Tecnociências

Estudos avançados mantém seu propósito original de debater e refletir acerca de questões que dizem respeito à atualidade de nossa contemporaneidade cujas dimensões é preciso decifrar. Este número contém dossiê que aborda implicações humanas das tecnociências. O tema não é novo, certamente. Não obstante, os atuais patamares de desenvolvimento tecnológico recolocam, sob novas perspectivas, os velhos dilemas entre os efeitos positivos ou perversos do emprego de tecnologias em todos os campos da existência social.

O dossiê é capitaneado por um artigo que põe em relevo os contornos do que é chamado de “segunda era da internet”, caracterizada pelo big data, pela explosão de dados, pela datificação. Seus elementos consistem em cinco atributos: hibridismo, emaranhado temporal, interatividade onipresente, aceleração e estilhaçamento discursivo. Os artigos seguintes buscam dialogar com essa perspectiva teórico-empírica. São múltiplos os aspectos abordados: os nexos entre vivências de consumo nas sociedades dominadas pelo capitalismo de dados e o papel das tecnologias e plataformas digitais na produção de subjetividades. Também tem sido muito debatido o poder instrumental das tecnologias de “datavigilância”, empregadas para deter atividades criminosas, consideradas por alguns autores uma espécie de controle não violento, aspecto contestado. Tarefa inegável de nossa contemporaneidade é decodificar as narrativas e os ambientes dos jogos eletrônicos cujo propósito leva ao estabelecimento de nexos entre estética, jogabilidade e sociabilidade.

Na ordem do dia, interessante artigo produziu densa imersão no universo tecnológico do carro voador. Com base em literatura especializada e entrevistas realizadas junto a especialistas, o artigo explora detidas questões técnicas, assim como outras pertinentes à sustentabilidade ambiental e também à viabilidade econômica. O dossiê ainda retoma velhas questões a respeito do impacto da tecnologia digital no contexto brasileiro, focalizando suas virtudes decorrentes da ampliação do compartilhamento e acesso a informações para maior número de cidadãos, mas também seus perigos quanto a possíveis efeitos de dominação. Nesse domínio, o dossiê encerra com destacado ensaio sobre os riscos do tecnototalitarismo para o futuro das democracias.

O número contempla ainda uma coleção de sugestivos e ricos ensaios de crítica literária. Entre eles, destacam-se a autocrítica de Euclides da Cunha quanto ao significado da revolta de Canudos; “ficções do despojo” nas obras de Nélida Piñon e Ana Teresa Torres; a edição de um poema inédito de Caldas Barbosa; a decomposição do gênero romance policial em um conto de Machado de Assis; as origens da poesia em língua francesa de Sérgio Milliet; e a cena teatral produzida na Bahia entre 1551 e 1552.

O número reúne ainda três artigos que abordam questões de gênero e tratam da trajetória biográfica de Helena Nogueira, em especial sua inserção e participação na Marcha Mundial das Mulheres; das relações fetichizadas de classe no filme Que horas ela volta? ; além de um estudo sobre a inserção das mulheres no universo científico e matemático por meio da imprensa periódica feminina.

A seção “Evolução, memória e discriminação” apresenta três artigos: o primeiro examina a contribuição brasileira para o debate de questões sobre o Pleistoceno Médio;¹ o segundo analisa criticamente o legado dos professores franceses na formação do curso de História da USP; e o terceiro explora algumas hipóteses para explicar a escassez de conservadores no meio acadêmico norte-americano.

Completa o volume a seção de Resenhas, abordando obras recém-publicadas.

Referência

• NEVES, W. E no princípio... era o macaco! Estudos Avançados, v.20, n.58, 2006. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142006000300023>.
  » https://doi.org/10.1590/S0103-40142006000300023

Nota

• 1
  Ver mais em Neves (2006).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Abr 2024
• Data do Fascículo
  Jan-Apr 2024