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O que fazer para reformar o Senado?

DEPOIMENTOS DOS PARLAMENTARES

O que fazer para reformar o Senado?

Cristovam Buarque

AS MEDIDAS para enfrentar a crise do momento não serão suficientes sem mudanças na estrutura do Senado. Pelo menos 26 medidas seriam necessárias para mudar a forma como essa Casa trabalha.

Redução do mandato para quatro anos

O mandato de oito anos é suficientemente longo para que o senador se acomode entre duas eleições. Um prazo de quatro anos, como os demais parlamentares, é o prazo máximo que deve ter o mandato do senador.

Proibição de mais de uma reeleição

Todo parlamentar deve ter a possibilidade de disputar apenas uma reeleição para o mesmo cargo. Com isso, propicia-se uma maior dinâmica de renovação e aproxima-se a atividade política de uma função e não de uma profissão. O mesmo deveria valer para todos os demais cargos eleitos, não apenas na política, mas também nas entidades sociais, como sindicatos, clubes esportivos etc.

Exigência de renúncia para o senador que for ocupar cargo no Executivo

O atual sistema em que o parlamentar apenas pede licença para ocupar cargo no Executivo acabou com a independência entre os Poderes. Nomeando parlamentares como secretários ou ministros, o Executivo de fato é quem nomeia os suplentes, e todos são demissíveis pelo presidente governadores ou prefeitos no momento em que esses decidirem. Deve valer para os ministérios o que vale para o Banco Central: para ocupar sua presidência, o parlamentar deve renunciar ao cargo.

Candidatura independente

Na atual situação do quadro partidário brasileiro, em que os partidos são apenas clubes eleitorais, deve-se permitir a candidatura avulsa de candidatos aos cargos majoritários, mesmo sem um partido que os suporte. Para isso, o candidato deve apresentar-se com o aval, subscrito, de um mínimo de 2% dos eleitores que o indicariam, no lugar da indicação por um partido. Essa é a maneira de evitar o boicote de bons nomes, pelas direções partidárias, e de permitir um debate mais aberto, contando-se com pessoas da sociedade, com prestígio, mas sem simpatia por qualquer partido.

Apresentação de compromisso por candidato

Cada candidato deve apresentar um conjunto de compromissos aos quais estará vinculado durante seu mandato. Se trair qualquer desses compromissos, a Justiça Eleitoral ou um mínimo de 2% dos eleitores pode pedir que ele seja submetido a um plebiscito sobre a continuação de seu mandato. Esse plebiscito pode ser realizado por ocasião da eleição seguinte para prefeito.

Obrigatoriedade de todo partido lançar candidato a cargos executivos

Só com essa obrigação é possível combinar a liberdade total dos partidos, sem necessidade de cláusula de barreira, ao mesmo tempo que se elimina a legenda de aluguel. As alianças seriam possíveis no segundo turno, não no primeiro.

Impedimento de disputar eleição seguinte à renúncia ou cassação do cargo

Todo político que deixar de cumprir seu mandato fica impedido de disputar a eleição seguinte. Isso valeria para impedir que governadores, prefeitos e presidente possam largar o cargo seis meses antes para disputarem eleições ainda durante o período previsto para seus mandatos.

Acabar com o voto de liderança

Atualmente, a maior parte das decisões tomadas no Senado é feita sem que os senadores votem. O presidente da Mesa diz apenas que há votos suficientes pelo acordo feito pelos líderes, e os senadores presentes nem sabem o que foi aprovado. Foi assim que tantas decisões foram tomadas sem conhecimento dos senadores. É preciso que cada votação seja feita com o voto presente de cada um deles.

Fim do voto secreto

É preciso que o voto seja transparente. O eleitor tem o direito de saber em que votou seu representante no Senado. Essa proposta já está em processo há meses e pode demorar anos. A recuperação do Senado exige sua aprovação rápida.

O título de "senador" seria substituído por "senador-representante do Estado"

Ao votar para deputado, vereador, senador, o eleitor sente que está dando um emprego para algum político, não tem a sensação e a responsabilidade de estar escolhendo quem será o seu representante. A substituição do título provoca uma mudança no comportamento do eleitor ao saber que está elegendo o seu "representante-do-eleitor", o seu "representante-do-Estado".

Permanência no Plenário

Atualmente, o senador parlamenta durante apenas 40% do seu tempo; em 7% do tempo desloca-se para alguma parte, e fica 53% fora do Senado, no Estado que representa ou em outra parte. Isso mata a atividade parlamentar; no mínimo ela fica moribunda. Para que o exercício de sua atividade traga os resultados esperados, é preciso que o parlamentar fique no Senado, parlamentando com seus pares. Por isso, o Senado deve determinar um mínimo de três semanas por mês com sessões ordinárias, sem possibilidade de faltas, e apenas uma semana por mês livre para atender às suas bases eleitorais. Essa mudança de calendário alteraria radicalmente o comportamento e os resultados do trabalho no Senado.

O fim da ajuda de aluguel e do crédito para quatro passagens por mês

No sistema atual, uma passagem por semana e ajuda de aluguel, fica impossível o mês completo de sessões ordinárias. A solução é voltar ao antigo sistema de apartamentos funcionais com garantia de passagem duas vezes por ano para a família mudar-se para Brasília, como antes acontecia, e uma vez por mês para o senador visitar suas bases.

Criar a fidelidade plena

Manter a atual lei de fidelidade ao partido pelos parlamentares e criar a lei de fidelidade do partido ao eleitor. Da mesma forma que o parlamentar hoje perde o mandato se mudar de partido, é preciso que o partido perca seus direitos se mudar de lado depois das eleições.

Fim de todo privilégio

Como qualquer outro trabalhador no setor privado e público, ao senador devem ser asseguradas todas as condições para que exerça sua função, mas essas condições não devem incorporar privilégios que outros trabalhadores não têm.

Reajustes dignos de salários

Não é digno que os parlamentares tenham reajustes salariais, decididos por eles próprios, acima dos que são concedidos aos demais servidores públicos do país. Por isso, deve prevalecer a regra de que os reajustes dos salários dos parlamentares nunca devem exceder o dos servidores públicos em geral no mesmo período e jamais superiores à metade dos reajustes dos servidores nas áreas da educação e saúde.

Financiamento público de campanha

Seria inadmissível que a Justiça Eleitoral fosse financiada com recursos de contribuições privadas. De acordo com o site Contas Abertas, a Justiça Eleitoral tem previsto para este ano R$ 4,2 bilhões. Mas o Brasil tolera que as campanhas sejam financiadas com recursos privados, criando a base de toda forma de corrupção posterior. A democracia exige o fim do poder paralelo que surge sob a forma de contribuições às campanhas de candidatos escolhidos pelos setores poderosos da economia. A solução é criar o Fundo Público que distribuiria igualmente os recursos para cada candidato, proporcionalmente ao número de eleitores de cada unidade eleitoral.

Cassação dos que usarem recursos extras

Com o Fundo Público, o uso de caixa dois deve ser punido com a cassação e a perda dos direitos políticos por oito anos para os eleitos e a perda dos direitos políticos por igual período para aqueles que não forem eleitos.

Fim do marketing eleitoral

Para que haja o Fundo Público, sem pesar demais sobre o Orçamento, é preciso acabar com os sistemas de marketing que transformaram as eleições em um mercado de venda de produtos. Os horários eleitorais devem se limitar à apresentação do próprio candidato, sem a intermediação de efeitos especiais que caracterizam a eleição de hoje, que se tornaram mais uma disputa entre empresas de publicidade do que entre candidatos a cargos públicos.

Quebra de decoro para os eleitos que não usarem os serviços públicos de educação para seus filhos

Ao se apresentarem para as eleições, os candidatos devem saber as obrigações que lhes cabem no exercício da atividade para a qual foram eleitos. Sendo eleito para zelar pelo interesse público, será considerado falta de decoro o parlamentar colocar seus filhos na escola particular, protegendo-se assim da educação pública que ele não cuida.

Declarações de renda na malha fina

Para evitar ilegalidades que alguns podem cometer e ajudar outros a não cometerem erros, todas as declarações de renda de pessoas com mandato eletivo passariam obrigatoriamente pela malha fina da Receita Federal.

Comissões para promover transformações nacionais

O trabalho do Senado é feito em comissões por setores, de sociedade, agricultura, educação etc., não de acordo com problemas nacionais. Em um tempo de transformações, é preciso que o Senado se organize também por comissões que busquem fazer as transformações socioeconômicas que o Brasil e o mundo precisam, como comissões para: I) induzir a revolução educacional; II) enfrentar as desigualdades sociais e regionais; III) implantar um modelo de desenvolvimento sustentável como forma de impedir as crises ecológicas; IV) transformar a atual rede de proteção social em uma escada de ascensão social; V) construir uma economia do conhecimento.

Redução no número de parlamentares

É preciso estudar a possibilidade de reduzir o número de senadores para dois por Estado e o número total de deputados para um número inferior a 400, o que poderia dar uma dinâmica melhor para o funcionamento dessas duas Casas.

Política como função voluntária

Considerar a proposta de iniciativa popular que propõe, para as cidades com número reduzido de eleitores, substituir o trabalho remunerado do vereador pelo trabalho voluntário de conselheiro municipal.

Separar as eleições federais das eleições municipais

Os deputados estaduais seriam eleitos na mesma eleição dos vereadores e prefeitos. Com isso, as eleições federais podem permitir um debate mais amplo dos interesses nacionais, enquanto as outras eleições teriam finalidades mais locais.

Incorporação dos novos recursos da internet na transparência e na tomada de decisões

Além da contabilidade em tempo real, o Senado precisa utilizar a opinião pública, também em tempo real, no debate de ideias, na sugestão de projetos de lei, na discussão das votações. Isso já é possível por uma combinação de instrumentos disponíveis nas redes de internet.

A revolução na Educação

Todas essas mudanças podem trazer uma situação completamente diferente para a atual desmoralização do Senado. Mas nada será suficiente se não fizermos no Brasil uma revolução educacional que assegure a todo brasileiro concluir o Ensino Médio com o máximo de qualidade que o mundo atual exige.

Brasília, 23 de setembro de 2009.

Texto recebido em 21.9.2009 e aceito 25.9.2009.

Cristovam Buarque é senador da República pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo Distrito Federal (DF). Foi reitor da Universidade de Brasília (UnB), governador do Distrito Federal e ministro da Educação. @ - cristovam@senado.gov.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    2009
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