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Cenários para o Brasil no futuro

DOSSIÊ BRASIL: O PAÍS NO FUTURO

Cenários para o Brasil no futuro

Alexandre Polesi

RESUMO

OS TEXTOS desta edição da revista Estudos Avançados têm sua origem no seminário "Brasil: O País no Futuro - 2022", organizado pelo IEA no segundo semestre de 2005. Esse seminário foi a primeira atividade do Programa de mesmo nome, lançado no início do ano passado como atividade permanente do Instituto. O Programa, por sua vez, inspirou-se na participação do IEA no trabalho de prospecção de cenários futuros nas dimensões "Global" e "Institucional" do Projeto "Brasil 3 Tempos – 2007-2015-2022", conduzido pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE) e pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). O IEA entende que faz parte de sua missão institucional desenvolver um programa sistemático de elaboração de cenários para o Brasil, por meio de metodologia própria, sem vínculos com governos ou organizações políticas.

Palavras-chave: Cenários futuros, Dimensão global, Dimensão institucional, IEA, Programa "Brasil: O País no Futuro", Projeto "Brasil 3 Tempos", Núcleo de Assuntos Estratégicos, CGEE, Presidência da República, Atividade permanente, Metodologia própria.

ABSTRACT

THE ARTICLES set in this issue of Advanced Studies Review have their origins in the "Brazil: The Country in the Future-2022" seminar, launched in 2005, by Advanced Studies Institute-IEA. This seminar was the first activity of a Program by the same name, started by IEA in the beginning of that year. This Program was suggested after IEA participation's in a job of preparing prospective scenarios in the Global and Institutional Dimensions, at "Brazil 3 Times", a project conducted by Strategic Issues Nucleus (NAE) from Brazilian Government Presidential Cabinet. IEA has considered a permanent program of prospective scenarios for Brazilian future, drawn by its own methodological criteria and values, as an appropriated matter of its institutional mission.

Keywords: Future scenarios, "Brazil: The Country in the Future" Program, "Brazil 3 Times" Project, Global Dimension, Institutional Dimension, Strategic Issues Nucleus-NAE, Brazilian Presidential Cabinet, Permanent activity, Methodology, Institutional Mission.

A REVISTA ESTUDOS AVANÇADOS publica nesta edição os textos e os temas apresentados no ciclo de seminários promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) no segundo semestre de 2005, sob título geral "Brasil: O País no Futuro - 2022". Trata-se de um exercício de prospecção de cenários e um conjunto de prognósticos sobre os principais problemas e "gargalos" que o país terá de enfrentar nas próximas duas décadas, na óptica de um qualificado grupo de intelectuais brasileiros.

Os seminários que originaram o presente dossiê, por sua vez, seguiram-se à participação do IEA num dos mais importantes e polêmicos programas de elaboração de cenários futuros já feitos no país – o Projeto "Brasil 3 Tempos – 2007, 2015, 2022" (Br3T), lançado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Secretaria de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República (NAE), e conduzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização civil de interesse público, com sede em Brasília.

Tanto os seminários quanto os textos aqui divulgados não fazem parte do "Brasil 3 Tempos". São, portanto, de inteira responsabilidade material e intelectual do IEA e, no caso dos artigos, dos seus autores. Cabe reconhecer, porém, que foram os estimulantes debates ocorridos durante o trabalho com os dirigentes do "Br3T" – para não mencionar algumas francas divergências – que sedimentaram a convicção de que faria parte, sim, do escopo institucional do IEA criar o seu próprio projeto de prospecção de cenários. Entregues os relatórios ao NAE, em janeiro de 2005, e concluída a sua tarefa junto ao governo federal, a direção do IEA imediatamente lançou o Programa "Brasil: O País no Futuro - 2022".

O novo programa, naturalmente, surge demarcado pela metodologia e pelos valores próprios do IEA. Aspira a afastar-se tanto da sedução do improviso e do interesse imediato de partidos e governos quanto, num registro mais amplo, do cético vaticínio do historiador inglês A. J. P. Taylor, para quem "os homens vêem o passado quando perscrutam o futuro".

O que há em comum entre os dois projetos é o esforço de produzir cenários para o Brasil das próximas décadas, limitando-os por marcos temporais bem estabelecidos, e, a partir desses, influir nas variáveis indutoras de tendências benéficas ao país, antecipar-se aos efeitos das variáveis negativas, criar instrumentos para o planejamento de longo prazo e contribuir para o mais amplo consenso possível a respeito dos rumos do desenvolvimento. Une-os também a convicção de que o futuro de um país não é obrigatoriamente uma obra aberta, vítima inerte das contingências e das ondas da globalização, contra as quais nada podem o Estado nacional, a iniciativa individual e a ação política dos brasileiros.

A separá-los estão as metodologias empregadas, a despeito de um núcleo teórico e conceitual comum, certamente a ambição e, sem dúvida, o emprego posterior dos resultados.

O Projeto "Br3T", tal como imaginado nos primeiros momentos pelo NAE, caracterizava-se como um documento-plano de uma política de Estado, em que à elaboração dos cenários futuros por um grupo relativamente limitado de especialistas da área acadêmica e militar, em debates fechados, seguir-se-ia uma consulta a um universo em torno de cinqüenta mil brasileiros (lideranças políticas, econômicas, sociais, intelectuais). A partir daí, por meio de sucessivas obras de engenharia política, chegar-se-ia finalmente a um pacto em torno dos objetivos estratégicos permanentes da sociedade brasileira, a nortear os rumos do país ao longo do século XXI.

O IEA propõe-se a enfrentar o mesmo desafio, mas a partir de um ponto de vista distinto. A lógica do IEA é a lógica da universidade. Essa não se confunde necessariamente com as razões de Estado, nem com as eventualmente legítimas aspirações hegemônicas das organizações partidárias e das correntes políticas. Seus valores assentam-se no debate pluralista e horizontal das idéias, na difusão e expansão do conhecimento, no diálogo sem idéias preconcebidas, no rigor científico e na busca democrática de consensos em torno das questões-chave para o desenvolvimento.

Sua meta é produzir conhecimento e fornecer subsídios para o planejamento do futuro, com ênfase nos gargalos a serem enfrentados e nas medidas a serem tomadas desde já – pelos governos, pelos políticos, pela sociedade em geral –, para que o país se previna das armadilhas das circunstâncias e das "inevitabilidades" históricas. Pretende-se assim oferecer uma contribuição para o Brasil chegar o mais perto possível dos "cenários desejados" – a saber, em linhas gerais, uma nação economicamente dinâmica, socialmente justa, com uma federação equilibrada, regulada por um regime democrático eficaz e substantivo e com inserção internacional coerente com seu potencial geopolítico.

O "Brasil 3 Tempos"

A partir do segundo semestre de 2004, depois do convite do NAE, o IEA montou em São Paulo duas equipes de pesquisadores com a tarefa de preparar dois conjuntos de cenários para o Brasil, tendo por horizonte os três marcos temporais previstos no "Br3T": o primeiro ano de mandato do futuro governo (2007), a data do 20ª aniversário do último plano de desenvolvimento da ONU e de avaliação das Metas do Milênio (2015) e o bicentenário da Independência (2022). Pelo IEA, a coordenação geral das equipes coube a Geraldo de F. Forbes, tendo Amaury de Souza como coordenador-adjunto e James Wright como coordenador de metodologia.

O Instituto foi contratado para levar a cabo a elaboração de cenários correspondentes a duas das sete "dimensões" em que o NAE e o CGEE dividiram o projeto. Uma delas versava sobre as instituições político-partidárias e os rumos da democracia brasileira (Dimensão Institucional), sob a liderança dos professores Maria D'Alva Kinzo e Gildo Marçal Brandão, da USP, e participação das professoras Martha Arretche e Maria Teresa Sadek. A outra, sobre o futuro da situação internacional, as perspectivas da globalização e seus efeitos no plano doméstico (Dimensão Global), coordenada por Sebastião Velasco e Cruz (Unicamp) e Ricardo Sennes (Prospectiva Consultoria), com apoio de Alexandre Barbosa, Carlos Eduardo Lins da Silva e Guilherme Dias. A montagem dos cenários dessas dimensões consumiu seis meses de trabalho e mobilizou mais de duzentos especialistas.

Em mais três estados, também a convite do NAE, centros de pesquisa e profissionais de distintas orientações intelectuais compuseram sete outras equipes para tarefas semelhantes, abordando diferentes "dimensões". Foram as seguintes:

  • Dimensão econômica: sob a liderança de Carlos Eduardo de Freitas, exdiretor do Banco Central.

  • Sociocultural: por Albino Rubim, da Universidade Federal da Bahia, para os aspectos culturais, e Jorge Arbache, da Universidade de Brasília (UnB), para os aspectos sociais.

  • Ambiental: por Marcel Burztin, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB.

  • Conhecimento: por Angela Uller, com a equipe da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

  • Territorial: pelo Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra.

Além dessas, a equipe liderada pelo professor Luiz Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), também abordou, em paralelo com o IEA, a Dimensão institucional.

A montagem de cenários futuros, como é óbvio, encerra desafios metodológicos consideráveis. Mas os procedimentos que previnem seus autores do auto-engano, do vão exercício da soberba ou da pura mistificação desenvolveram-se extraordinariamente nas últimas duas décadas, com a expansão da internet e os avanços da informática.

Hoje, a "modelagem" de cenários futuros tornou-se ferramenta de uso comum das agências de inteligência, civil e militar, dos governos dotados de pensamento estratégico e das grandes empresas – para não mencionar as inúmeras aplicações científicas em campos os mais diversos, como meteorologia, astronomia, ciências ambientais, economia, marketing, finanças e demografia.

Durante sua colaboração com o "Br3T", de setembro de 2004 a janeiro de 2005, as equipes do IEA produziram cinco documentos em cada uma das dimensões que lhes couberam (Global e Institucional), a saber: 1. descrição da dimensão; 2. relação dos "fatos portadores de futuro"; 3. análise retrospectiva e da conjuntura atual de cada dimensão; 4. projeções da dinâmica; 5. visualização prospectiva para 2007, 2015 e 2022.

O quinto documento, com a visualização prospectiva, decorreu da análise dos resultados obtidos em consulta via internet, com emprego do método Delphi. No caso da "Dimensão global", dos 398 especialistas convidados a responder ao questionário, 118 o fizeram. No caso da "Dimensão institucional", dos 399 convidados, 104 responderam. A participação, portanto, foi de 28% dos convidados, percentual considerado excelente.

O resultado final foi a montagem de quatro cenários distintos para cada dimensão: o "cenário desejado", correspondente à média das opiniões daquilo que os pesquisadores gostariam que acontecesse no futuro; o "cenário provável", correspondente àquilo que os entrevistados acreditam que acabará acontecendo, ainda que não desejado; e mais dois "cenários contrastados", ou seja, variações problemáticas ou catastróficas em torno dos principais.

O País no Futuro - 2022

Ao lançar o Programa "Brasil: O País no Futuro-2022", sob coordenação de Geraldo de F. Forbes e direção do professor João Steiner, uma das primeiras decisões do IEA foi ampliar o leque de temas, incluindo algumas das dimensões abordadas por outras instituições de pesquisa no Projeto "Br3T", e outras até então não contempladas, além de abrir imediatamente o debate ao público interessado.

A primeira atividade do programa, já em agosto de 2005, foi o agendamento de uma série de seminários no auditório do IEA e na FEA-USP, sobre aspectos que se destacaram nas análises prospectivas e na construção de cenários do trabalho precedente. As exposições e debates foram transmitidos em tempo real, no sítio do IEA-USP na internet, por meio de um serviço pioneiro de web casting.

A coordenação dos seminários coube ao professor Guilherme Leite da Silva Dias, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, com coordenação-adjunta do professor Gildo Marçal Brandão, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A programação foi a seguinte:

  • Instituições políticas – 11.8.2005: Gildo Marçal Brandão – FFLCH-USP, coordenador; Bolívar Lamounier – Augurium Consultoria, expositor; Rogério Arantes – PUC-SP, debatedor; Brasílio Sallum Jr.– FFLCH-USP, debatedor; Antônio Octávio Cintra – Câmara dos Deputados, debatedor.

  • Relações internacionais e território – 18.8.2005: Sebastião Velasco e Cruz – Unicamp, expositor; Ricardo Sennes – Prospectiva Consultoria, expositor; Oliveiros da S. Ferreira – FFLCH-USP, debatedor; Antônio Carlos Robert de Moraes – Geografia-USP, debatedor; Nina Ranieri – Faculdade de Direito-USP, debatedora; Sérgio Fausto – IFHC, debatedor.

  • Segurança pública e desenvolvimento urbano – 18.8.2005: Luiz Eduardo Soares – Universidade Cândido Mendes, expositor; Regina Meyer – FAU-USP, debatedora; Eduardo Marques – Centro de Estudos da Metrópole-Cebrap, debatedor; Bruno Paes Manso – Instituto Fernand Braudel, debatedor.

  • Economia e seguridade – 25.8.2005: Guilherme Dias – FEA-USP, expositor; Hélio Zilberstein – FEA-USP, debatedor; Leda Paulani – FEAUSP, debatedora; Paulo Furquim de Azevedo – FGV-SP, debatedor.

  • Conhecimento – 1º.9.2005: João Steiner – IAG-USP, expositor; Simon Schwartzman – Instituto do Trabalho e Sociedade-RJ, debatedor; Angela Uller – Coppe/UFRJ, debatedora; Naércio Aquino Menezes Filho – FEA-USP, debatedor.

  • Meio ambiente – 1º.9.2005: Eneas Salati – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, expositor; Pedro Leite da Silva Dias – IAG-USP, debatedor; José Galízia Tundisi – Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos, debatedor.

A montagem dos seminários obedeceu ao critério de juntar especialistas de diversas tendências no esforço de identificação dos pontos críticos – os "gargalos" – que dificultam o desenvolvimento do país. Naturalmente, a própria imagem do que seria um "país desenvolvido" foi objeto de discussão.

Assim, o cenário desejado para o Brasil nos próximos dezesseis anos projeta, em linhas gerais, um país capaz de estabilizar o regime democrático; ampliar a fiscalização popular das decisões políticas (accountability); voltar a crescer a taxas históricas, pré-anos 1980; enfrentar com sucesso suas disparidades regionais e de renda; investir na educação e no desenvolvimento tecnológico; tornar suas cidades mais organizadas e seguras; e projetar sua influência no mundo, e particularmente na América Latina, procurando administrar criativamente os desafios ambientais e os efeitos políticos e econômicos da globalização.

Os próximos passos do novo programa do IEA, previstos para 2006, são a preparação de uma segunda pesquisa Delphi, tendo por matéria-prima os diagnósticos e gargalos identificados ao longo do ciclo de seminários de 2005. A próxima consulta Delphi, em duas rodadas, permitirá atualizar os cenários desenhados no ano anterior e preparar a base de dados para um programa sistemático e permanente de prospecção de cenários.

Recebido em 16.1.2006 e aceito em 1º.2.2006.

Alexandre Polesi, jornalista, é secretário-executivo do Programa "Brasil: O País no Futuro - 2022". @ – alexandre@abceditorial.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2006
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