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Língua e Literatura Italiana: uma crônica datável (1949-1958)

ORIGENS E ATUAIS LINHAS DE PESQUISA

HUMANIDADES

Língua e Literatura Italiana: uma crônica datável (1949-1958)

Antonio Lázaro de Almeida Prado

À memória (caríssima) do

professor Italo Bonfim Bettarello

A área de Língua e Literatura Italiana da (então) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, da seção de Letras Neolatinas, nasceu sob o signo poético. Eis que por ela respondeu desde 1936 ou 1937 (apenas um biênio após a fundação da USP) e, por cerca de seis ou sete anos, nada menos que um dos maiores poetas da Itália e de todo o século XX: Guiseppe Ungaretti (1888-1970).

Sob o signo poético

Esses seis ou sete anos da presença de Ungaretti na São Paulo das décadas de trinta e quarenta foram anos privilegiados de vivo contato entre as culturas italiana e brasileira. E julgo não me equivocar ao dizer que os professores Guiseppe Ungaretti (do grupo de professores italianos) e Roger Bastide (dos professores franceses) podem contar-se entre os maiores amigos que a vida universitária paulistana soube conquistar para o Brasil.

Ungaretti e Bastide deram aos jovens brasileiros das décadas de trinta e quarenta (e até para algumas gerações posteriores) o grande e relevante exemplo de universalidade de espírito. Seria difícil dizer qual deles foi mais universal e mais avesso ao pensamento compartimentado. O certo é que ambos olharam para os olhos dos brasileiros com fraterno entusiasmo. E é de recordar-se, também, que nas obras de ambos o Brasil (a cultura, as artes, a vida brasileira) deixou um sinal significativo: o de um convívio fecundamente incitante, sem predomínio, sem dependências.

Ungaretti conquistou-nos por sua extraordinária poesia e pela sua capacidade de opor-se a exclusivismos culturais. Ele, que confraternizara com as vanguardas artísticas do século XX, imprimiu aos cursos, palestras e convivência humana essa dimensão de universalidade, de que a palavra artística é o símbolo máximo. Não creio exagerado dizer-se que a palavra poética representou, neste nosso atormentado século, um ecumenismo de ante literam.

Mas eis que o universo das divisões ideológicas mostrou suas garras terríficas na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O Brasil, em fevereiro de 1942, forma ao lado dos Aliados e contra o eixo Roma-Berlim-Tóquio. Ungaretti retorna à Itália. E, com isso, assume a Cátedra de Língua e Literatura Italiana na USP um jovem e predileto discípulo do poeta italiano, o professor Italo Bonfim Bettarello (1912-1973) que, aliás, desde o final da década de 30 trabalhava com Ungaretti, "mas ou menos adido à cadeira de italiano", na justa expressão de Antônio Cândido.

Do signo à vivência, poética

O jovem professor Bettarello, de 1942 e 1943 a 1973, vale dizer dos 31 aos 61 anos de idade, percorreu um riquíssimo itinerário, ao longo de um trintênio, de absoluta dedicação às relações culturais, artísticas, científicas e humanas entre o Brasil e a Itália. Meu depoimento é uma crônica datável. E tem limites inicial e terminal em 1949 e 1958 e só posso falar das 15ª e 16ª gerações uspianas em diante, até mais ou menos à altura da 21ª (1958).

Carla Inama Queiroz e eu tivemos o privilégio de trabalhar como assistentes do professor Bettarello. Ela, mais tempo do que eu. Minha permanência na USP, após a licenciatura da 16a geração (1949-1952), foi até novembro de 1958, data de minha passagem para a equipe fundadora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, hoje, Faculdade de Ciências e Letras do campus de Assis da Unesp, onde assumi a honrosa e difícil tarefa de fundar a Cátedra de Língua e Literatura Italiana da seção de Letras românicas e, depois, de consolidar a cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada.

O professor Bettarello (era assim que todos o chamavam), cumprindo o estágio 1949-1950, doutorou-se em Letras, de forma brilhante, na Universidade de Turim, a 3 de março de 1951, com a tese, por todos os títulos pioneira, Lineamenti della poesia contemporanea. Essa tese (um dos primeiros balanços abrangentes da poesia italiana do século XX) só foi publicada, na tradução da professora Elvira Rina Malerbi Ricci, em 1977, quatro anos, pois, após o falecimento do autor.

Mas mestre Bettarello não trazia da Itália apenas o seu doutoramento em Letras. Conseguiu ele, com extraordinária pertinácia, fosse incorporada à Biblioteca de Italiano da USP considerável acervo de um Instituto da Romênia, que os tempos ásperos da era stalinista proibira permanecer na România Oriental (a expressão é o do pranteado professor Theodoro Henrique Maurer Júnior).

A incorporação dessa biblioteca romena de estudos itálicos à Cadeira de Língua e Literatura Italiana da USP deve-se à obstinada dedicação do professor Bettarello e prestou (e estou certo de que continua a prestar) relevantes benefícios aos pesquisadores da área das Letras Italianas em São Paulo e no Brasil.

Ungaretti nos dera o impacto do signo poético. O professor Bettarello iria dar-nos o testemunho de alta, lúcida e empenhada vivência poética. O signo poético continuou a presidir os estudos de Língua e Literatura Italiana na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

O professor Bettarello preferiu confiar à Dra. Carla Inama Queiroz o ensino da Língua Italiana. A nós (ele e eu) coube o ensino de Literatura Italiana, o que fizemos de forma altamente condividida, até porque o professor Bettarello sempre associou assistentes, auxiliares e alunos nas pesquisas literárias e lingüísticas.

Carla Inama Queiroz, responsável pelo ensino da Língua, fez de sua tese de doutoramento um precioso levantamento da influência da poesia de Pietro Metastasio (1698-1782) sobre os poetas mineiros: Metastasio e i poeti arcadi brasiliani. Quanto a mim (já emigrado para Assis), tocou-me analisar as obras do neo-realista italiano Cesare Pavese e do poeta Salvatore Quasimodo.

Com minha transferência para a Faculdade de Assis, professor Bettarello convocou para seu assistente um nosso aluno, que assumiria, em suas pesquisas, alguns dos escritores preferidos de mestre Bettarello: Leopardi, Pirandello e ... Guiseppe Ungaretti...

Como se vê, nós, os discípulos de mestre Bettarello continuamos a viver sob o signo poético, raiz etiológica dos estudos de Língua, Literatura e Cultura Italianas na seção de Neolatinas da USP.

Antônio Lázaro de Almeida Prado foi assistente de Língua e Literatura Italiana na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, pela qual obteve os títulos de doutor em Letras e livre-docente. Passando para Assis, foi professor titular (fundador) da Cadeira de Língua e Literatura Italiana, titular (aposentado) de Teoria Literária e Literatura Comparada e professor emérito da Faculdade de Ciências e Letras (compus de Assis) da Unesp.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1994
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