Open-access Teatro e estado do barroco

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Teatro e estado do barroco

Otto Maria Carpeaux

O Barroco como Civilização Universal

É sabido que o termo "Barroco" foi por muito tempo um sinônimo de "decadência das artes". Desde a vitória do classicismo na França, e do neo-classicismo na Alemanha, as comparações entre a arte clássica da Renascença e a arte "moderna" do Barroco pululam, e estas comparações sempre produzem maus resultados para o Barroco. As primeiras edições do Cicerone, de um tão grande conhecedor como Jacob Burckard testemunham-no; mesmo os Kunstgeschicbtliche Grundbegriffe de seu sucessor Heinrich Woefflin, em 1915, ressentem-se desse fato. E perfeitamente possível que uma fina sensibilidade dos historiadores, a maioria deles protestantes, para a alma católica do Barroco tenham alguma responsabilidade nisso.

Desde há algumas décadas, esse aspecto mudou radicalmente. O Barroco, sua arte, sua literatura, sua ciência, sua política, foram objeto de muitos estudos, de um interesse apaixonado até ao modismo esnobe. Assistimos a uma verdadeira revalorização do Barroco. Bartolomé Manuel Cossio, Eugenio d'Ors, e os historiadores literários pós-menendizianos na Espanha, T.S. Eliot e Sacheverell Sitwell na Inglaterra, Paul Frankl e Ernst Cysarz na Alemanha, a lista deveria continuar; mas pouco adiantaria citar aqui nomes e obras. O movimento "barroquista" mereceria um estudo à parte, pois não se trata aqui de um negócio dos especialistas ou dos esnobes. Nosso tempo tem certas afinidades com o tempo barroco: nossas angústias religiosas, nossos abalos políticos e sociais, nossas preferências artísticas fizeram-nos compreender o Barroco, por mais de um motivo. Compreendemos nele, agora, um "sistema de civilização", o último "sistema fechado de civilização", o último "estilo" que a Europa produziu. O Barroco deixou de ser um fato histórico, para ser uma atualidade viva.

A alma da vida barroca é de substância latina, mediterrânea. É entre os povos latinos que o Barroco floresceu principalmente, e A.E. Brinckmann (1) sustenta uma afinidade especial entre as civilizações mediterrâneas e as expressões barrocas. Mas certas expressões artísticas do Barroco - a decoração das igrejas e dos conventos, sobretudo -elevam-se a seu ponto mais alto na Bélgica, na Alemanha Meridional, na Áustria, entre os povos germânicos, muito longe do Mediterrâneo, ligados às civilizações latinas apenas pela fé comum, a fé católica reafirmada pelo Concílio de Trento.

Com efeito, as fronteiras geográficas do estilo barroco parecem coincidir com as fronteiras das religiões no século XVII, fronteiras criadas por esse grande movimento eclesiástico pós-tridentino que se chama, um pouco erroneamente, "Contra-Reforma". O Barroco floresce em Roma e em toda a Itália, sobretudo nas regiões muito fiéis, em Nápoles e no Piemonte; o Barroco floresce na Espanha e em suas possessões americanas, na Áustria, na Baviera e Francônia, na Bélgica; na Alemanha, a fronteira das confissões coincide exatamente com a fronteira dos estilos. A França, ao contrário, profundamente perturbada pelas discussões jansenistas, abandona logo o Barroco; Bernini nao podia ter lugar aí, e o classicismo venceu, nas artes como nas letras, o estilo barroco, ao qual os países protestantes, em geral, escapam. Werner Weisbach (2) baseou, sobre esses fatos, uma teoria, cujo conteúdo está resumido no título de seu livro: O Barroco como arte da Contra-Reforma. Isso quer dizer que o Barroco é a expressão deste estado de alma dos povos católicos que o Concilio de Trento preparou, e que seus executores criaram.

No fundo, esta teoria retoma, com mais vigor, uma expressão que se encontra em muitas histórias das belas-artes: "estilo jesuítico". As vitórias da Contra-Reforma - conservemos o termo inexato, mas cômodo - deveram-se, como se sabe, principalmente aos jesuítas. Onde chegaram, reconstruíram as igrejas devastadas ou as edificaram novas, e preferiram um gosto artístico que se chamou outrora " estilo jesuítico" e que se prefere agora chamar "Barroco". Werner Weisbach aplicou este termo a todas as expressões da alma católica, de 1580 a 1700 aproximadamente e muitos estudos especializados parecem dar-lhe razão.

Recorde-se, por exemplo, a expansão internacional do teatro dos Jesuítas que influenciou tão profundamente os teatros nacionais: Jacobus Gretser e Jacobus Bidermann na Baviera, Nicolaus Avancinus na Áustria, Nicolas Coussin na França, Johannes Surins na Bélgica, Alessandro Donati em Roma, Luiz da Costa em Portugal, até Franciscus Bohomolei na Boêmia e Gregorius Knapski na Polonia (3).

Contra todas as suas observações, é preciso reter que o estilo barroco, de inspiração católica sem dúvida, ultrapassou as fronteiras religiosas. Há um Barroco protestante. Isto prova que o catolicismo era, no século XVII, mais forte do que se imaginava; o Barroco é um fenômeno católico e ao mesmo tempo universal, o último deste gênero na Europa, e o estudo de suas expressões protestantes permitirá dar-lhe uma definição mais exata.

Há um Barroco protestante. Os historiadores da literatura holandesa sempre o souberam, tinham necessidade dele para explicar Toost Van Vondel, seu maior poeta (4). Paralelamente, Alois Riegl (5) descobriu a essência barroca dos famosos "retratos de grupo" holandeses, e F.Schmidt-Degenes seguiu-o nos seus estudos rembrandtianos. Na Inglaterra, devemos a T.S. Eliot (6) a descoberta de toda uma civilização barroca, esquecida: isso tornou o ouvido mais afinado para as expressões barrocas no teatro jacobeu, e mesmo eiisabetano: com efeito, Ben Jonson, o catolicizante Philipp Massinger, John Webster, Cyril Tourneur, John Ford são tão barrocos quanto Tirso de Molina ou Calderón, do mesmo modo que se compreende agora o " barroco subterrâneo" no teatro clássico dos franceses, em Corneille sobretudo (7). Karl Deutschbein (8) distingue mesmo na obra de Shakespeare um período do barroco, de que Macbeth é a criação suprema. A este propósito recordar-se-á que Macbeth era uma homenagem teatral ao rei Jaime I da Inglaterra, cuja corte estava inbuída de uma ciência política barroca de que nos ocuparemos. O "Barroco protestante" é sobretudo evidente na Alemanha luterana: teremos ocasião de citar os dramas barrocos de Andreas Gryphious e de Johan Casper von Lohenstein. D'Indy falou do "catolicismo íntimo de Johan-Sebastian Bach", e Ruthland Boughton vê a ortodoxia luterana de Bach como "fenômeno de fuga", fuga da tentação católica. Os novos estudos bachianos baseiam-se nos livros preferidos de sua biblioteca, esta literatura de prece e edificação luterana, em que Wilhelm Althaus podia encontrar influências da literatura mística dos jesuítas. Mas não é a única influência jesuítica na Alemanha luterana do século XVII: descoberta surpreendente dos estudos recentes que os teólogos luteranos das Universidades de Wittenberg e de Helmstaedt, os mais intransigentes dos intransigentes escondiam a ausência de uma filosofia luterana por meio de empréstimos tomados ao grande filósofo jesuíta Francisco Suárez (9). Uma influência mais íntima manifesta-se, enfim, quando se estudam os caminhos tortuosos da invasão da Alemanha luterana pela mística de Santa Teresa (10).

Contra o Esquecimento

Em dezembro de 1967, no Teatro Municipal de São Paulo, a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP fazia a última cerimônia publica de entrega de diplomas a seus alunos. O paraninfo: Otto Maria Carpeaux. Um estudante leu o discurso do homenageado, um discurso que, com clareza e paixão, nos encorajava na luta pela democracia e pelo socialismo no Brasil. De pé, ao lado, Carpeaux acompanhava a leitura com gestos enérgicos. A gagueira, que o mantivera fora das salas de aula, incapacitava-o também para a tribuna. O orador e o professor que perdemos manifestava-se, porém, exuberantemente, na escrita, até que foi também aí silenciado pela ditadura militar.

Pouco antes desse silêncio imposto, o silencio voluntário, sua despedida como estudioso da literatura. Na breve "Nota prévia" a uma seleção de seus ensaios, "Vinte e cinco anos de literatura" (1968), explica só ter escolhido de seus trabalhos os que pudessem ainda "inspirar interesse ao círculo de amigos da literatura", E acrescenta: "Mas já não me incluo nesse círculo. Considero encerrado o ciclo. Minha cabeça e meu coração estão em outra parte. O que me resta, de capacidade de trabalho, pertence ao Brasil e à luta pela libertação do povo brasileiro".

Dez anos depois, dez anos de silêncio quase completo, em fevereiro de 1978, Carpeaux nos deixaria para sempre. Impossível avaliar nossa perda, com essa greve de silêncio, que suportamos sem protesto.

Agora, doze anos prolongaram aquele silêncio, que já dura vinte e dois longos anos. É urgente recuperar a riqueza que herdamos, sem lhe conhecer sequer o montante: em 11 de julho de 1948, José César Borba, no Correio da Manhã, lhe registrava o 500° ensaio publicado no Brasil, em apenas sete anos, informando também que estavam concluídas as três mil páginas da "História da Literatura Ocidental"; em 1968, em estimativa conservadora, falava-se em 1.500 ensaios, só duzentos reunidos em livro.

Quase não lhe reeditam mais os livros; numerosos ensaios, a maioria, jazem em coleções de jornais, muitos fora de circulação, esperando a famosa "crítica devoradora dos ratos". Por onde começar?

Talvez pelos órgãos públicos: a 26 de abril de 1979, O Estado de São Paulo noticiava: "Já na Biblioteca Municipal 'Mário de Andrade', seus 1.818 volumes, acrescidos de revistas e dos muitos recortes que Carpeaux reunia foram colocados numa sala especial.

Daqui a quatro meses, quando tudo estiver catalogado, encapado, os livros em ordem na nova casa, poderão ser lidos e consultados por qualquer leitor". Ao que se sabe, até agora, em 1990, o trabalho não foi concluído.

Outra parte do arquivo pessoal, incluindo recortes, manuscritos, fotos e documentos particulares, pertence à Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, e carece também de organização.

Sabe-se, além disso, que o Suplemento literário de O Estado de São Paulo, entre 1958 e 1967, lhe publicou duzentos e dezesseis trabalhos, a maioria inédita em livro...

O ensaio que ora apresentamos, "Teatro e Estado do Barroco", também aparentemente inédito, foi encontrado no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa. E um manuscrito de dezenove páginas numeradas, redigido em francês, com tinta preta, em letras miúdas que se apertam em folhas amarelecidas de papel, e quase lhe ocupam os 22 x 28cm. No canto esquerdo da primeira página, em diagonal, as palavras "Provavelmente 1942", escritas com a mesma grafia desse texto não assinado, mas inequivocamente autógrafo. As rasuras fazem supor redação única, alterações introduzidas no momento mesmo da escrita: não há entrelinhas.

Num futuro estudo sistemático que se fizer da obra de Otto Maria Carpeaux, é preciso levar em conta o contexto em que se insere o ensaio agora divulgado: forma conjunto com "A Cinza do Purgatório" (1942) e "Origens e Fins" (1943). O Autor, aliás, desejava vê-los reunidos, conforme se lê em nota ao último: "Peço considerar o livro como complemento ao volume anterior: 'A Cinza do Purgatório'. São partes dum esforço que, em contradição dialética e em unidade do pensamento, continua".

Particularmente próximos de 'Teatro e Estado do Barroco' estão 'Max Weber e a Catástrofe' ("A Cinza do Purgatório") e 'Tradições Americanas' ("Origens e Fins"). Mais tarde, 1953, aprofunda monográficamente suas reflexões no estudo de 'La vida es Sueño' ("A Torre", em "Respostas e Perguntas").

Antes de se expressar, aliás admiravelmente, em português, Carpeaux escrevia em francês os ensaios que eram, depois, vertidos para o português, e publicados em revistas e jornais. O trabalho de tradução era obra anónima, espécie de serviço de utilidade pública, generosa e espontaneamente oferecido, entre homens cultos, naqueles anos 40, As traduções eram, em gerai, excelentes. Isto não obstante, sobretudo no primeiro livro, "A Cinza do Purgatório", nota-se uma ou outra imprecisão. Lê-se, por exemplo, no estudo sobre Max Weber, a ocorrência de "interesses do capital", no lugar de "juros do capital". Uma reedição deverá estar atenta a essas particularidades, nem sempre negligenciáveis.

A publicação deste inédito e estas breves indicações introdutórias em Estudos Avançados pretendem motivar uma batalha contra o injusto esquecimento de Otto Maria Carpeaux, e engajar-se nela.

* Zenir Campos Reis é professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Tradutor do texto de Otto Maria Carpeaux, publicado nesta edição.

A digressão sobre o Barroco protestante forneceu-nos algumas datas apreciáveis: nosso estudo fará ainda compreender o significado dessa justaposição, aparentemente estranha, de Pierre Corneille, do rei Jaime I da Inglaterra e do Pe. Francisco Suárez S.J. . Todavia não há a definição prometida do estilo barroco. O Barroco impõe-se-nos como o conjunto grandioso das obras arquiteturais de Borromini e de Wren, das esculturas de Montañés e de Bernini, dos quadros do Greco e de Rubens, do teatro jesuítico, calderoniano, jacobeu, das especulações e das ciências pós-ecolásticas de Suárez e Campanella, de uma Igreja triunfante e de um Estado absoluto: conjunto que destrói irremediavelmente toda tentativa de definição. As épocas históricas, os estilos artísticos, os estilos de pensar e de viver, não se definem. Antes das construções sintéticas, são necessários os estudos especializados das expressões principais. As expressões principais do Barroco são seu teatro e seu Estado; as relações entre um e outro nos dirão muita coisa.

O Teatro do Barroco

Todo grande teatro, todo teatro verdadeiramente grande é por essência político. Não é por acaso que o teatro antigo e o teatro clássico de todas as nações modernas passam-se nas cortes dos reis. Para fazer bom teatro, é preciso saber o que é um rei. O teatro barroco gostou da história de Demetrius, que os jesuítas foram os primeiros a encenar e Lope de Vega representou no Gran Duque de Moscovia; a história deste príncipe Demetrius, de que não se sabia exatamente se era o Tzar dos Russos ou um impostor. Em todas as grandes tragédias do Barroco trata-se de saber quem é o verdadeiro rei: Macbeth e o príncipe Segismundo, de La vida es sueño, suportam esta prova ordália. O palco do teatro barroco significa verdadeiramente o mundo, o mundo político, mas também o mundo cósmico. A Hester de Pe. Jacobus Gretser S.J., representada em Munique com todos os refinamentos da montagem era a primeira peça de que "todo o mundo", o céu e o inferno inclusos, participava. Todo teatro barroco é o Gran teatro del ' mundo de Calderón; só que a cortina às vezes tira a vista das forças cósmicas que decidem, no palco, o desuno humano. O teatro barroco declara-se conscientemente uma "comédia da vida", como Lope de Vega não estabelece diferença entre uma atriz que representa uma rainha, e uma verdadeira rainha:

"Luego piensas tu que reinas

Con mayor estimación?

La diferencia sabida es

Que les dura hora y media

Su comedia, y tu comedia

te dura toda la vida." (Lo fingido verdadero)

A comédia do Renascimento conhece a mesma concepção:

All the world's a stage

And all the men and women merely players,

diz Jacques, em As you like it de Shakespeare. Mas o destino dos autores-homens do teatro renascentista depende dos caprichos da deusa paga Fortuna, enquanto a tragédia barroca reencontrou, em versão cristã, o Destino da tragédia antiga, representado pelas forças cósmicas, cujos representantes terrestres são a Igreja, o Estado e "o exército do diabo". A palavra "teatro", sinônimo de um divertimento alegre no Renascimento, retoma uma significação "política", se se entende por "política" o que os sociólogos barrocos chamam "política ortodoxa" ou "heterodoxa", "política de Deus ou do diabo" (11). O teatro barroco é, neste sentido também, um "Theatrum mundi"; é de "Theatrum mundi" que os cronistas-historiadores e os primeiros jornalistas do século XVII chamam suas relações na cena política da Europa (12).

Deste modo, o teatro barroco assemelha-se menos ao teatro do Renascimento que ao teatro medieval, cuja cena englobava tanto o céu, quanto a terra e o inferno. Como o teatro medieval, os "Mistérios" e as "Rappresentazioni", o teatro barroco recorda as origens do teatro cristão na liturgia da Igreja. Chamou-se a liturgia um " Gesamtkunstwerk", conjunto de todas as artes para servir de louvor a Deus. O teatro barroco é, da mesma forma, um "Gesamtkunswerk"; e não é uma comparação fácil, mas o resultado dos estudos mais recentes.

O teatro barroco é um "Gesamtkunstwerk", em que todas as artes servem aos fins da encenação. A arquitetura desempenha nisso um papel fundamental; apreende-se a essência do teatro barroco nos esboços das decorações maravilhosas que os arquitetos nos deixaram, os Burnacini, os Gaili-Bibbiena, os Grimaldi, os Servandoni, os esboços de palácios e de escadas reais, de jardins encantados, com suas perspectivas infinitas (13). Os arquitetos desenham também os costumes suntuosos, de uma variedade inesgotável, e ajudam a dispor os coros e os bales, servidos pelo novo estilo homofônico da música profana (14). Não há meio de expressão que não esteja aí representado: "O teatro é o centro da cultura barroca" (15). Pelo menos, tudo está representado aí. O Barroco é o estilo - e o tempo - da "representação", por excelência. A mesma pompa contorna com suas suntuosidades a cena, a corte, o altar. Tudo é " maravilhoso ", " colossal", " prodigioso". Lembramo-nos de que a palavra " barrocco" significa, em italiano, "acumulação". Comparam-se as qualidades que os esteticistas barrocos ressaltam na música: a música deve ser " meravigliosa ", " grandiosa", "massiccia", "miracolosa", deve "far lo stupore" e "colpire i sensi" (16). Todas essas definições aplicam-se "meravigliosamente" às artes e aos artifícios da encenação barroca, sobretudo no teatro dos jesuítas: há tempestades artificiais e fogos de artifício, máquinas que arrebatam personagens pelos ares, aparições de deuses nas nuvens, jatos d'água e de chamas infernais; havia proezas, como a divisão e a desaparição de nuvens, de que depois se esqueceu, e que a cena moderna não sabe mais reproduzir.

Todos esses artifícios estão condicionados, ou antes são conseqüências das duas grandes inovações revolucionárias pelas quais o teatro barroco se distingue de todo teatro precedente: a perspectiva e a mudança de cena. As duas inovações correspondem às transformações de estilo, passando do Renascimento ao Barroco: a transição da "forma fechada" à "forma aberta", do "estilo plano" ao "estilo profundo"(termos de Heinrich Woelfflin (17). A "profundidade" barroca corresponde à perspectiva; a "liberação das fronteiras" barroca corresponde à liberdade de mudar de cena.

A perspectiva e a mudança de cena parecem inovações exteriores; na verdade, são transformações tão profundas que o sentido metafísico da arte teatral manifesta-se aí (18).

A perspectiva é uma qualidade do espaço; ela é própria a certos espaços enquanto outros espaços carecem dela. No teatro moderno, desde o barroco, o espaço da cena possui a perspectiva, enquanto o espaço dos espectadores, a sala, não. Por isso, os dois espaços estão radicalmente separados: o espaço na arquitetura do Renascimento é "aditivo", o espaço na arquitetura do Barroco é "separativo" (19). Na Idade Média, o espaço dos espectadores e o espaço dos atores coincidem, todo mundo participa do espetáculo dos Mistérios; no Renascimento, os dois espaços se adicionam e se completam, avizinham-se; no Barroco, os dois espaços estão radicalmente separados. É uma transformação radical. A cena se transforma, pela primeira vez, em um "mundo da ilusão", independente do mundo real; um mundo ilusório, um mundo dos sonhos. É por isso que o assunto "sonho" é tão caro ao teatro barroco que encontra aí sua mais íntima substância, do

We are such stuff

As dreams are made on, and our little life

Is rounded with a sleep,

pelo qual o Próspero de Tempest, de Shakespeare, exprime sua última sabedoria, até a última sabedoria do príncipe Segismundo, na Vida es sueño, de Calderón.

El soñarlo solo basta;

Pues así llegué a saber

Que toda la dicha humana,

Enfin, pasa como un sueño.

O mesmo mecanismo interior torna cara ao teatro barroco a cena dentro da cena, o desdobramento ilusionista da ilusão, no terceiro ato de Hamlet como em L 'illusion comique de Pierre Corneille. A perspectiva, a ilusão, o sonho, três aspectos de uma mesma concepção, são a alma do teatro barroco.

O corpo material desta alma é a mudança de cena. E preciso aí distinguir. Em Shakespeare e em Corneille, a concepção está toda nas palavras; pois o teatro elisabetano não conheceu a mudança de cena e o teatro francês a encontrava proibida pelas famosas "unidades". São cenas "simultâneas". O teatro propriamente barroco é uma "cena sucessiva", e, por isso, um teatro de movimento. Até mesmo um teatro de movimento excessivo. "E como se um vento passasse pelas personagens do Barroco, como o vento que transforma os grupos plásticos dos altares barrocos em estatuaria agitada" (20). O vento transforma em marionetes agitadas, mas sem vontade, as personagens barrocas, esse vento produz um balé mecanizado, um "perpetuum mobile". Recordem-se as palavras de George Meredith sobre o teatro espanhol, citadas por Azorin (21): "La comedia española se distingue generalmente por lo rápido de los movimientos... La comedia española puede ser representada por un cuerpo de baile; y el recuerdo que deja su lectura se define con algo asi como el agitado arrastar de muchos pies". A vida na cena barroca é frenética, e o espectador aplaude as palavras do príncipe Segismundo:

Qué es la vida? Un frenesí.

Qué es la vida? Una ilusión.

Esses dois termos resumem um teatro barroco: uma concepção metafísica expressa por um balé ilusionista. O balé exprime tão perfeitamente esta concepção que os autores e os espectadores tornam-se cada vez mais indiferentes às palavras, aos textos, até que o teatro barroco termine na ópera. Pode-se perseguir essa evolução nas peças do Pe. Nicolaos Avancinus S.J., que termina libretista das óperas imperiais de Viena. As roupas, as danças, o acompanhamento musical, a arquitetura, as máquinas de água e de fogo invadem os textos e expulsam as palavras. Aos homens, apenas restam alguns "soli", os germes da "aria" musical. Os atores perdem a individualidade, aglomeram-se nos coros, transformam-se em figurantes e comparsas mudos, peões de um grande jogo de xadrez. O Barroco inventa o "balé do xadrez",'jogos de xadrez dançados, nova expressão da "comédia da vida"; a comparação entre a vida e um jogo de xadrez aparece com freqüência na literatura barroca. Essa comparação é também cara à Idade Média, é verdade; mas nos "livros de xadrez" da Idade Média, as peças de xadrez representam as classes da vida social, a política interna, por assim dizer (22), e no Barroco as finezas do jogo representam as finezas da política exterior, da diplomacia. O observador pessimista - o homem barroco é sempre pessimista -inclina-se a olhar os reis e os povos como vítimas da diplomacia e de seus refinamentos diabólicos. Essa observação produziu os tipos da tragédia barroca.

O herói da tragédia barroca é a vítima inocente das duas outras personagens principais, que o flanqueiam e o fazem cair: o tirano e o intrigante. O espírito barroco é moralista e moralizante, o que tem relação com a renovação moral do mundo católico pelo Concilio de Trento. Recordem-se os dois exércitos, do bem e do mal, os exércitos inacianos. No teatro barroco, todas as personagens são partículas do bem ou do mal, do alto ou do baixo, que pululam em torno de nós. Mas são "partículas". Em geral, não há diabos propriamente ditos. Se o diabo aparece na cena barroca, é expressamente chamado assim, o "Demônio" no Magico prodigioso de Calderón ou no Esclavo del demonio de Mira de Amescua. As personagens da tragédia barroca não são elas próprias demônios, são vítimas do demônio. Isso é também verdadeiro para o tirano e para o intrigante; são antes mártires, vítimas de seu pessimismo excessivo (23). O tirano da tragédia barroca tem quase os traços de um santo, desesperado de sua salvação. É profundamente melancólico, pois conhece a maldade do mundo. Perde-se em sua melancolia, debate-se entre a incapacidade de decisão e tempestades afetivas. O mesmo desespero produz a atividade apressada e infatigável do intrigante. O Barroco receia essas atividades misteriosas e os moralistas pessimistas à La Rochefoucauld procuram aí os segredos do diabo. O século XVIII, otimista, esquecerá as bases metafísicas dessas duas personagens terríveis: o tirano revelar-se-á personagem nobre e doce ou converter-se-á, como os sultões de Voltaire, como o Saladino em Natán, o sábio de Lessing; o intrigante transforma-se em personagem cômica, embaraçado com ocupações múltiplas e inúteis, nas comédias de Destouches e de Marivaux.

O drama barroco é pessimista. Os homens resistem penosamente ao mundo, por uma moral estóica, se não são salvos pela graça.

Sêneca é o modelo do teatro barroco: fornece-lhe muitos assuntos, fornece-lhe a psicologia terrificante, e, de certa maneira, a concepção da "comédia da vida" (Sêneca, Ep. ad Lucilium, LXXVI, LXXVII). Não importa se o trágico Sêneca e o estóico Sêneca são idênticos; em todo caso, p Barroco acreditava nessa identidade. Sêneca fornece também ao teatro barroco a moral estoica. Deve-se acrescentar que o teatro barroco é, em grande parte, de origem espanhola, e a filosofia de Sêneca estava sempre em casa na Espanha. O tirano aparece freqüentemente como melancólico estóico, por exemplo o Melancólico de Tirso de Molina, e Juan Perez de Montalbán intitula a tragédia do rei Felipe II: El gran Seneca de España Felipe II.

É inevitável. Não há salvação definitiva fora da graça. Mas quando o clarão da graça incide, a peça acabou. A graça só pode ser a conclusão dramática. Até lá, o homem barroco só tem a moral estoica para resistir às tentações do mundo. A tentação é um assunto essencial do teatro barroco: Vida es sueño. Mágico prodigioso, Macbeth, Phèdre, o Lucifer de Joost van Vondel. A tentação desempenha no teatro barroco o mesmo papel do Destino no teatro antigo: ela purifica pelo medo e humilhação (24).

Por isso a tragédia barroca não tem herói trágico, no sentido dos Antigos. Walter Benjamin (25) afirma mesmo que um verdadeiro herói trágico é impossível no Barroco: "O espírito da Contra-Reforma" faz os homens dependerem diretamente da intervenção celeste, o que torna impossível o conflito direto entre os homens, o conflito trágico. Benjamin explica, desse modo, a raridade de fins verdadeiramente trágicos no Barroco, e o final feliz de Vida es sueño é eloqüente.

Mas vejo, ao contrário, na "tentação" do teatro barroco, uma imitação intencional do Destino antigo, naturalmente em transformação e interpretação cristãs. O próprio Benjamin define as personagens barrocas como "prisioneiras de constelações funestas", o que recorda, ao mesmo tempo, Édipo e as crenças astrológicas, que sobreviveram ao século de Ticho de Brahe e de Wallenstein. Mas o destino astrológico é também transformado de forma cristã: o homem é prisioneiro do pecado geral do mundo; toda a Natureza está destinada à morte, motivo preferido da poesia barroca; a própria história humana é o caminho de paixão da humanidade.

É o grande assunto do espírito barroco: saber se e como o homem pode se subtrair a essa decadência natural e pecadora. As grandes "discussões sobre a graça" dos Bañezistas e dos Motinistas, dos Jansenistas e dos Jesuítas tratam disso; no Condenado por desconfiado, Tirso de Molina representou essa discussão em cena. Como nesta peça, o teatro barroco, teatro católico, opta pelo livre arbítrio. A escravidão da vontade às constelações astrais aparece, na Vida es sueño, como erro perigoso, herético. Mas os que se entregam, voluntariamente, ao mundo, estão condenados, é verdade, a ser marionetes, fantoches de suas paixões mundanas; e muitos o são. E por isso que a cena barroca está repleta desses figurantes, até transformar-se em balé mudo. Isto parece um modo de expressão calvinista. Mas o teatro barroco é católico; por princípio, ele permanece fiel à vontade livre, que não pode ser desmentida pelos "escravos do demônio"; Lanson sublinha que Corneille, aluno dos jesuítas de Rouen, afirma eloqüentemente o livre arbítrio em Oedipe, e " Potieucte é antes motinista; a graça de que se fala é a dos jesuítas, teólogos da liberdade, e antigos mestres do poeta" (26). Quando, no teatro barroco, a vontade humana é quebrada, isto significa, cada vez, que Deus ou o demônio venceu, mas pela livre decisão humana. Não é a escravidão da vontade, mas simplesmente a dependência religiosa do homem. Ainda uma vez, é preciso citar Paul Frankl (27): a transição do Renascimento para o Barroco é a transição do espaço aditivo para o espaço separativo, da força independente e ativa para a força dependente e passiva, da liberdade puramente humana para a dependência religiosa. Na cena barroca, a liberdade humana subsiste, na medida em que ela se submete a Deus; quando ela resiste a Deus, o homem rebaixa-se a marionete do demônio; e a submissão a Deus consiste em negação voluntária do mundo.

O Barroco é um mundo de grandes preocupações e de angústias religiosas (28). A "Contra-Reforma" afirma vigorosamente a vaidade do mundo, tema preferido da poesia barroca. Um pessimismo trágico dirige-se contra o mundo, perturbado pelo pecado, e o decompõe sistematicamente: a vida é apenas um sonho, sua pompa não passa de ilusão; esta atitude contém certa ironia, e a ironia é o avesso espiritual da ascese. Esta ironia exprime-se freqüentemente por meio do cômico, e o teatro barroco é rico em elementos cômicos cujo naturalismo grosseiro sublinha a futilidade do terrestre, para contrastá-lo com o sobrenatural (29). Trata-se sempre da luta entre o mundo e o sobrenatural, trata-se sempre de uma decisão (30). O que se representa é o drama da salvação ou da condenação: o Doctor Cenodozus do Pe. Jacobus Bidermann, condenação eterna de um hipócrita, aparentemente salvo, é o auge do teatro barroco. Nas artes da encenação, todas essas máquinas servem somente para fazer todo o Cosmos participar desse drama metafísico do homem. É o Gran Teatro del Mundo.

O meio artístico para representar aí todo o Universo, "visibilia et invisibilia", é a alegoria.

La alegoría no es más

Que un espejo que traslada

Lo que es con lo que no es.

(Calderón - El verdadero Dios Pan.)

A alegoria barroca é a expressão artística de uma concepção muito católica, da "analogia entis". Para melhor compreender esta relação, Hankamer (31) lembrou a epistemologia suareziana, a "fabricatio universalitatis" das datas especiais dadas ("dates spéciales données", N. do T.)

É no sentido dessa gnoseologia escolástica que Calderón define suas alegorias:

hacer más

representable un concepto.

(Sueños hay que verdaderos son.)

A alegoria é a "fabricação de uma universalidade" servindo-se das datas dadas ("dates données", N. do T.) do mundo; a alegoria é a transcrição do mundo em um nível mais elevado, simbólico. Neste simbolismo, o mundo aparece ao pessimista melancólico do barroco como uma grande alegoria da morte. O mundo é radicalmente perturbado, seus movimentos não passam de uma perturbação insensata.

Qué es la vida? Un frenesí.

A alegoria quer abrir-nos os olhos: procura o verdadeiro lugar das verdadeiras entidades no mundo, os pontos de apoio ocultos da salvação neste mundo da morte. Para encontrá-los, é preciso destruir a fachada do mundo, é preciso provar que toda esta pompa é apenas sonho e ilusão; nunca é demais repetir as palavras de Calderón:

Qué es la vida? Un frenesí.

Qué es la vida? Una ilusión,

Una sombra, una ficción,

Y el mayo bien es pequeño;

Que toda la vida es sueño,

Y los sueños, sueños son.

É preciso destruir o mundo, a fim de que o homem possa manter-sé: de outro modo, ele cairia na tragédia de tornar-se uma marionete muda, sem alma. E por isso que a tragédia barroca prega a vontade, é por isso que Corneille, o voluntarista, presta homenagem ao suaresianismo de seus mestres jesuítas. Todo o teatro barroco é o teatro da vontade. A própria morte do herói é sua vitória, pois na morte a perturbação do mundo é vencida. O abalo radical é magnificamente expresso pelo grande dramaturgo alemão Johan Cazier von Lohenstein:

Ia, wenn der Höchste wird vom Kirchhof' sammeln ein

Dann werd' ich Totenkopf ein englisch Antlitz sein.

(Se Deus ceifasse o cemitério,

Eu, cabeça de morto, seria uma face angélica.)

A tragédia barroca não tem necessidade de fim trágico. A própria morte é aí uma apoteose. A apoteose é a verdadeira conclusão do teatro barroco.

O Estado do Barroco

O piano deste estudo parece impor o traçado das analogias entre o teatro e o Estado barrocos. Isso não seria difícil; creio mesmo todas essas analogias muito fáceis, e enganadoras. As analogias se evidenciarão por si mesmas, se um retrato fiel do Estado barroco for bem sucedido. Mas as dificuldades de uma definição aparecem. A realidade do Estado barroco é assunto dos historiadores que sucumbem, até aqui, à abundância da documentação, e a teoria política do Barroco, cujo estudo de fato valeria a pena, está toda imbuída de imagens utópicas, que têm uma relação apenas muito indireta com a realidade. Resta somente o caminho de construir, segundo o método de Max Weber (32), um "Idealtypus" (tipo ideal) do Estado barroco. A comparação entre esse " tipo ideal" e a estrutura espiritual do teatro barroco fornecerá a relação procurada com a realidade política.

Terminamos o quadro do teatro barroco pela "Apoteose"; podemos começar, pela apoteose, o quadro do Estado barroco. Com efeito, o Estado barroco é a apoteose do monarca. O rei representa, " hic et nunc", a glória do outro mundo. Como homem, ele participa do mundo e da morte; como soberano, pertence já a um outro nível da hierarquia universal.

A representação material desse " hic et nunc" é a pompa da corte que iguala todas as pompas do teatro. Cada "entrada" do rei, cada festa, do coroamento ao enterro, é uma representação solene. A corte é um balé ao redor do rei, e os movimentos desse balé são regulados pelas leis da etiqueta espanhola, rigorosas como as leis da composição musical. Esta etiqueta é a muralha impermeável, pela qual o rei está separado de todos os outros homens, como o "espaço separativo" da cena barroca está isolado da sala dos espectadores. O rei barroco está colocado numa cena que é o " theatrum mundi", o Gran Teatro del Mundo: o mundo gira em torno dele.

Esta representação teatral, que faz do rei um deus terrestre, leva a compreender mal o espírito do Estado barroco. Sim, é uma representação, más é só uma representação. Representação de realidades mais altas, realidades divinas. O rei barroco está situado tão alto porque é o ápice de um Estado que tem, de alto a baixo e inteiramente, uma significação religiosa: ele é a imagem de um outro mundo: O pensamento e a realidade política do Barroco estão imbuídos de uma " mística do Estado" (33), que se exprime na criação de santuários políticos e religiosos ao mesmo tempo (Escorial, Mariazell); sob a proteção dos países pela nomeação de "santos nacionais", "patronos"; no culto do patrono especial dos reis, São José, cuja testa, criada em 1481, só se impõe no tempo barroco. O culto josefino tem uma significação profunda: o rei tem mais necessidade de proteção que os outros homens, porque ele está mais exposto às tentações. Como a tentação é assunto predileto do teatro barroco, a tentação é assunto principal da história barroca: a tentação do vício, da heresia, da tirania; a luta dos Jesuítas, confessores dos reis, aí se impõe.

Pois, como o rei representa, "hic et nunc", a glória, sua corte representa, "hic et nunc", o mundo em toda sua corrupção mortal, que justifica todo pessimismo. A fuga das cortes corrompidas é, segundo o modelo de Horacio (Epod. II), tema predileto da poesia barroca. As lamentações sobre a maldade e a iniqüidade das cortes enchem o século. O drama espanhol gosta de opor à corte, a pureza da aldeia (Alcalde de Zalamea, El villano en su rincón, de Lope de Vega). Uma das maiores tragédias barrocas, The Revenger 's Tragedy (1607) do ingles Cyril Torneur, passa-se numa corte, cuja corrupção é inaudita; mais barroco ainda, James Shirley trata em The Traitor a historia do príncipe Lorenzino de 'Medici que se fazia de alcoviteiro e clown na corte de Florença, para corromper seu primo, o Grão-Duque tirânico Alexandre, e matar por fim o tirano; um assunto que volta muitas vezes à cena barroca. "A corte e uma caverna de assassinos", diz o dramaturgo alemão Andreas Gryphius, em sua tragédia de terrores Leo Arminius. Até na corte papal de Roma observa-se o jogo das intrigas malignas das eleições papais, que Pastor descreveu minuciosamente (34), e para as quais Joseph Bernhardt encontrou a fórmula feliz " Entre Versailles e o Escorial"; o grande dramaturgo espanhol Tirso de Molina fala disso em La elección por la virtud. Essa tradição de corrupção excessiva das cortes sobrevive ao século XVIII e enche, com seus furores pré-revolucionários, as peças do " Sturm und Drang" alemão, como Kabale und Liebe, do jovem Schiller, onde a felicidade de um jovem casal inocente é destruída pela imbecilidade de um marechal da corte, instrumento das patifarias de um secretário da corte.

A corte barroca justifica, pois, uma concepção pessimista do mundo; e essa corte é tão poderosa que o destino dos homens simples depende dela. Os segredos da corte, impenetráveis para os simples mortais, são os segredos do destino, as "constelações funestas"; uma única personagem conhece esses segredos: o "secretário", palavra que tem, no século XVII, uma significação inquietante e funesta.

As personagens principais da corte são três: o rei, o intrigante e o tribuno. Todas as outras, os grandes, os cortesãos, os domésticos, não passam de coro, e o povo, abaixo deles, são os figurantes, as marionetes mudas da comédia de máquinas barroca.

O Barroco sabe distinguir entre a peruca e o homem. No rei, vê-se, antes de tudo mais, o homem infeliz, carregado de imensa responsabilidade perante Deus, exposto a todas as tentações da corte. A maior dessas tentações é tornar-se tirano. Mas o tirano é, também ele, um infeliz, e o Barroco vê o infeliz, o mártir, onde nossas falsas perspectivas só nos deixam ver o déspota: o rei Felipe II, o monstro preferido dos historiadores protestantes e liberais, não se chama por acaso "El gran Seneca de España" na peça de Perez de Montalbán. Sêneca é o modelo do estóico, e Felipe II é o modelo do domínio doloroso de si mesmo, para servir o Estado e o povo, até essa atitude inumana que é própria ao estoicismo; o Baeto, na tragédia do holandês Pieter Cornelius Hooft (1607), é um equivalente protestante dele. É esse estoicismo que destrói os poderes infernais da corte, ainda que por meios inumanos, despóticos. O tirano barroco, como Walter Benjamin se exprime, carrega, também ele, os pecados do mundo.

Nisso o tirano assemelha-se ao seu contrário, o intrigante. O intrigante é proteiforme: aparece como ministro, de que o Sejanus de Ben Jonson é um modelo; como "secretário particular", figura que parece involuntariamente criada pelo nobre e infeliz secretário do rei Felipe II, o doutor Antonio Perez, e que a tradição dramática persegue, até o malvado secretário Wurm, em Kabale und Liebe de Schiller; o intrigante aparece como monge misterioso, figura certamente criada pelo Pe. Joseph, "eminência parda", secretário particular de Richelieu, e que a imaginação dos historiadores protestantes acredita reconhecer em cada Jesuíta, confessor de um rei. Mas, como o intrigante do teatro barroco, o intrigante da corte é também, no fundo, um infeliz, um misantropo por desespero, um mártir negativo que "peccata mundi secum portat" um demônio, enganado no fim.

A civilização barroca é muito artista; não recusa certa admiração pelas artes e pelos refinamentos do intrigante. Compara seu jogo a um jogo de xadrez que ela acompanha, tremendo. A política é a arte do diabo. Até esse dia, o odor de enxofre emana da diplomacia, invenção do século XVII, e cujo mestre consumado chamar-se-á Talleyrand. A curiosidade trêmula, mas intrépida, dos moralistas quererá desvendar esses segredos diabólicos, e o primeiro desses moralistas, Maquiavel, teve o destino de emprestar seu nome à arte do diabo (35).

Contra o "maquiavelismo" da política barroca, ergue-se, desde o início, uma oposição vigorosa. Já em 1564, as obras do grande florentino encontram-se no Index. Em 1592, o Pe. Antonio Possevin S.J. escreve, contra o maquiavelismo, seu Indicium, livro mordaz e decisivo. A Política de Dios (1626) do grande Francisco Gomes de Quevedo, tida por muito tempo como uma utopia crista, é a defesa vigorosa dos princípios do Estado cristão contra a política maquiavélica. A Idea de un principe político cristiano (cerca de 1640) de Diego Saavedra Fajardo é antimaquiavélico, com opiniões que resvalam no liberalismo moderno.

São os advogados dos povos contra as artes refinadas do cortesão diabólico. Poderiam ser chamados os "tribunos". Falam em nome do povo, porque o povo barroco é mudo como os figurantes do balé barroco. A política do diabo eles opõem uma política cristã, uma " Política de Dios", uma" política celeste", como diz o Pe. Antonio Vieira S.J..

Os Jesuítas são, com efeito, os protagonistas no tribunato barroco. Entre os autores mais eminentes dessa direção política, encontramos dois confessores dos Imperadores habsburguenses, o Pe. Guilelmus Lamormaini S.J. (Idea principis christiani: 1638) e o Pe. Adam Contzen S.J. (Politicorum 1 X, dedicados ao imperador Ferdinando II). Acreditou-se que eram utopias todos esses livros, do mesmo modo como se acreditava que eram declamações retóricas as " orationes pro Bruto" dos colégios jesuítas. Há um pouco mais.

Sem dúvida, a teoria da soberania do povo tem, no Pe. Francisco Suárez S.J., outra significação que em Rousseau; por isso, como para toda soberania, Suárez exige uma base religiosa. Uma base religiosa encontra-se ainda na "democrazia cristiana" de Tommaso Campanella, expressão pela qual deixo aliás a responsabilidade a De Sanctis (36). Mas Campanella é já utopista, e os Jesuítas são realistas. Quando o Pe. Antonio Vieira SJ. reclama, no sermão de Sto. Antonio, de 14 de setembro de 1642, uma política de impostos igualitária, isto tem um sentido real. Enfim, toda a "política indigenista" dos Jesuítas é um tribunato. Um tribunato inspirado pelos princípios do cristianismo, um tribunato que não nega o poder real mas o condiciona pela preservação desses princípios cristãos. Os Jesuítas têm aí, nesses tempos, muitos êmulos, e encontram-se, entre eles, os Puritanos da jovem colônia americana de Massachussets (37). Uma das explicações mais claras desses princípios é a "Harmonia política dos documentos divinos com as conveniências do Estado" (1651), de Antonio de Souza de Macedo, em que o direito do povo de se revoltar só é suspenso pela devoção ao príncipe. A encarnação mais pura do "tribunato" barroco é o príncipe Segismundo da Vida es sueño: ele sucumbe, quando toma as atitudes de um tirano, e vence quando se coloca como tribuno do povo; mas a vitória é condicionada pelo domínio estóico de si mesmo perante seu pai, estoicismo que distingue o monarca cristão. O tribuno, como o rei, não passa de um representante: ambos representam a intervenção divina nos destinos do mundo.

Toda política barroca é de inspiração religiosa. A "vida es un frenesí", um campo de batalha, em que os exércitos de Deus e do Diabo se combatem. A política é a batalha decisiva: aí, é preciso escolher entre a decisão política e a decisão religiosa. A Cosmarchia do Pe. Jacobus Bidermann S.J. representa essa batalha em cena. Esta cena é o mundo, como o mundo é um teatro. As relações entre eles devem ser encontradas.

A Função Política do Teatro Barroco

Identifica-se com freqüência o teatro jesuítico e a "comédia escolar". Com efeito, os Padres da Companhia de Jesus punhamm suas artes teatrais a serviço das atividades pedagógicas. As representações do College de La Fleche eram especialmente famosas, e as do College de Rouen, onde estudava o jovem Corneille, certamente não eram más. Hoje em dia, vêem-se ainda as salas esplendidamente ornadas, dos colégios jesuítas extintos, em algumas pequenas cidades de província, onde não há mais, desde então, nenhuma vida teatral. Sem dúvida, essas representações tinham fins pedagógicos; muitas vezes serviam aos estudos gramaticais e ao professor de retórica.

Mas esses Colégios não eram comumente escolas secundárias. E preciso não esquecer que toda a elite das juventudes francesa, espanhola, italiana, austríaca foi educada nesses colégios, e que os negócios políticos do futuro dependiam da formação espiritual e intelectual dessa elite. O teatro jesuítico é um instrumento pedagógico de um grande estilo. Algumas dessas pequenas cidades de província mencionadas eram então centros políticos, como Lucerne, capital da Suíça católica, onde se representava diante dos membros do " Grand Conseil". Em Munique e em Viena, os Padres faziam o possível para deslumbrar as cortes real e imperial pela magnificência das representações; e não era uma espécie de publicidade, de propaganda para as escolas. Lá também, fazia-se pedagogia política, mas desta vez para os adultos, para os reis e para os próprios ministros.

Essas representações fazem parte integrante do "tribunato"jesuítico: as peças são escritas, escolhidas, encenadas para representar aos poderosos desta terra certos princípios de política cristã, para " hacer más representabas los conceptos". O teatro barroco tem uma função de pedagogia política.

O tempo está convencido, em geral, de que a arte preenche aí seu fim específico. No prefácio da primeira comédia barroca, Il Candelaio, Giordano Bruno explica o título de sua peça como "una candela destinata a iIluminare le ombre delle idee". As mesmas "sombras das idéias "encarnam-se nas personagens do Télémaque, romance de Estado de Fénelon, e é preciso notar que os "romances de Estado" barrocos distinguem-se dos do século XVI e do século XVIII pela atitude mais pedagógica que crítica. A mesma observação se aplica aos numerosos "espelhos do verdadeiro príncipe", como os de Geronimo Mengozzi (1614) ou de Théodore Jaquemont (1628), dos quais o mais famoso, o Basilikon doron (1607) foi escrito para o próprio rei Jaime I da Inglaterra.

Mas o teatro produz maiores resultados. Gustave Lanson, falando da significação política do teatro de Corneille, diz: "Em Othon, em Pulchérie, em Juréna, é aí que se deve ir procurar o romance verdadeiro dos costumes políticos do século XVII" (38). A tragédia barroca é tragédia política: ela representa os reis como são e como deveriam ser. Distingue o verdadeiro rei do falso rei; é por isso que a história do falso tzar Demetrius está em voga. Outro dos assuntos prediletos do teatro barroco, o sonho, tem sua significação pedagógica: na Vida es sueño, a concepção do sonho eleva-se à verdadeira consciência e dignidade real. As grandes peças que o Pe. Nicolaus Avancinus S.J. fez representar em Viena ( Theodosius Magnus, 1654, para o casamento de Ferdinando IV; Cyrus, 1673, diante do imperador Leopoldo I), essas peças mostram o bom príncipe como servidor do Estado e do direito, e o tirano como servidor de seus desejos demoníacos. Todos os artifícios da encenação servem ao fim de "hacer más represen tables" essas virtudes celestes e esses vícios infernais. O Belisarius do Pe. Jacobus Bidermann S.J., representado em Munique em 1607 é uma peça diretamente política, quase ameaçadora; as desventuras do general bizantino Belisário provam que a Fortuna, a deusa caprichosa das mudanças políticas, não passa do instrumento vingador da Providência Divina. A peça comove profundamente o príncipe e seus ministros; atinge o fim que Calderón exprimiu na Vida es sueño:

Sirva de ejemplo este raro

Espectáculo, esta extraña

Admiración, este horror.

Os Jesuítas conceberam e realizaram o que os clássicos alemães de Weimar chamavam, segundo a fórmula de Schiller, a "Schaubühne als moralische Anstalt", "o teatro como instituição moral".

Esta definição pedagógica do teatro é propriedade coletiva do Barroco. Compreende-se desta maneira toda a arte. "Depois da política", diz Alessandra Tassoni (Pensieri diversi, 1620), " e de tudo que dela depende, vêm as artes muito nobres, a história, a poesia e a retórica, para instruir os príncipes, os povos e todos os que se ocupam dos negócios públicos" (39). O teatro está incluído nisso, como a Pratique du théatre (1657) do abade d'Aubignac prova, e a concepção pedagógica do teatro é sobretudo comum aos teóricos jesuítas (40).

Essa teoria pedagógica vem da antigüidade, ela é o malentendido moralizante da "Khatarsis" aristotélica. Mas o próprio Aristóteles não compreendeu a significação religiosa da grande tragedia grega, e o modelo antigo da tragedia barroca não é Sófocles, mas Sêneca, o moralista estóico. O Barroco é um tempo de grandes angustias religiosas, nós o vimos; a concepção moralizante de seu teatro não se adapta a isso muito bem. Para esclarecer a contradição, ouso aventurar uma analogia, que não é absolutamente uma explicação, sublinho, mas apenas uma analogia para facilitar a compreensão. O maior poder espiritual do Barroco é o Concilio de Trento. O Concílio, que devia defender a ortodoxia contra os reformadores, não encontrava nada para mudar nas verdades da fé; no máximo, podia-se defini-las mais estritamente. Neste sentido, não há " reforma tridentina" nem "contra-reforma". Mas era possível e mesmo necessário reformar a disciplina moral na Igreja, e o Concílio cumpriu bem sua tarefa. Mas esse processo que se tornava exemplar, se aplicaria mal à teoria do teatro. Os teóricos do teatro não encontrariam nada para mudar nas "categorias" trágicas da antigüidade; eles se contentavam em transformar as concepções religiosas da tragédia antiga em concepções da moral cristã. Isso não fazia mal, enquanto a grave preocupação moral do Barroco reinava. Mas quando essa angústia religiosa desapareceu, no século XVIII, a moral teatral perdia seus rigores e se transformava em oca declamação. Os terrores da tragédia barroca perdiam a significação: as peças de Crébillon pai produziam estupefação, sem aterrorizar. A pedagogia moralizante podia sobreviver; mas o grande teatro barroco desapareceu com a preocupação religiosa que fez tremer os próprios príncipes. A tragédia do século XVIII não faz ninguém mais tremer. A angústia religiosa foi substituída pelo sentimento de segurança que as riquezas materiais fornecem, pelo espírito burguês.

Com efeito, a vitória do sentimento de segurança burguês, laico, é o fim do teatro barroco. Para esclarecer esta tese, seja permitida uma digressão sobre a comédia barroca. A comédia barroca, também, servia a tendência ascética de destruir a fachada pomposa do mundo. Mas, desta vez, a tendência ascética não se dirige contra os vícios dos reis, mas contra as tentativas do homem do povo, burguês, de arrogar-se uma situação social que não convém a seu estado. É preciso provar-lhe, também, que "la vida es un frenesí, una ilusión" (41). As etapas teatrais dessa "ilusão cômica "são Jacobus Usurarius do Pe. Jacobus Bidermann S.J., o Fidalgo aprendiz de Francisco Manuel de Mello, o Bourgeois gentilhomme de Molière. O teatro barroco gosta de servir-se, para esse fim cômico, do assunto trágico " da vida que é um sonho"; representa o sonho pedagógico de um camponês bêbado que se crê, por um só dia, grande senhor: assim, no prólogo de Taming of the Shrew de Sheakespeare, até a última e mais genial comédia barroca, o Teppe pa berget do grande dinamarquês Ludwig Holberg (1725). É que a ascensão social passa por imoral. Mas o advento da burguesia no século XVIII transforma essa concepção moral; o assunto desaparece da cena. Isto não passa de um sintoma. O teatro perdeu a preocupação religiosa e ganhou, em compensação, a segurança burguesa. No teatro dois caminhos possíveis abrem-se: ou renunciar a todas as concepções barrocas ou transformá-las.

O primeiro caminho é a ópera. A tragédia barroca, com suas máquinas, seus "soli" e seus coros, seus bales e seus figurantes encerra já toda a ópera em germes. O barroco vê os homens como marionetes do festim; no século XVIII, não é mais permitido formular essa concepção; ela sobrevive apenas na música, a língua que não pode mais ser compreendida intelectualmente, e Beaumarchais dirá com desdém: "Hoje em dia, o que não vale a pena ser dito, canta-se". Contra a opinião muito generalizada que crê que a ópera é uma arte aristocrática, sou partidário da opinião de Paul Bekker (42): a ópera não é um gênero aristocrático, mas burguês. A ópera aristocrática do século XVIII não passa de um frágil eco do teatro barroco, hoje esquecido. Mas a ópera burguesa vive ainda: começa pelas Bodas de Figaro de Mozart e o Barbeiro de Sevilla de Rossini, cujos libretos servem-se das comédias burguesas, revolucionárias de Beaumarchais; as comédias musicais são o reverso cômico da ópera trágica revolucionária, de Cherubini, que não sobreviveu à tranqüilização conservadora burguesa no século XVIII.

O outro caminho: substituir diretamente a preocupação religiosa pelo sentimentalismo burguês. O homem do barroco era estoico pessimista. O homem do século XVIII é otimista e lacrimejante. Isso começa pela transformação de um assunto da tragédia antiga em drama lacrimejante: a Mérope do Marchese Scipione Maffei, em 1713. A comédia lacrimejante domina o século XVIII, de Lillo a Diderot; ela não se passa mais na corte do rei, mas na casa do pai de família. Entre os últimos dramas lacrimejantes há Eugénie de Beaumarchais, do mesmo Beaumarchais cujas comédias inauguram a ópera moderna social, burguesa, do século XIX; Augier, Dumas Filho e Ibsen o seguirão.

No palco, o espírito burguês suplantou o espírito barroco. Se a tese da identidade de estrutura interna do teatro e do Estado barrocos se confirma, é preciso não se contentar com a constatação fácil de que o teatro e o Estado barrocos caíam juntos. É preciso coordenar o caso político do teatro barroco e a tragédia do Estado barroco, para estudar a identidade estrutural desses dois processos históricos.

A Tragédia do Estado Barroco

Bernhard Groethuysen (43) estudou as origens do espírito burguês na França. Os três (sic) volumes provam inteiramente nossa tese de que o sentimento de segurança burguês segue diretamente a perda da preocupação religiosa do barroco.

Um contemporâneo dessa evolução francesa é o inglês Shaftesbury: ele faz do estóico sombrio do Barroco um estoico sorridente (44); substitui o sentimento trágico da vida pelogood humour. Essa transformação é significativa.

Groethuysen explica-nos como o burguês substitui o pessimismo barroco, hipnotizado pelo pensamento da morte, peta afirmação da vida, sem se preocupar mais com o aniquilamento. A insegurança do destino barroco é afastada por fatos irrefutáveis: as leis da física, as cifras do livro de contas. A morte não é mais um acontecimento metafísico, mas a transição da casa de uma mão para outra. Esta vida presente é, para o burguês, de uma realidade dura, que o mundo de sonho barroco jamais conheceu. No lugar das esperanças de recompensa no outro mundo, o burguês prefere as felicidades menos esplêndidas, porém mais palpáveis, ospetits bonheurs de Fontenelle. No lugar dos impulsos de expansão mística em direção ao além, o burguês é movido pelos impulsos de expansão social, através das fronteiras da ordem corporativa, que ele gostaria de romper. Ainda ontem o Pe. Bidermann S.J. zombava, no Jakobus Usurarius, do burguês e de seus desejos de ascensão social; então, otribuno que queria lutar generosamente pelo povo, é, ele próprio, um Dom Quixote ridículo e anacrônico, que se bate contra os moinhos de vento de uma ordem social, que o burguês já abalou. Não é mais a moral da humildade cristã que defende os pobres, é a riqueza bem adquirida que exige seus direitos. Mas o desejo de expansão social choca-se contra um obstáculo que queria impedi-lo de acumular dinheiro: a proibição canónica dos juros do capital.

Depois do estudo de Augusto M. Knoll (45), não é mais necessário descrever as discussões intermináveis sobre a interdição canônica dos juros. Há, atrás das lutas em torno de um dogma da economia política, uma verdadeira luta das classes, que se servem das definições da graça como das ideologias. Entre os combatentes dessas batalhas, reencontramos o Pe. Jacobus Gretser S.J. e os Jesuítas da Universidade de Ingolstadt, onde o teatro jesuítico sobe ao auge, e, por outro lado, o Márchese Scipione Maffei (Dell 'impiego del denaro, 1744), o criador do drama lacrimejante. Há sem dúvida uma ligação secreta entre o teatro e as leis monetárias, ligação que não é mais, para nós, misteriosa. Mas, em vez de encontrarmos todos os enigmas resolvidos, uma surpresa desagradável nos espera.

Deve-se supor que os Jesuítas, os homens do teatro barroco, e Maffei, o homem do teatro novo, digladiam acerca do problema dos juros. Mas, ao contrário, batem-se, uns e outro, por certas facilidades a favor dos capitalistas, ocontractus trinus, otitulus legis civilis. Os Padres e o Marquês são aliados involuntários contra o Pe. Daniel Concina O.P., rigorista da defesa dos juros. É surpreendente.

Maffei, que nisso representa a burguesia, no mercado e na cena, é conseqüente. Assim, há uma contradição interna no sentimento de vida do barroco, contradição paralela entre o destino da tragédia barroca e a moral pedagógica de sua teoria. E preciso desatar dialeticamente essa contradição.

Isso é impossível, enquanto a gente se limita às discussões sobre os juros do capital. Mas há relações muito amplas. Os juros, frutos proibidos da colaboração entre o capital e o trabalho, são simétricos à soberania absoluta do Estado, a qual é o fruto proibido da colaboração entre o rei e o povo. Em ambos os casos, tenta-se expulsar da vida social a Igreja e seus preceitos, para abrir lugar ao espírito burguês e ao espirito maquiavélico. Contra a tentativa política, a vanguarda da Igreja, os Padres Jesuítas, erigem-se emtribunos: os protagonistas da luta contra o absolutismo são o santo cardeal Roberto Bellarmin S.J. (46), o Pe. Martinus Becanus S.J. (47), o Pe. Franciscus Suárez S.J. (48). E nesse sentido que é preciso compreender suas teorias sobre a soberania. Seus adversários são os representantes, hoje esquecidos, de uma sociologia patriarcal que olha o rei como encarnação dodireito paternoilimitado, para extrair daí conclusões a favor do absolutismo real. É muito notável que essasociologia patriarcal floresça sobretudo na Inglaterra do rei Jaime I, e da Igreja do Estado anglicano (49); o representante principal, um pouco mais tarde, é Sir Robert Filmer, o autor do Patriarcha sive de naturali potestate regium (50).

Essas duas teorias, a dos Jesuítas e a dos Anglicanos, têm suas bases na antigüidade: a interpretação platônica e a interpretação aristotélica do mito dos Ciclopes. Os Ciclopes representavam para os eruditos da antigüidade os homens primitivos, e fatigavam-se para explicar pela sua maneira de viver as origens do Estado. Para Platão (Politikos, 259 b), o germe do Estado são as famílias, de que os Ciclopes são os pais; para Aristóteles (Política 1252 a), o germe do Estado são os Ciclopes como indivíduos, isolados nas florestas e desertos. Segundo a interpretação platônica, o poder real encerra todos os poderes paternos; segundo a interpretação aristotélica, o poder real difere essencialmente do poder paterno e é menor, se bem que em um nível mais elevado.

A escolástica, que substitui os Ciclopes pelo Adão paradisíaco conhece as duas interpretações e inclina-se mais por Aristóteles: de Tomás de Aquino (De regimini principium, I, 1) até Suárez. Toda a teoria moderna do contrato social, segundo a qual os homens viviam primitivamente como indivíduos livres e isolados, para associar-se mais tarde por um contrato, todas essas teorias, de Locke a Rousseau, baseiam-se na mesma interpretação aristotélica do mito dos Ciclopes. Aparentemente, a teoria de um Suárez é idêntica. Mas, na realidade, os autores católicos supõem aí uma significação muito diferente: para Locke e Rousseau, que negam o pecado original, o homem está sempre na inocência paradisíaca de Adão, de que ele goza de todos os direitos; para os autores católicos, a situação cósmica do homem foi radicalmente mudada pela queda de Adão. Por isso, o homem perdeu os direitos ao direito natural primário, com suas liberdades ilimitadas. O homem decaído deve contentar-se com o direito natural secundário, que corresponde ao estado de pecado e que permite os poderes de força do Estado, a escravidão. Esse olhar pessimista sobre a situação do homem admite concessões à evolução social, na querela dos juros, bem como a outros respeitos. Com efeito, a sociologia católica, consciente das realidades humanas, não se obstina nunca em uma oposição sistemática, e aí reside sua força; mas nesses tempos de uma grande transformação social, ela se via limitada ao papel de um pregador de moral; ninguém queria ouvir os conselhos de um Vieira ou de um Bourdaloue, cuja grande inteligência sociológica é sublinhada por Groethuysen. Os abusos de um feudalismo anacrônico persistiam; e a catástrofe tornava-se enfim inevitável. Adão foi expulso, mais uma vez, do Paraíso, e os Ciclopes do capitalismo apareciam.

Na sociologia um pouco fantástica do Barroco, as teorias sobre Adão e os Cicplopes multiplicam-se. Basta mencionar as especulações sobre a origem hebraica dos povos mais diferentes, as explicações datábua dos povos(Gen.,X) e de sua relação com as migrações; especulação que se reencontra ainda em Vico, onde os Ciclopes desempenham um papel apreciável. Através da genealogia, essas especulações invadem a mística do Estado: tentava-se fundar os poderes reais sobre a origem adâmica etc. da família real (51). Em Robert Filmer, que intitula Patriarcha seu livro sobre o poder real, Adão é o modelo da realeza patriarcal e, por isso, absoluta.

É esse absolutismo que os Jesuítas combatiam, porque a conseqüência dele era o poder do rei sobre a Igreja, o Anglicanismo, o Galicanismo, toda espécie de Igreja Nacional, em mãos do Estado. Mas a luta contra esse erro era difícil. No fundo das duas interpretações, platônica e aristotélica, do estado primitivo, adámico ou cilópico, da humanidade, há duas teorias opostas da filosofia da história: uma otimista, outra pessimista. A teoria otimista levava à teoria da soberania de Suárez, e degenerava, mais tarde, desembaraçada dos freios do dogma do pecado original, ao otimismo rousseauniano e revolucionário; a teoria pessimista passa por Filmer a todos os teóricos do absolutismo, a De Maistre e a Haller. O Barroco é a encruzilhada dessas teorias: na sociologia católica, o otimismo suareziano e o pessimismo teológico convivem ainda pacificamente. É o momento em que a pretensão do Estado ao absolutismo e a pretensão da nova burguesia à liberdade econômica se dirigem, ambas, contra as doutrinas da Igreja. Aos olhos dos homens da Igreja, ambos estavam certos e errados, ao mesmo tempo. Era preciso combater e conciliar ao mesmo tempo. Mas, por isso, a contradição interna entre o otimismo sociológico e o pessimismo teológico se revelava. Em virtude do pessimismo teológico, os Jesuítas são os protagonistas espirituais do Barroco; em virtude do otimismo sociológico, eles são ostribunos,a oposição muito leal.de Sua Majestade. O conflito entre a afirmação e a negação do mundo, o conflito principal do teatro barroco, tornava-se conflito interno do Estado barroco; ele os destruiu, um e outro. Os Jesuítas se viam limitados a pregadores, que apresentavam ao Estado e à burguesia o espelho de seu teatro e de seus sermões, o espelho moralista. Nessa luta, os Jesuítas esgotam-se; enfim, tornam-se as vítimas das cortes corrompidas e furiosas. Mas a dissolução da Companhia de Jesus precede imediatamente a queda dessas cortes pela revolução.

Essa tragédia do Estado barroco é muito pouco conhecida; gostaria de hacer más representable el concepto por um caso concreto e escolho o caso menos conhecido: a decadência do Estado barroco dos Habsburgos.

Os livros de história sobre o Império, de 1600 a 1780 mais ou menos, são absolutamente insignificantes; contentam-se com a superfície política, e é preciso procurar os fundos, a evolução religiosa e social, nas publicações esparsas. Sobretudo, negligenciou-se inteiramente a riquíssima mística de Estado austríaca, interpenetração íntima de soberania e de religiosidade. Na maioria das vezes, devemos os quadros históricos dessa época a historiadores protestantes que não entendiam nada disso. Só sabiam explicar a política do Imperador Ferdinando II pelo clichê obsoleto aluno dos Jesuítas e reduziam as decisões do imperador da Contra-Reforma e da Guerra dos Trinta Anos à influência excessiva de seus confessores jesuítas. Na verdade, Ferdinando II era déspota por conta própria, se bem que sempre atormentado pelos graves escrúpulos, próprios aos reis do Estado e do teatro barrocos; os famosos confessores jesuítas, os Pe. Lamormaini e Becanus S.J., que encontramos entre os tribunos, foram atenciosamente ouvidos e pouco obedecidos (52). Mais influentes que esses confessores eram os monges místicos, de que a corte está cheia.

O mais famoso desses monges era o carmelita Pe. Domenicus a Jesus Maria: por sua intervenção pessoal, a imagem miraculosa de Sta. Maria de la Vittoria nas mãos, ele tinha decidido a vitória definitiva sobre os protestantes boêmios na batalha da Montanha Branca, em 1620. Mas esses monges místicos não são tribunos; ao contrário, têm alguma coisa dos intrigantes demoníacos da tragédia barroca. Os historiadores protestantes declaravam sempre o confessor imperial Pe. Lamormaini S.J. responsável pela execução em massa dos aristocratas protestantes em Praga, em 1621; mas, desde Gindely (53), sabemos que os Jesuítas Lamormaini e Becanus desaconselhavam ardentemente a decisão funesta, que atraía ao Império Habsbürguense a oposição secular e irreconciliável da nação tcheca; o Pe. Dominicus a Jesus Maria, inspirado por uma de suas visões que a Igreja jamais reconheceu, tinha persuadido o Imperador. Em Roma, desconfiava-se sempre de seus conselheiros irresponsáveis: em 1664, o Núncio apostólico em Viena, Cario Garaffa, escreve numa relação ao Papa, a respeito de tal monge: Não é impossível que a Providência se sirva de tais instrumentos; mas temo que suas visões derivem antes de uma confusão melancólica de sua alma do que de uma inspiração divina (54). O monge, de que fala aqui o Núncio, influenciou profundamente o imperador Leopoldo I, que representa o auge da religiosidade barroca e da mística de Estado na Áustria; o país deve-lhe algumas de suas igrejas e de seus grandes conventos mais significativos, o Pe. Avancinus S.J. apresentou-lhe o espelho de príncipe de suas mais pomposas peças. Mas Leopoldo I é também o tipo do monarca barroco, como o teatro espanhol o conhece: era excessivamente devoto (um pouco mais de trato mundano seria melhor, diz o Núncio), era profundamente melancólico, e de uma incapacidade patológica de se decidir (55). Sua irresolução escrupulosa só podia ser vencida pela intervenção de outro monge místico, que o dirigia, mesmo contra os ministros e os confessores, o Pe. Marco d'Aviano O. Cap. Deve-se reconhecer que a melancolia do imperador era aprofundada pela alta traição de seus dois ministros, príncipe Johann Averberg e príncipe Wensel Lobkowitz, verdadeiros modelos de intrigantes da corte barrocos. Depois, o imperador desconfiava dos grandes aristocratas, sem poder modificar a organização feudal de seu Império. Confiava-se inteiramente ao monge, a esse Pe. Marco d'Aviano, cuja intervenção pessoal decidia, em 1681, a vitória sobre os turcos e a salvação de Viena; verdadeiro sucessor do carmelita Pe. Dominicus, Pe. Marco aconselhou, depois, a conquista de outro reino, então herético: a Hungria.

Essa guerra era gloriosa; os historiadores políticos viam aí o ápice do poder habsburguense. Mas essa guerra era também funesta; arruinou definitivamente as finanças e a economia do Império, e a corrupção dos altos funcionários feudais completou a ruína (56); o sistema patriarcal da administração fracassava, e nas lacunas as primeiras influências burguesas apareciam, na pessoa dos judeus riquíssimos Samuel Oppenheimer e Lamson Wertheimer, fornecedores de guerra e credores do Estado (57). Contra essa corrupção, o Pe. Marco d'Aviano tinha já dirigido os conselhos de suas Considemzioni e riflessi per ispimzione celeste (1648) (58), cujas proposições benevolentes recordam antes o utopismo de Campanella que o tribunato de um Vieira. Mais tarde, o grande cardeal Kollonitsch retomou esses conselhos, mas os executava em sentido completamente diverso; sua reforma financeira do Estado termina pela criação, em 1705, do Wiener Stadtbank (Banco da cidade de Viena), pelo qual o crédito do Estado foi embasado sobre as riquezas da burguesia (59). Por isso, tinha-se atingido profundamente os fundamentos do Estado barroco. A conseqüência longínqua, depois do meio século conciliador da imperatriz Maria Teresa, foi a separação da Igreja e do Estado por José 11, o josefinismo e o fim da Áustria barroca.

É o fim da tragédia e do Estado barroco. Esse fim não é uma apoteose, como o fim em cena. Pois uma apoteose hic et nunc seria a representação cortesa desse otimismo terrestre, incompatível com o sentimento trágico da vida do Barroco. A tragédia do Estado barroco é a única tragédia barroca que tem um fim puramente trágico. A alma barroca vê as muralhas deste mundo desmoronar, mas, com toda melancolia, ela não desespera: sabe que o símbolo da vida es sueño é mais que uma exortação pedagógica, a saber o profundo conhecimento metafísico que foi o fundamento do teatro e do Estado barrocos, e que lhes sobreviveu.

Qué es la vida? Un frenesí.
Qué es la vida? Una ilusión.
Una sombra, una ficción,

Y el mayor bien es pequeño;

Que toda la vida es sueño,

Y los sueños, sueños son.

Agradecimentos:

Ao professor Ruy Gama, pelos termos de arquitetura que me ajudou a transpor; à professora ilma Esperança de Assis Santana Curti, que transliterou comigo nomes e textos alemães; e à Jacqueline Mattalia, que teve a paciência de rever e de datilografar essa tradução.

As expressões principais do Barroco são seu teatro e seu Estado; as relações entre um outro nos dirão muita coisa.

... o teatro barroco é rico em elementos cômicos cujo naturalismo grosseiro sublinha a futilidade do terrestre, para contrastá-lo com o sobrenatural

Todo o teatro barroco é o teatro da vontade. A própria morte do herói é sua vitória, pois na morte a perturbação do mundo é vencida.

... o Estado barroco é a apoteose do monarca. O rei representa, "hic et nunc", a glória do outro mundo.

Toda política barroca é de inspiração religiosa. A "vida es un frenest", um campo de batalha, em que os exércitos de Deus e do Diabo se combatem.

(

  • 1
    ) A.E.Brinkmann -
    Die Baukunst der ramanischen Volkesäm 16. und 17 Jahrhundert, 1932.
    (
  • 2
    ) Werner Weisbach -
    Das Barock als Kunst der Gegenreformation, 1921.
    (
  • 3
    ) Ele encontra esses nomes pouco conhecidos em Hans Stender -
    Das Jesuitendrama beiden Slawen, 1932.
    (
  • 4
    ) Gustav Kalff -
    Litteratuw en tooneel te Amsterdam in de zevenúende eeuw; cf. agora Jan Huizinga -
    Nederlandsche beschaving des 17e eeuw, 1933.
    (
  • 5
    ) Alois Riegl - Das holländische Gruppenporträt (in:
    Jahrbuch de Kunstsammlungen dês Kaiserhauses, Wien, 1902, vol. XXIII).
    (
  • 6
    ) T.S.Eliot -
    Homage to John Dryden, 1924;
    For Lancelot Andrews, 1928.
    (
  • 7
    ) Cf. Th. Maulnier -
    Introduction à la poésie française, 1929.
    (
  • 8
    ) K. Deutschbein -
    Macbeth als Barockdrama, 1936.
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  • 9
    ) Ernst Lewalter -
    Spanisch-jesuitische und deutsch-luterische Metaphysik, Hamburg, Ibero-amerikanisches Institut, 1935.
    (
  • 10
    ) Max Wieser -
    Peter Poiret, der Vater der romanischen Mystik in Deutschland, 1931.
    (
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    ) Johanes Carammelis -
    Lobkowitz O.S.B., na biografia do Pe. Dominicus a Jesus Maria, 1655.
    (
  • 12
    )
    Theatrum mundi, de Matthaeus Merian, etc.
    (
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    ) Resumo em Josef Gregor -
    Weltgeschichte des Theatere, 1933; cf. as publicações da Biblioteca Nacional, de Viena, e do Museu do Teatro, de Colônia.
    (
  • 14
    ) Guido Adler n.a. -
    Die Musik am Hoft der habsburgischen Kaiser des 17 und 18 Jahrhunderts, 1922-1924.
    (
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    ) Hans Alewyn -
    Der Geist des Barocktheaters, 1936.
    (
  • 16
    ) Luigi Corte -
    Musica del Barocco, 1933.
    (
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    ) Heinrich Woelfflin -
    Kunstgeschichtliche Grundbegriffe, 1915.
    (
  • 18
    ) Alewyn, l.c.
    (
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    ) Termos de Paul Frankl -
    Die Entwicklungsphasen der neueren Baukunst, 1914.
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  • 20
    ) Wilhelm Hausenstein -
    Der Geist des Barock, 1921.
    (
  • 21
    ) Azorin -
    Clasicos y Modernos.
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    ) Wilhelm Schwer -
    Stand und Ständeordnung im Weltbild des Mittelalters, 1934.
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    ) Waiter Benjamin -
    Der Ursprung des deutschen Trauerspiels, 1927.
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    ) Deutschbein, l.c.
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    ) Benjamin, l.c.
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    ) Gustave Lanson -
    Histoire de la littérature française, 12 ed., p. 438.
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    ) Frankl, l.c.
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    ) G.Toffanin -
    La fine dell'umanesimo, 1920.
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  • 29
    ) Hausenstein, l.c.
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    ) W.Hankamer -
    Deutsche Barockdicktung, 1936
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    ) Hankamer, l.c.
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    ) Max Weber-
    Wirtschaft und Gesellschaft, 1922.
    (
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    ) E.K.Winter -Staatsmystik (in:
    Staatslexikon des Goerres - Gesellschaft, vol. V)
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  • 34
    ) Pastor -
    Geschichte der Päpste, vols. X.XIV.
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  • 35
    ) Charles Benoist -
    Après Machiavel, 1936
    .
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    ) Francesco de Sanctis -
    Storia della litteratura italiana (ed. Morano), vol. II, p.225.
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    ) Gustav Mueller -
    Americanische Philosophie, 1936.
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  • 38
    ) Lanson, l.c.
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  • 39
    ) Citado por Benedito Croce -
    Estetica come scienza dett'espressime e linguistica generale (3
    a ed.),P-191.
    (
  • 40
    ) J.Zeidler -
    Studien und Beiträge zur Geschichte der Jesuitenkomòdie 1891; os autores, cf. K.Sommervogel -
    Bibliographie de 1a Compagnie de Jésus.
    (
  • 41
    ) E.Flemming -
    Die Barockkomödie, 1932.
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  • 42
    ) Paul Bekker -
    Wandlungen der Oper, 1933.
    (
  • 43
    ) Bernhard Grothuysen -
    Die Entstchung der bürgerlichen Welt: und Lebensanschauung in Frankreich, 2 vols., 1927-1930; id.,
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  • 44
    ) E. Tiffany -
    Schaftesbury als a Stoic, 1923.
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  • 45
    ) August M.Knoll -
    Der Zins in der Scholastik, 1933.
    (
  • 46
    ) Joseph de la Servière S.J. -
    La thélogie de Bellarmin, 1908.
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  • 47
    ) Martinus Becanus S.J. -
    De pontifice Verteris Testamenti et de comparatione illius cum rege, 1612.
    (
  • 48
    ) H.Rommen -
    Die Staatslehre des Francisco Suárez, 1926.
    (
  • 49
    ) George Blackwell, William Barclay, Roger Widrington, todos ligados à corte do rei Jaime I, da Inglaterra; seus escritos são acessíveis apenas na velha coleção Monarchia S. Romani Imperii, 1613, de Melchior Goldast.
    (
  • 50
    ) Escrito em torno de 1650, publicado em 1683; reimpresso em algumas edições dos escritos políticos (p.ex., ed. H.Wilmanns, 1906) de Locke, que polemizou contra Filmer.
    (
  • 51
    ) Franz Kampers -
    Die Wendegang der abendländischen Kaisermystik, 1924.
    (
  • 52
    ) Cf. o livro muito importante e pouco conhecido do historiador católico Anton Gindely -
    Geschichte der Gegenreformation in Bömen, 1894.
    (
  • 53
    ) Gindely, l.c., p.202.
    (
  • 54
    )
    Archiv fur österreichische Geschichtsforschung,vol. CIII, 1913.
    (
  • 55
    ) Cf. as cartas do imperador ao Pe. Marco d'Aviano, in:
    M.Heyret - P.
    Marco d'Aviano, 1931.
    (
  • 56
    ) Josef Maurcr -
    Kardinal Leopold Graf Kollonitsch, Primas von Ungarn, 1887.
    (
  • 57
    ) Franz von Mensi -
    Die Finanzen Österreichs von 1701 bis 1740, 1890.
    (
  • 58
    ) Heyret, l.c.
    (
  • 59
    ) Maurer, l.c.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1990
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