Open-access Variáveis clínicas consideradas fatores de risco para a síndrome metabólica: um estudo transversal

Variables clínicas consideradas factores de riesgo para síndrome metabólico: un estudio transversal

RESUMO

Objetivo  Identificar os principais fatores de risco para a síndrome metabólica e sua relação com a percepção da qualidade de vida em colônias pesqueiras brasileiras.

Métodos  Incluímos 77 participantes com idade > 18 anos. Síndrome metabólica e qualidade de vida foram os principais desfechos do estudo. Consideramos nível de significância < 0,05 e todos os procedimentos foram aprovados pelo comitê de ética.

Resultados  A maioria dos participantes é do sexo masculino, solteiros, classe econômica D-E, carga horária trabalhada de 6 a 8 horas, tempo de serviço de 1 a 5 anos e dedicados exclusivamente à pesca. Conclusão: Perímetro abdominal e pressão arterial foram os critérios mais frequentes e de maior contribuição para a síndrome metabólica. Apesar de a qualidade de vida apresentar maior escore para o domínio relações sociais, neste estudo, o domínio físico foi o único associado a outra observação, na qual observamos correlação significativa com a pressão arterial sistólica.

Palavras-chaves:  Política de Saúde; Populações Vulneráveis; Saúde Pública; Síndrome Metabólica; Qualidade de Vida

RESUMEN

Objetivo  Identificar los principales factores de riesgo del síndrome metabólico y su relación con la percepción de la calidad de vida en las colonias pesqueras brasileñas.

Métodos  se incluyeron 77 participantes mayores de 18 años. El síndrome metabólico y la calidad de vida fueron los principales resultados del estudio. Se consideró un nivel de significancia <0.05 y todos los procedimientos fueron aprobados por el comité de ética.

Resultados  La mayoría de los participantes son hombres, solteros, clase económica D-E, jornada laboral de 6 a 8 horas, antigüedad de 1 a 5 años y dedicados exclusivamente a la pesca.

Conclusión  La circunferencia de la cintura y la presión arterial fueron los criterios más frecuentes y la mayor contribución al síndrome metabólico. Aunque la calidad de vida tuvo una puntuación más alta para el dominio de relaciones sociales, en este estudio, el dominio físico fue el único asociado con otra observación, en la que observamos una correlación significativa con la presión arterial sistólica.

Palabras clave:  Calidad de Vida; Poblaciones Vulnerables; Política de Salud; Salud Pública; Síndrome Metabólico

ABSTRACT

Objective  To identify the main risk factors for metabolic syndrome and its relationship with the perception of quality of life in Brazilian fishing colonies.

Methods  We included 77 participants aged > 18 years. Metabolic syndrome and quality of life were the main study outcomes. We considered a significance level < 0.05 and all procedures were approved by the ethics committee.

Results  Most participants are male, single, economic class D-E, working hours of 6 to 8 hours, length of service from 1 to 5 years, and dedicated exclusively to fishing.

Conclusion  Abdominal perimeter and blood pressures were the most frequent criteria and the greatest contribution to metabolic syndrome. Although quality of life had a higher score for the social relationship domain, in this study, the physical domain was the only one associated with another observation, in which we observed a significant correlation with systolic blood pressure.

Keywords:  Health Policy; Anthropometry; Public Health; Quality of Life; Vulnerable Populations

INTRODUÇÃO

As doenças não transmissíveis são responsáveis ​​por 38 milhões de mortes; 16 milhões ocorrem entre 30-70 anos de idade, 85% em países em desenvolvimento. No Brasil, estão relacionadas a altas taxas de morbimortalidade e 70% dos gastos com saúde, entre as doenças está a síndrome metabólica: obesidade abdominal (verificada pelo perímetro em cm), dislipidemia, disglicemia e hipertensão1 (com prevalência de 20 a 35% e mais observada no sexo masculino).2,3

Condições desfavoráveis, vulnerabilidades socioeconômicas e demográficas (como inacessibilidade a serviços de saúde, água potável e esgotamento sanitário) estão relacionadas às diversas doenças e causam impactos na qualidade de vida.4 Essas condições de suscetibilidade estão presentes em comunidades habitadas por pescadores artesanais (trabalhadores que auferem renda da pesca extrativista seguida do comércio de pescados); esses pescadores estão expostos a fatores que fragilizam a saúde e afetam a qualidade de vida, tais como: ambientes de trabalho precários, carga horária excessiva, estresse ocupacional, distúrbios do sono e gasto energético exaustivo.4

No entanto, há escassez de estudos sobre síndrome metabólica e qualidade de vida em populações vulneráveis, o que dificulta o delineamento de políticas de saúde para promover, proteger e/ou recuperar a saúde dessa população; é nesta perspectiva que se sustenta a justificativa para a realização deste estudo. Nosso objetivo foi identificar os principais fatores de risco (glicemia, pressão arterial, triglicerídeos, HDL-colesterol, perímetro abdominal, índice de massa corporal) para síndrome metabólica e sua relação com a percepção de qualidade de vida em colônias pesqueiras brasileiras.5

MÉTODOS

Estudo epidemiológico de corte transversal reportado de acordo as STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology.6 As características sociodemográficas foram utilizadas como variáveis de exposição e a síndrome metabólica como variável de desfecho.7

No estado do Tocantins (norte do Brasil) existem 36 colônias de pescadores registradas no Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins. Entre elas, selecionamos as colônias “Z22” e “Porto Real”, localizadas nas proximidades da bacia do rio Tocantins – o segundo maior rio do Brasil (172.828km2).5

Realizamos reuniões com os presidentes das colônias de pescadores (2019) e explicamos os detalhes da pesquisa. Iniciamos a coleta (perímetro abdominal, pressão arterial, glicemia-jejum, triglicerídeos e colesterol HDL sérico, índice de massa corporal, World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref) e questionário sociodemográfico) somente após a assinatura voluntária do termo de consentimento livre e esclarecido de cada participante. O estudo está de acordo com a Declaração de Helsinque e todos os procedimentos foram previamente aprovados pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos (Resoluções 196/1996 e 466/2012) de uma instituição de ensino superior (graduação e pós-graduação) no Brasil (parecer de aprovação: 3219733). Convidamos todos os pescadores artesanais com idade ≥ 18 anos cadastrados nas colônias selecionadas: 132 pescadores (homens e mulheres, 77 da colônia Z-22, localizada no município de Ipueiras-TO, e 55 na colônia Porto Real, localizada no município de Porto Nacional-TO).

Síndrome metabólica e a qualidade de vida foram os principais desfechos deste estudo; além disso, verificamos a presença de distúrbios metabólicos (obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, dislipidemia, HDL baixo, hipertensão e hiperglicemia de jejum) de acordo com o National Cholesterol Education Program-Adult Treatment Panel III.8 A percepção de qualidade de vida foi avaliada por meio do WHOQOL-bref.

Consideramos dados socioeconômicos, demográficos, antropométricos (perímetro abdominal e IMC), análises bioquímicas (glicose, HDL-colesterol e triglicerídeos), pressão arterial e escores do WHOQOL-bref. A síndrome metabólica e a percepção de qualidade de vida são variáveis de desfecho; as demais são variáveis de exposição.

Para determinar a síndrome metabólica, os critérios diagnósticos estabelecidos pelo National Cholesterol Education Program-Adult Treatment Panel III (Tabela 1), que definem a presença de três dos cinco componentes adotados e que não distinguem etnia, tornando-os convenientes para a amostra estudada. Classificamos o IMC de acordo com a organização mundial de saúde: baixo peso (≤ 18,5), recomendável (18,5-24,9), sobrepeso (25-29,9), obesidade I (30-34,9), obesidade II (35-39,9) e obesidade III (≥ 40).9

Tabela 1
Critérios diagnósticos para síndrome metabólica (NCEP-ATP III).

O instrumento WHOQOL-bref é composto por 26 facetas (um item para cada faceta) agrupadas em quatro domínios:10 (i) Saúde Física (7 facetas, dor e desconforto; energia e fadiga; sono e repouso; mobilidade; atividades da vida cotidiana; dependência de medicamentos ou tratamentos; capacidade de trabalho), (ii) Psicológico (6 facetas, sentimentos positivos; pensar, aprender, memória de concentração; autoestima; imagem corporal e aparência; sentimentos negativos; espiritualidade/religião/crenças pessoais), (iii) Relações Sociais (3 facetas, relações pessoais; atividade sexual; apoio social) e (iv) Ambiente (8 facetas, segurança física e proteção; ambiente doméstico; recursos financeiros; saúde e assistência social: disponibilidade e qualidade; oportunidades para adquirir novas informações e habilidades; participação em oportunidades de recreação/lazer; ambiente físico: poluição/ruído/clima; transporte),11 e 2 itens de caráter geral: (i) primeiro, classificação da qualidade de vida (rotulada como “QV global”), e (ii) segundo, satisfação com a saúde (rotulada como “saúde geral”). Todas as facetas do WHOQOL-bref são medidas por meio de uma escala Likert de cinco pontos (1 a 5), sendo F1.4, F11.3 e F8.1 medidos em escala invertida.12 As principais características do instrumento WHOQOL-bref são: (i) é transcultural; (ii) pode ser aplicado a indivíduos que vivem em diferentes contextos; (iii) utiliza o autorrelato sobre bem-estar; e (iv) deve ser autoadministrado se os participantes revelarem habilidades de leitura suficientes.13

Realizamos a caracterização do nível socioeconômico por meio do questionário da Classificação Econômica Brasileira;14 foram acrescentadas questões de caracterização dos participantes (sexo e idade). Coletamos as medidas bioquímicas por punção venosa e após jejum de 8-10 horas; 5 mL de sangue em tubo sem anticoagulante, dosagem de glicose pelo método enzimático colorimétrico e dosagem do triglicerídeo HDL colesterol pelo método enzimático colorimétrico com leitura espectrofotômetro automatizada.15,16

Todos os participantes tinham diagnóstico de hipertensão arterial emitido por laudo médico, também, aferimos a pressão arterial com esfigmomanômetro aneroide e estetoscópio, conforme recomendações da VII Diretriz Brasileira de Hipertensão. Mensuramos o perímetro abdominal com fita antropométrica, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (entre a última costela e a crista ilíaca), a estatura com um estator Dry Wall 206 e a massa corporal com uma Omron HBF 514.

Para minimizar o viés de coleta e tabulação dos dados, todas as medidas foram realizadas por uma equipe previamente treinada e o banco de dados foi preenchido com dupla digitação independente e validação por um terceiro pesquisador independente.

Não encontramos estimativas de prevalência da síndrome metabólica em pescadores artesanais, considerando como parâmetro para o cálculo amostral a variação da prevalência (14,9 a 65,3%) encontrada por Vidigal et al.17 em revisão sistemática sobre a prevalência de síndrome metabólica em adultos, estimou-se, portanto, n mínimo de 50 participantes.

Utilizamos o teste de Shapiro Wilk para verificar a normalidade dos dados, em que os quantitativos foram apresentados por média e desvio padrão, e o teste de Pearson para verificar a correlação entre síndrome metabólica e percepção de qualidade de vida (α = 0,05).

RESULTADOS

Foram incluídos 132 participantes, porém, houve perda amostral de 55 participantes que não concordaram em: coletar amostras bioquímicas, responder aos questionários, assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, e/ou comparecer no dia da coleta. A amostra final foi composta por 77 pescadores artesanais cadastrados nas colônias Z-22, localizadas no município de Ipueiras-TO, e na colônia Porto Real, localizada na cidade de Porto Nacional-TO.

A maioria dos participantes é do sexo masculino, solteiro, classe econômica D-E, carga horária trabalhada de 6 a 8 horas, tempo de serviço de 1 a 5 anos, dedicados exclusivamente à pesca. A Tabela 2 apresenta os detalhes das características demográficas e econômicas.

Tabela 2
Características demográficas e econômicas da amostra – pescadores brasileiros residentes no estado do Tocantins (n = 77).

Perímetro abdominal e pressão arterial foram os critérios mais frequentes e de maior contribuição para o diagnóstico de síndrome metabólica (Tabela 3); e a percepção de qualidade de vida obteve o maior escore no domínio relações sociais (Tabela 4).

Tabela 3
Variáveis dos fatores de risco para o aparecimento da síndrome metabólica – pescadores brasileiros residentes no estado do Tocantins (n = 77).
Tabela 4
Dados descritivos dos domínios de qualidade de vida da amostra – pescadores brasileiros residentes no estado do Tocantins (n = 77).

A Tabela 5 descreve correlação significativa entre o domínio físico e a pressão arterial sistólica (magnitude de correlação fraca).

Tabela 5
Relação entre os fatores de risco para o aparecimento da síndrome metabólica com a qualidade de vida – pescador brasileiro residente no estado do Tocantins (n = 77).

DISCUSSÃO

Encontramos uma prevalência de síndrome metabólica de 32,47%, sendo mais prevalente no sexo masculino com renda familiar proveniente da pesca. Em relação aos riscos de desenvolver a síndrome metabólica, 74,24% apresentavam valores glicêmicos ideais, 49,35% apresentavam perímetro abdominal de risco e 46,75% apresentavam risco para hipertensão arterial. Em relação à percepção de qualidade de vida, verificamos que o relacionamento social foi melhor avaliado pelos pescadores e o meio ambiente teve o menor escore. Observamos uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre o domínio físico e a pressão arterial sistólica ao relacionar a qualidade de vida ao risco de desenvolver síndrome metabólica.

A síndrome metabólica é um grave problema de saúde pública que afeta cerca de 25% da população mundial; sua presença está associada ao desenvolvimento de problemas cardiovasculares, sendo responsável por 7% da mortalidade e 17% das mortes relacionadas às doenças crônicas.18 A prevalência geral de síndrome metabólica encontrada neste estudo foi de 32,47%.

A população de pescadores cadastrados nas Colônias Z22 localizadas em Ipueiras e Porto Real em Porto Nacional, Tocantins, apresentou risco moderado (32,47%) para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, de acordo com a classificação adotada pelo NCEP-ATP. A prevalência pode, portanto, ser alterada de acordo com os critérios de classificação utilizados (isso mostra a fragilidade das evidências nesse contexto, o que deixa espaço para diferentes interpretações).

Apesar de poucos estudos avaliando a síndrome metabólica em pescadores artesanais, uma pesquisa realizada na comunidade Pontal da Barra, Maceió-AL, teve prevalência de 49% da população estudada, utilizando o mesmo critérios usados no presente estudo.19

Os determinantes sociais, especialmente a pobreza, têm grande correlação com a frequência e intensidade dos fatores de risco para doenças e agravos não transmissíveis, sendo um importante fator de risco na evolução das doenças cardiovasculares em populações mais vulneráveis.1 A prevalência de síndrome metabólica neste estudo pode ser justificada, em parte, pela vulnerabilidade socioeconômica e demográfica a que estão expostos, além da baixa escolaridade e dificuldade de acesso aos serviços de saúde, condições que influenciam diretamente no desenvolvimento de doenças.

As variáveis com maior prevalência, neste estudo, foram: perímetro abdominal aumentado (homem ≥ 102; mulher ≥ 88), pressão arterial elevada (≥ 130/85), níveis baixos de HDL-C (homem < 40, mulher < 50), e aumento do nível de triglicerídeos (>150). Os hábitos alimentares se relacionam ao contexto nutricional dessa população, sendo, portanto, algo que merece mais estudos.20

Nossos resultados apontam que o perímetro abdominal e IMC são variáveis importantes para estudos sobre síndrome metabólica. Observamos que o perímetro abdominal foi a variável com maior poder preditivo para o desenvolvimento da síndrome metabólica. O aumento da perimetria do abdômen se relaciona ao risco de infarto do miocárdio e tem sido o indicador mais prevalente no diagnóstico da síndrome metabólica.21

Em um estudo realizado por Pires et al.22 no norte de Angola, o IMC elevado e a obesidade central têm sido fortemente associados a doenças cardiovasculares. Esses autores reforçam a importância de estratégias de prevenção, diagnóstico precoce e acesso ao tratamento medicamentoso para comorbidades cardiovasculares. O aumento do perímetro abdominal (obesidade central) está relacionado às mudanças socioeconômicas e culturais em todo o mundo (com aumento predominante em mulheres sedentárias).23

A síndrome metabólica está fortemente correlacionada com os determinantes sociais, pois afeta a alimentação, a atividade física e os hábitos de vida, podendo contribuir para o aparecimento de doenças crônicas.24 Esse fato pode ser explicado pela alta prevalência de pré-obesidade e obesidade encontrada neste estudo, corroborando com o fato de a obesidade ser um fator desencadeante da síndrome metabólica nessa população.

Observamos que a hipertensão teve uma prevalência considerável (46,75%), e esse achado corrobora com um estudo realizado por Barbosa et al.,19 pois mostrou que 38% da população estudada (pescadores) são hipertensos e 32% pré-hipertensos. Considerada uma das doenças mais prevalentes na população mundial, a hipertensão se configura como um problema de saúde pública, sendo o principal fator de risco para morbimortalidade cardiovascular e suas consequências representam alta frequência nos serviços de emergência no Brasil, tornando-se um desafio na atenção primária a saúde.25

Embora a Sociedade Brasileira de Diabetes descreva que os diabéticos apresentam alto risco para doenças crônicas, em nosso estudo, o baixo percentual de diabéticos (25,76%), assim como no estudo de Barbosa et al. (5%),19 possui pouca representatividade para o desenvolvimento de síndrome metabólica.

No entanto, a obesidade central parece ser o fator preponderante para o desenvolvimento da síndrome metabólica, que, por sua vez, está relacionada ao desenvolvimento de diabetes mellitus tipo II e alterações na pressão arterial, cujo reflexo afeta a qualidade de vida da população e, portanto, é necessária atenção para a busca de formas que possam prevenir ou minimizar os danos causados por essa morbidade.26

Em relação ao perfil lipídico dos pescadores, 66,22% apresentaram triglicerídeos dentro da normalidade. Ao analisar o colesterol HDL 62,16% apresentaram valor dentro da faixa desejável; esses achados podem ser justificados pelos hábitos alimentares dessa população, que possui uma dieta à base de peixes, cujo baixo teor de gordura saturada favorece a observação.

Quanto à percepção da qualidade de vida dos pescadores artesanais, verificamos que os escores no domínio relação social (15,92) e meio ambiente (13,01), que dizem respeito à segurança física, ambiente domiciliar, recursos financeiros, assistência à saúde entre outros, relacionaram-se inversamente. Esses resultados podem ser explicados, em parte, pela oscilação das condições de vida no período de pesca (diferentes temporadas ao longo de um ano), condições de trabalho e comercialização do pescado.27 Além disso, a qualidade de vida dessa população é afetada de diferentes maneiras, por exemplo, os pescadores passam muito tempo trabalhando (no rio), suas casas têm um ambiente precário (segurança e higiene precárias) e os cuidados de saúde são de difícil acesso.5

Ao avaliar a correlação entre os fatores de risco para síndrome metabólica e os domínios da qualidade de vida, obteve-se apenas uma baixa correlação com a pressão arterial e o domínio físico da qualidade de vida. O domínio físico compreende as facetas dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividades de vida diária, dependência de medicação ou tratamento e capacidade para o trabalho.28

Embora a ocupação de pescadores artesanais esteja entre as profissões mais antigas, há uma lacuna na literatura sobre estudos que avaliam as condições de saúde desses indivíduos. Os resultados obtidos neste estudo são importantes para uma melhor compreensão da saúde dos pescadores e permitem uma reorientação das políticas públicas de promoção da saúde para populações semelhantes.

Ao considerar os indicadores de síndrome metabólica, predominantemente associados ao estilo de vida, observa-se que, apesar de os pescadores artesanais serem considerados uma população rural, tradicional, ribeirinha, seus estilos de vida parecem ter mudado ao longo dos anos, favorecendo o desenvolvimento de doenças não transmissíveis, tão comumente observadas nos grandes centros urbanos, principalmente aquelas relacionadas a disfunções de consumo alimentar, exercício físico e comportamento sedentário.

CONCLUSÃO

A extrapolação desses resultados deve ser feita com cautela; recomenda-se considerar, além dos aspectos socioculturais, a possibilidade de migração de hábitos e estilos de vida ao longo dos anos. As implicações desses achados para a prática clínica apoiam o uso de indicadores de saúde (composição corporal, proporcionalidade corporal e variáveis hemodinâmicas/metabólicas) para monitorar os pacientes.

As limitações deste estudo estão relacionadas à amostra por conveniência, ausência de informações sobre padrão alimentar e quanto às perdas por não comparecimento em qualquer uma das etapas da pesquisa; além disso, acreditamos que o perímetro abdominal seja uma variável limitada (apesar de ser a mais utilizada em estudos sobre síndrome metabólica), pois não considera a proporcionalidade corporal (ou seja, indivíduos mais baixos possuem perímetros menores, o que não significa menores riscos). Por fim, recomendamos mais estudos, neste contexto, que incluam medidas da obesidade central considerando a estatura, a fim de individualizar a proporcionalidade corporal de cada participante (por exemplo, a relação cintura/estatura).29-35

Em conclusão, o perímetro abdominal e a pressão arterial foram os critérios mais frequentes e de maior contribuição para o diagnóstico da síndrome metabólica. Embora a qualidade de vida tenha apresentado maior escore para o domínio relações sociais, neste estudo, o domínio físico foi o único associado a outra observação, na qual houve correlação significativa com a pressão arterial sistólica.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às Colônias Pesqueiras pela confiança, apoio e participação neste projeto; também à Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPESQ) e à Universidade Federal do Tocantins pelo apoio e incentivo à pesquisa.

  • FINANCIAMENTO Este artigo foi parcialmente apoiado pelo Sistema de Gestão da Programação Embrapa no Macroprograma 4 (código: 04.13.09.001.00), nomeado para Erika da Silva Maciel (Coordenadora). Título do projeto de pesquisa: Avaliação da percepção da qualidade de vida e fatores associados em comunidades pesqueiras do estado do Tocantins – Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    12 Maio 2022
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