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Gênero e raça na desigualdade social brasileira recente

Resumos

ESTE TRABALHO apresenta as diferenças nos rendimentos pessoais relacionados com raça e gênero, no Brasil dos últimos anos, identificando uma nítida hierarquia: homens brancos (não negros), mulheres brancas, homens negros (e pardos) e mulheres negras. As evidências disponíveis revelam que essas desigualdades são pouco expressivas no interior de cada nível social ou grupo sociocupacional. Em outras palavras, os negros e mulheres que conseguem ingressar nos estratos melhor situados aproximam-se das condições prevalecentes nos mesmos. Assim sendo, as distorções localizar-se-iam sobretudo nas condições desiguais de acesso às ocupações melhor remuneradas.


This paper presents the differences in personal income related with gender and ethnic group, in Brazil, identifying a sharp hierarchy: white men (except afro Americans), white women, afro Americans (and descendents) and afro Americans women.The available evidences shows that these inequalities are not expressive within each social level or socioccupational group. In other words, the afro Americans and the women who reach the finest strata are quite close of the regular condition of the same groups. In this sense, the distortions are located mostly in inequality in the access condition to better-remunerated occupations.


TEMAS EM DEBATE

Gênero e raça na desigualdade social brasileira recente

Waldir Quadros

RESUMO

ESTE TRABALHO apresenta as diferenças nos rendimentos pessoais relacionados com raça e gênero, no Brasil dos últimos anos, identificando uma nítida hierarquia: homens brancos (não negros), mulheres brancas, homens negros (e pardos) e mulheres negras. As evidências disponíveis revelam que essas desigualdades são pouco expressivas no interior de cada nível social ou grupo sociocupacional. Em outras palavras, os negros e mulheres que conseguem ingressar nos estratos melhor situados aproximam-se das condições prevalecentes nos mesmos. Assim sendo, as distorções localizar-se-iam sobretudo nas condições desiguais de acesso às ocupações melhor remuneradas.

ABSTRACT

This paper presents the differences in personal income related with gender and ethnic group, in Brazil, identifying a sharp hierarchy: white men (except afro Americans), white women, afro Americans (and descendents) and afro Americans women.The available evidences shows that these inequalities are not expressive within each social level or socioccupational group. In other words, the afro Americans and the women who reach the finest strata are quite close of the regular condition of the same groups. In this sense, the distortions are located mostly in inequality in the access condition to better-remunerated occupations.

O FOCO DESTE artigo são as diferenças nos rendimentos pessoais associadas a raça e gênero, no Brasil dos últimos anos. Num quadro global de gravíssimas desigualdades sociais, já amplamente reconhecido, evidencia-se uma nítida hierarquia que tem, no topo, os homens brancos (não negros) e que vai descendo para as mulheres brancas, homens negros (e pardos) e mulheres negras.

Obviamente, essa realidade resulta de complexos e interativos mecanismos de discriminação, preconceito, diferenciação, super exploração etc., cuja compreensão requer a análise de suas raízes e determinações histórico-estruturais1 1 Nossa referência mais geral encontra-se em Florestan Fernandes, 1978. Bastante sugestivas são as abordagens de Hasenbalg e Valle e Silva, 1988. . Tal abordagem extrapola os limites deste trabalho, que se circunscreve ao exame dos seus resultados mais visíveis e imediatos. Na verdade, trata-se mais de uma tentativa inicial de descrever o fenômeno do que de um autêntico esforço de interpretação, apresentando as evidências ainda em estado quase que bruto.

Buscando captar essa realidade encaminhou-se o estudo na direção das chamadas oportunidades ocupacionais, ou seja, a capacidade ou possibilidade que os indivíduos revelam em obter rendimentos monetários. A fonte dos dados primários são os microdados das Pesquisas Nacionais por Amostragem de Domicílios (PNAD), do IBGE, de 1992 e 2002, a mais recente disponível no momento2 2 O ano de 1992 impõe-se como ponto de partida por razões metodológicas, porém, é bastante problemático por ser um ano de forte recessão e desemprego com os rendimentos deprimidos. Por outro lado, é bastante difundida entre os pesquisadores a convicção de que vem se expandindo a afirmação negra ao longo do tempo, o que empalidece um pouco a análise de comportamentos intertemporais. .

Ainda que as condições de vida dos indivíduos sejam definidas fundamentalmente em bases familiares, aqui irá restringir-se ao âmbito individual, ficando para uma oportunidade futura complementar o estudo com a abordagem familiar. Em poucas palavras, será examinada a estrutura ocupacional individual, que pode ser tomada como o retrato do elenco de oportunidades de empregos, negócios, serviços etc. geradas pelo processo de desenvolvimento3 3 A referência mais geral para este procedimento encontra-se em Mills, 1979. .

Para a construção da estrutura ocupacional individual foram definidos uma série de grupos ocupacionais por meio do cruzamento da classificação das ocupações com a situação na ocupação. Tais grupos ocupacionais são os seguintes: empregadores com mais de dez empregados assalariados, empregadores com até dez assalariados, profissionais autônomos e pequeno negócio urbano, classe média assalariada, trabalhadores autônomos e pequeno negócio urbano, operários e assalariados populares, empregadas domésticas, trabalhadores não remunerados urbanos, ocupados com autoconstrução, pequenos agricultores familiares, trabalhadores autônomos agrícolas, assalariados agrícolas permanentes, assalariados agrícolas temporários, ocupados com autoconsumo e trabalhadores não remunerados agrícolas4 4 Há algum tempo venho me dedicando a este esforço de estratificação sociocupacional. O trabalho mais recente é minha tese de livre docência Aspectos da crise social no Brasil dos anos oitenta e noventa, de 2003. O presente ensaio apóia-se nos primeiros resultados de uma nova atualização metodológica ainda em curso. Desta forma, são possíveis eventuais retificações em alguns dos dados que, entretanto, não devem invalidar as evidências mais marcantes já disponíveis. .

Por outro lado, como estamos interessados nas condições sociais mais gerais, além dos indivíduos ocupados também foram contemplados os indivíduos sem ocupação que auferem rendimentos. Trata-se, predominantemente, de aposentados e pensionistas, também se encontrando uma parcela menor de desempregados com algum tipo de renda.

Em seguida, cada um desses grupos ocupacionais foi dividido em cinco níveis de rendimentos mensais: o superior, acima de R$ 2.500; o médio, entre R$ 1.250 e R$ 2.500; o baixo, de R$ 500 a R$ 1.250; o inferior, de R$ 250 a R$ 500; e o ínfimo, abaixo de R$ 2505 5 Neste trabalho, os valores monetários sempre estarão expressos a preços de janeiro de 2004, utilizando como deflator o INPC corrigido do Ipea. Trabalha-se aqui com linhas de corte'únicas para todo o Brasil. Contudo, no desdobramento futuro de nossas pesquisas, serão contempladas as diferenciações regionais, com o que o cenário nacional será redesenhado. .

O quadro geral

O quadro mais geral da já referida hierarquia social é apresentado no quadro abaixo, em que as mulheres negras (e pardas) obtinham, em 2002, apenas 31% dos rendimentos dos homens brancos (não negros); os homens negros, 47%; e as mulheres brancas, 62%. Os avanços que ocorreram no período 1992-2002 são mais significativos entre as mulheres, bem como são elas que aumentam sua participação no total dos ocupados.

Desagregando a análise pelos cinco níveis de rendimentos adotados neste estudo, observa-se que diferenças mais significativas manifestam-se apenas no nível superior, e mesmo assim em proporções bem mais reduzidas que aquelas do quadro mais geral. Nos demais níveis de rendimentos as disparidades são bem menores.

Assim sendo, esta forma de organizar os dados sugere que as distorções originam-se sobretudo no acesso diferenciado às ocupações melhor remuneradas. Essa situação fica patente na participação desigual que os segmentos revelam nos distintos níveis de rendimentos, onde sobretudo os homens brancos, mas também as mulheres brancas, são amplamente majoritários nos níveis superior e médio. Apenas no nível baixo os homens negros começam a demonstrar uma presença mais significativa, enquanto as mulheres negras só o fazem nos níveis inferior e ínfimo.

Visto de outra forma, ses examinarmos como cada segmento se distribui pelos vários níveis de rendimentos, verifica-se, em 2002, que enquanto 47% dos homens brancos encontram-se nos níveis inferior e ínfimo, em conjunto, esta proporção sobe a 65% entre as mulheres brancas, a 71% entre os homens negros e atinge a marca de 85% entre as mulheres negras. Em 1992, esse quadro era ainda mais grave.

A distribuição das oportunidades ocupacionais

Estabelecido que a desigualdade entre os segmentos localiza-se fundamentalmente no acesso desigual às ocupações melhor remuneradas, vamos agora examinar mais detalhadamente por meio de quais ocupações os vários segmentos conseguem inserir-se nos distintos níveis de rendimentos.

Em termos panorâmicos, observa-se a configuração de dois perfis básicos: um masculino e outro feminino, que se diferenciam internamente em função da raça, com as mulheres negras sendo as mais penalizadas.

O nível superior de rendimentos pode ser associado, um tanto livremente, a um certo padrão de vida de alta classe média, ainda que inclua um reduzido número de ricos.

O ingresso neste nível ocorre de maneira mais expressiva por meio das ocupações de classe média assalariada, e de forma mais acentuada entre as mulheres. Entre os homens os micro e pequenos empreendimentos ocupam a segunda posição, que entre as mulheres são superados pelo contingente de aposentadas e outras sem ocupação com rendimentos. Cabe registrar que este último grupo, o dos sem ocupação com rendimento, também é significativo entre os homens6 6 Em futuros desdobramentos deste trabalho, os dados dos grupos ocupacionais serão desagregados para examinar-se as ocupações mais relevantes. .

O nível médio de rendimentos corresponderia a um padrão de média classe média. Da mesma forma que no caso anterior, as ocupações de classe média assalariada também são as mais abundantes, com idêntica ênfase feminina. Outra semelhança é a segunda posição ocupada pelas mulheres sem ocupação com rendimento. Entre os homens, além desses dois grupos ocupacionais, também se destacam os micro e pequenos empreendimentos, as ocupações de operário e assalariados populares e as de trabalhador autônomo e pequenos negociantes ou prestadores de serviços urbanos.

O nível baixo conformaria um padrão de vida de classe média baixa. As principais ocupações entre os homens são as de operário e assalariados populares. No caso das mulheres, o destaque fica nas ocupações de classe média assalariada, que ocupam a segunda posição entre os homens. Entre as mulheres, a segunda posição cabe às sem ocupação com rendimentos, que também são expressivas entre os homens. Em todos os segmentos são igualmente expressivas as ocupações urbanas de trabalhador autônomo e pequeno negociante ou prestador de serviços.

O nível inferior corresponderia ao padrão de vida de massa trabalhadora, mal remunerada. Apresenta algumas semelhanças com o nível anterior, uma vez que as ocupações de operário e assalariados populares são predominantes entre os homens e as ocupações de classe média assalariada destacam-se entre as mulheres e ocupam a segunda posição entre os homens. Porém, neste nível, a segunda posição entre as mulheres cabe às ocupações de operário e assalariados populares. Entre as mulheres brancas, a terceira posição fica com as sem ocupação com rendimento, e entre as negras, com o serviço doméstico remunerado.

Tanto entre as mulheres como entre os homens destacam-se as ocupações urbanas de trabalho autônomo e pequeno negócio. Uma novidade entre os homens é que neste nível aparecem, com algum destaque, duas ocupações agrícolas: os pequenos agricultores familiares e os assalariados agrícolas permanentes.

O nível ínfimo é aquele ocupado pelo expressivo contingente de pior remunerados da escala social, que poderíamos associar a um padrão de vida típico de "lumpezinato".

Nos dois agrupamentos femininos e entre os homens brancos, a maior parcela é representada pelos aposentados e demais sem ocupação com rendimentos, que, no caso dos homens negros, situam-se na segunda posição. Neste último grupo, a primeira posição cabe aos operários e assalariados populares, que é a segunda entre os homens brancos e também se destaca entre as mulheres.

Entre as mulheres, a segunda posição fica com o trabalho doméstico remunerado. Outro contingente feminino que se destaca são as ocupadas com atividades agrícolas de autosubsistência e de trabalho não remunerado na agricultura familiar.

Entre os homens também são relevantes as ocupações agrícolas, tais como os pequenos agricultores familiares e seus auxiliares não remunerados, assim como os assalariados agrícolas temporários e permanentes.

Nos dois segmentos são igualmente expressivas as ocupações urbanas de trabalhador autônomo e pequeno negócio, assim como as ocupações de classe média assalariada.

Gênero, raça e escolaridade

Outra forma de percebermos a desigualdade entre os segmentos diz respeito às distorções na sua escolarização.

Desde a polêmica em torno do trabalho de Langoni, pelo menos, ficou claramente estabelecida a correlação entre escolaridade e rendimentos, e as divergências dizem respeito fundamentalmente ao sentido da determinação7 7 Cf. Tolipan e Tinelli, 1975. . Esposamos aqui o ponto de vista dos críticos, para os quais é a própria concentração da renda que, em grande medida, explica o acesso diferenciado à escolaridade. Ou seja, na formulação mais recente de Cardoso de Mello e Novais, que amplia o foco da discussão ao inseri-la no âmbito da sociabilidade contemporânea, estamos diante de um dos mais poderosos "monopólios sociais" que produzem e reproduzem as desigualdades8 8 Cf. Cardoso de Mello e Novais, 1998. .

Para introduzir o aspecto da escolaridade em nossas análises, agregamos as pessoas ocupadas em três níveis: aqueles que possuem até o primeiro grau completo ou incompleto, os que atingiram o segundo grau completo ou incompleto e aqueles que encontram-se no terceiro grau completo ou incompleto.

Obviamente, a evolução destes parâmetros de escolaridade aborda tão-somente o aspecto que podemos denominar de quantitativo desta complexa problemática. Uma avaliação mais rigorosa deve contemplar de imediato a questão da perda de qualidade de nosso sistema de ensino, particularmente no que diz respeito à escola pública, mas que também se aplica com propriedade ao setor privado. Sem desconsiderar em ambos os segmentos as tradicionais exceções.

De qualquer forma, mesmo com essa limitação analítica, os níveis de escolaridade são úteis para a segmentação social. De fato, também neste aspecto manifesta-se uma clara hierarquia entre os grupos sociocupacionais, em que o grupo de menor escolaridade vai crescendo do nível superior para os inferiores e, inversamente, vai diminuindo o grupo de maior escolaridade.

Por outro lado, comparando-se a situação vigente em 2002 com a de 1992, verifica-se, nos cinco níveis, uma melhora do perfil de escolaridade que reflete as crescentes exigências educacionais do mercado de trabalho e oportunidades.

Se este é o panorama global, o quadro fica mais nítido quando introduzimos a segmentação por gênero e raça. Examinando-se inicialmente a situação do conjunto das pessoas ocupadas, sem separá-las por níveis de rendimentos, observa-se que as mulheres brancas são as que revelam o melhor perfil de escolaridade, ainda que nos três níveis de escolaridade seus rendimentos médios sejam inferiores aos dos homens brancos e também dos homens negros. Se, no total do segmento, as mulheres brancas percebem rendimentos superiores aos dos homens negros, isto se deve a uma maior concentração delas nos níveis superiores de escolaridade e rendimentos.

Por sua vez, as mulheres negras também possuem um perfil de escolaridade superior ao dos homens negros, com rendimentos inferiores tanto por nível de escolaridade como no total do segmento.

Ou seja, o traço geral, há bastante tempo já conhecido, é que as mulheres sempre precisam de maior escolaridade para inserirem-se no mercado de trabalho, recebendo rendimentos inferiores aos dos homens9 9 Cf., entre outros, Leone, 2003. .

Por outro lado, chama atenção o fato de que a significativa expansão das pessoas ocupadas que se encontram no segundo grau foi acompanhada da queda de seus rendimentos médios, com exceção das mulheres brancas. Este desempenho deve estar indicando que, diante do forte desemprego reinante nos anos de 1990, os empregadores puderam exigir maiores níveis de escolaridade reduzindo os níveis de remuneração.

Entretanto, fora esta observação bastante sugestiva sobre o segundo grau, não vamos nos deter no comportamento dos rendimentos absolutos, uma vez que a base de comparação é altamente problemática do ponto de vista estatístico. De fato, na conjuntura de forte recessão econômica e desemprego vigente em 1992, o ponto de partida estaria significativamente deprimido. Nos futuros desdobramentos deste estudo, vamos examinar todos os anos do período e verificar a tendência ao longo do tempo.

Passemos, então, à análise sob a ótica dos rendimentos relativos aos dos homens brancos, sempre os mais elevados.

Já foi apontado na introdução, antes da segmentação por nível de escolaridade, que, confrontando-se as situações vigentes em 2002 e 1992, observa-se uma significativa redução das disparidades dos rendimentos no grupo das mulheres brancas, e menos expressivas no caso das mulheres e homens negros.

Desagregando agora os dados do total dos ocupados, observa-se que o avanço relativo das mulheres brancas manifesta-se nos três níveis de escolaridade. Por sua vez, o avanço dos segmentos negros localizam-se fundamentalmente nos ocupantes do nível mais baixo de escolaridade. De fato, os rendimentos dos homens negros afastam-se ainda mais daqueles obtidos pelos homens brancos nos dois níveis mais elevados de escolaridade. As mulheres negras avançam muito pouco entre as que possuem o segundo grau completo ou incompleto e ficam estagnadas no nível mais elevado.

Prosseguindo a análise, vamos ver o que se passa em cada um dos níveis de rendimentos. Aqui também o panorama é semelhante ao já apontado antes de desagregarmos os níveis de escolaridade. De fato, as maiores localizam-se no nível superior de rendimentos. Chama atenção neste nível a relativa piora da situação no grupo com segundo grau, bem como o avanço da mulheres brancas e homens negros no terceiro grau. As mulheres negras perdem posição em todos os níveis de escolaridade.

Nos outros quatro níveis de rendimentos, as diferenças entre os segmentos de igual escolaridade são pouco significativas, exceto no que se refere às mulheres com primeiro grau do nível ínfimo.

Desta forma, mais uma vez evidencia-se que a desigualdade origina-se sobretudo no acesso diferenciado aos níveis de rendimentos mais elevados. E, no interior de cada nível, nas distintas presenças nos graus mais elevados de escolaridade e rendimentos.

No nível superior de rendimentos, as ocupações se concentram crescentemente no terceiro grau completo e incompleto, com a já costumeira dianteira feminina e chamando atenção a significativamente inferior presença dos homens negros.

No nível médio esta performance no terceiro grau também se manifesta, ainda que num patamar inferior, continuando expressivos os contingentes que situam-se no primeiro e no segundo graus

No nível baixo de rendimentos, o predomínio fica com o primeiro grau, chamando atenção o avanço do segundo grau, e sobretudo o do terceiro, no caso das mulheres.

No nível inferior, como era de se esperar, o primeiro grau é ainda mais majoritário. Entretanto, merece destaque o avanço daqueles que se situam no segundo grau, nesta camada por definição mal remunerada.

Por fim, no nível ínfimo ocorre o mesmo que no nível anterior, apenas num patamar mais elevado no que se refere ao primeiro grau. Da mesma forma, começa a despontar o contingente com segundo grau neste grupo pior situado na escala social.

Conclusão

De acordo com os dados disponíveis verificados, as desigualdades de rendimentos pessoais associadas a gênero e raça são pouco acentuadas no interior de cada nível social ou grupo sociocupacional. Ou seja, os negros e as mulheres que conseguem ingressar nos estratos melhor situados, ainda que minoritários, aproximam-se das condições vigentes nos mesmos. Desta forma, as distorções localizar-se-iam fundamentalmente nas distintas condições de acesso às ocupações melhor remuneradas.

De fato, observando-se o cenário de 2002, apenas 29% dos ocupados negros inseriam-se num padrão de vida igual ou superior ao de baixa classe média, sendo 20,6% dos homens negros e 8,7% das mulheres negras. Se nos restringirmos ao padrão de média e alta classe média, essa proporção cai para 20% dos ocupados negros, 14,6% entre os homens e 5,8% entre as mulheres. Cabe registrar que os negros representam 45% do total de ocupados.

Por outro lado, a redução da desigualdade nos rendimentos relativos observada na comparação de 2002 com 1992 deve ser relativizada frente ao cenário nacional de estagnação e deterioração dos rendimentos. Na verdade, as indicações apontam para o fato de que os rendimentos dos homens brancos, que é a base de comparação, atrasaram-se em relação aos outros segmentos sociais.

Outro aspecto relevante diz respeito ao avanço quantitativo da escolarização em todos os segmentos, que deve refletir as crescentes exigências educacionais praticadas no mercado de trabalho.

Como se sabe, numa situação generalizada de super oferta de mão-de-obra, que há bom tempo tem vigorado entre nós, o progresso neste requisito, por si só, não é garantia de ocupação, nem de rendimentos mais elevados. Entretanto, seguramente constitui um caminho individual para se adquirir a indispensável "competitividade social", ou seja, ter alguma chance de inserção.

Notas

Bibliografia

Texto recebido e aceito para publicação em 11 de março de 2004

Waldir Quadros é professor-associado do Instituto de Economia da Unicamp, aposentado colaborador voluntário, onde é pesquisador do Cesit – Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho. Registra-se a indispensável colaboração do estatístico e doutorando Alexandre Gori Maia no processamento dos dados primários.

  • CARDOSO de MELLO, J. M. e NOVAIS, Fernando A. "Capitalismo tardio e sociabilidade moderna". Em História da vida privada no Brasil, vol. 4, São Paulo, Companhia da Letras, 1998.
  • FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes São Paulo, Ática, 1978.
  • HASENBALG, Carlos A. e VALLE e SILVA, Nelson do. Estrutura social, mobilidade e raça São Paulo, Vértice, 1988.
  • LEONE, E. T. "O trabalho da mulher adulta em regiões metropolitanas brasileiras". Em PRONI, M. W. e HENRIQUE, W. (orgs.). Trabalho, mercado e sociedade São Paulo, Unesp/ Unicamp, 2003.
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  • PRONI, M. W. e HENRIQUE, W. (orgs.). Trabalho, mercado e sociedade São Paulo, Unesp/ Unicamp, 2003.
  • QUADROS, W. J. Aspectos da crise social no Brasil dos anos oitenta e noventa Tese de Livre-docência, Campinas., IE/ Unicamp, 2003 (mimeo.
  • TOLIPAN, R. e TINELLI, A. C. (orgs.).'A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento Rio de Janeiro, Zahar, 1975.
  • 1
    Nossa referência mais geral encontra-se em Florestan Fernandes, 1978. Bastante sugestivas são as abordagens de Hasenbalg e Valle e Silva, 1988.
  • 2
    O ano de 1992 impõe-se como ponto de partida por razões metodológicas, porém, é bastante problemático por ser um ano de forte recessão e desemprego com os rendimentos deprimidos. Por outro lado, é bastante difundida entre os pesquisadores a convicção de que vem se expandindo a afirmação negra ao longo do tempo, o que empalidece um pouco a análise de comportamentos intertemporais.
  • 3
    A referência mais geral para este procedimento encontra-se em Mills, 1979.
  • 4
    Há algum tempo venho me dedicando a este esforço de estratificação sociocupacional. O trabalho mais recente é minha tese de livre docência
    Aspectos da crise social no Brasil dos anos oitenta e noventa, de 2003. O presente ensaio apóia-se nos primeiros resultados de uma nova atualização metodológica ainda em curso. Desta forma, são possíveis eventuais retificações em alguns dos dados que, entretanto, não devem invalidar as evidências mais marcantes já disponíveis.
  • 5
    Neste trabalho, os valores monetários sempre estarão expressos a preços de janeiro de 2004, utilizando como deflator o INPC corrigido do Ipea. Trabalha-se aqui com linhas de corte'únicas para todo o Brasil. Contudo, no desdobramento futuro de nossas pesquisas, serão contempladas as diferenciações regionais, com o que o cenário nacional será redesenhado.
  • 6
    Em futuros desdobramentos deste trabalho, os dados dos grupos ocupacionais serão desagregados para examinar-se as ocupações mais relevantes.
  • 7
    Cf. Tolipan e Tinelli, 1975.
  • 8
    Cf. Cardoso de Mello e Novais, 1998.
  • 9
    Cf., entre outros, Leone, 2003.
  • *
    A preços de janeiro de 2004; deflator INPC corrigido, Ipea/Cesit. Neste estudo considera-se a totalidade das rendas declaradas, seja na ocupação principal, seja nas demais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Recebido
      11 Mar 2004
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