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A vitalidade do pensamento de Marx

O QUE ESTÁ VIVO E O QUE ESTÁ MORTO NO MANIFESTO COMUNISTA?

A vitalidade do pensamento de Marx

Ignacy Sachs

A DESPEITO DE TODOS os que interpretam a derrocada do socialismo real como uma negação total do pensamento de Marx, os numerosos colóquios e publicações que marcaram o centésimo qüinquagésimo aniversário do Manifesto Comunista são o testemunho de sua vitalidade.

O mesmo não ocorre com os diferentes grupos marxistas que disputam entre si a interpretação correta da palavra do mestre, por meio de citações tiradas do contexto. A vitalidade do pensamento de Marx se opõe à decrepitude dos marxismos corrompidos pelo dogmatismo.

A que atribuir tal longevidade?

Para além de suas qualidades literárias, o Manifesto Comunista é marcante pela justeza de sua visão prospectiva do capitalismo. Difícil é proceder melhor, no tocante à análise de sua visada mundialista e à apreensão da dinâmica política marcada pelo surgimento dos movimentos operários e partidos deles advindos ou que deles se valem.

O erro consistiu em pensar que o capitalismo seria incapaz de fazer frente às suas contradições, estaria irremediavelmente votado a desaparecer pela mão da classe trabalhadora organizada e seria preciso interpretar o Manifesto de uma maneira determinista, embora Marx tenha sempre insistido quanto à parte que cabia aos seres humanos na produção da história.

Esta, mais do que nunca, permanece aberta e por fazer. A catástrofe com a qual se encerrou a experiência soviética não autoriza a rejeição pura e simples dos ideais associados ao socialismo; em contrapartida, nos força a repensar inteiramente os caminhos futuros de sua prática, em face de uma situação paradoxal: o mundo conheceu, no pós-guerra, um desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas e a aceleração do crescimento econômico, sobretudo ao longo dos trinta anos gloriosos (1945-1975). Entretanto, a situação social se degrada. O desemprego e o subemprego maciços, assim como os conseqüentes fenômenos de exclusão atingem, ao mesmo tempo, países ricos e pobres. Assistimos à unificação dos problemas em escala mundial, à terceiro-mundização de todo o planeta, ao crescimento econômico acompanhado da involução social.

Essa situação nova demanda um esforço de invenção escorado numa análise fina da dinâmica socio-econômica e política. O pensamento de Marx não fornece instrumentos prontos e julgamentos que se apliquem tais e quais à nova realidade, mas constitui uma inspiração pujante no que concerne a perguntas por fazer e a um modelo de percurso histórico-dedutível, único válido no campo das ciências sociais.

Na verdade, a influência do pensamento de Marx se exerce hoje em dia por meio de sua incorporação, nem sempre explicitada, às correntes mais fecundas das ciências sociais, da história à economia política, passando pela sociologia. Sua irradiação se faz sobretudo por osmose. E é melhor assim.

Ignacy Sachs é professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris e Cercle Condorcet. Paris.

Tradução de Gilberto Pinheiro Passos. O original em francês – La vitalité de la pensée marxienne – encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1998
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