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Documentos públicos sobre a escravidão

TRABALHO ESCRAVO: HOJE

Dados do Grupo Especial de Fiscalização Móvel

Vera Olímpia Gonçalves

A EXISTÊNCIA de trabalhadores em situação de escravidão no País, que basicamente se concentra no meio rural nas regiões Norte e Centro-Oeste, tem levado o Ministério do Trabalho e Emprego a adotar medidas de cunho ostensivo e, por outro lado, a elaborar programas de prevenção.

No primeiro caso, diante da possibilidade prevista no Dec. 55.841, de 15 de março de 1965, foi criado um Grupo Especial de Fiscalização Móvel para agir diretamente nos casos de prática de trabalho escravo diante das denúncias provindas de vários pontos do território nacional.

O Grupo foi criado em 1995, pela Portaria nº 550 de 14 de junho de 1995, e, ao longo destes cinco anos, um rico aprendizado foi e está sendo proporcionado aos seus participantes, tendo sido alcançado excelentes resultados.

É inquestionável a necessidade de continuidade do trabalho desenvolvido pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel que está sendo, a cada momento, aprimorado tendo em vista a sua maior eficiência e valorização de seus avanços.

O combate ao trabalho escravo é um desafio que o Governo Federal se dispôs a enfrentar com seriedade e determinação. Para o sucesso das ações que estão sendo executadas e a realização de novas metodologias de enfrentamento do problema, é de suma importância a participação de nossos parceiros, que vão continuar contribuindo em um trabalho conjunto proporcionando um compartilhamento do êxito almejado, principalmente, na elaboração de programas de prevenção da prática do trabalho escravo.

Com o apoio de todos comprometidos nesta jornada, conseguiremos debelar a propagação dessa prática que atenta contra a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego, a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana, princípios estabelecidos na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1998.

Brasília, fevereiro de 2000

Vera Olímpia Gonçalves é secretária de Inspeção do Trabalho e Coordenadora Nacional da Fiscalização Móvel do ministério do Trabalho e Emprego.

Fluxo das denúncias de trabalho escravo e degradante

Inoperância da repressão ao trabalho escravo

Comissão Pastoral da Terra (CPT)** Documento público assinado pelas Pastorais da Terra de Xinguara (PA), Marabá (PA), São Félix do Araguaia (MT), Tucumã (PA) e Araguaína (TO) e divulgado em 6 de novembro de 1999.

HÁ MUITO TEMPO a CPT (Comissão Pastoral da Terra) vem batendo nessa tecla junto às autoridades governamentais na questão do combate ao trabalho escravo: uma ação eficiente contra o trabalho escravo exige, no mínimo:

  • uma fiscalização extremamente ágil e absolutamente independente;

  • uma efetiva punição dos culpados;

  • uma abrangente política de prevenção e dissuasão.

Por isso mesmo recebemos positivamente, quatro anos atrás, a decisão governamental de criar o GERTRAF (Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, criado pelo Governo Federal em 28/6/1995, e constituído por representantes de cinco ministérios: Trabalho, Justiça, Agricultura, Indústria e Comércio, Meio Ambiente) e a Equipe Móvel de Fiscalização (ligada à SEFIT, hoje SIT); um dispositivo desse tipo já era uma exigência antiga (assumida pelo Fórum Nacional Permanente Contra a Violência no Campo, alertado na época pela CPT), tendo em vista a ineficiência quase total da fiscalização até então praticada.

Ao criar a Equipe Móvel, o governo reconhecia a necessidade imprescindível de se combater o trabalho escravo tendo uma estratégia repressiva totalmente isenta às pressões das oligarquias locais. Daí quatro características fundamentais do sistema implantado:

  • comando único vinculado à SEFIT em Brasília;

  • seleção rigorosa dos funcionários, com base no voluntariado;

  • sigilo total das operações;

  • integração PF-MTb na efetivação das operações.

O comando único garante a unidade e agilidade na decisão e, sobretudo, tira a mesma do nível estadual, o qual, com freqüência, tem demonstrado sua fácil exposição às influências dos próprios infratores.

A seleção dos funcionários resulta num corpo de fiscais dispostos e experientes, sempre escolhidos em estados diferentes daqueles que estão sendo fiscalizados, dispondo portanto da independência indispensável para enfrentar essa difícil problemática (inclusive em vista de sua própria segurança pessoal).

O sigilo total das operações inviabiliza o vazamento das informações do qual os infratores se tem sempre beneficiado para dissimular suas práticas criminais. O sigilo implica necessariamente o respeito absoluto do efeito de surpresa. Por isso, ao lançar uma fiscalização, não há como estabelecer contatos prévios com as autoridades locais ou estaduais.

Por fim, a estreita integração entre Polícia Federal e Ministério do Trabalho (sobretudo com a recente inclusão de delegados da PF), além da eventual presença do MMA, em tese possibilita uma ágil ação de repressão, nos vários aspectos: administrativo, trabalhista, ambiental e, sobretudo, criminal. Prova recente (infelizmente de breve duração) foi dada pela inédita rapidez dos encaminhamentos penais tomados pelo MP de Marabá a partir da inclusão, entre os testemunhos, dos depoimentos dos próprios fiscais presentes na operação de fiscalização.

Resumindo, a força da Equipe Móvel tem sido sua total autonomia e efetiva agilidade. E isso tem dado resultados. Só no sul do Pará, os relatórios oficiais de fiscalização contabilizaram em regime de trabalho escravo: em 1997 - 493 trabalhadores resgatados; 1998 - 254; 1999 (até 31/10) - 400. Outros 13 trabalhadores foram resgatados no Tocantins, no início de 1999.

Este é um resultado extremamente significativo se comparado com as estatísticas oficiais anteriores a 1995, quando a DRT do Pará quase que negava a existência de trabalho escravo no Estado. Devido as dificuldades de conseguir informações sobre as fazendas e localizar as áreas onde há prática de trabalho escravo, o número de pessoas em regime de escravidão é, com toda probabilidade, bem maior que aquele apontado pelas estatísticas.

É importante salientar também que em quase todas as operações realizadas no Pará pela Equipe Móvel os trabalhadores escravizados foram resgatados, o atraso de seus salários pago, sua situação trabalhista regularizada, as infrações trabalhistas sancionadas, os processos criminais encaminhados, o que não tem sido o caso geral nas operações realizadas pela DRT.

Ora, de acordo com observações nossas, confirmadas pelas preocupações externadas por membros da própria SEFIT, algumas das características essenciais à eficácia da fiscalização e da conseqüente repressão estão hoje sendo desvirtuadas ou mesmo abandonadas, colocando em xeque todo o dispositivo repressivo do qual, com certo fundamento, as autoridades brasileiras vinham (e continuam) se orgulhando perante a sociedade nacional e internacional. Há de se preocupar perante os fatos expostos a seguir pois apontam para a existência, em níveis estadual e federal, de uma nova política visando a esvaziar o sistema repressivo construído às duras penas. As autoridades brasileiras estão se rendendo à pressão dos grupos políticos e econômicos interessados em inviabilizar a atuação do Grupo Móvel. Senão vejamos.

As operações de fiscalização deixaram de ser sigilosas

Exemplos recentes mostram que fazendas e empresas agropecuárias têm conhecimento da iminência da fiscalização, deixando gerentes e gatos à vontade para tomar as elementares providências no sentido de esconder os trabalhadores ou descaracterizar as infrações.

No decorrer da espetacular operação de fiscalização realizada pela Equipe Móvel na fazenda Maciel II, no município de São Félix do Xingu-PA, em abril de 1999 (quando foram resgatados 186 peões escravizados, com grande repercussão na imprensa de todo o país, inclusive na Rede Globo regional e nacional), o governador do Pará, Almir Gabriel, denunciou a "interferência do Governo Federal no seu estado" e protestou veementemente por não ter sido avisado com antecedência da operação. A partir daí, operações de fiscalização passaram a ser divulgadas pela imprensa antes mesmo de se iniciar levando ao absurdo de várias fazendas já saberem da fiscalização antes mesmo da chegada dos fiscais (como foi, por exemplo, o caso da fazenda Salvador no município de São Félix do Xingu). Vale observar que, na reunião do Fórum contra a violência no campo, em 30/09/99, a representante da Procuradoria Geral do Trabalho manifestou também sua preocupação sobre o vazamento das informações em operações contra o trabalho infantil.

Sabemos que, depois da operação realizada na fazenda Maciel II, os responsáveis pela Equipe Móvel receberam a orientação e são de fato obrigados a informar o delegado da DRT sobre as operações a serem iniciadas. Confirma essa linha a obrigação feita às Coordenadoras de Fiscalização de só poder requisitar veículos na DRT do próprio Estado a ser fiscalizado, sem, portanto, garantia alguma nem de sigilo nem de priorização na programação. No início da fiscalização móvel, podia-se requisitar carro de qualquer DRT do país. Por último, apareceu a possibilidade aberta ao delegado Regional do Trabalho de impor determinados funcionários para ser incluídos na equipe móvel, colocando em xeque a questão da livre vontade que até então vigorava.

Com isso as equipes de fiscalização demoram mais a iniciar as operações, encontrando dificuldade para organizá-las, inclusive simplesmente para encontrar carros disponíveis. Temos caso recente de fugitivos escondidos terem que esperar 15 dias antes da chegada da Equipe Móvel, o que tornou quase impossível a preservação do sigilo e colocou em risco suas vidas bem como a dos que os escondiam.

Ora sem rapidez, sigilo e surpresa as operações da Equipe Móvel perdem toda sua especificidade e eficiência.

A política atual garante a impunidade

e incentiva a reincidência

O bom trabalho da Equipe Móvel, além de ser hoje esvaziado como demonstramos, continua sendo colocado em xeque pela impunidade de fato das infrações e dos crimes encontrados. A reincidência sistemática das práticas culposas em muitas fazendas aponta para o fracasso do sistema repressivo, além da pouca vontade de resolver a questão. Por várias vezes, a CPT alertou as autoridades e a opinião pública sobre a ausência de eficácia, portanto a ausência de qualquer efeito dissuasivo, das sanções aplicadas nos crimes de trabalho escravo flagrados, bem como nas infrações trabalhistas encontradas, particularmente nas fazendas do Sul-Pará. O valor das multas aplicadas, quando pago, continua insignificante, considerando-se o poder econômico dos latifúndios envolvidos. E continua mais lucrativo prosseguir com a prática do trabalho escravo, pagando de vez em quando (se pagar ) as multas de praxe. Como sanção, a desapropriação da terra também tem se revelado ineficiente pois ao indenizar, o Estado está, no mínimo, premiando o dono do imóvel. A indenização ofertada pelo INCRA compensa amplamente a perda da terra. O caso da Flor da Mata, no município de São Félix do Xingu, ficou como caricatura do escândalo, apontando com toda evidência para a necessidade da expropriação em tais casos.

Os processos criminais por trabalho escravo chegam excepcionalmente a uma condenação que nunca é efetiva mas irrisória, quer na Justiça Federal quer na Justiça comum. São tão demorados que quase todos terminam arquivados por prescrição. Pela primeira vez, em 1998, aconteceu que dois fazendeiros fossem condenados. Foram porém beneficiados com sursis, e a pena aplicada se restringiu, afinal de contas, à mera entrega de cestas básicas. Depois disso, ou seja desde 1997, vale observar que a Vara da Procuradoria da República em Marabá, capital do Sul-Pará, está sem titular, o que inviabiliza qualquer acompanhamento sério dos processos criminais em andamento (ao invés do que ocorria de 1995 a 1997).

A ineficácia do sistema e da prática das sanções é provada pela reincidência: não obstante as fiscalizações realizadas em 1996, 1997 e 1998, as multas aplicadas nessas oportunidades e mesmo os processos criminais contra alguns de seus gerentes e/ou proprietários, as fazendas Primavera (município de Curionópolis-PA), Boca Quente (Bannach-PA), Forquilha (Santa Maria das Barreiras-PA), Estrela de Maceió (Santana do Araguaia-PA) foram de novo flagradas com peões em regime de trabalho escravo poucos meses depois. Outro exemplo: em abril de 1999, no município de São Félix do Xingu, 186 peões escravizados foram resgatados pela Equipe Móvel da fazenda Maciel II. Ora, essa fazenda é quase vizinha da fazenda Flor da Mata flagrada em 1997 pela Equipe Móvel, também por prática de trabalho escravo, e cujo proprietário foi processado criminalmente, tendo inclusive sua fazenda desapropriada (por sinal com grande propaganda na mídia e superfaturamento ainda sob investigação). O caso da fazenda Maciel II teve também grande divulgação na TV, rádio, imprensa nacional e regional. Porém, em setembro de 1999, cinco meses depois portanto, a fazenda São Salvador, no mesmo município, foi flagrada pela Equipe Móvel por prática de trabalho escravo.

Onde está a dissuasão da pena, onde está a exemplaridade da punição?

Diante desta situação alarmante a Comissão Pastoral da Terra, cuja luta de muitos anos contra o crime de trabalho escravo no Brasil é reconhecida nacional e internacionalmente, acha necessário alertar as autoridades e a opinião pública sobre o atual recuo do Governo Federal no combate ao trabalho escravo, principalmente considerando a gradual inviabilização da atuação da Equipe Móvel.

Será que o Brasil vai entrar no terceiro milênio carregando essa vergonhosa mancha de continuar sendo apontado como o único país da América Latina onde ainda se encontra e se tolera a vergonhosa prática de trabalho escravo?

Xinguara, 6 de novembro de 1999

Carta ao ministro do Trabalho

Frei Xavier Plassat; Trindade Gomes Ferreira

Representantes da Pastoral da Terra de Araguaína (TO)

Exmo Sr. Francisco N. Dornelles

Ministro do Trabalho

Fax: 61 226 9004

Araguaína, 14 de janeiro de 2000

Sr. Ministro,

Em 8 de dezembro de 1999, a CPT entregou ao Sr. uma nota assinada pelos coordenadores da Campanha contra o Trabalho Escravo nos estados do Pará, Mato Grosso e Tocantins, a qual chamava a atenção das autoridades sobre os sérios indícios de desvirtuamento da fiscalização e a inoperância da repressão ao trabalho escravo. Devido à gravidade do assunto, o Sr. aceitou, dia 8 de dezembro, receber em audiência dois destes coordenadores (os ff. João Raguenés da CPT-PA e Xavier Plassat da CPT-TO), na presença dos deputados Paulo Rocha e Waldir Ganzer.

Nessa oportunidade o Sr. nos comunicou sua determinação de tomar logo todas as providências cabíveis para atender à nossa preocupação, principalmente no que diz respeito à questão central do sigilo das operações (o qual se tornou letra morta depois que foi imposta à equipe móvel de fiscalização a obrigação de se comunicar previamente com a DRT do estado a ser fiscalizado). Concretamente, o Sr. marcou para o dia 14/12/99 às 13h00 uma reunião com vários responsáveis envolvidos nessa questão, junto com os representantes da CPT e os deputados já citados, além da CDH da Câmara e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

A reunião programada aconteceu de fato mas sofreu péssimas condições de organização, particularmente quanto ao local: vários participantes não conseguiram nem encontrar o lugar da reunião devido à absoluta falta de informação entre os funcionários do Gabinete (onde inicialmente deveria acontecer). Nossa própria representante (Dra. Trindade Gomes Ferreira), só conseguiu chegar ao local quando a reunião já estava se encerrando.

Infelizmente, na ausência de nossos representantes, nenhuma definição substancial foi tomada, particularmente no tocante ao ponto principal de nossa solicitação, a questão central do sigilo das operações de fiscalização, garantia de sua possível eficácia. Pelo que, neste início de ano, aproveitamos o ensejo para renovar nossa estima e consideração, formando votos para que possamos superar até o próximo milênio os impasses herdados do atual.

Resposta do Ministério

Cláudio Secchin

Chefe da Divisão de Apoio à Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho. Esta Nota Técnica foi divulgada em 16 de dezembro de 1999 em resposta ao Documento da Comissão Pastoral da Terra datado de 6 de novembro de 1999.

Senhores Representantes,

É de nosso conhecimento o importantíssimo papel desempenhado pelas Comissões Pastorais da Terra na defesa dos direitos dos cidadãos, contribuindo para que um dos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988 - o da dignidade da pessoa humana - seja verdadeiramente observado.

A contribuição que as Comissões têm prestado para o cumprimento dos direitos trabalhistas previstos no ordenamento jurídico pátrio é de valor imensurável tornando o trabalho desenvolvido com muita dificuldade e persistência, um instrumento poderoso para a fiscalização trabalhista no exercício de suas funções.

Como bem salientado no documento em questão, diversas ações fiscais foram desenvolvidas, tendo resultados extremamente positivos, sejam eles de ordem financeira ou de cunho social, dado o pouco tempo em que a fiscalização vem atuando sobre as formas degradantes de trabalho e o trabalho escravo.

Com efeito, a constituição do GERTRAF e dos Grupos Móveis de Fiscalização trouxeram um avanço na atuação governamental sobre o tema, em particular o Ministério do Trabalho e Emprego, elevando a moral do Poder Público com reconhecimento nacional e internacional.

Porém, devem ser ressaltados alguns pontos. Frisemos de início que a atuação da fiscalização trabalhista nas áreas e atividades consideradas como críticas não é estanque, continuando o Ministério do Trabalho e Emprego com o seu compromisso de coibir as práticas abusivas utilizadas por muitos empreendedores rurais no trato com os trabalhadores rurais, de forma séria e constante, contando com profissionais qualificados e familiarizados com os desdobramentos altamente nocivos a toda sociedade decorrentes do trabalho escravo e das formas degradantes de trabalho.

Neste contexto, novas ações estão para ser desenvolvidas ao longo do ano que se aproxima, fortificadas pela experiência até aqui conquistada no árduo trabalho conjuntamente desenvolvido pelos Grupos Móveis de Fiscalização, pela Polícia Federal, pelos colaboradores e outros órgãos envolvidos.

Como bem ressaltado, sabemos que as ações da fiscalização móvel, seus efeitos, suas conseqüências financeiras e jurídicas para aqueles que se utilizam de expedientes precarizadores dos direitos trabalhistas no meio rural, têm tido alta repercussão junto à mídia, inclusive surpreendendo a sociedade pelo seu modo eficiente e espírito desbravador, trazendo uma fama específica à fiscalização, de modo a tornar-se conhecida por onde passa e atua.

Muitos segmentos desta mesma sociedade surpreendida não são simpáticos ao excelente trabalho desenvolvido, manifestando interesses completamente obtusos ao escopo principal da fiscalização. Desta feita, é natural que todas as informações que puderem ser colhidas e veiculadas com este objetivo serão deflagradas, formando uma mão-dupla, uma corrente entre aqueles que podem ou poderiam ser flagrados no desrespeito aos mais básicos direitos trabalhistas. Informações estas repassadas por aqueles que já sofreram as conseqüências de terem sido fiscalizados pelos Grupos Móveis.

Sabemos também que um órgão como o Ministério do Trabalho e Emprego não se constitui de forma única, possuindo suas unidades descentralizadas, fazendo parte de toda a estrutura voltada para o oferecimento ao público de seus serviços. E a intercomunicação é prática usual e necessária para o bom andamento deste serviço que é oferecido. Deste modo, seria incongruência precarizar este serviço justamente no front onde é desenvolvido, isto é, nas Delegacias Regionais do Trabalho, como órgãos executores que são.

Todas as ações realizadas pela fiscalização móvel são consubstanciadas em relatórios onde constam todos os dados e atividades desenvolvidas, de forma que cópias são remetidas ao Ministério Público do Trabalho para subsidiar as denúncias cabíveis e, inclusive, para o caso de apuração da responsabilidade criminal dos possíveis infratores, tarefa esta conferida ao Ministério Público Federal (Procuradoria da República).

Existem algumas arestas a serem aparadas, principalmente a questão da indenização por desapropriação das terras, precedida da instauração do Inquérito Civil a cargo do Ministério Público, que em alguns casos, acaba por deferir aos seus ex-proprietários uma situação mais vantajosa financeiramente. Tal questão está atrelada a alterações e inovações na legislação, tarefas conferidas ao Poder Legislativo.

Com certeza não mediremos esforços para que os resultados da fiscalização móvel sejam cada vez mais satisfatórios, de modo a estarem à altura do que a sociedade merece e precisa, contando desde já, assim como em anos anteriores, com a colaboração de todos os atores sociais envolvidos, incluindo as Comissões Pastorais da Terra, com seu excelente trabalho.

O Ministério do Trabalho e Emprego em atenção a um antigo pleito, adquiriu recentemente aparelhos celulares, câmeras filmadoras e fotográficas, notebooks e novos veículos com tração 4 x 4, infra-estrutura extremamente necessária para a busca de uma maior eficiência no combate ao trabalho infantil e às formas degradantes de trabalho, instrumentos estes que são utilizados pela fiscalização.

Aproveitamos a oportunidade para solicitar a comunicação a esta Secretaria, das datas e locais de realização das reuniões das sucursais e direção central da CPT, em que nossa presença seja julgada necessária, tendo em vista uma maior interação e cooperação sobre o assunto aqui ventilado.

Brasília, 16 de dezembro de 1999

Preocupações sobre a ação contra o trabalho escravo no Brasil

Mike Dottridge

Diretor da Anti-Slavery International (Associação Internacional contra a Escravidão, com sede em Londres, Inglaterra)

Exmo Sr Wagner Gonçalves

Procurador Federal dos Direitos do Cidadão

Edifício Sede da Procuradoria-Geral da República

Brasília - DF

Londres, 22 de dezembro de 1999

Senhor Procurador Federal

Eu tive a honra de encontrar o senhor há dois anos, em dezembro de 1997 em uma reunião do Fórum Nacional Permanente Contra a Violência no Campo, em Brasília, que tratou da exploração do trabalho escravo em varias regiões do Brasil, e especificamente o suldeste da Amazônia.

Desde esta altura, a minha organização ficou satisfeita em saber da adoção pelo Brasil de uma nova lei contra o trabalho escravo e o sucesso de muitas operações da Equipe Móvel de Fiscalização do Ministério de Trabalho, a unidade especial estabelecida há quatros anos para identificar casos de trabalho escravo e para soltar as vítimas.

Durante o ano e meio passado todavia, tornamo-nos cada mês mais preocupados pelas tentativas de neutralizar a Equipe Móvel e de reduzir o seu impacto. Recentemente ficamos sabendo que representantes da Comissão Pastoral da Terra de Xinguara, Tucumã, Marabá, Araguaia e São Félix de Araguaia visitaram Brasília há duas semanas para apresentar suas preocupações sobre este assunto. As informações que recebemos deles confirmam a nossa impressão - que a ação da Equipe Móvel foi solapada, gradualmente e intencionalmente, por um série de medidas.

Quando examinamos individualmente cada ação tomada para reduzir a eficácia da Equipe Móvel, não parece ser muito sério, mas quando observamos a totalidade do seu impacto, chegamos à conclusão de que há uma tentativa sistemática de solapar a política contra o trabalho escravo, anunciado pelo presidente da República em 1995.

Eu sei que não é necessário sublinhar o aspecto grave da persistência da escravidão, como de outras violações graves dos direitos humanos, nesta altura do nascimento de um novo século, mas agrava-se pelo fato que as pessoas que se aproveitam do trabalho escravo parecem conseguir promover seus interesses.

Gostaríamos então de pedir ao senhor Procurador Federal, como magistrado superior no que diz respeito aos direitos do cidadão, de abrir um inquérito para investigar as alegações da CPT, especialmente para apurar quem foi responsável pelas instruções oficiais que tiveram como conseqüência a diminuição da eficácia das ações da Equipe Móvel, como por exemplo a ruptura do sigilo total das suas operações.

Estou anexando a esta carta um documento da CPT, que talvez o Senhor já tenha recebido, e que apresenta pormenores sobre nossas preocupações, e espero que será possível muito em breve assegurar a eficácia das instituições para combater o trabalho escravo no Brasil.

Sem outro assunto para o momento,

Subscrevo-me, com os meus melhores cumprimentos,

Termo de abertura de procedimento

Wagner Gonçalves

Subprocurador-Geral da República e Procurador Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)

Considerando a representação anexa, da Anti-Slavery International, que pede a abertura de inquérito civil público para apurar o fato de a "Equipe Móvel" do Ministério do Trabalho "ter perdido sua eficácia", o que estaria acarretando sérias conseqüências no que se refere ao combate ao trabalho escravo no Brasil,

Considerando as denúncias da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no sentido de os fazendeiros, no Pará, estarem sabendo das fiscalizações antecipadamente, alterando, assim, a situação local, de modo a inviabilizar o trabalho da Equipe Móvel,

Considerando que, segundo informações, a representante do Gertraf teria optado por comunicar às Delegacias do Trabalho nos Estados, antecipadamente, a realização de fiscalizações, o que estaria permitindo "vazamento de informações", em contraste com a Diretoria anterior, que optava por fazer referidas fiscalizações sem o conhecimento das Delegacias Estaduais e de terceiros - trabalho que se comprovou ser frutífero,

Considerando que a Equipe Móvel de Fiscalização - MT vinha realizando excelente trabalho, juntamente com outros órgãos e instituições públicos,

Considerando que compete ao Ministério Público Federal zelar pela defesa dos serviços de relevância pública - entre os quais se inclui o trabalho, competente, de combate ao trabalho escravo - apurar responsabilidades e expedir recomendações para a melhoria desses serviços (ar. 6º, XX; art. 7º, I - da Lei nº 75, de 20.5.93),

RESOLVE, por intermédio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão,

abrir o presente procedimento administrativo para o fim de apurar os fatos e requisitar informações.

Deixa de abrir, no momento, o inquérito civil, como requisitado pela Anti-Slavery International por entender que o procedimento administrativo permitirá a coleta das informações necessárias às providências a serem tornadas pelo Ministério Público Federal.

Dê-se ciência à Anti-Slavery, por fax, e à CPT.

Após, volte.

Brasília, 25 de janeiro de 2000

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    Documento público assinado pelas Pastorais da Terra de Xinguara (PA), Marabá (PA), São Félix do Araguaia (MT), Tucumã (PA) e Araguaína (TO) e divulgado em 6 de novembro de 1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2000
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