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Cuidar do outro, cuidar da água: gênero e raça na produção da cidade1 1 Este trabalho foi feito em interlocução com os membros do Grupo de Estudos sobre Infraestrutura Urbana, no âmbito dos Grupos de Pesquisa Casa (Iesp/Uerj), Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade (UFRJ) e ResiduaLab - Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (Uerj). Agradecemos a leitura e comentários a Ana Clara Chequetti, Daniela Petti, Diego Francisco, Júlia Kovac, Julia O’Donnell, Marcella Araujo, Marcos Campos, Maria Raquel Passos Lima, Mariana Cavalcanti, Michel Misse Jr., Mayra Luiza, Rodrigo Agueda e Thomas Cortado, que só fizeram crescer este trabalho. Agradecemos especialmente a Júlia Kovac a organização dos comentários recebidos para este texto, fundamental para a conclusão do artigo. Os nomes das pessoas presentes no texto são fictícios a fim de garantir seu anonimato.

RESUMO

Este artigo discute a importância da água na vida cotidiana de mulheres que vivem em favelas e ocupações da cidade do Rio de Janeiro, pensando a água como bem vital, imprescindível para as relações de cuidados. O texto articula o debate sobre infraestrutura urbana com o de cuidado para pensarmos sobre os modos generificados e racializados de fazer cidade. Por meio de pequenos eventos domésticos, de diálogos que as autoras tiveram com suas interlocutoras ou de descrições etnográficas mais longas, o trabalho mostra como a água carrega a força do ordinário e é um dos objetos que permite ver a potência e a vulnerabilidade que a vida diária carrega em termos de gênero, classe e raça. Descreve-se o trabalho das mulheres nos processos de fazer cidade ao relacionar a precariedade de acesso à água com a subalternidade do trabalho do cuidado como aspectos coexistentes que visibilizam as condições de profunda desigualdade dos moradores de periferias.

PALAVRAS-CHAVE:
Água; Infraestrutura; Cuidado; Gênero; Raça; Cidade

ABSTRACT

This article discusses the importance of water in the daily lives of women living in favelas and squatter settlements in the city of Rio de Janeiro, articulating the debates on urban infrastructure and careful thinking about the gendered and racialized ways of making cities. Through small domestic events, dialogues between the authors and their interlocutors, and more extensive ethnographic descriptions, the article shows how water bears the power of the ordinary and is one of the objects that allow us to see the potency and vulnerability of daily life in terms of gender, class, and race. It describes women’s work in the processes of city-making by relating the precarious access to water with the subordination of care as coexisting aspects that make visible the conditions of profound inequality of the residents of peripheries.

KEYWORDS:
Water; Infrastructure; Care; Gender; Race; City

Introdução

Nas pesquisas que desenvolvemos no Morro da Mineira2 2 O trabalho de campo é parte da tese de doutorado realizada no âmbito do PPGAS/MN/UFRJ sob orientação da professora Adriana de Resende B. Vianna. A etnografia foi realizada durante dois anos (entre 2014 a 2016). e na Ocupação Nelson Mandela3 3 Desde 2010, Camila Pierobon se dedica a estudar a vida cotidiana dos moradores da Ocupação Nelson Mandela, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. As reflexões são avanços em relação à sua tese de doutorado defendida no PPCIS/Uerj sob orientação de Patrícia Birman. testemunhamos situações em que gerir a água é um problema cotidiano na vida das mulheres que habitam essas diferentes modalidades de moradias para famílias de baixa renda. A preocupação em manter galões cheios de água em casa, de garantir o pagamento da conta de água, de compartilhar água entre vizinhos, de negociar água com traficantes ou milicianos, de reivindicar o acesso à água aos órgãos do Estado faz parte das rotinas das mulheres que conhecemos. Neste texto, discutiremos a importância da água no curso da vida em conexão com os processos de fazer cidade, as dinâmicas de cuidado, as relações de vizinhança e de poder locais. Analisaremos o lugar das mulheres no limiar entre a falta e o excesso de água, através do manejo de baldes, galões, canos, mangueiras e bombas d’água na tentativa de abastecer suas casas.

A água é um dos objetos de estudos que conectam a vida íntima e doméstica à vida pública e política da cidade (Anand, 2017aANAND, N. Hydraulic City: water and infrastructures of citizenship in Mumbai. Durham: Duke University Press, 2017a.; von Schnitzler, 2016). O abastecimento de água se dá entre a falta e o excesso e faz que as mulheres construam relações constantes entre diferentes casas (Motta, 2014MOTTA, E. Houses and economy in the favelas. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, v.11, n.1, p.118-58, 2014.; Araújo, 2017), entre casas da vizinhança (Fernandes, 2017FERNANDES, C. Figuras da causação: sexualidade feminina, reprodução e acusações no discurso popular e nas políticas de Estado. Rio de Janeiro, 2017. Tese (Doutorado) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.) e entre casas e órgãos públicos ou privados que administram a distribuição das infraestruturas pela cidade. Os caminhos postos em práticas pelas mulheres para gerir a água revelam experiências generificadas na produção da vida compartilhada na cidade (Centelhas, 2019CENTELHAS, M. Nas águas da política: as mulheres, as cisternas e o curso da vida no agreste pernambucano. Rio de Janeiro, 2019. Tese (Doutorado) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; Birman e Pierobon 2021BIRMAN, P.; PIEROBON, C. Viver sem guerra? Poderes locais e relações de gênero no cotidiano popular. Revista de Antropologia, v.64, n.2, p.e186647, 2021.; Pierobon 2021; Correa, 2021CORREA, R. M. Para a prefeitura somos homens das cavernas: A saga da luz e as reivindicações de Teca no Morro da Polícia”. In: 45º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 2021, Online. Apresentação Oral, 2021.)

No início de 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19 no Brasil, os habitantes de periferias urbanas de norte a sul do país, das metrópoles às cidades médias, contavam com a regularidade do abastecimento de água potável como condição mínima para enfrentar localmente um problema sanitário de escala global (Rodrigues, 2021_______. O abastecimento de água nas favelas em meio à pandemia de Covid-19. In: POMPEU, J. C.; FONSECA, I. Boletim de Análise Político-Institucional/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea, 2021. p.73-80.). Porém, no Rio de Janeiro, o início da pandemia coincidiu com a temporada das chuvas e com a contaminação das águas do Rio Guandu por esgoto in natura que, em seu processo de tratamento, produziu a alga geosmina.4 4 Em sua tese, Suyá Quintslr (2018) analisa o macrossistema de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro (Guandu-Lages-Acari) e sua distribuição diferencial em termos sociais, raciais e espaciais. A autora apresenta como o esgoto produzido nas cidades que margeiam o Rio Guandu são depositados in natura no rio, levando as empresas responsáveis pelo tratamento da água a administrarem uma série de compostos químicos visando tornar a água do rio potável para o consumo humano. Ocorre que na época das chuvas o volume de água e esgoto se alteram e se misturam, e o tratamento leva à produção da alga geosmina que produz gosto de barro e mau cheiro na água. Em resumo, o que o trabalho de Quintslr nos mostra é que dentro da própria estrutura formal de abastecimento há a possibilidade de contaminação dessa água que será distribuída diferencialmente pela cidade. Essa água com gosto de barro e malcheirosa foi distribuída pela cidade e, dessa vez, chegou às torneiras das casas mais abastadas. A população majoritariamente branca de classes média e alta passou a comprar - por telefone ou aplicativo de celular - garrafas e galões de água mineral para beber e cozinhar, que chegava a essas casas pelas mãos dos entregadores negros ou migrantes, esses majoritariamente oriundos de cidades do Norte e do Nordeste brasileiro. O custo desse bem vital e de todos os objetos que os envolvem, como galões e bombas d’água, subiu quase 100% nesses bairros. Mas, mesmo com a qualidade ruim, a água chegava aos apartamentos e as pessoas podiam tomar banho e seguir a recomendação sanitária à época de lavar as mãos e as mercadorias.

Enquanto isso, nas regiões majoritariamente negras e migrantes da cidade, os moradores enfrentavam ora o problema da falta de água em suas casas, ora o abastecimento com água barrenta. Sem dinheiro para comprar galões de água mineral, os moradores dessas localidades buscaram estratégias para fazer com que a água potável chegasse em suas casas. Vale destacar que os problemas relativos à água para as populações pobres não se resumem à oscilação entre falta e abastecimento. Os temporais que caem no verão colocam os moradores de periferias em constante risco de infiltrações, enchentes e deslizamentos e, com eles, a possibilidade de perderem seus móveis, suas casas e suas vidas. Em março de 2020, quatro pessoas morreram e centenas de pessoas perderam suas casas após a chuva torrencial que alagou a cidade. Esse episódio não foi uma exceção.5 5 Há um importante debate sobre mudanças climáticas na relação com o racismo ambiental sendo desenvolvido nacional e internacionalmente que, por questões de espaço e de foco do trabalho, não desenvolvemos neste texto.

No calor da pandemia, quando a água apareceu como um grande problema de desigualdade social e racial nas cidades brasileiras, Nathalie Blanc, Sandra Laugier e Pascale Molinier (2020BLANC, N.; LAUGIER, S.; MOLINIER, P. O preço do invisível: As mulheres na pandemia. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Sessão: Reflexões na Pandemia, p.1-13, 2020.) publicaram o texto “O preço invisível: as mulheres na pandemia”. No artigo, as autoras discutem como a pandemia opera como um “dispositivo de visibilidade para práticas geralmente discretas, e promove a conscientização da importância do care, do trabalho das mulheres e das outras ‘mãozinhas’ da vida cotidiana, constantemente fechadas entre os muros da vida doméstica” (Blanc et al., 2020, p.1). Apoiadas nas reflexões de Joan Tronto (2009TRONTO, J. Un monde vulnérable: Pour une politique du care. Paris: La Découverte, 2009.) sobre cuidado e democracia as autoras não resumem o cuidado ao trabalho com os idosos ou crianças, mas ampliam a discussão para além dos humanos ao situar todas as atividades necessárias para a manutenção da vida social, que inclui o cuidado com os outros, o cuidado de si, mas também o cuidado com o meio ambiente.

Assim, ao discutir sobre o trabalho realizado pelas mulheres na pandemia, as autoras nos falam de duas formas de invisibilização das atividades responsáveis pela garantia da vida social e biológica, das rotinas humanas e dos ritmos das cidades. A primeira diz respeito às atividades realizadas em casa ou no âmbito da vida pública, analisadas por um campo de debates consolidado sobre o trabalho de cuidado (Mol; Moser; Pols, 2010MOL, A.; MOSER, I.; POLS, J. Care: putting practice into theory. In: ___. Care in practice: on tinkering in clinics, homes and farms. Bielefeld: Transcript Verlag, 2010. p.7-26.; Guimarães; Hirata, 2020GUIMARÃES, N.; HIRATA, H. S. O gênero do cuidado: desigualdades, significações e identidades. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2020.; Hirata; Debert 2016; Bellacasa, 2017BELLACASA, M. Matters of care: speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017.; Fernandes; Fonseca; Fietz, 2018FERNANDES, C.; FONSECA, C.; FIETZ, H. Collectives of care in the relations surrounding people with “head troubles”: family community and gender in a working-class neighbourhood of southern Brazil. Sociologia e Antropologia, v.8, n.1, p.223-43, 2018.). A segunda invisibilização, se refere ao trabalho ordinário de manutenção da vida por meio da gestão da água no qual as mulheres, mais uma vez, são as primeiras responsáveis no que estamos chamando de linha de frente desse dever (Laurie 2011LAURIE, N. Gender Water Networks: Femininity and Masculinity in Water Politics in Bolivia. International Journal of Urban and Regional Research, v.35, n.1, p.172-88, 2011.; Truelove 2011TRUELOVE, Y. (Re-)Conceptualizing water inequality in Delhi, India through a feminist political ecology framework. Geoforum, v.42, n.2, p.143-52, 2011., 2019; Lahiri-Dut 2015a; 2015b; Anand 2017aANAND, N. Hydraulic City: water and infrastructures of citizenship in Mumbai. Durham: Duke University Press, 2017a.; Centelhas, 2019CENTELHAS, M. Nas águas da política: as mulheres, as cisternas e o curso da vida no agreste pernambucano. Rio de Janeiro, 2019. Tese (Doutorado) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; Pierobon 2021). São as mulheres negras, pobres e/ou migrantes que majoritariamente cuidam dos idosos, dos doentes e das crianças em suas próprias casas e nas casas de classe média e alta. E são essas mesmas mulheres que lidam com a precariedade do abastecimento de água em suas casas ao mesmo tempo em que reivindicam na esfera pública o acesso à água como um direito coletivo. Por isso, nos importa pensar em como a água produz vida social e é produzida por e através dela. Defendemos que o cuidado - entendido como garantia da vida - é parte constitutiva do processo de fazer cidade e deve estar nas discussões sobre o urbano.

A pandemia tornou visível o fato de que o acesso à água potável não está garantido às populações negras e migrantes da cidade. Por isso, tratamos a água potável como um bem vital que não é autoevidente. Ao contrário, a água é objeto das mais variadas disputas. As formas de geri-la incluem ausência e excesso, sendo um elemento de conflito no cotidiano, capaz de fazer e desfazer família, vizinhança e relações de poder. Há um enorme esforço individual e coletivo feito pelas mulheres para gerirem a água em suas casas, que inclui o manejo das águas limpas e sujas. A flutuação no fornecimento de água opera como bem de distinção entre aquelas pessoas abastecidas, que têm água, e aqueles que não têm água. Água é também objeto de acusações morais sobre mulheres e crianças que passam por duras experiências de violência. É pelo acesso, pela falta ou pelo excesso dos usos da água que mulheres são classificadas como “limpinhas” ou “sujas”’, elogiadas ou acusadas de cuidarem bem ou mal de suas casas e de seus filhos. O lugar das mulheres no limiar entre a falta e o excesso faz da água um instrumento incessante de “quase-eventos”6 6 Embora a noção de “quase-eventos” seja trabalhada por Veena Das (2015), foi com o trabalho de Marcos Campos (2021) que vimos a potencialidade de pensar a relação com a água como algo ordinário que não rompe o cotidiano, mas constitui a atmosfera da incerteza. (Das, 2015_______. Affliction: health, disease, poverty. New York: Fordham University Press, 2015.) que, embora não produza rupturas na vida diária constituem uma atmosfera de incertezas (Das, 2007; 2020).

Em seu livro Affliction: health, disease, poverty, Veena Das (2015_______. Affliction: health, disease, poverty. New York: Fordham University Press, 2015.) analisa como moradores de bairros de baixa renda na cidade de Nova Delhi experienciam em suas vidas diárias os processos de adoecimento. Para trabalhar essa questão, Das lança a seguinte pergunta: “o que as pessoas falam quando falam de saúde e doença?” Em seu trabalho, a autora nos mostra que, quando as pessoas falam de saúde e doença, estas narrativas estão enredadas em relações de família, de vizinhança, de poder e de gênero que se tecem à assistência ou negligência das instituições de saúde ao longo do tempo. Inspiradas pela pergunta de Das, refazemos a questão com o eixo que nos interessa: “o que as mulheres falam quando falam de água?” Ao fazermos esta pergunta, propomos pensar a vida social da água como possibilidade de entrar por outro ângulo em diferentes problemas sociais. Por meio de pequenos eventos domésticos, de diálogos que tivemos com nossas interlocutoras ou de descrições etnográficas mais longas, veremos como a água carrega a força do ordinário e é um dos objetos que nos permite ver a potência e a vulnerabilidade que a vida carrega em termos de gênero, classe e raça. Entendemos as ações postas em prática pelas mulheres na gestão da água não como uma grande contranarrativa de resistência aos processos sociais de produção de desigualdade, mas como inúmeras “mãozinhas” que trabalham diariamente para garantir a vida social e, com ela, a possibilidade de habitar o mundo (Das, 2007; 2020).

Este texto é uma tentativa de colocar em diálogo ao menos dois campos de debates - cuidado e infraestrutura urbana. Juntas, colocamo-nos o desafio de rever nosso próprio trabalho de campo para analisar os momentos em que a água aparece como um problema na relação com o cuidado e com o urbano. Embora percorramos trajetórias distintas de pesquisa e de leituras, o que nos aproxima é o desejo de fazer aparecer as milhares de pequenas ações feitas pelas mãos das mulheres que produzem e entrelaçam a vida doméstica à vida pública das cidades por meio da gestão ordinária da água.

Ontem e hoje

As políticas públicas que levaram à instalação de sistemas de abastecimento formal de água nas favelas cariocas datam da década de 1980. Até essa data, eram os moradores dessas localidades os responsáveis por construir as infraestruturas informais e manejar os objetos que transportavam água às casas, com maior ou menor apoio de movimentos sociais ou pessoas específicas de dentro do Estado. Por isso, não é incomum encontrar em falas de moradores de favelas e outras periferias as memórias das bicas-d’água e as andanças pelo morro, na qual as mulheres e crianças negras carregavam latas e bacias para suprirem suas casas com água. Essas ações femininas estão registradas no cancioneiro popular e aqui destacamos o samba “Lata d’água” de Jota Jr. e Luís Antônio, imortalizada na voz de Marlene no carnaval de 1952, presente em qualquer roda de samba que ocorra na cidade. A música fala dos caminhos percorridos por Maria que cotidianamente sobe e desce o morro com a lata d’água na cabeça e a criança na mão, cujo trabalho de lavar roupas de moradores do asfalto gerava o sustento de sua casa e o sonho de uma outra vida.

O trabalho de gerir a água no cotidiano é uma questão de longa duração na cidade do Rio de Janeiro, que se estende do período colonial à ditadura e continua operando no presente (Leeds; Leeds 1978LEEDS, A.; LEEDS, E. Favelas e comunidade política: a continuidade da estrutura de controle social. In: ___. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.; Costa da Silva et al., 2018). São centenárias as experiências que moldaram formas diferenciais de se viver na cidade, na qual gerações de mulheres negras carregam em seus corpos e memórias os efeitos relativos ao trabalho de garantir acesso à água. Os homens não estavam alheios ao trabalho de fazer a água chegar às casas localizadas em favelas. Estes eram os responsáveis pelo sistema de mutirões que construíram as infraestruturas informais e garantiram algum acesso à água. Quando a instalação formal de abastecimento de água chega nos anos 1980, a mão de obra local e a experiência coletiva de mutirões foram oficialmente acionadas para a construção das infraestruturas de fornecimento de água (Rodrigues, 2021_______. O abastecimento de água nas favelas em meio à pandemia de Covid-19. In: POMPEU, J. C.; FONSECA, I. Boletim de Análise Político-Institucional/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea, 2021. p.73-80.; 2016; Viana, 2021VIANA, R. Água e luz no Jacarezinho nos 1960: o olhar de uma rede científica. In: 45º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 2021, Online. Anais…, 2021, p.1-36, 2021.).

O último dado existente sobre o abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro data de 2010 e mostra que mais de 90% da cidade, incluindo as favelas, são formalmente abastecidas por água (IBGE, 2012). Contudo, dizer que as favelas do Rio de Janeiro são abastecidas por água em quase sua totalidade esconde os graves problemas de fornecimento diferencial de água entre moradias e também a distribuição desigual da água pelas cidades que compõem a região metropolitana (Quintslr, 2018QUINTSLR, S. A (re)produção da desigualdade ambiental na metrópole: conflito pela água, “crise hídrica” e macrossistema de abastecimento no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. Tese (Doutorado) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Somam-se a isso os problemas relativos à manutenção do sistema de abastecimento de água, cujo desgaste é constitutivo das infraestruturas em qualquer localidade da cidade, mas são as regiões negras e migrantes as que não recebem - ou recebem pouca - manutenção (Rodrigues, 2021_______. O abastecimento de água nas favelas em meio à pandemia de Covid-19. In: POMPEU, J. C.; FONSECA, I. Boletim de Análise Político-Institucional/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea, 2021. p.73-80.). Como Anand, Gupta e Appel (2018ANAND, N.; GUPTA, A.; APPEL, H. The Promise of Infrastructure. Durham: Duke University Press, 2018.) apontam, o paradoxo das infraestruturas é que elas são ao mesmo tempo estruturadas e sempre em processo de ruínas. Por isso, manutenção, pequenos reparos, grandes reformas ou mesmo substituições de infraestruturas inteiras são intrínsecas ao planejamento urbano, mas sua distribuição diferencial recria experiências racializadas e generificadas na cidade (Anand, 2017a; 2017b; Ranganathan, 2016RANGANATHAN, M. Thinking with Flint: racial liberalism and the roots of an American water tragedy. Capitalism Nature Socialism, v.27, n.3, p.17-33, 2016.).

Os efeitos cotidianos do fornecimento desigual da água e da distribuição diferencial de manutenção das infraestruturas faz que a gestão cotidiana da água nas favelas continue sendo realizada pelas mãos das mulheres, embora saibamos que há uma transformação importante quando comparada a não ter nenhum abastecimento formal. Destacamos que há abastecimento, mas há também ausência e excesso de água. E mesmo que esses eventos não ocorram todos os dias, a oscilação faz parte da vida e exige das pessoas estratégias de antecipação para não serem surpreendidas. Assim, o trabalho feminino na gestão ordinária da água nos mostra a face lenta da violência estrutural que constitui a história da cidade do Rio de Janeiro, que se atualiza na vida diária das mulheres racializadas tanto em termos domésticos quanto públicos.

Caixas d’água, canos e mangueiras

O Morro da Mineira faz parte de um complexo de favelas situado na Zona Norte do Rio de Janeiro e seu território abrange os bairros de Catumbi, Estácio e Centro. Ao adentrar essa e em tantas outras favelas da cidade, as milhares de caixas d’águas azuis sob as lajes formam uma paisagem urbana familiar. A paisagem dá a impressão de que o abastecimento de água é um assunto resolvido. Isso significa naturalizar que as casas estariam conectadas à rede pública de fornecimento de água e que seu abastecimento ocorre de forma estável. Mas o que o olhar externo vê não é o que ocorre na vida diária. A caixa d’água é um ponto central da construção e do funcionamento das casas e faz parte do investimento financeiro das famílias que habitam essas localidades.

Adilson, um dos moradores da Mineira, mostra a caixa d’água extra que comprou e que é utilizada como reservatório para enfrentar os momentos de escassez. Segundo ele, não é possível garantir o volume de água da semana sem uma caixa d’água de reserva, o que nos coloca questões sobre a gestão desse objeto nada discreto e a organização dos espaços internos e externos que fazem as casas. A questão se complica quando dentro de uma mesma unidade doméstica vivem diferentes grupos familiares, muitas vezes ligados entre si pelo parentesco. As acusações de quem demora muito no banho, a organização do tempo para lavar o cabelo, o trabalho para não desperdiçar água no momento da lavagem das roupas, a decisão de encher piscinas para as crianças brincarem, entre outras experiências, fazem da água um objeto necessariamente relacional e ativo na produção de família e vizinhança conectada à gestão pública da água. Não podemos esquecer que essas caixas d’águas podem ser abastecidas por caminhões pipa, gerando todo um comércio em torno desse bem vital, cada vez mais apropriado por grupos paramilitares (Manso, 2020MANSO, B. A república das milícias: do esquadrão da morte à era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.).

Na Mineira, existem partes da favela que recebem mais água do que outra, partes em que a pressão da água é baixa/fraca ou alta/forte, partes em que não se recebe água e cabe aos moradores criar soluções para o problema do abastecimento, que incluem reivindicar água aos órgãos públicos. Esses moradores providenciam o acesso à água alocando seus recursos e mão de obra para a realização das obras que envolvem cimento, canos, bombas d’água, mas também uma certa solidariedade entre vizinhos pois, muitas vezes, essas obras são feitas para “levar a água da rua” para várias casas. Também ocorrem obras individuais como a de Paula, moradora da parte inicial da favela, considerada “a melhor área do morro”. No caminho para sua casa, Paula mostra com detalhes as conexões feitas por ela com canos de PVC para que a “água da rua” chegasse em sua casa. Essas conexões feitas por canos e que envolvem o trabalho de Paula e o “dinheiro da casa” (Motta, 2014MOTTA, E. Houses and economy in the favelas. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, v.11, n.1, p.118-58, 2014.) para a compra dos materiais, nos mostra a energia mobilizada pelas pessoas junto a fragilidade desses objetos que exigem reparos continuados. Os canos podem se soltar, furar ou serem furtados. A observação constante das condições materiais desses canos é fundamental para que não ocorra o acúmulo de louças ou de roupas para lavar. Cuidar para que a casa seja abastecida por água é um trabalho diário que constrói cidade, domesticidade e vizinhança.

Nas casas que “tomam conta” de crianças localizadas na Mineira (ver: Fernandes, 2017FERNANDES, C. Figuras da causação: sexualidade feminina, reprodução e acusações no discurso popular e nas políticas de Estado. Rio de Janeiro, 2017. Tese (Doutorado) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; 2020), o abastecimento de água é motivo de preocupação das mulheres responsáveis por esses espaços, visto que o acesso a água é intermitente. Joana explica que sente temor em relação a possíveis fiscalizações do espaço devido ao aspecto e estrutura física da sua casa. Elementos como paredes descascadas por umidade e infiltrações, pouca iluminação, intermitência no fornecimento de água, exiguidade dos cômodos, mistura de eletrodomésticos no mesmo ambiente (geladeira ou micro-ondas na sala, por exemplo), podem ser passíveis de questionamento por órgãos do governo. Se na introdução destacamos que as infraestruturas públicas de fornecimento de água precisam de manutenção constante, é preciso registar que essas ações também são necessárias nas “casas de tomar conta”. As maiores queixas das donas das casas são relativas à necessidade de reformas em suas residências. Mas as condições de pobreza e de vulnerabilidade econômica impossibilitam as reformas infraestruturais desses espaços, mesmo quando as famílias identificam quais problemas devem ser resolvidos. Entretanto, a pobreza e a precariedade material destes ambientes contrastam fortemente com o trabalho cotidiano e intenso depositado na criação de gerações de pessoas.

Foi no tempo de pesquisa dedicado à “Casa da Vó” que Fernandes passou a entender como o espaço se constitui também na relação com o abastecimento de água na favela. Num dia de verão daqueles bem quentes, estávamos na sala e as crianças corriam no pequeno espaço em frente à porta da casa, uma varanda que abriga o “tanquinho” de lavar roupas. Na saída de água desse está afixada uma mangueira que se estende até a casa da vizinha, localizada logo abaixo e na lateral da Casa da Vó, uma vez que os terrenos não se encontram lado a lado de maneira plana. A mangueira é utilizada para compartilhar água entre as duas mulheres, já que no verão o abastecimento de água é de difícil acesso, de maneira que tal medida se torna necessária. Ainda que a vizinha da Vó possua uma caixa d’água, essa não garante o fornecimento de água nas semanas em que o abastecimento é exíguo. Entretanto, a varanda, lugar onde o tanquinho, a torneira e a mangueira se situam, é também de uso comum das crianças, que correm pra lá e pra cá nesse espaço. É daí que, com frequência, as crianças atropelam a mangueira que está presa na torneira e fazem que o acessório se desprenda e caia no chão. A água jorra para todos os lados e inunda os sapatos, chinelos e as roupas postas para quarar. As crianças muitas vezes ignoram, brincam e sapateiam nas poças de água que se formam e que são irresistíveis para se refrescar. O constante esbarrar, cair e recolocar da mangueira faz que a Vó (e quem mais estiver presente) seja acionado para refazer a conexão. Esse gesto, considerado dever de todos, é extremamente exaustivo, pode ser até feito vinte vezes, literalmente, num mesmo dia.

Com o passar do tempo, as crianças e a Vó explicaram que a relação entre as duas mulheres que compartilham a água “nem é tão boa”. As duas “nem são tão amigas”. A vizinha parece ter “ciúmes” da Casa da Vó e do trabalho que ela realiza. Como a casa vive cheia de crianças, muitas pessoas na favela comentam e imaginam que a Vó “ganha muito dinheiro com criança”. O “ciúme” entre as duas mulheres expõe os processos de rivalidade que derivam das condições de disputa de um recurso vital, bem como evidencia as coalizões e solidariedades tecidas entre as duas vizinhas. O sentimento de “ciúmes” é resultado da projeção pública da Vó enquanto pessoa “abastecida”, seja de crianças, seja de água. A água como um bem escasso na favela se constitui em um elemento de distinção, destinado a poucas pessoas que podem utilizá-la em suas residências. A movimentação da casa da Vó e sua estabilidade no “tomar conta” desperta os falatórios, em geral, saído da boca de outras mulheres. Porém, ainda que a Vó e sua vizinha tenham suas diferenças, a partilha da água acontece, mesmo diante do cansaço causado pela correria das crianças que a todo o momento desconectam a mangueira e obrigam a necessidade de ajeitar tudo de novo. Colocar e recolocar a mangueira em dias quentes não deixa de gerar um pouco de ansiedade e “nervoso”. Mas ainda assim, a preocupação com os outros permanece, a água é dividida e a relação de parceria é sustentada.

Assim, essas casas são atravessadas por “faltas” significativas, a exemplo da “falta de água” no morro, uma responsabilidade do poder estatal que não é cumprida. A “falta de água” é um agente especial na relação entre mulheres que partilham este recurso para suas casas. A divisão da água é um elemento que fala de outras adversidades vividas entre mulheres, da arte de compartilhar recursos em situações de escassez. A domesticidade e a relação entre vizinhos são produzidas por uma série de trocas e ajudas, mas também desconfianças e acusações na qual a água é objeto central. Assim, vemos que as conexões não dizem respeito somente aos quintais, mangueiras e canos, mas a relações de vizinhança e habitação que vão sendo produzidas em conjunto.

Um simples banho

Banho, um “ato de cuidado” (Kleinman, 2015KLEINMAN, A. Care: in search of a health agenda. The Lancet, n.386, p.240-1, 2015.) aparentemente simples na vida diária, cuja não garantia nos mostra a face íntima da desigualdade social que vivemos cotidianamente. Leonor, interlocutora de Camila Pierobon, manifestou um sem-número de vezes o desejo de ter um chuveiro em sua casa para poder tomar um banho quente. Quando o chuveiro foi instalado, era a falta de água o que impedia o banho. Outras vezes havia água, mas a pressão era fraca. Nesses momentos, era impossível ligar o chuveiro comprado a duras penas, pois a resistência do chuveiro poderia queimar diante do baixo volume de água. Leonor costumava abrir mão do banho quente durante o verão, mas mantinha a estratégia que desenvolvera nos dias frios para dar banho quente em sua mãe idosa e doente. No inverno, a alternativa encontrada era a de esquentar os baldes de água, que ela organizava para manter cheios em casa, com esquentadores elétricos. O gás era caro, portanto, essa jamais seria uma possibilidade. A escolha pela eletricidade se dava por Leonor não pagar pela utilização deste recurso (Pierobon, 2021). Mas esquentar litros de água via esquentador elétrico exigia de Leonor uma gestão do tempo, na qual ela antecipava ao menos dois movimentos domésticos: o primeiro era o de encher os vários baldes que ela guardava em casa quando as caixas d’água do prédio onde morava estavam abastecidas. O segundo, na hora do banho propriamente dito, pois ela aguardava cerca de uma hora para que um dos baldes ficasse com a temperatura ideal para um banho. Esquentar água para o banho de duas pessoas significava gerir duas horas do dia de Leonor.

Mas aqui traremos a história de Francine, moradora do Morro da Mineira. Conforme ela narrou para Camila Fernandes, Francine saía com um “velho” que a ajudava com “coisas”. Assim como outras mulheres, para garantir a vida diária, ela contava com a “ajuda” de vários “velhos” moradores do Morro. Mesmo casada, Francine mantinha relações com esse homem e as justificava pela relação violenta que vivia com o companheiro e que, além das brigas constantes, “não [lhe] dá nada”. Após um certo tempo de convivência com Francine, ela explicou que, “na verdade”, ela frequentava a casa de um desses velhos “mais pra tomar banho”. A casa de Francine não tem uma caixa d’água. Assim, ela fica vulnerável à oscilação entre escassez e excesso de água na favela. Francine explica:

FR: Esse [homem] que eu saio, ele me deu 100 reais na quinta-feira. Às vezes, eu vou lá e não faço nada. Só fico lá [na casa dele]. Nesse dia eu não fiz nada. Então, quando eu for lá, ele vai falar pra caramba. É tipo amizade colorida.

CF: Ele te respeita?

FR: Sim... Eu vou lá mais pra tomar banho.

CF: Sério?

FR: É, porque lá em casa é difícil de cair água, sabe? Então eu vou lá mais pra tomar banho.

CF: Então você vai direto, né?

FR: Vou, claro, tem que tomar banho!

Quando Francine contou pra Camila sobre as “ajudas” que recebia, Camila se sentiu triste e revoltada com o fato de sua interlocutora precisar negociar sexo em troca de um recurso absolutamente vital como a água e também para ir ao mercado comprar comida ou outros bens. A ideia de que ela precisava trocar sexo por um banho de chuveiro causou tristeza em Camila, não pela atividade sexual em si, mas pela sua realização em troca de um banho num contexto de precariedade.

Aqui, como demonstrado por Adriana Piscitelli (2008PISCITELLI, A. Entre as “máfias” e a “ajuda”: a construção de conhecimento sobre tráfico de pessoas. Cadernos Pagu [online]. n.31, p.29-63, 2008. Epub 15 Jan 2009. ISSN 1809-4449.) e Guilherme Passamani (2017PASSAMANI, G. É ajuda, não é prostituição. Sexualidade, envelhecimento e afeto entre pessoas com condutas homossexuais no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Cadernos Pagu [online]. 2017, n.51, e175109. Epub 09 Nov 2017. ISSN 1809-4449.), a categoria “ajuda” fala de relações de cuidados, matizadas ora por respeito, afeto e consideração. De acordo com os autores, o termo prostituição pode apagar situações que não passam necessariamente pela chave do trabalho sexual remunerado. Nesse sentido, a relação de Francine com o “velho que ajuda” fala de negociações que articulam o cuidado de si e a sobrevivência econômica num contexto de muitas desigualdades. Chamamos a atenção para o fato de que, no senso comum, é a relação sexual em troca de “ajudas” que é digna de alarde e sensibilidade, ao contrário da pouca atenção sobre a falta de água em sua casa, situação que, como ela coloca, é um dos motivos centrais para que ela mantenha a relação de “ajuda” com o “velho”. Compartilhar água para lavar roupas ou mesmo para tomar banho se apresenta como um dos fatores essenciais para pensar a produção das reputações, bem como as diferenças sociais e econômicas entre os moradores e seus impactos na qualidade de vida.

Abuso e água

Durante a feitura de ambos os trabalhos de campo, percebemos que a água é um agente que comunica sobre violências. Nesta parte do artigo, trazemos o momento em que a falta de água aparece em meio a uma tentativa de estupro intrafamiliar. Rafaela é uma criança de 9 anos de idade, filha de Paula, interlocutora de Camila Fernandes desde 2014. A menina costuma levar e buscar seu irmão mais novo durante pequenos trajetos e deslocamentos no Morro, para creche ou para casa de parentes. Naquela manhã de sábado, a máquina de lavar roupas de Paula havia quebrado, além disso, sua casa também apresentava interrupção no fornecimento de água. Com isso, ela precisou ir à casa da sua mãe Cris (avó de Rafaela) para lavar as roupas da sua família.

Nesse dia, Rafa saiu de casa a contragosto, depois de umas boas reclamações com sua mãe, que havia lhe dado uma ordem: levar Hugo, seu irmão de 4 anos, para a casa do pai. Ao chegar na casa de Elias, Rafa gritou o nome do pai de seu irmão na porta, ele abriu e as duas crianças entraram. Entre uma conversa e outra, Elias chama Rafa no quarto, dizendo querer mostrar-lhe uma coisa. Hugo permanece na sala vendo TV. No quarto, Elias diz que Rafa é uma menina muito bonita e, entre um elogio e outro, pede para fazer carinho nela. Rafa se retrai, seu corpo se encolhe. Elias continua sua abordagem, vai até a cômoda de madeira e abre uma caixa, um tipo de porta-joias qualquer, de onde retira uma nota de 5 reais e oferece a Rafa. Dessa maneira, indica que se ela deixar que ele lhe toque, ela ganhará o dinheiro, o qual poderia gastar com o que ela quisesse. Rafa fica aterrorizada. Elias é o pai de seu irmão e está prestes a molestá-la.

Imediatamente, Rafa levanta, corre até a porta do quarto, passa pela porta da casa, de onde corre sem parar até chegar à sua própria casa. Assustada, chegou ofegante à casa de sua mãe, que, ao ver seu estado de anormalidade, a questionou sobre o que aconteceu. Rafa na mesma hora desabafou.

Paula fica desnorteada, suas pernas tremem, o corpo gela. Pergunta novamente se aquilo de fato aconteceu, “mesmo?”. Paula não quer acreditar que o fato pode ser verdade. Coincidência ou não, Cris, avó de Rafa e mãe de Paula, chega na casa da filha para entregar as roupas lavadas. A avó recebe a notícia e toma conhecimento do evento. Cris diz que vai “resolver na boca”. Sua filha protesta, está confusa e questiona a mãe sobre se esse é o melhor jeito de conduzir a situação. Cris escuta a filha durante um segundo e, em seguida, sai de casa e fecha a porta, deixando mãe e filha em casa, atônitas.

A avó de Rafa chega ao seu destino e exige a resolução do abuso: “o pai de meu neto quis abusar de minha neta!”. Os “meninos da boca” dizem que vão resolver a situação. Em cerca de meia hora, Elias é expulso de sua casa sob ameaças de morte, não sem antes apanhar com golpes de armas, no rosto, na cabeça e no corpo. O sangue é derramado na residência. Elias parte para não voltar mais.

Rafa, dias depois, segundo sua mãe, sentiu-se “culpada” porque, na sua perspectiva, foi a partir do gesto de enunciação do abuso que uma figura paterna da família foi eliminada do circuito de cuidado. Contudo, alguns dias depois, o abuso realizado pelo pai de seu irmão foi narrado a partir da falta de água e da máquina de lavar roupas quebrada: “se eu tivesse água lá em casa, isso não teria acontecido”, “eu pedi ela pra levar ele enquanto fui lavar roupas”, dizia Paula, numa forte associação entre precariedade material, falta de água e atribuição de responsabilidades e deveres femininos de cuidado.

A partir dessa passagem, refletimos sobre de que maneira a falta de água e todos os seus objetos correlatos ao cuidado (máquinas, infraestruturas) aparecem a partir da escassez e estão emaranhados em situações do cotidiano que articulam violência, precariedade e gênero. Cris narra a situação de estupro a partir da falta de água, algo que remete a uma ordem de vulnerabilidades que são apagadas diante de outras violências mais visíveis, como o abuso de uma figura masculina familiar.

Cuidado e contaminação

Leonor e sua mãe, dona Carmem, são as únicas pessoas brancas apresentadas neste texto. Ambas vivem na Ocupação Nelson Mandela, um prédio de 13 andares, localizado na Central do Brasil, bairro histórico da cidade do Rio de Janeiro, marcadamente negro e local de entrada de migrantes nacionais e internacionais. A história de abastecimento de água da região é diferente daquela das favelas. Ponto nodal da cidade e do país por séculos, as infraestruturas de distribuição formal de água nesta localidade têm uma história centenária e complexa, impossível de ser reproduzida neste texto (Quintslr, 2018QUINTSLR, S. A (re)produção da desigualdade ambiental na metrópole: conflito pela água, “crise hídrica” e macrossistema de abastecimento no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. Tese (Doutorado) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). A ideia de trazermos outra forma de moradia popular vem para mostrar que o problema da água para as populações pobres se reproduz mesmo em localidades cuja formalização da água estaria garantida. Em resumo, viver em uma área central e com infraestrutura centenária de distribuição de água não impede que o abastecimento de água se realize de forma precária.

Quando Camila Pierobon começou a frequentar a casa de Leonor, a quantidade de galões, baldes e garrafas de água embaixo da pia - ora vazios, ora cheios - lhe causava estranhamento. Foi difícil perceber que esses galões e garrafas garantiam o abastecimento da casa de Leonor quando o fornecimento público de água era interrompido ou quando a bomba d’água do prédio que levava água da cisterna da ocupação para a caixa d’água queimava. Foi preciso tempo para compreender como a intermitência da água era fundamental para fazer as texturas de seu cotidiano. Não porque ela não falasse frequentemente sobre os problemas de água. Mas, como pesquisadora de classe média que vive nas áreas da cidade com acesso regular à água, ouvir e entender que esse era um problema central em sua vida foi necessária muita repetição. Uma das vezes em que a água chamou a atenção de Camila foi quando o prédio de Leonor ficou dias sem abastecimento. Leonor cuidava de sua mãe idosa que, devido às condições crônicas de saúde, necessitava do uso contínuo de fraldas. Sem dinheiro para comprar fraldas geriátricas descartáveis, Leonor vestia sua mãe com fraldas de pano. Eram entre 3 e 5 fraldas de uma pessoa adulta para lavar diariamente. Naquela semana, a falta de água se prolongou ao ponto de esvaziar também os galões que armazenavam a água para os momentos de escassez. Como narrou Leonor, as fraldas se acumulavam e o odor de urina e fezes se espalhavam pela pequena casa, além do amontoado de louça que não parava de crescer, dos lençóis sujos que se empilhavam, além da impossibilidade de tomar banho.

A situação descrita acima ocorreu em 2015, ano em que a casa de Leonor foi abastecida continuamente com água imprópria para o consumo. A rua em que Leonor morava passava por grandes reestruturações nas tubulações de água e esgoto, relativas ao projeto de reforma urbana intitulado “Porto Maravilha”, localmente chamado de “Porto Armadiha”. Com essa intervenção, a interrupção do abastecimento de água passou a ser comum, além da mistura entre água potável com o esgoto e a água da chuva que, posteriormente, chegaram às torneiras dos prédios e casas da região. Como Leonor narrou à época, era “impossível” utilizar a água do prédio. Sua mãe havia recém terminado as sessões de radioterapia relativas ao câncer que ela desenvolveu na boca. Devido à fragilidade das condições de saúde de dona Carmem, Leonor imaginava que usar aquela “água suja” iria “contaminar” e “adoecer” sua mãe e ela própria. Notemos que ela tinha a preocupação em não adoecer, visto que Leonor era a única responsável pelos cuidados diários da mãe que também apresentava quadro avançado da doença de Alzheimer.

Para abastecer sua casa, Leonor desenvolveu diferentes métodos. Primeiro, ela reorganizou seu orçamento doméstico de um salário-mínimo e passou a comprar água mineral nos depósitos da região para beber, cozinhar e para dar banho em dona Carmem. A quantidade de água mineral comprada por Leonor variava em relação à temperatura da cidade e à possibilidade de receber visitas no dia a dia ou uma confraternização como aniversários. O gasto com água variava e Leonor começou a gerir a compra dos galões de água na relação com os dias quentes e as possibilidades de receber visitas. Quanto mais quente, mais ela e sua mãe bebiam água e menos visitas elas poderiam receber. Como as pessoas sabiam que Leonor recebia as visitas oferecendo água mineral, alguns vizinhos passaram a visitar Leonor com mais frequência. Em um dado momento do ano, Leonor decidiu parar de receber esses vizinhos, pois, “visita bebe água” e ela não tinha dinheiro suficiente para oferecer água potável a todos, além dela achar que os vizinhos estavam “folgando”. Nesse período, para poder visitar Leonor sem aumentar suas despesas domésticas, Camila passou a levar sua própria água, um acordo tácito feito entre elas que nessa época já tinham três anos de relações. Mesmo assim, levar a própria água era uma ação delicada, pois não poderia parecer, em nenhuma hipótese, que Camila se sentisse desconfortável diante da água oferecida por Leonor e nem que Leonor não tivesse condições de oferecer água potável à Camila.

Abastecer a casa exclusivamente com água mineral não era algo sustentável por longos períodos. Leonor, então, abastecia sua casa com outras fontes de água. Uma delas era a água do “Casarão”, imóvel localizado na quadra à frente da ocupação, cujo fornecimento se dava por uma rede diferente. Como um técnico que trabalhava na reforma das tubulações explicou, a água que abastecia a Ocupação era fornecida pelas tubulações conectadas ao bairro da Gamboa, enquanto a água que abastecia o Casarão, chegava pela Avenida Presidente Vargas. Essa diferença de fonte de água fazia com que, num mesmo bairro, o fornecimento ocorresse de forma distinta. O fato é que a tubulação que fornecia água para o Casarão não estava em reforma, fazendo com que o imóvel recebesse água de forma mais estável, e ainda, os trabalhadores do tráfico tinham feito uma obra clandestina conectando a torneira do Casarão com outro ponto de distribuição. O Casarão era um dos maiores pontos de venda de drogas ilícitas da Central do Brasil e também um lugar onde traficantes locais ou policiais militares levavam aqueles que seriam torturados ou os corpos já mortos. A própria filha de Leonor havia sido torturada por policiais nesse local anos atrás. Por isso, buscar água no Casarão significava para Leonor um enorme esforço emocional, que se somava ao esforço físico de carregar galões de cinco a dez litros de água, para depois retornar e subir quatro lances de escada até o seu apartamento. Por ser uma das poucas fontes de água gratuita do bairro, em frente ao Casarão formavam-se filas de mulheres com baldes e galões para pegar a água da torneira não contabilizada por um medidor. No Casarão, Leonor também precisava enfrentar as “piadas” que os trabalhadores do tráfico faziam: “não tem água na sua casa não?”, o que ela achava humilhante. Por esses motivos, embora o Casarão fosse a fonte de água mais próxima à sua casa, esta só era a alternativa quando Leonor estava realmente exausta.

Uma terceira fonte de água era o salão de cabeleireiro de seu amigo. Mas o estabelecimento comercial se localizava a três quadras da casa de Leonor. Isso implicava carregar galões pesados de água ainda mais longe, o que provocava acúmulo de dores corporais e adoecimentos de diversos tipos (ver Pierobon, 2022). Para abastecer sua casa com água por um dia, Leonor precisava fazer três viagens e ela dividia as fontes entre o salão do seu amigo e o Casarão. Quando Leonor estava bem de saúde e com bom humor, ela fazia “uma boa reserva de água em casa” esperando os dias ruins. E esses chegavam. Quando os dias estavam muito quentes ou quando ela estava exausta e acabam suas reservas de água, ela comprava mais água mineral nos depósitos na região e pagava dois reais para que os rapazes subissem as escadas e entregassem os galões em sua em casa.

As diversas fontes de água limpa e misturada ao esgoto faziam com que Leonor manejasse as águas em casa de diferentes maneiras. Com a água mineral, Leonor preparava o café e utilizava para beber e lavar as verduras. Com a água do Casarão e do salão de cabeleireiro do amigo, Leonor cozinhava e escovava os dentes. Para tomar banho, lavar a louça e a roupa, ela usava a água da caixa d’água, por “não ter opção”. Com o passar dos meses, ficou inviável financeiramente dar banho em dona Carmem com água mineral. Leonor, então, desenvolveu técnicas para dar banho em sua mãe que impedissem que ela engolisse a água contaminada. Com as palavras de Leonor:

Por Deus do céu Camila, se eu tivesse uma condição financeira melhor, eu comprava água mineral até para tomar banho. Nem banho eu tomava com essa água. Eu não lavo uma boca com essa água. Eu lavo a louça porque não tenho opção, entendeu. E ainda acho nojento. Tomo banho com nojo, porque não tenho opção. Às vezes estou dando banho na minha mãe e eu falo “fecha a boca”, porque não tem opção. Se eu tivesse opção, minha filha, duvido que eu iria usar essa água nojenta aqui.

Trazer a última descrição etnográfica do texto com o trabalho de Leonor carregando galões de água pelas ruas da Central do Brasil, subindo e descendo as escadas da ocupação, nos permite retomar a imagem de Maria, personagem do samba “Lata d’água” que, ao lavar as roupas dos moradores do asfalto, sonhava com uma vida melhor. Com a frase “se eu tivesse opção”, Leonor deixa explícito seu desejo de uma outra possibilidade de vida. Sua trajetória nos apresenta os processos de racialização que falam das dificuldades do acesso das mulheres majoritariamente negras à água. O trabalho das mulheres carregando água pela cidade ocorre em concomitância à distribuição desigual de infraestruturas pela cidade, cujos efeitos corporais, emocionai e sociais atingem com maior peso os moradores dos bairros de baixa renda (Quintslr, 2018QUINTSLR, S. A (re)produção da desigualdade ambiental na metrópole: conflito pela água, “crise hídrica” e macrossistema de abastecimento no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. Tese (Doutorado) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Os efeitos devastadores da desigualdade social estão presentes nessas ações diárias aparentemente pequenas tal como um banho. As dificuldades de cuidado de si e com os outros nos mostra as duras condições de vida das populações racializadas da cidade, que, no limite, serão julgadas por não atender idealmente às regras de limpeza corporal e espacial. A democratização do acesso à água precisa estar nas discussões sobre o urbano, sobretudo nesse momento em que passamos por processos de privatização da água no país, ao mesmo tempo em que a previsão feita pelos ambientalistas é de escassez de água. Estamos diante de um cenário de violência lenta. Não podemos desconsiderar que na cidade do Rio de Janeiro os territórios majoritariamente negros da cidade são marcados por operações militares que visam a produção direta da morte. Fazer com que as mulheres garantam a água em suas casas significa também gerir um certo risco de deslocamento em regiões que são ocupadas por operações militares, tiroteios e chacinas.

Mulheres como infraestrutura: “o que as mulheres falam quando falam de água?”

Em seu artigo sobre os estudos de infraestrutura urbana: “People as infrastructure: intersecting fragments in Johannesburg”, AbdouMaliq Simone (2004SIMONE, A. People as Infrastructure: Intersecting Fragments in Johannesburg. Public Culture, v.16, n.3, p.407-19, 2004.) faz um importante debate com as teorias sociais que leem as cidades do Sul Global, com foco em Joanesburgo, como uma produção incessante de ruínas e arruinamentos. Ao contrário dessas perspectivas, seu argumento tira o foco das “ausências” para mostrar as complexas relações que produzem uma rica infraestrutura social na cidade sul-africana. Simone nos mostra a ininterrupta colaboração econômica entre moradores das áreas classificadas da cidade como marginalizadas, mas que são fundamentais para a produção da vida urbana nas áreas centrais. O autor expande a ideia de conexões infraestruturais para além de materiais como rodovias, tubulações, fios ou cabos, colocando as pessoas como as principais conectoras desse processo contínuo que é o “fazer cidade”.

O contexto analisado por Simone se refere a interlocutores masculinos que movimentam a cidade. Em nosso caso, as infraestruturas analisadas são operadas por mulheres, mediadoras na linha de frente da gestão ordinária da água. Tais desafios atrelam a responsabilidade de prover água com a provisão de cuidado das casas e das pessoas. A falta de água nas comunidades da cidade do Rio de Janeiro é um problema de longa duração histórica. Esse problema expõe processos de reprodução da pobreza, através dos marcadores sociais da diferença de classe, raça e gênero. A precariedade infraestrutural é gerida pelos moradores através de gestos cotidianos de cuidado. Paradoxalmente, a partir da gestão compartilhada dos problemas de infraestrutura há uma produção do comum que envolve pessoas, recursos e espaços. Contudo, esta produção do comum não é feita somente diante de ações de solidariedades, mas também com conflitos, violências e escassez.

A partir das histórias mobilizadas aqui, retomamos a pergunta: “o que as mulheres falam quando falam de água?” Elas mostram situações de profunda exaustão e vulnerabilidade a partir do dever de prover o acesso à água. As histórias falam de “ajudas” e negociações entre afeto, sexo e cuidado, feitas a partir da necessidade de tomar um banho de chuveiro, momento muito primário de cuidado de si. Vimos também que as doenças podem ser remediadas ou agudizadas pela falta de água potável ou em sua versão contaminada, a exemplo das preocupações de Leonor com a possibilidade de sua mãe ingerir água suja, mesmo a despeito de ser portadora de um câncer. Na dialética de presenças e ausências, a ação do poder público e do poder armado local, também aparecem a partir do fluxo intermitente das águas. Esses são processos que remetem a violências estruturais e profundas, que mostram o intenso trabalho de sustentar a continuidade da vida humana.

Bell Hooks (2019HOOKS, B. Constituir um lar. Espaço de resistência. In: Anseios. Raça, Gênero e Políticas culturais. São Paulo: Elefante. 2019) aponta a importância do lugar da casa para a reprodução social das famílias negras. Nesse sentido, a produção estatal da instabilidade na vida dos moradores de periferias trata-se de um projeto de poder, uma vez que é na vitalidade da casa que a garantia da sobrevivência é possível. O fornecimento desigual de água fala também da distribuição diferencial de outras infraestruturas, todos esses voltados ao cuidado das pessoas, a saber, luz, saneamento básico, moradia, educação, mobilidade, assistência social, saúde. Nesse sentido, defendemos a discussão do cuidado na agenda política contemporânea, a partir de uma noção feminista e antirracista que inclua os fluxos de água e todos os serviços básicos em prol da vida no cotidiano das mulheres e famílias moradoras das periferias. As ciências sociais devem se mobilizar para que momentos muito essenciais, como tomar um banho, ou beber água potável, não continuem como privilégios naturalizados das classes médias e ricas de nossa sociedade. As rotas turvas, caóticas e ricas das águas mostram que esse é um caminho possível e incontornável.

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  • _______. O abastecimento de água nas favelas em meio à pandemia de Covid-19. In: POMPEU, J. C.; FONSECA, I. Boletim de Análise Político-Institucional/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Rio de Janeiro: Ipea, 2021. p.73-80.
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  • VIANA, R. Água e luz no Jacarezinho nos 1960: o olhar de uma rede científica. In: 45º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 2021, Online. Anais…, 2021, p.1-36, 2021.
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  • WOODWARD, K. A public secret: assisted living, caregivers, globalization. International Journal of Ageing and Later Life, v.7, n.2, p.17-51, 2012.

Notas

  • 1
    Este trabalho foi feito em interlocução com os membros do Grupo de Estudos sobre Infraestrutura Urbana, no âmbito dos Grupos de Pesquisa Casa (Iesp/Uerj), Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade (UFRJ) e ResiduaLab - Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (Uerj). Agradecemos a leitura e comentários a Ana Clara Chequetti, Daniela Petti, Diego Francisco, Júlia Kovac, Julia O’Donnell, Marcella Araujo, Marcos Campos, Maria Raquel Passos Lima, Mariana Cavalcanti, Michel Misse Jr., Mayra Luiza, Rodrigo Agueda e Thomas Cortado, que só fizeram crescer este trabalho. Agradecemos especialmente a Júlia Kovac a organização dos comentários recebidos para este texto, fundamental para a conclusão do artigo. Os nomes das pessoas presentes no texto são fictícios a fim de garantir seu anonimato.
  • 2
    O trabalho de campo é parte da tese de doutorado realizada no âmbito do PPGAS/MN/UFRJ sob orientação da professora Adriana de Resende B. Vianna. A etnografia foi realizada durante dois anos (entre 2014 a 2016).
  • 3
    Desde 2010, Camila Pierobon se dedica a estudar a vida cotidiana dos moradores da Ocupação Nelson Mandela, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. As reflexões são avanços em relação à sua tese de doutorado defendida no PPCIS/Uerj sob orientação de Patrícia Birman.
  • 4
    Em sua tese, Suyá Quintslr (2018) analisa o macrossistema de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro (Guandu-Lages-Acari) e sua distribuição diferencial em termos sociais, raciais e espaciais. A autora apresenta como o esgoto produzido nas cidades que margeiam o Rio Guandu são depositados in natura no rio, levando as empresas responsáveis pelo tratamento da água a administrarem uma série de compostos químicos visando tornar a água do rio potável para o consumo humano. Ocorre que na época das chuvas o volume de água e esgoto se alteram e se misturam, e o tratamento leva à produção da alga geosmina que produz gosto de barro e mau cheiro na água. Em resumo, o que o trabalho de Quintslr nos mostra é que dentro da própria estrutura formal de abastecimento há a possibilidade de contaminação dessa água que será distribuída diferencialmente pela cidade.
  • 5
    Há um importante debate sobre mudanças climáticas na relação com o racismo ambiental sendo desenvolvido nacional e internacionalmente que, por questões de espaço e de foco do trabalho, não desenvolvemos neste texto.
  • 6
    Embora a noção de “quase-eventos” seja trabalhada por Veena Das (2015), foi com o trabalho de Marcos Campos (2021) que vimos a potencialidade de pensar a relação com a água como algo ordinário que não rompe o cotidiano, mas constitui a atmosfera da incerteza.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2021
  • Aceito
    07 Jul 2022
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