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Gás "de xisto" no Brasil: uma necessidade?

Resumos

Nos últimos anos cresceu o número de defensores do uso do gás "de xisto" como a melhor alternativa para baratear a produção de energia no Brasil. Este texto apresenta a formação de gás natural não convencional em rochas sedimentares no Brasil, bem como o fraturamento hidráulico e seus impactos socioambientais. Por fim, pondera sobre a necessidade de utilizar essas reservas no Brasil, já que a questão central é discutir o uso da energia no país.

Gás de folhelho; Fonte de energia; Brasil


In recent years increased the number of supporters use of shale gas as the best alternative to cheapen the production of energy in Brazil. This paper presents a non-conventional natural gas formation in sedimentary rocks in Brazil, as well as hydraulic fracturing and its environmental impacts. Finally, ponders the need to use these reserves in Brazil, since the central issue is to discuss the use of energy in the country.

Shale gas; Source of energy; Brazil


SOCIEDADE E AMBIENTE

Gás "de xisto" no Brasil: uma necessidade?

Wagner Costa Ribeiro

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil

RESUMO

Nos últimos anos cresceu o número de defensores do uso do gás "de xisto" como a melhor alternativa para baratear a produção de energia no Brasil. Este texto apresenta a formação de gás natural não convencional em rochas sedimentares no Brasil, bem como o fraturamento hidráulico e seus impactos socioambientais. Por fim, pondera sobre a necessidade de utilizar essas reservas no Brasil, já que a questão central é discutir o uso da energia no país.

Palavras-chave: Gás de folhelho, Fonte de energia, Brasil

ABSTRACT

In recent years increased the number of supporters use of shale gas as the best alternative to cheapen the production of energy in Brazil. This paper presents a non-conventional natural gas formation in sedimentary rocks in Brazil, as well as hydraulic fracturing and its environmental impacts. Finally, ponders the need to use these reserves in Brazil, since the central issue is to discuss the use of energy in the country.

Keywords: Shale gas, Source of energy, Brazil

NOS ÚLTIMOS anos cresceu o número de defensores do uso do gás "de xisto" como a melhor alternativa para baratear a produção de energia no Brasil. Como argumento central apresentam o caso dos Estados Unidos da América, que teriam aumentado e barateado sua produção energética por meio do uso de uma técnica conhecida como fraturamento hidráulico em bacias sedimentares, onde ocorrem as reservas de gás.

Este texto apresenta a formação de gás natural não convencional em rochas sedimentares no Brasil, bem como o fraturamento hidráulico. A seguir, comenta os impactos ambientais que esse tipo de exploração gera. Por fim, pondera sobre a necessidade de utilizar essas reservas no Brasil, já que a questão central é discutir o uso da energia no país.

Gás de folhelho e fraturamento hidráulico

Existem quatro fontes de gases não convencionais, ou seja, que não estão associados à ocorrência de petróleo: o gás confinado (tight gas formations), encontrado em rochas impermeáveis ou de baixa permeabilidade, em geral arenitos, mas também presente em rochas carbonáticas; o metano, que ocorre entre camadas de carvão mineral; o hidrato de metano, que se concentra em áreas sedimentares marinhas com mais de 500 m de lâmina de água; e o gás de folhelho (shale gas).

Gás de folhelho é aquele que se acumulou ao longo do tempo em rochas sedimentares, que se formaram de finos grãos de argila em depósitos de origem marinha ou lagunar devido à baixa intensidade de energia desses ambientes, o que facilita a deposição dos sedimentos. O resultado de anos de pressão sobre esse material é uma rocha com uma aparência peculiar, que parece um acúmulo de folhas. Tais rochas possuem elevada fissibilidade, ou seja, podem ser separadas em lâminas.

O gás que se formou nesse tipo de rocha é resultado da concentração de matéria orgânica que foi depositada ao longo de séculos. Por isso está errado nomeá-lo como gás "de xisto", pois, apesar de ter um aspecto similar ao das rochas sedimentares, uma concentração de lâminas, o xisto é resultado de processos metamórficos que alteraram a rocha por mudanças intensas de pressão e temperatura, o que dificulta o acúmulo de matéria orgânica.

No Brasil encontram-se várias bacias sedimentares com potencial de ocorrência de gás de folhelho, conforme o Mapa 1.


Observa-se que, na Amazônia, existe potencial na porção Ocidental, na bacia sedimentar do Solimões que atinge o Acre e o Amazonas, mas também em uma extensa faixa que passa por Manaus até Macapá, afetando os estados do Amazonas, do Pará e do Amapá, na bacia sedimentar do Amazonas. Além disso, encontra-se potencial de ocorrência de gás de folhelho em uma faixa que segue de Rondônia ao Norte de Mato Grosso, na bacia sedimentar dos Parecis. Na bacia sedimentar do Parnaíba, os estados do Maranhão e do Piauí apresentam potencial, bem como o estado de Tocantins. Uma estreita faixa que se projeta em paralelo ao litoral ao norte de Salvador também foi mapeada como possível ocorrência de gás. Ela atinge Bahia, Sergipe e Alagoas. Na bacia sedimentar do Paraná está uma mancha com potencial de presença de gás de folhelho que segue do Mato Grosso, em direção a Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Segundo foi noticiado pela imprensa no Brasil ao longo de 2013, a Agência Internacional de Energia estimou que o país possui cerca de 6,4 trilhões de metros cúbicos de reservas de gás de folhelho, o que o posicionaria em décimo lugar no mundo. China, Estados Unidos e Argentina são os principais países em reservas dessa fonte de energia, que passou a ser mais explorada recentemente graças ao uso de uma técnica desenvolvida nas últimas décadas.

O fraturamento hidráulico resulta do esforço de pesquisa do Gas Research Institute, criado em 1976 nos Estados Unidos, junto ao Gas Technology Institute para pesquisar novas técnicas de exploração de gás. Na época buscavam-se alternativas ao petróleo como fonte de energia. Essa técnica combina tecnologia de perfuração e de fraturamento de rochas. Inicialmente, na etapa de perfuração, um duto é introduzido verticalmente na rocha. Depois, ao se atingir uma camada com presença de gás, inicia-se o fraturamento com o lançamento, sob pressão, de substâncias químicas, areia e muita água, horizontalmente, para liberar o gás metano aprisionado.

De acordo com Almeida (2012), estudos de viabilidade econômica da exploração desse tipo de fonte de energia apontam que no primeiro ano obtém-se uma elevada produção, que tende a cair cerca de 39% no segundo ano, e cerca de 50% no terceiro ano. A queda de produção chega, em dez anos, a 95% do que foi extraído no primeiro ano! Portanto, trata-se de uma atividade intensiva que exaure um recurso natural não renovável em praticamente uma década, se as condições de exploração o forem ideais, ou seja, não sejam encontradas dificuldades sociais e geológicas à retirada do gás. Grandes companhias de energia, como a Shell e a British Petroleum, apontaram que os resultados de seus investimentos para a extração de gás de folhelho foram aquém do esperado. O executivo-chefe da Shell, Peter Voser, afirmou em entrevista ao Financial Times de outubro de 2013 que a aposta na extração de gás de folhelho nos Estados Unidos gerou prejuízos da ordem de 2,1 bilhões de dólares (Chazan, 2013).

Impactos ambientais do gás de folhelho

Os impactos do uso desse método de exploração são sérios e bastante danosos para a sociedade e para a natureza. As substâncias químicas utilizadas não são divulgadas com precisão (especula-se que sejam mais de sessenta), mas já se sabe que esse processo resulta em contaminação de solo e da água. Isso porque o fraturamento da rocha aumenta sua permeabilidade, fazendo que a água usada no processo de extração se misture às substâncias químicas e penetre tanto nos corpos de água (lençol freático ou mesmo em aquíferos) quanto no solo, uma vez que ela é reintroduzida no interior da terra após o fraturamento. Ou seja, as reservas naturais de água subterrânea não podem mais ser usadas, além de poderem chegar até os rios e contaminá-los, e o solo passa a conter substâncias químicas danosas à saúde humana e animal.

Mas existem outros riscos associados à exploração do gás de folhelho. Um deles é a explosão não no ponto de coleta, que em geral é monitorado, mas em outras partes da bacia já que não se conhece ao certo o quanto o material solidificado é alterado. Ou seja, o gás pode penetrar por fissuras da rocha e aflorar em pontos da superfície e, eventualmente, entrar em combustão, causando sérios riscos à população, aos animais e ao patrimônio. Foi amplamente difundida uma imagem de uma torneira que deixava passar água e fogo ao mesmo tempo em Dimock, na Pensilvânia, nos Estados Unidos. Além disso, o fraturamento pode gerar uma acomodação da superfície terrestre, o que pode causar seu rebaixamento e até mesmo alguns tremores locais, como já foi registrado e está sendo acompanhado por pesquisadores estadunidenses.

De maneira sintética, pode-se afirmar que o uso do fraturamento hidráulico para extração do gás de folhelho é altamente impactante não apenas no local onde ocorre a operação, mas também em uma faixa mais ampla, já que o gás pode se deslocar para outros pontos da bacia e aflorar de modo inesperado por dutos ou fissuras. Além disso, trata-se de uma exploração intensiva e de pequena duração, pois a retirada da fonte energética diminui a cada ano, chegando praticamente à exaustão em uma década. Talvez por essas razões, países como França, Bélgica, Bulgária e Romênia, e mesmo alguns estados dos Estados Unidos (como Massachussetts e Nova York), da Alemanha, da Austrália e da Espanha proibiram o uso do fraturamento hidráulico para extrair gás de folhelho. Diante desse quadro, seria necessário usar essa fonte de energia no Brasil?

Brasil: energia para que?

Parte expressiva da eletricidade gerada no Brasil é oriunda de hidrelétricas. De acordo com a IEA (2013), 80,6% da energia elétrica utilizada no Brasil em 2011 foi produto de hidrelétricas. O país era o segundo do mundo em volume dessa fonte de energia, com 12% do total mundial, atrás somente da China, que gerava 19,6 do total do mundo, em 2011 (IEA, 2013, p.20).

No Brasil, o uso do gás como fonte de energia foi implementado com algumas distorções. De acordo com Santos et al. (2007), o Brasil utiliza o gás para produzir energia elétrica queimando-o em termoelétricas, quando deveria utilizá-lo como fonte direta de aquecimento, já que é mais eficiente como gerador de calor que de eletricidade. Porém, falta uma estrutura adequada para distribuição do gás aos consumidores (Costa; Annuati; Santos, 2007).

No Brasil, a principal fonte de uso da energia em residências é o aquecimento de água de chuveiro. De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia (Brasil, 2013), o aquecimento de água residencial por meio da energia solar deverá ser da ordem de 10% do total em 2022, enquanto em 2013 não chega a 5%. Já o uso do gás natural para aquecimento de água em residências prevê um crescimento menor, chegando a 6% do total em 2022, contra uma participação da ordem de 3% em 2013. Ou seja, em termos absolutos, o uso da energia solar deve crescer bem mais que o uso do gás para uso residencial.

Então, qual seria o destino do gás de folhelho?

Pode-se imaginar que ele seria usado como fonte complementar à geração de eletricidade em termoelétricas para atender os grandes consumidores, expressão do Plano Decenal de Expansão de Energia (2013), que são os setores altamente intensivos em energia, como o de produção de bauxita, de ferro, de aço, de celulose e de papel. Essa projeção aponta para a manutenção da inserção do Brasil como um fornecedor de matéria-prima no mundo.

Discutir o uso da energia no Brasil é um tema que deve anteceder a exploração de fontes de energias altamente impactantes. O objetivo central da produção energética deve ser o fornecimento de energia à população, incluindo a que vive no campo. Depois, deve-se avaliar qual o modelo de inserção econômica do país no mundo. E, nesse caso, ela precisa ser revista de modo a permitir uma nova posição, mais autônoma, baseada no uso da biodiversidade e do conhecimento associado a ela, por meio da inovação tecnológica e do desenvolvimento de tecnologias renováveis. Essa é uma maneira de posicionar o Brasil como liderança no século XXI, em vez de manter uma posição secundária no cenário internacional por meio de uma inserção periférica no sistema produtivo globalizado em curso, obtida como fornecedor de insumos para a produção de mercadorias em outros países.

Conclusões

O gás de folhelho está baseado em uma premissa ultrapassada. Primeiro por usar uma fonte não renovável e emissora de gás de efeito-estufa, ainda que em menor intensidade que os derivados de petróleo. Depois, por usar uma tecnologia que gera muitos e graves impactos socioambientais. Por fim, por mostrar-se pouco rentável, já que sua exploração diminui vertiginosamente ao longo de uma década, a ponto de levar grandes empresas do setor a lamentarem seus investimentos na exploração dessa fonte energética.

Mas o ponto central a discutir no caso brasileiro é o destino desse gás. Como o país não dispõe de uma rede de distribuição adequada que permita o uso direto do gás pelos consumidores, o que aumentaria sua eficiência para aquecer água, maior uso de energia residencial no Brasil, o gás de folhelho será usado para gerar energia elétrica em usinas termelétricas para fornecer energia para o setor mineral. Ou seja, ele será usado para manter o país em uma posição periférica no sistema internacional, como simples fornecedor de matéria-prima, quando o que precisamos é ousar e propor um novo modelo de produção energética e de materiais renováveis, baseado no uso da biotecnologia e seu conhecimento associado, abundantes em nosso país.

Recebido em 13.1.2014

Aceito em 21.1.2014

Wagner Costa Ribeiro é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Membro do Grupo Meio Ambiente e Sociedade do IEA-USP. @ - wribeiro@usp.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2014
  • Aceito
    21 Jan 2014
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