Do hiato no discurso teoria - prática à clinica baseada na unicidade do conhecimento

O discurso dos profissionais de saúde continua pautado por um hiato entre a teoria e a prática, como se estas fossem entidades opostas. Seria de esperar que a proliferação do conhecimento e da sua divulgação diminuísse este fosso, todavia ele continua presente nas falas e até na tomada de decisão clinica onde, com alguma frequência, se escuta: a teoria diz... mas a experiência leva-me a tomar outras opções.

Não deixa de ser interessante constatar que a proliferação dos estudos científicos e a divulgação dos seus resultados na saúde, contribuíram, indubitavelmente, para a melhoria dos cuidados, aumento da esperança média de vida, diminuindo a mortalidade, a morbilidade e as complicações associadas às doenças crónicas, entre outros,¹ mas que continue presente esta ideia da diferença acentuada, e por vezes até antagónica, entre a teoria e a prática. Acreditamos que esta dicotomia se constitui uma falsa crença para justificar a noção de que a introdução dos resultados de investigação nos contextos pode ser lenta, prevalecendo por vezes, o modus operandi da rotina, mas que a mesma não está associada a uma desvalorização do conhecimento técnico-científico.

Por outro lado, a variabilidade entre os ambientes da prática pode dificultar a introdução dos resultados, produzidos em contextos diferentes, pelas diferenças culturais, o que tem promovido uma reflexão sobre os resultados da pesquisa e teorias existentes, fazendo emergir a noção de precariedade e desatualização da informação que rapidamente ocorre.²

Simultaneamente, a intuição, pouco valorizada na clinica, pode contribuir para as raízes deste discurso, exatamente pela subvalorização de um conhecimento diferente do padrão empírico. A intuição tem sido descrita na literatura como o conhecimento e sentimento que possibilita a tomada de decisão sem o recurso do processo analítico consciente, ampliando a capacidade de julgamento e de tomada de decisão.³ Alia a experiência e as percepções do profissional ao conhecimento empírico e indubitavelmente influencia a tomada de decisão clinica.

Em detrimento da aceitação desta diferença, advogamos que teoria e prática não são mais do que as duas faces da mesma moeda e que o conhecimento intuitivo reforça o conhecimento empírico, amadurecendo a tomada de decisão clinica, aumentando a qualidade e a segurança dos cuidados. Urge uma ruptura paradigmática com esta visão de um vazio entre dois mundos (teórico e prático), promovendo a reflexão sobre as práticas, os "modos de fazer" e as consequências da atividade, usando o conhecimento baseado na investigação, para a tomada de decisão.¹

Uma clinica baseada nos diferentes padrões de conhecimento pode promover a unicidade do conhecimento. Para esta ruptura, importa que os profissionais sejam educados sobre os diferentes padrões de conhecimento e a sua influência na tomada de decisão e que investigadores e clínicos introduzam na sua agenda de trabalho a reflexão sobre o modo como os diferentes tipos de conhecimento promovem a resolução dos problemas que emergem na práxis; melhorar as redes de comunicação academia-prática; promover o desenvolvimento de competências investigativas nos profissionais do terreno, verificar a adequação dos resultados à necessidade dos consumidores finais, desenvolver a investigação em saúde "in loco", promover uma investigação culturalmente congruente com o contexto, aumentar os ganhos em saúde, introduzir rapidamente os resultados da investigação, a almejada evidência, na clínica e retroalimentar o conhecimento com novo conhecimento.²

References

• ¹
  Baixinho CL, Presado H, Ferreira Ó, Costa AP. Qualitative research and knowledge transfer - from project to decision-making?. Rev Bras Enferm [Internet]. 2019 feb; [cited 2019 apr 26]; 72(1):1-2. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672019000100001&lng=pt http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.20197201
  » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672019000100001&lng=pt» http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.20197201
• ²
  Baixinho CL, Ferreira Ó, Marques FM, Presado MH, Cardoso M, Sousa AD. Investigação Qualitativa e transferência do conhecimento para a clínica. In: Brandão C, Carvalho JL, Ribeiro J, Costa AP, organizadores. A prática na Investigação Qualitativa: exemplos de estudos. Oliveira de Azeméis (Portugal): Ludomedia; 2018. v.2. p.179-208.
• ³
  Silva AL, Baldin SM, Nascimento KC. O conhecimento intuitivo no cuidado de enfermagem. Rev Bras Enferm [Internet]. 2003 feb; [cited 2019 apr 29]; 56(1):7-11. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672003000100002&lng=en http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672003000100002
  » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672003000100002&lng=en» http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672003000100002

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jul 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  10 Maio 2019
• Aceito
  16 Maio 2019