carvalho. Cota: Museu de Arte Sacra dos Jesuítas.

O Sphan, obviamente, não gostou da decisão, e o relacionamento entre o instituto e a diretora da Fundação seria marcado por conflitos. Madre Odette, por sua vez, ao assumir o monumento, atende o pedido do Instituto, de manter o prédio franqueado à visitação pública,9 9 1946, dezembro, 17. Rio de Janeiro. Carta de Rodrigo Melo Franco de Andrade à D. Odete de Sousa Carvalho. Cota: Arquivo do Iphan-SP, Embu-MTSP - Igreja de Nossa Senhora do Rosário, PT 00085-0180-T-38-pasta 2. e dá, ao seu modo, continuidade ao projeto de criação de um museu de arte sacra no local. Segundo a religiosa (Tribuna do Embu, julho de 1969),

O primeiro dia que passei no Convento do Embu, depois que ele e a Igreja foram entregues à nossa Fundação Maria Auxiliadora, observei a beleza e riqueza da Igreja e Sacristia. A construção, com suas paredes de 70 centímetros de largura, suas janelas sem dobradiças e suas imensas vigas colocadas no alto fizeram-me sentir que houve naquela época onde tudo era difícil, muito sacrifício, amor a Deus e à arte. Tudo aí impressionou-me profundamente. Subi e estaquei naquele grande corredor cujo o vazio fala a nossa alma. Entrei nas celas com os santos dispostos pelo funcionário do Sphan. Lembrei-me que os Jesuítas fizeram a catequese ensinando aos índios por meio de imagens e desejei reproduzir com elas as mesmas cenas que talvez eles apresentaram. A imaginação trabalhou precipitadamente: … consertar-se-ia o que estava quebrado, vestir-se-iam os santos com indumentária digna, remover-se-iam as pinturas feitas recentemente [...]. Sonhei ver no andar superior do Convento um “Museu” que seria, talvez o único no mundo, cujas imagens e peças verdadeiramente autênticas e do lugar, contassem aos visitantes o uso que tiveram no século XVIII [...].

Com o auxílio de intelectuais, a religiosa constitui um conselho com a finalidade de estudar o acervo e propor ações de restauro das peças.10 10 1953, julho, 25. Carta de Madre Odette a Luis Saia. Cota: Arquivo do Iphan-SP, Pt00085-0180T-38-P5. É nesse contexto, por exemplo, que o antigo órgão da igreja do Embu passa por seu primeiro restauro, sendo inclusive tocado no Teatro Cultura Artística, em 1953.11 11 Restaurado o antigo órgão do Convento de N. S. do Embu, O Estado de S. Paulo, quinta-feira, 1 de outubro de 1953. Nesse mesmo ano, parte do acervo móvel é transladado para São Paulo, passando assim pelas primeiras intervenções. Dentre os restauradores escolhidos para a missão, destaca-se a figura de Lurdes Duarte Milliet,12 12 A Sra. Lurdes Milliet era irmã do intelectual Paulo Duarte. Observe que ela também será a responsável pela organização e restauro, a partir de 1949, do Presépio Napolitano da família Matarazzo, atualmente exposto no Museu de Arte Sacra de São Paulo (cf. Ambrosio, 2012, p.466). que será responsável pelo restauro de inúmeras obras do acervo, dentre elas a Santa Ceia e o Presépio. A partir de 1957, o acervo de arte integrada também passaria por obras de restauro, e o prédio, por novas reformas; e os custos seriam arcados por famílias da alta sociedade paulistana. Segundo o jornalista Petrônio Coutinho (1957COUTINHO, P. M. Folha da Noite, quarta-feira, 2 de janeiro de 1957.),

A capela e a residência popularmente chamada de convento de Embu serão, por sua vez, objeto de novo programa de restauração, que terá início em julho de 1957.

[...]

Ao que estamos informados, em seu novo programa de restauração, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional irá realizar um serviço completo de estaqueamento, realizará consertos no telhado, e procurará restaurar, inclusive os trabalhos de talha sobre madeira, [...].

[...]

A pintura dos forros também será retocada e outras peças, objetos de culto, como é o caso da pia batismal de madeira esculpida pelos índios, e o púlpito lateral do templo, também serão objeto de restauração.

Figura 4
Vista interna do Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, corredor superior da residência.

É importante destacar que, durante praticamente todo o período de organização do museu pela madre Odette, a igreja e a residência anexa permaneceram abertos à visitação. Somente em duas ocasiões o museu seria fechado temporariamente, por atos de vandalismo praticados por visitantes, que levavam fragmentos das peças, até então expostas sem vitrines. Com a aquisição de expositores, a reabertura oficial ocorreria em maio de 1970, sendo possível observar, ainda na atualidade, parte da expografia inaugurada naquele ano pela religiosa e seus colaboradores.

Com o falecimento de madre Odette (1973) e o fim da Fundação Maria Auxiliadora (1986), o monumento Igreja de N. Sra. do Rosário e seu acervo seriam finalmente entregues à Companhia de Jesus, que por volta de 1988 assume a gestão do espaço, dando continuidade ao museu.13 13 A devolução do monumento aos jesuítas foi oficializada, por meio de escritura, em 2 de dezembro de 1991.

Considerações finais

Ao apresentar a história de formação do patrimônio cultural Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a musealização de seu acervo, buscamos compartilhar com o leitor a complexidade do processo de análise e compreensão desses espaços e manifestações culturais na atualidade. Nesses estudos, para além de uma análise formal dos objetos, é de suma importância pensar os contextos e a ação dos diversos agentes sociais sobre o patrimônio, seja no presente, seja no passado, levando em consideração não somente o processo histórico pelo qual foi possível a produção dessas obras, mas também o percurso de apropriação, preservação e, eventualmente, exposição dessas em museus. Trata-se de questões importantes que impactam diretamente na leitura que fazemos e no modo com o qual nos relacionamos com estes objetos. Isso posto, o presente artigo buscou apresentar e discutir, de forma breve, alguns caminhos pelos quais a igreja do Rosário e seu acervo percorreram até a nossa contemporaneidade.

Arquivos consultados

  • Secretaria do Patrimônio da União, Superintendência de São Paulo (SPU-SP).
  • Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS-SP).
  • Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo (ACMSP).
  • Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Superintendência de São Paulo (Iphan-SP).
  • Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, Embu das Artes (MASJ).
  • Archivum Romanum Societatis Iesu, Roma (Arsi).

Referências

  • ACTAS da Câmara da Cidade de S. Paulo (1730-1736). Publicação official do Archivo Municipal de S. Paulo. São Paulo: TypografiaPìratininga, 1915, v.X.
  • AMBROSIO, E. R. Presépio Napolitano do Museu de Arte Sacra de São Paulo e de coleções internacionais: cenografia e expografia. Campinas, 2012. Tese (Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
  • ANDRADE, A. L. D. de. Nariz torcido de Lúcio costa. Sinopses [S.l.], n.18, 1992.
  • ANDRADE, M. de. Será o Benedito! - Artigos publicados no Suplemento em Rotogravura de O Estado de S. Paulo. São Paulo: Educ; Giordano; Ag. Estado, 1992.
  • ARROYO, L. Nossa Senhora do Rosário do Embu (O Mboy das Lendas). In: Igrejas de São Paulo. Introdução ao estudo dos templos mais característicos de São Paulo nas suas relações com a crônica da cidade. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954.
  • CARVALHO, O. de S. Madre Odette: sua vida sua Obra (IX). Tribuna do Embu, julho 1969.
  • COUTINHO, P. M. Folha da Noite, quarta-feira, 2 de janeiro de 1957.
  • DOCUMENTOS interessantes para a História e Costumes de S. Paulo. São Paulo: Typ. Cardozo Filho & Comp., 1915, v.44.
  • DUARTE, P. Briguinha condena o convento do Embu. O Estado de S. Paulo, domingo, 12 de novembro de 1972.
  • FONSECA, M. Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes. Lisboa: Publicado pela officina de Francisco da Silva, 1752. Reeditada pela Companhia Melhoramentos de São Paulo: Cayeiras: Rio de Janeiro, 1932.
  • GALVÃO, C. A. P. Oswaldo de Souza: o canto do nordeste. Rio de Janeiro: Funarte, 1988.
  • INVENTÁRIOS E TESTAMENTOS. São Paulo: Arquivo do Estado de São Paulo, v.24.
  • LEITE, A. S. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1945, t.VI.
  • MARTINS, R. M. de A. Vestigios cifrados: Destrucción, dispersión y reconstitución del patrimonio jesuítico en los Estados de Río de Janeiro y São Paulo. H-ART, n.3, p.215-52, julio-diciembre 2018.
  • O ESTADO DE S. PAULO. Restaurado o antigo órgão do Convento de N. S. do Embu, quinta-feira, 1 de outubro de 1953.
  • SILVA, A. O aldeamento jesuítico de Mboy: administração temporal (séc. XVII-XVIII). São Paulo, 2018. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
  • TIRAPELI, P. Igrejas paulistas: barroco e rococó. São Paulo: Editora Unesp; Imprensa Oficial do Estado, 2003.

Notas

  • 1
    1624, fevereiro, 5. Carta de doação que fez Fernão Dias Paes e Catarina Camacha aos padres do Colégio de Santo Inácio. Cota: Secretaria do Patrimônio da União (SPU/SP), Setor de Incorporações, pasta Aldeamento 5.
  • 2
    1653, junho, 30. Treslado de uma carta de destrato feita por Fernão Dias Pais em 1632, revogando uma carta de doação que havia feito aos jesuítas do Colégio de São Paulo em 1624. Seguido do treslado do testamento de Fernão Dias de 1651. Cota: Museu de Arte Sacra de São Paulo, no 1634-Mitra, fl. 2v.
  • 3
    1699, Maio, 19. Processo contra Antonio Rodrigues de Arzão. Cota: Superintendência do Patrimônio da União/SP, Setor de Incorporações, Aldeamento pasta 3, fl. 6v.
  • 4
    Segundo os catálogos da Companhia de Jesus a que temos acesso, o Pe. Pontes foi superior do aldeamento de Carapicuíba no período de 1692-1694, lembrando que o arco temporal pode ser maior, tendo em vista que nem todos os catálogos da ordem foram preservados, existindo lacunas para o período em questão. Cf. Arsi, Bras. 5(2), Fl. 88v e 151. Na biografia (1752) também é dito que, estando em Carapicuíba, foi designado para a aldeia de Itaquaquecetuba, momento em que teria “previsto” a morte de Pedro Vaz de Barros, ocorrida em 1695, mesmo ano da mudança. Dessa feita, inferimos que Belchior tenha atuado em Itaquaquecetuba por pelo menos um ano. Somente após este período, iria a Mboy como seu superior. Cf. IT, v.24, p.11-67.
  • 5
    No registro consta o seguinte: “Aos vinte e sinco de Dezembro de mil seiscentos e noventa e quatro bautizou [...] o Padre Belxior de Pontes com minha licença na Igreja de Nossa Senhora do Rozario a Paulo filho de Manoel Fernandez [...]” (Fonte: ACMSP, n.4-4-25, Fl. 27v.).
  • 6
    Consta que em 1703, “Na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres bautizou [...] o Reverendo Padre Belxior de Pontes dois adultos do gentio de Guiné, e duas adultas da mesma nação [...]”. Não fica explícito, no assento, se os batizados eram escravos da aldeia de Itapecerica, ou de outra localidade. Apesar disso, trata-se de dado relevante e que necessita de averiguação, a fim de determinar se escravos africanos coexistiram nestas aldeias, confirmação que ainda não temos (Fonte: ACMSP, n.4-4-25, Fl. 51).
  • 7
    A primeira estada do autor em São Paulo ocorreu por volta de 1738, quando assumiu a direção do aldeamento de Itapecerica. De acordo com os catálogos da ordem, em 1739 já estaria no Colégio do Espírito Santo, atuando como catequista, permanecendo no local nos anos seguintes. Em 1742 retorna para o colégio de São Paulo, período que inicia a coleta de informações acerca do Pe. Pontes e redação da biografia. Permanece nesse colégio nos anos seguintes, desempenhando diversas funções, dentre elas de professor de Filosofia e Teologia Moral. A partir de tais dados, podemos inferir que a Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes foi escrita no Colégio de São Paulo entre 1743 e 1750, pois as aprovações da mesa censória, em Portugal, datam do segundo semestre de 1751 (Cf. Arsi, Bras. 6, Fl. 246v, 253v, 312v, 324v, 330v, 374, 380v, 385, 398v.).
  • 8
    Madre Odette assume o edifício em 1947. A escritura de aforamento perpétuo, por sua vez, foi registrada em 11 de maio de 1948. Cf. 1971, julho, 30. Carta ao Arcebispo Metropolitano de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, enviada por Madre Odette de Sousa Carvalho. Cota: Museu de Arte Sacra dos Jesuítas.
  • 9
    1946, dezembro, 17. Rio de Janeiro. Carta de Rodrigo Melo Franco de Andrade à D. Odete de Sousa Carvalho. Cota: Arquivo do Iphan-SP, Embu-MTSP - Igreja de Nossa Senhora do Rosário, PT 00085-0180-T-38-pasta 2.
  • 10
    1953, julho, 25. Carta de Madre Odette a Luis Saia. Cota: Arquivo do Iphan-SP, Pt00085-0180T-38-P5.
  • 11
    Restaurado o antigo órgão do Convento de N. S. do Embu, O Estado de S. Paulo, quinta-feira, 1 de outubro de 1953.
  • 12
    A Sra. Lurdes Milliet era irmã do intelectual Paulo Duarte. Observe que ela também será a responsável pela organização e restauro, a partir de 1949, do Presépio Napolitano da família Matarazzo, atualmente exposto no Museu de Arte Sacra de São Paulo (cf. Ambrosio, 2012, p.466).
  • 13
    A devolução do monumento aos jesuítas foi oficializada, por meio de escritura, em 2 de dezembro de 1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2020
  • Aceito
    05 Mar 2021
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Rua da Reitoria,109 - Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo SP - Brasil, Tel: (55 11) 3091-1675/3091-1676, Fax: (55 11) 3091-4306 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudosavancados@usp.br