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A trajetória da pesquisa na Sociologia

ORIGENS E ATUAIS LINHAS DE PESQUISA

HUMANIDADES

A trajetória da pesquisa na Sociologia

Maria Arminda do Nascimento Arruda

As expressões atuais da reflexão sociológica brasileira, os seus horizontes e orientações mais significativas, vinculam-se, estreitamente, à construção do curso de Ciências Sociais, no âmbito da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. E, de fato, a tarefa de mapear uma temática e erigir um estilo de reflexão, pautado por princípios da produção do conhecimento e ancorado em investigações rigorosas, repousou, inicialmente, nas mãos dos mestres estrangeiros. O desenvolvimento da sociologia associou-se à organização da Universidade, à medida em que esta iria lhe conferir imprescindível espaço institucional, ao manter a recorrência da formação, ao ser capaz, enfim, de ofertar condições estáveis ao pleno exercício da disciplina, na sua vertente acadêmica. A partir desse momento, o cenário intelectual modula-se por solicitações qualitativamente diferenciadas, submetido ao influxo das exigências do saber universitário, recortando novos espaços e assenhorando-se de procedimentos anteriormente praticados de modo assistemático. Em outros termos, a tradição do saber sociológico é vigilantemente preservada e principalmente transmitida, quase à huis clos, apesar dos seus produtos ultrapassarem o leito institucional.

A penetração que adquiriram os estudos sociológicos brotados na academia já indica a presença de marcante sensibilidade intelectual, voltada à compreensão dos fenômenos afeitos à sociedade. A produção dos considerados precursores, posteriormente dos denominados intérpretes do Brasil, está a indicar o adensamento paulatino que as abordagens sociológicas vinham conquistando. Por essa razão, os fundadores da sociologia universitária não se deparam com um ambiente cultural em inicialidade absoluta, no que tange à reflexão específica. A grande transformação originou-se do estabelecimento de condições e possibilidades favoráveis ao incremento e reprodução do saber sociológico. Exatamente por isso, os professores da missão francesa desempenharam um papel essencial, ainda que não exclusivo, ao exercício da disciplina no Brasil. Se os franceses foram os grandes mestres, norte-americanos e alemães, alojados na Escola Livre de Sociologia e Política, concorreram para a abertura de temas de investigação que, posteriormente, se configuraram em estudos desenvolvidos na USP. Nessa área específica, encontram-se as pesquisas de Donald Pierson sobre Negros in Brazil: a study of, race contact at Bahia, sua tese de doutoramento, escrita em 1942, o clássico trabalho sobre Cruz das Almas, iniciado em 1947 que, juntamente com a pesquisa de Emílio Willems sobre Cunha, publicada em 1946, transformaram-se em paradigma para os estudos sobre comunidade, uma das vertentes importantes das Ciências Sociais em São Paulo. Concomitan-temente, outro professor da Escola Livre de Sociologia e Política, Herbert Baldus, alemão como Willems, contribuiu para a formação de futuros pesquisadores da Universidade de São Paulo. Em suma, a sociologia praticada na USP não resultou, exclusivamente, do transplante de um departamento francês de ultramar, apesar da presença indelével dos professores franceses entre nós.

Os mestres franceses proporcionaram-nos, suplementarmente, a vivência de uma ambiência universitária, a formação acadêmica, enfim, o estilo de pensamento próprio à instituição. Foram os principais responsáveis, por isso, na conformação do perfil institucional, no qual sobrelevaram as personalidades de Paul Arbousse-Bastide e principalmente Roger Bastide. Nessa tarefa, outra figura central adquire relevo: Fernando de Azevedo, um dos mentores da reforma educacional na sua face progressista, redator dos Estatutos da Universidade, professor catedrático de Sociologia Educacional e diretor da Faculdade de Filosofia. Homem devotado à tarefa de consolidar a Faculdade e as Ciências Sociais em São Paulo, Fernando de Azevedo conservou a qualidade de construtor institucional, o que era visível na escolha dos seus colaboradores.

Dentre os franceses, destaca-se a participação notável de Roger Bastide ao dirigir suas preocupações para temas brasileiros. Estudioso de múltiplos interesses, refletiu sobre assuntos variados: de Les problèmes de la vie mystique (1931), passando por Psicanálise do cafuné e Ensaios de sociologia estética brasileira (1941), à Poesia afro-brasileira (1943); no conjunto dos seus trabalhos, os estudos sobre relações raciais e religiões afro-brasileiras são portadores de tendências de investigação desenvolvidas posteriormente; a pesquisa sobre as Relações entre negros e brancos em São Paulo, realizada em conjunto com Florestan Fernandes, e publicada em 1955, abre o interesse pelo tema na sociologia da USP, além de moldar uma determinada forma de tratamento. O mesmo ocorreu com os seus livros O candomblé na Bahia: rito nagô (1958) e As Religiões Africanas no Brasil (1960), clássicos da análise sociológica sobre as expressões brasileiras da religiosidade popular. A obra de Roger Bastide dedicada ao Brasil manifesta, incontestavelmente, a qualidade de erigir temas e conformar uma modalidade de reflexão, presente de forma atualizada e mesmo transformada nos trabalhos da primeira geração de sociólogos formados pela USP.

Á partir desse momento, a consolidação da sociologia acadêmica em São Paulo só se realiza, plenamente, através da elaboração dos primeiros trabalhos dos sociólogos criados na Universidade. Nessas obras, visualiza-se a presença das referências recebidas, o seu aproveitamento, as superações e o assentamento das balizas futuras da investigação. Em outros termos, é da confluência entre as orientações recebidas e a possibilidade de constituir uma experiência em pesquisa, que resulta a implantação da sociologia acadêmica. Nesse primeiro momento, a sua expressão mais candente localiza-se na associação entre o exercício de reflexão teórico-metodológica, combinada ao recorte original de objetos de conhecimento. O exame das teorias e dos procedimentos adequados constituir-se-á num emblema da sociologia universitária paulista, na fase do seu estabelecimento.

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Os primeiros trabalhos produzidos pelos sociólogos, formados pela USP, revelam a presença de uma abertura em leque das preocupações temáticas, indicando a tentativa de construir objetos próprios de investigação e de assentar as formas de tratamento. Nesse sentido, são ilustrativas as teses de mestrado e doutorado de Florestan Fernandes, a respeito dos índios Tupinambás. Aparentemente adstritas ao campo da etnologia, essas obras são bastante marcadas pelo exercício de reflexão teórico-metodológica. No mestrado, com a Organização social dos Tupinambás, defendido em 1948 e sob a orientação de Herbert Baldus, o autor esclarece, já na introdução, que a sua concepção sobre a organização social é distinta da visão corrente dos sociólogos. Dessa maneira, o exame do aparato metodológico ordena o trabalho, fazendo da discussão teórica o fulcro de seu empreendimento. Com A função social da guerra na sociedade Tupinambá, seu doutoramento, defendido em 1951, dirigido por Fernando de Azevedo, Florestan amplia o escopo da discussão, transformando a tese num exercício de erudição teórica, no âmbito da sociologia. Sua tese de livre-docência Ensaio sobre o método de interpretação funcionalista na sociologia, de 1953 e vários outros escritos, manifestam o cuidado com o conhecimento da teoria e a importância conferida ao instrumental metodológico. As mesmas inquietações perpassam a livre-docência e a tese de cátedra de Ruy Coelho. A primeira, intitulada Indivíduo e sociedade na teoria de Augusto Comte, escrita em 1961, tratando de uma análise interna dessas noções, elaboradas pelo fundador da sociologia, na qual são ressaltadas as suas implicações conceituais. A segunda, Estrutura social e personalidade, de 1964, visa a discutir as linhas mais relevantes do conceito de estrutura. Os temas ligados à teoria sociológica caracterizam, em grande medida, as orientações da primeira geração de sociólogos.

Nesse quadro, a tese de Gilda de Mello e Souza A moda no século XIX (1950), recorta um tema ímpar no cenário da sociologia de então. Com esse trabalho, a autora, além de introduzir um tema original, demonstra a forte presença de Roger Bastide na sua formação, dado que os problemas da arte e da estética ocuparam parte das preocupações do professor francês. O mesmo pode ser dito do doutoramento de Antônio Cândido — Os Parceiros do rio Bonito: estudo sobre os meios de subsistência do caipira paulista, defendido em 1954, centrado na análise das manifestações e mudanças da cultura caipira. Essa obra, contudo, assenta certas questões que vão pontuar a reflexão sociológica, pelo menos até o fim dos anos 60 e início dos 70: os problemas provocados pela crise de transição de uma sociedade em processo de mudança. O universo rural, segundo a análise de Antônio Cândido, encontra-se em desagregação, está perpassado pela crise. Esse texto, suplementarmente, espelha o estado de construção da sociologia universitária em São Paulo na época, onde os domínios disciplinares estão interligados, isto é, as fronteiras específicas não aparecem demarcadas. O trânsito entre as abordagens da sociologia, antropologia e política é corrente. Se no estudo de Antônio Cândido, a análise de grupos primitivos e homogêneos é tipicamente antropológica, é por outro lado sociológica a investigação das sociedades civilizadas, num vasto território e com grande população. A mesma confluência é perceptível nos estudos de Florestan Fernandes sobre as sociedades indígenas e nos trabalhos de Maria Isaura Pereira de Queiroz sobre o messianismo. As duas teses da socióloga, La guerre sainte au Brésil: lê mouvement messianique du contestado e Movimentos messiânicos: tentativa de classificação sociológica escritas, respectivamente, em 1954 e 1964, apesar de a perspectiva analítica ancorar-se no campo da sociologia, tratam de objetos afeitos a contextos tradicionais e mesmo primitivos. É de notar-se a participação efetiva do seu mestre Roger Bastide na escolha de um tema na área da religião. Maria Isaura desempenhou, concomitantemente, papel relevante no âmbito institucional, quando formou, em 1964, o CERU — Centro de Estudos Rurais e Urbanos — que mantém, até hoje, intensa atividade de pesquisa. Na mesma linha temática desenvolvida pela professora, encontram-se as pesquisas de Duglas Teixeira Monteiro sobre o milenarismo. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto milenarista do contestado, foi sua tese de doutoramento.

Uma outra vertente de investigação abre-se, no decorrer da década de 50: são os estudos sobre relações raciais, iniciados na USP, a partir do projeto de Roger Bastide e Florestan Fernandes. A tendência fundamental da análise reside na inserção do preconceito e das relações desencadeadas pelo fenômeno na estrutura social. Os autores orientam as suas reflexões, no interior da consideração de situações sociais propícias à emergência do preconceito. Em torno do tema do negro, Florestan Fernandes dirige pesquisas importantes, voltadas ao estudo das relações raciais, na gênese e desenvolvimento da sociedade brasileira. Encontram-se nesse campo de preocupações, o doutoramento de Fernando Henrique Cardoso — Formação e desintegração da sociedade de castas: o negro na ordem escravocrata do Rio Grande do Sul defendido em 1961; de Octavio Ianni O negro na sociedade de castas do mesmo ano; a tese de Maria Sylvia de Carvalho Franco Homens livres na velha civilização do café (1964); e a tese de Juarez Rubens Brandão Lopes — Crises do Brasil arcaico — que se aproxima, em termos de preocupações, das anteriores.

Há novas características, no entanto, que marcam a produção dessa segunda geração de sociólogos da USP, mesmo à luz da presença de certas persistências. Em primeiro lugar, a ênfase na estrutura social faz perder força recortes e tratamentos transdisciplinares; em segundo, o exercício teórico, se não desapareceu, centrou-se no exame privilegiado de uma das contribuições clássicas, qual seja o marxismo, como produto do conhecido Seminário de Marx que congregou professores das Ciências Sociais, Filosofia, História e Economia. O resultado desse seminário foi a realização de trabalhos marcantes nessas diversas disciplinas e, no que tange à sociologia, o doutoramento de Fernando Henrique Cardoso é paradigmático; terceiro, porque emergem temas voltados ao conhecimento da sociedade industrial no Brasil, os atores sociais envolvidos no processo, impasses da modernização, políticas de desenvolvimento, enfim, um conjunto amplo de enfoques dirigidos à compreensão dos fenômenos urbanos. Nesse novo campo de estudos, aliás, os trabalhos de Azis Simão, pertencente à primeira geração, são em certa medida precursores. O voto operário em São Paulo e Sindicato e Estado obras hoje clássicas do gênero e que, apesar de escritas, em 1964, demonstram a sensibilidade do sociólogo para o conhecimento das questões pertinentes à nova realidade brasileira. Ainda na categoria de trabalho precursor, está a tese de Lucilla Hermann — Flutuação e mobilidade da mão-de-obra fabril em São Paulo, de 1948.

A inquietação em torno da mudança social e dos princípios de estruturação da sociedade de classes tem, aliás, forte registro na segunda geração. São exemplares, dessa tendência, os doutoramentos de Luís Pereira — O magistério primário na sociedade de classes (1961) e de Marialice Forachi — Estudante e transformação na sociedade brasileira — defendido em 1964. Em ambos, a persistência com a questão educacional, já presente no mestrado, aparece inserida no novo quadro de orientações. Ainda no campo da sociologia educacional outros trabalhos foram realizados.

A compreensão da dinâmica das pesquisas, desenvolvidas na sociologia da USP, não se elucida sem a consideração do núcleo congregado no Cesit — Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho — constituído em 1962 por Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes e que reuniu recém-formados, sob a orientação dos professores da Cadeira de Sociologia I. O centro permitiu a realização de trabalhos dedicados ao novo campo de estudos. A livre-docência de Fernando Henrique Cardoso Empresário industrial e desenvolvimento econômico (1963), as teses de Leoncio Martins Rodrigues Manifestações e funções do conflito industrial em São Paulo e Atitudes operárias na empresa automobilística: estudo de um grupo de trabalhadores e a de Octávio Ianni — O Estado e o desenvolvimento econômico no Brasil são produtos das pesquisas desenvolvidas no Cesit. Com essas obras, os sociólogos da USP sintonizam os problemas emergentes do Brasil na época, a partir do estilo acadêmico de reflexão.

O elenco desses trabalhos atesta a presença vigorosa da sociologia da USP, no interior da Faculdade de Filosofia, além do caráter institucionalizado da disciplina nos quadros da universidade e mesmo fora dos seus limites. A tese de cátedra de Fernando Henrique Cardoso — Política e desenvolvimento em sociedades dependentes: ideologia do empresariado industrial argentino e brasileiro — cristaliza a formulação da chamada teoria da dependência, afirmando a densidade adquirida pelos estudos sociológicos na Universidade de São Paulo.

O exemplo mais marcante da constituição da sociologia acadêmica encontra-se, no entanto, expresso na vasta obra de Florestan Fernandes. Personalidade intelectual multifacetada, o sociólogo combinou uma produção que se dirigia, ao mesmo tempo, para a discussão teórico-metodológica, com vistas a atingir um quadro conceituai seguro e capaz de informar análises rigorosas, ao trabalho de investigação voltado para o conhecimento da sociedade brasileira. Florestan foi um homem perseguido pela tarefa de construir a ciência sociológica no Brasil, enquanto foi professor da Universidade de São Paulo. Por isso, atuou, simultaneamente, em dois pólos: mapeava temas e erigia um estilo de reflexão pautado por princípios da produção do conhecimento. A magnitude do seu empreendimento pode ser vislumbrada no caráter eclético das suas discussões teórico-metodológicas, tendo em vista sorver diferentes contribuições, para fundamentar o que ele denominava de ''conhecimento ativo e integrado na própria situação estudada''. Daí, a dimensão forte de sua obra e a originalidade das suas reflexões sobre a sociedade brasileira. O seu livro — A integração do negro na sociedade de classes — originalmente sua tese de cátedra, defendida em 1964, elucida o tratamento peculiar oferecido ao tema e certas concepções que acaba construindo sobre o Brasil. Na obra, a problemática do negro é revisitada à luz das noções de classe e de mudança do padrão societário, mostrando a exclusão social vivenciada pelos ex-escravos. Nesses termos, a análise aponta para padrões diferenciais, ou, mais especificamente, para a presença de uma modernidade travada, dado à persistência do arcaico no novo. Em A revolução burguesa no Brasil amplia-se o universo dessa problemática, conferindo ao texto a densidade das grandes interpretações do país. Através de uma análise pontuada por referências sociológicas nítidas, onde as principais contribuições são absorvidas de modo singular, o professor constrói uma visão particular do Brasil. Paralelamente à urdidura da sua obra, Florestan formou um grupo de sociólogos que trabalhavam articuladamente. Atuou no campo do reconhecimento da profissão, da institucionalização da pesquisa e desenvolveu ações de natureza claramente intervencionista, como no caso da campanha em defesa da escola pública. Mas, sobretudo, consolidou um modo de produzir conhecimento em sociologia e assentou a necessidade da transmissão de procedimentos indispensáveis à realização das pesquisas. A hegemonia intelectual da cadeira de Sociologia I, dirigida por Florestan, referenda a importância adquirida pelo grupo que congregou e que passou a ser identificada pela expressão escola paulista de sociologia. A trajetória e a obra de Florestan Fernandes permitem que se lhe atribua o papel de artífice fundamental, na história da construção da sociologia acadêmica no Brasil.

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A continuidade desse processo intelectual e acadêmico ficou comprometida, pelos efeitos que o AI-5 provocou na vida universitária e intelectual brasileira. O afastamento arbitrário de Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni implicou a perda de certas direções da pesquisa e, além do mais, amordaçou o desenvolvimento das reflexões que exigem, para vicejar, liberdade irrestrita de pensamento. A reforma universitária também alterou o perfil institucional que a Faculdade de Filosofia havia construído, em mais de trinta anos. O período que se abre foi, então, caracterizado pelo esforço em retomar orientações assentadas e em manter a integridade do exercício de ensino e pesquisa, violentamente atingida. A tarefa de reconstrução coube aos antigos e novos professores que permaneceram, cujo esforço desmedido permitiu preservar e reordenar os princípios da formação. O desenho da pesquisa no Departamento de Sociologia é, em larga medida, tributário do denodo dos mestres que ficaram, cuja missão foi a de atuar, simultaneamente, em duas frentes: a da reorganização institucional e a da manutenção de vivo interesse pela pesquisa.

O formato atual resultou da combinação entre a tradição recebida, acoplada à abertura de novos objetos de investigação, produzidos na esteira das transformações da sociedade brasileira, pelo menos nos últimos vinte anos. As sete grandes áreas abrigam múltiplas linhas de pesquisa, expressando diversos interesses, demonstrando, no entanto, coerência de diretrizes na formação de novos sociólogos.

  • Teoria Sociológica, Metodologia e Epistemologia. Essa área congrega estudos voltados tanto ao reexame da tradição clássica, quanto à consideração das vertentes principais do pensamento contemporâneo. Agasalha as análises interdisciplinares que foram reforçadas nos últimos anos, frente à chamada crise dos paradigmas das ciências sociais: sociologia e psicanálise; fundamentos filosóficos da teoria sociológica; sociologia e história (o problema da temporalidade e da reconstrução histórica); teorias da identidade e do sujeito no âmbito das ciências humanas; trabalhos de epistemologia e metodologia, especialmente, metodologia analítica.

  • Sociologia da Cultura e da Educação. Reúne pesquisas variadas sobre instituições, expressões culturais, História intelectual e processos intelectuais contemporâneos. No âmbito dessa área, são desenvolvidas investigações sobre História social da arte: instituições culturais (universidade, museus, outros órgãos culturais); pensamento social brasileiro; formação e institucionalização das ciências sociais no Brasil; sociologia da comunicação de massas; sociologia dos processos culturais de consumo; construção simbólica e imaginário social nas sociedades contemporâneas; fundamentos e processos educacionais.

  • Sociologia dos Processos Políticos e das Instituições Públicas. Dirige-se para consideração de processos políticos e das instituições correlatas. No interior dessa área, são realizadas pesquisas sobre regimes; partidos e formas de representação; processos eleitorais; cidadania e participação política; instituições jurídicas; exercício da violência social e política; políticas públicas (previdência social e saúde); relações internacionais (Mercosul, Comunidade Européia e África).

  • Sociedade Capitalista e Classes Sociais no Brasil. Abriga trabalhos sobre a particularidade da formação das classes sociais no Brasil, a constituição das relações capitalistas, estudos sobre a dinâmica urbana e agrária e atores sociais envolvidos na história do capitalismo brasileiro. Nesse sentido, a área desenvolve investigações sobre processos de trabalho, movimento de trabalhadores, acidentes e violência no trabalho, órgãos patronais e sindicatos de trabalhadores, empresariado, campesinato, questão agrária, imigração e problemas da metrópole moderna.

  • Sociologia da Religião. Área de interesse tradicional na sociologia da USP, as pesquisas têm revelado a abertura de novas sendas de investigação. A análise das instituições religiosas e da religiosidade popular expressam o andamento das pesquisas aí envolvidas: Igreja Católica, Protestantismo, Pentecostalismo, Candomblé, Umbanda, Espiritismo têm sido analisados sobre o crivo da dinâmica cultural contemporânea, de processos políticos e das formas de representação política dos fiéis e adeptos de princípios religiosos.

  • Relações Sociais de Gênero. As linhas de pesquisa dessa área centram-se no conhecimento da história e da participação da mulher na sociedade brasileira, nos seus vários campos de atuação: no trabalho, na política, nas associações femininas e culturais, enfim, trazem para a cena a problemática da constituição dos direitos da mulher na sociedade brasileira.

  • Estudos sobre a América Latina e África Negra. Nessa área multiplicam-se linhas de pesquisas voltadas para o conhecimento das realidades latino-americana e africana. No que tange à América Latina, os trabalhos enfocam, prioritariamente, a questão da identidade do continente, transformações econômicas, políticas e culturáis das últimas décadas, impasses e problemas do desenvolvimento. Os estudos sobre a África Negra estão congregados no Centro de Estudos Africanos, ligado ao Departamento de Sociologia, no qual são desenvolvidas investigações diversas sobre a dinâmica das transformações econômicas, sociais e políticas, as particularidades culturáis, inclusive lingüisticas e étnicas.

Esta síntese da trajetória da pesquisa na sociologia da USP, apesar do seu caráter incompleto, permite vislumbrar os caminhos trilhados, da origem aos dias de hoje. O perfil atual da pesquisa, a multiplicidade das linhas de interesse, deriva do contingenciamento inelutável do movimento da história. Se essa história não transcorreu de modo harmonioso, dilaceramentos e rupturas a marcaram, o resultado final preservou o sentido fundamental da formação, estabelecido na gênese da Faculdade de Filosofia da USP.

Maria Arminda ao Nascimento Arruda é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1994
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