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Ecos da Eco 92 na reunião da SBPC

DEBATE

Ecos da Eco 92 na reunião da SBPC

Umberto G. Cordani

O workshop "Ecos da Eco 92" promovido pela SBPC — Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em sua reunião anual de julho de 1992, contou com a colaboração do Instituto de Estudos Avançados da USP, e da Sociedade Brasileira de Meteorologia. Seus objetivos foram os de produzir uma avaliação dos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, logo após a sua realização, através do exame cuidadoso dos documentos resultantes, de depoimentos de quem participou do evento, e de discussões generalizadas por parte de componentes de diversos segmentos da sociedade, que acompanharam o desenvolvimento do processo.

Foram disponíveis para o exame deste workshop os textos iniciais da Conferência do Rio, e também as modificações introduzidas, durante os debates no Riocentro. Os produtos da Conferência incluíram a Declaração do Rio, contendo os princípios básicos do ecodesenvolvimento, a Agenda 21, que representa um enorme programa de ações para preparar a humanidade a "sobreviver", no próximo século, duas convenções a respeito das mudanças climáticas, e da biodiversidade, e uma declaração sobre florestas. Estes foram os elementos básicos em discussão durante o workshop.

Por que o "Ecos da Eco 92"? E por que a SBPC, em sua reunião anual deste ano quis dar um destaque especial a este workshop?

Porque a Rio-92 representou uma inflexão na história da humanidade, com a redefinição do direcionamento do desenvolvimento humano. Novos caminhos, em busca de um novo equilíbrio, que envolva uma situação de desenvolvimento "sustentável", em bases eqüitativas para a humanidade.

Este paradigma requer uma reestruturação profunda dos padrões da sociedade de consumo, com uma oferta de vida decente para a maioria pobre, que somente será atingido se houver uma espécie de "contrato social", baseado no princípio ético da solidariedade, tanto intra-gerações (agora e nos próximos anos), como inter-gerações, incluindo-se aqui o planejamento para o bem estar da humanidade, a longo prazo. Sua meta final é uma situação de estabilidade para o planeta, com o crescimento populacional contido, e a utilização de tecnologias sadias para o ambiente, dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável, socialmente equilibrado, responsável, e em harmonia com a natureza.

Presentemente nos encontramos muito distantes de tal situação ideal. Nossos padrões existenciais, nossas atitudes sócio-econômicas, são claramente não-sustentáveis, e a situação piora continuamente com a explosão populacional. O consumo anual de cada habitante do planeta atinge cerca de 20 toneladas de material, cerca de 1,5 Kw de energia, e cerca de 800 m3 de água. Com isto são produzidas cerca de 2 toneladas de produtos finais, acompanhadas de inúmeras transformações químicas, e enorme quantidade de rejeitos diversos. O homem tornou-se um agente geológico dos maiores, e o fluxo de material que ele movimenta na superfície da Terra é da mesma ordem de grandeza que aquele provocado pelo conjunto de processos naturais originários da dinâmica interna do planeta.

As pressões sobre os ecossistemas do planeta são insustentáveis. Antes da revolução industrial, a utilização de recursos da biosfera pelo homem não excedia a 1% da produção primária de material, numa situação aceitável. Atualmente a exploração é uma ordem de grandeza maior, 10% da produção primária o que, se continuar, pode levar em poucas décadas à destruição da própria biosfera.

E mais ainda, os padrões econômicos vigentes são perversos, no sentido de que os pobres financiam os ricos. Há dez anos, a somatória da dívida externa do Terceiro Mundo atingia cerca de 600 bilhões de dólares. Até o ano passado, foram pagos mais de 700, mas a dívida atual permanece e aumentou, passando agora de 1.000 bilhões, um trilhão de dólares!

Na transição para o desenvolvimento sustentável, muitas soluções foram propostas, algumas delas já testadas e comprovadas. Fontes de energia renováveis, reciclagem de rejeitos, agricultura regenerativa, florestas sociais, tecnologias sadias para o ambiente, etc., etc.

Muitos governos já implantaram leis adequadas para conservação do próprio ambiente. Por outro lado, o desenvolvimento sustentável, na escala do planeta, tem que ser acima de tudo social e cultural, ético e solidário, o que é sempre mais difícil de imaginar, neste mundo egoísta, xenófobo, em que nacionalismos, regionalismos, corporativismos, e outros "ismos" acabam fazendo prevalecer interesses pequenos, de indivíduos, grupos, regiões, países, acima dos interesses comunitários, públicos, supra-nacionais, globais.

Os problemas de ambiente e desenvolvimento já são conhecidos de há muito tempo. Sem esquecer Malthus, em seu ensaio sobre populações, de 1798, escrito quando a população mundial apenas beirava o primeiro bilhão, vários documentos globais importantes apareceram, especialmente, nas últimas duas décadas:

— O 1° relatório do Clube de Roma, em 71, sobre os limites do crescimento.

— A conferência de Estocolmo e o ecodesenvolvimento, em 72.

— O 3º relatório do Clube de Roma, em 76, para uma nova ordem internacional.

— O Relatório Willy Brandt, para as Nações Unidas, em 1980.

— O Relatório Brundtland, em 1987, nosso futuro comum, com a caracterização do desenvolvimento sustentável.

Muitos dos problemas levantados naqueles documentos são agora retomados na Agenda 21, mais ou menos nos mesmos termos. Ou seja, os problemas já eram conhecidos, ninguém discordava de sua importância, de sua urgência. E entretanto, quais foram as ações resultantes? Praticamente, muito poucas, ou nenhuma que tenha sido relevante, em termos globais. Acelerou-se a exploração predatória dos recursos naturais, a degradação ambiental, o crescimento populacional, e aumentou a já enorme diferença que separa os países desenvolvidos daqueles em desenvolvimento. Em conclusão: muitas palavras, concordância total, pouca ou nenhuma ação.

E porque seríamos levados a acreditar que será diferente agora, após a Rio-92?

Cada um pode julgar como quiser, entretanto parece-nos que a consciência mundial para os problemas de ambiente e desenvolvimento foi despertada de modo irreversível, no mundo todo e de uma maneira que não mais pode ser ignorada pelos políticos, em geral, e pelos detentores de poder, em particular. As discussões foram encaminhadas seriamente, com a participação ampla de muitos setores da sociedade, e a pressão de entidades não governamentais foi aceita e até reconhecida pelas Nações Unidas, de modo sem precedentes.

Em especial, os cientistas tem um papel fundamental a exercer, porque a ciência e a tecnologia tem muito a ver com ambiente e desenvolvimento e porque as esperanças de atingir um mundo melhor residem em novos avanços do conhecimento, e nas adaptações que permitirão descobrir novos caminhos para o desenvolvimento, sustentável e ambientalmente sadio.

Na conferência do Rio, foi dado grande destaque ao ICSU, o Conselho Internacional das Uniões Científicas, a organização não governamental que coordena as principais atividades científicas internacionais. Seu presidente, o físico indiano M. G. K. Menon pôde dirigir-se ao plenário do Riocentro durante 7 minutos, mais do que foi concedido a muitos chefes de Estado. Em seu pronunciamento, transcrito na íntegra e traduzido neste volume, Menon assegurou que os cientistas estão preparados para assumir o papel que lhes cabe para encontrar os novos caminhos, e que inclusive muitos dos programas científicos necessários para tal já se encontram em pleno andamento.

Cabe aos cientistas a observação e o monitoramento dos problemas globais que afligem a humanidade, como os decorrentes do efeito estufa, do empobrecimento da camada de ozônio na alta atmosfera, a perda de solo arável, o crescimento da desertificação, etc, etc. As pesquisas mais e mais exigirão esforços de colaboração internacional, e mais e mais o enfoque deverá ser interdisciplinar. Neste sentido, a atitude futura dos homens da ciência deverá evoluir para adaptar-se ao equacionamento dos problemas globais. Com efeito, a formação e o treinamento atual dos cientistas, educados para desenvolver ao máximo uma experiência em especialidades de campo de atuação reduzido, não são adequados. Por exemplo, seria viável a um físico nuclear com experiência em radioisótopos tratar com propriedade problemas de oncologia, ou de epidemiologia? Ou a um geoquímico especialista em elementos traços de rochas vulcânicas, opinar sobre nutrientes no solo, para algum tipo de cultura agrícola? Ou seja, em casos similares, os cientistas deverão desenvolver a humildade necessária para reconhecer que nenhuma experiência individual é suficiente para respostas satisfatórias, no plano global.

Em se tratando da sobrevivência da humanidade no próximo século, Rio tem que ser considerado como ponto de partida, como ponto inicial de um processo contínuo de transição, que pode levar diversas décadas, até atingir o estágio pretendido de desenvolvimento sustentável, em equilíbrio com a natureza.

A Conferência do Rio foi analisada em seus vários aspectos durante as discussões ocorridas durante três dias inteiros, no workshop "Ecos da Eco-92". Foram efetuadas três sessões plenárias , em que foram apresentados depoimentos básicos, por diversos cientistas de renome internacional, que trouxeram suas posições pessoais a respeito das temáticas referentes às convenções, e às diferentes seções da Agenda 21. Tais depoimentos foram complementados por discussões generalizadas em cinco mesas redondas, todas elas muito concorridas, em que houve participação direta e entusiasmada não só dos cientistas, mas também de representantes dos mais diversos segmentos sociais. O quadro a seguir resume os coordenadores, relatores e autores dos documentos básicos de referência para cada uma das mesas redondas realizadas. Em adição, neste volume encontram-se transcritos os depoimentos principais ocorridos durante as sessões plenárias, e apresentados pelos respeitados pesquisadores Ennio Candotti, Jacques Marcovitch e Paulo Nogueira-Netto.

A avaliação da Conferência do Rio, e do próprio processo deslanchado pelas Nações Unidas, continua, e o "Ecos da Eco-92" foi apenas uma de suas etapas. Somente o futuro revelará se, finalmente, os bons propósitos acordados pelas Nações e pelos governos durante a Rio-92 serão seguidos de ações diretas, relevantes, convergentes, possibilitando à humanidade vislumbrar afinal a tão almejada luz no fim do tenebroso túnel em que se encontra.

Umberto G. Cordani é professor do Instituto de Geociências da USP e membro do Conselho Diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP. Coordenou o workshop "Ecos da Eco 92" realizado pela SBPC com o apoio do IEA nos dias 13, 14 e 15 de julho de 1992, cm São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 1992
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