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Avanços recentes na pesquisa em fixação biológica de nitrogênio no Brasil* * Conferência proferida pela professora Johanna Döbereiner, da Universidade Rural do Rio de Janeiro, no IEA em 16 de março de 1989.
Johanna Döbereiner
A biologia do solo oferece inúmeras alternativas para o desenvolvimento de novas biotecnologías que visam substituir sistemas agrícolas tradicionais baseados no crescente uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Devido ao alto custo dos fertilizantes nitrogenados (70% dos custos dos fertilizantes), a fixação biológica de nitrogênio que permite o uso, pelas plantas, do N2 molecular da atmosfera, é o processo mais estudado na biologia do solo, e os desenvolvimentos da biotecnologia moderna em muito contribuíram para os progressos recentes neste campo. A agricultura tropical não só é sujeita à erosão e, portanto, menos apropriada para agrossistemas baseados em uso intensivo de fertilizantes; ela ainda oferece umidade e temperaturas ótimas durante todo o ano para a atividade microbiológica.
Na presente conferência, os avanços biotecnológicos mais recentes na pesquisa relacionada com fixação biológica de nitrogênio no Brasil (FBN) e as suas implicações com a agricultura tropical serão discutidos.
Fixação de N2 em leguminosas
As leguminosas possuem o mecanismo simbiótico mais sofisticado e eficiente entre as associações de plantas superiores com bactérias fixadoras de N2 e as leguminosas de grão e forrageiras têm papel importante na agricultura tropical. O sucesso da soja no Brasil se deve a um programa de melhoramento direcionado à obtenção de cultivares com alta produção sem adubação nitrogenada e ao desenvolvimento em paralelo de inoculantes contendo rizóbios adaptados às condições e solos brasileiros. O avanço da soja para os cerrados se deve, além da identificação e solução dos problemas de fertilidade, principalmente à obtenção de inoculantes novos capazes de competir com a microflora de um ecossistema perturbado após a conversão dos cerrados em terras de cultura. A adubação e calagem destes solos resulta numa multiplicação indiscriminada de actinomicetos produtores de antibióticos (COELHO e DROZDOWICZ, 1979) e a sobrevivência dos rizóbios inoculados nestes solos depende da resistência à streptomicina e vários outros antibióticos (SCOTTI et al., 1982).
Estudos mais recentes revelaram ainda que há rizóbios de soja muito mais eficientes que os atualmente usados nos cerrados e que transferem proporção maior do N fixado aos grãos (NEVES et al., 1985). Estas estirpes possuem um mecanismo de reciclamento do H2 liberado durante o processo da redução do N2(HUP+) que de forma ainda desconhecida é relacionado com a incorporação do N fixado em forma de ureídeos, que por sua vez transportam o N diretamente aos grãos (quadro 1), havendo menor perda com a caída das folhas. A inoculação com estas estirpes de rizóbios, em solos onde não foi plantada soja anteriormente com outros inoculantes, pode proporcionar aumentos de produção de grãos na ordem de 40% (quadro 2). Estas estirpes, entretanto, são pouco competitivas e ainda não foi possível estabelecê-las em campos de cerrado onde já foi plantada soja inoculada anteriormente.
Inter-relações semelhantes entre eficiência nodular, HUP, transporte de N em forma de ureídeos e índice de colheita foram também observadas em feijão (HUNGRIA e NEVES, 1986, NEVES e HUNGRIA, 1987), onde, em vez de dois grupos distintos de eficiencia nodular, etc., parece ter variações contínuas influenciadas também pelo genotipo da planta (figura 1). A fixação de N2em feijão tem problemas adicionais causados pela instabilidade genética das estirpes de rizóbios isoladas desta cultura, que é causada pelo rearranjamento freqüente do DNA (MARTÍNEZ et al, 1988), que ainda é acelerado sob temperaturas elevadas (35 a 40°C) que freqüentemente ocorrem em nossos solos. Estes autores observaram dois grupos de rizóbios capazes de nodular o feijão, o grupo I, que é específico para Phaseolus vulgaris e que é instável em relação a sua performance simbiótica, enquanto o grupo II, além do feijão, nodula várias leguminosas, principalmente arbóreas, e mostra características dos rizóbios destas espécies que são muito mais estáveis, nodulando e fixando N2 com até 40°C (CUNHA e FRANCO, com. pess.). A seleção entre mais que 100 estirpes de rizóbio que nodulam leguminosas arbóreas resultou em um grupo de 11 que são capazes de nodular o feijão, metade dos quais fixando nitrogênio normalmente em regime de 8h/dia de 40°C (quadro 3) (HUNGRIA e FRANCO, 1988). Estes resultados recentes podem vir a solucionar o problema da fixação de N2 em feijão até então sem solução à vista. Como no caso da soja, no entanto ainda há necessidade de adaptação destas estirpes às condições de solos ácidos e fazê-las mais competitivas com os rizóbios que ocorrem naturalmente em nossos solos.
Fixação de nitrogênio em cereais e cana-de-açúcar:
A extensão da FBN aos cereais e à cana-de-açúcar representa um dos maiores desafios da pesquisa em biologia do solo, já que estas culturas representam a maior parcela nas culturas plantadas em nosso meio, usando mais que 90% dos fertilizantes nitrogenados vendidos no país. Gramíneas incluindo cereais e cana-de-açúcar não formam nodulos com bactérias fixadoras de N2 como as leguminosas. Mas nos últimos 15 anos, foram descobertas 10 novas espécies de bactérias fixadoras de N2 que vivem numa associação menos perfeita nas raízes das gramíneas, 7 delas descobertas no Brasil (quadro 4). Estas bactérias todas são microaeróbias quando dependentes da FBN, isto é, somente fixam N2 quando não há acúmulo de oxigênio em torno delas. A chave para o descobrimento deste grupo novo de bactérias foi o uso de meios de cultura semi-sólidos onde, atraídas pela quimotactia, as bactérias se movem para a região no meio onde a taxa de difusão de O2 é menor ou igual à taxa de respiração das bactérias.
Todas estas bactérias, com excessão do Acetobacter diazotrophicus, em regiões tropicais e subtropicais ocorrem em números entre 103 e 106g-1 no solo e, geralmente, em números maiores ainda na superfície de raízes de cereais e gramíneas forrageiras (MAGALHÃES et al., 1983, BALDANI et al., 1986). Foram ainda isoladas do interior das raízes (raízes tratadas com desinfectantes) e em alguns casos também dos colmos (quadro 4). A. halopraeferans é comum na superfície de raízes, mas não no interior de capim "Kallar", importante forrageira para solos áridos salinos no Paquistão (REINHOLD et al., 1987). Esta espécie apresenta uma adaptação marcante às condições áridas, tendo, como temperatura ótima para crescimento e fixação deN2, 41°C. Esta bactéria não foi encontrada em solos salinos do Rio de Janeiro ou em raízes de várias outras gramíneas colhidas na região semi-árida do Nordeste. Mas estirpes de A. brasilense, isoladas de raízes destas gramíneas, mostram adaptação considerável a temperaturas elevadas e concentrações de sal quando comparadas às estirpes isoladas na região Centro-Sul do país (figura 2).
Como no caso das leguminosas, o efeito da inoculação de cereais com estas bacterias depende do estabelecimento delas sob condições de campo. Um exemplo do efeito da inoculaçâo de sorgo é apresentado no quadro 5. Os resultados mais consistentes até agora foram obtidos com trigo no sul do Brasil (BALDANI et al, 1987). O quadro 6 dá um exemplo de um experimento onde Azospirillum brasilense Sp7 isolado do solo não se estabeleceu nas raízes do trigo, enquanto A. amazonense XTr, isolado de raízes lavadas de trigo, foi intermediário e A. brasilense Sp 245, isolado de raízes esterilizadas, se estabeleceu bem e teve o efeito mais pronunciado no crescimento do trigo. Este efeito da estirpe Sp 245, entretanto, não pode ser atribuído à fixação de N2 mas sim a um efeito da bactéria na eficiência do uso do fertilizante nitrogenado (BODDEY et al., 1986). Isto foi confirmado em cultura monoxênica com mutantes nitrato-redutase negativas desta estirpe (FERREIRA et al, 1987), indicando papel importante da nitrato-redutase da bactéria na associação destas bactérias com a planta. Por outro lado, duas das bactérias citadas no quadro 4 não possuem nitrato-redutase, o que lhes permite de fixar N2, mesmo na presença de altas concentrações de nitrato no solo ou na planta, fato que favorece a complementação da fertilização nitrogenada com FBN.
A bactéria nova mais recente, o Acetobacter diazotrophicus, apresenta características extraordinárias que provêm de seu habitat, as raízes e colmos do cana-de-açúcar (CAVALCANTE e DÕBEREINER, 1988, GILLIS et al.; 1988). A bactéria foi isolada em grandes números de cana de Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais e São Paulo e não foi encontrada no solo mesmo no canavial, nem em doze espécies de ervas daninhas colhidas entre e dentro das fileiras da cana (REIS et al., 1988). Isto indica que não se trata de bactéria do solo, mas sim de bactéria cujo habitat é a planta e que sua propagação se dá com o plantio dos toletes da cana. Como outras bactérias acéticas, ela é um pequeno bastonete Gram negativo, aerobio que cresce melhor com altas concentrações de açúcar (10%) em meio ácido, mostrando fixação de N² e crescimento sem outra fonte de N em pH abaixo de 3 durante vários dias (TEIXEIRA et al.,1987). Etanol é completamente oxidado a CO2 e H2O, formando o brilho nacreo típico de Acetobacter em placas com CaCO3.
O potencial de fixação de N² em gramíneas pôde ser melhor avaliado pela diluição isotópica de 15N aplicado ao solo em forma de uréia e cuja relação com 14N na planta, proveniente do N2 gasoso, permite calcular a contribuição da FBN, a nutrição nitrogenada da planta. Experimentos deste tipo mostraram fixação de N2 de 20 a 40% do N total incorporado em certas cultivares de capim-colonião (Panicum maximum) e espécies de Bracchiaria.Os dados mais promissores foram recentemente obtidos com a cana-de-açúcar, usando a mesma metodologia e comparando variedades de cana cultivadas em um tanque grande preenchido com solo marcado com 15N (quadro 7). Resultados semelhantes foram também obtidos num experimento de vasos grandes (50 litros), onde os cálculos pela diluição isotópica ainda foram confirmados por balanços de N e onde a variedade de cana CB 47-89 obteve 70% do nitrogênio através da fixação biológica (LIMA et al, 1987), enquanto outras variedades como a NA 56-79 recebeu pouco N da FBN. Estas diferenças entre genotipos de gramíneas em relação a FBN mostram um grande potencial para a sua melhor exploração através de melhoramento vegetal.
Os resultados recentes com cana-de-açúcar podem vir a, parcialmente, solucionar o problema dos subsídios do álcool, já que a substituição da fertilização nitrogenada nesta cultura reduzirá os insumos sem perda de produtividade. Além disso, em função dos elevados custos também energéticos dos adubos nitrogenados, a sua substituição contribuirá para o aumento do balanço energético.
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Johanna Döbereiner, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e conferencista do mês de março/1989 do IEA.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Mar 2006 -
Data do Fascículo
Abr 1990